Obsidian: A Primeira Escrava - Parte 13

Da série Obsidian
Um conto erótico de Fabio N.M
Categoria: Heterossexual
Contém 5426 palavras
Data: 17/03/2025 12:19:33

Clara caminhava ao lado de Dr. Paulo e Otávio, atravessando o longo salão do aeroporto em direção à saída. Seu coração estava acelerado, mas não pelo cansaço da viagem. O peso da última noite ainda pairava sobre ela, mesmo que tentasse afastar os pensamentos.

Vincent estava lá.

Ela o viu assim que saiu pela porta de vidro do terminal, encostado ao carro, braços cruzados, a postura relaxada, mas o olhar atento escaneando a multidão que saía. O vento leve da manhã bagunçava levemente seus cabelos escuros, e a maneira como ele ergueu a cabeça ao reconhecê-la fez um calor estranho correr pelo corpo de Clara.

Era familiar. Era seguro.

Ele abriu um sorriso discreto antes de caminhar ao encontro dela, seus passos firmes, cheios de presença. Assim que se aproximou, Clara largou a mala por um instante e deixou-se envolver pelos braços do marido. O abraço foi forte, e o cheiro dele trouxe de volta o conforto do lar.

— Bem-vinda de volta, meu amor — Vincent murmurou contra seus cabelos antes de depositar um beijo breve, porém profundo, em seus lábios.

Clara fechou os olhos por um segundo, desejando que aquele instante apagasse qualquer vestígio de culpa dentro dela.

Otávio desviou o olhar.

Paulo pigarreou levemente, chamando a atenção de Vincent.

— Ora, Vincent, não esqueça que tem mais gente pra cumprimentar? — brincou o dentista, sorrindo.

Vincent soltou Clara apenas o suficiente para estender a mão ao Dr. Paulo.

— É um prazer revê-lo, doutor. Espero que tenha sido uma boa viagem.

— Foi uma experiência única. Você sabe como esses eventos podem ser cansativos, mas necessários — respondeu, apertando a mão de Vincent com firmeza.

Então, virou-se levemente para o lado.

— Aliás, deixe-me lhe apresentar meu filho, Otávio.

Vincent direcionou o olhar para o homem ao lado de Paulo. Otávio manteve a postura tranquila e confiante, exibindo um leve sorriso ao estender a mão.

— Vincent Weiser. Finalmente nos conhecemos — disse ele.

Vincent retribuiu o aperto de mão, avaliando-o com discrição.

— Finalmente. Seu pai fala muito sobre você.

— Espero que tenha dito apenas coisas boas.

— Sempre.

Clara assistia ao encontro com um nó apertado no peito. Sentia como se algo invisível pairasse entre os dois homens, uma energia difícil de nomear. Não havia hostilidade, tampouco um excesso de cordialidade. Era como se ambos estivessem se estudando em silêncio.

Otávio manteve a expressão tranquila, mas, por dentro, algo o incomodava. Ver Vincent ali, a forma como Clara se encaixava nos braços dele, o modo como ela se entregava ao beijo e ao abraço. Aquilo o atingiu de um jeito que ele não esperava.

Tudo estava fora do lugar.

Dr. Paulo então voltou-se para o filho.

— Vamos indo, Otávio. Temos que pegar meu carro.

Otávio assentiu, jogando um último olhar para Clara antes de se afastar com o pai.

Ela manteve os olhos fixos em suas costas até que desaparecessem na multidão.

Vincent pegou a mala dela e a colocou no porta-malas, abrindo a porta do passageiro logo em seguida.

— Vamos para casa?

Clara sorriu, tentando ignorar o aperto no peito.

— Vamos.

A estrada se desenrolava à frente deles, cercada por montanhas e o verde característico do Vale do Itajaí. O sol refletia suavemente no painel do carro, lançando sombras no rosto de Vincent enquanto ele dirigia. Clara observava a paisagem pela janela, sentindo-se como se estivesse retornando de um sonho estranho.

A viagem havia sido incrível, o evento, grandioso, o reconhecimento profissional, gratificante. Mas agora, tudo o que ela queria era recuperar sua rotina, sua normalidade.

— Me conta mais sobre o evento — Vincent quebrou o silêncio.

Clara piscou, despertando-se de seus devaneios.

— Foi maravilhoso. O Dr. Paulo foi homenageado pelo CFO, como já era esperado. Ele é realmente uma lenda entre os profissionais da odontologia.

Vincent sorriu levemente.

— Ele merece. O homem dedicou a vida à profissão.

Clara assentiu.

— Além disso, conheci muitas pessoas influentes da área. O evento foi uma oportunidade incrível de aprendizado.

Ela falava com empolgação, mas, ao mesmo tempo, sentia como se estivesse tentando preencher o espaço vazio dentro de si com palavras.

— Isso é ótimo, meu amor — Vincent disse, lançando-lhe um breve olhar antes de voltar a atenção para a estrada — Eu sabia que essa experiência seria enriquecedora pra você. Tenho orgulho de ver o quanto está crescendo profissionalmente.

O coração de Clara apertou. Ele estava ali, orgulhoso dela e de quem ela era.

O silêncio se prolongou por alguns instantes, e Vincent percebeu que algo parecia fora do lugar.

— Está tudo bem? Você parece distante.

Clara sorriu, buscando transmitir naturalidade.

— Só estou cansada. Foi uma viagem intensa.

Vincent assentiu, aceitando a justificativa.

— Então você merece um descanso. Assim que chegarmos, pode tomar um banho quente e relaxar um pouco.

Ela apenas assentiu, sem conseguir responder.

Enquanto o carro seguia pela estrada, Clara apertou levemente os dedos contra o vestido. O sentimento dentro dela continuava crescendo, e, mesmo cercada pela segurança de sua casa, de seu marido, da vida que construiu… Havia algo que não conseguia afastar. Um erro que nunca deveria ter acontecido.

A porta da casa se abriu com um rangido arrastado, e Vincent Weiser entrou primeiro, trazendo consigo o sopro gélido da noite. Clara veio logo atrás, ajeitando a alça da bolsa no ombro, os olhos fatigados da viagem, mas iluminados pela sensação de retorno ao lar.

Vincent esticou os ombros, respirando fundo, pronto para subir as escadas e se livrar do peso da viagem, mas então seus olhos caíram sobre algo no tapete da sala. Botas pretas, gastas, jogadas de qualquer jeito. Pequenas para serem de Wagner, grandes demais para serem de Clara.

Ele não precisou perguntar de quem eram.

Virou a cabeça lentamente, o olhar afiado cortando pela sala até encontrar a cena que fez seu maxilar se retesar.

Wagner estava afundado no sofá de couro escuro, uma perna dobrada, a outra esticada sobre a mesinha de centro, enquanto uma garota de cabelos ruivos e pele pálida estava praticamente sobre ele. O corpo dela se encaixava no dele com um descaramento irritante, as mãos finas deslizando pela nuca dele, os lábios selados num beijo lento e desavergonhado. As mechas acobreadas caíam sobre o rosto de Wagner, e mesmo sem conseguir ver a expressão dele, Vincent sabia. Sabia exatamente o que era estar preso em um beijo assim, indolente, exploratório, feito para provocar.

Seu maxilar pulsou, a irritação subindo por sua espinha.

Ele limpou a garganta.

O som não foi alto, mas foi o suficiente para quebrar o encanto. A garota abriu os olhos primeiro, piscando devagar, sem pressa, como se não tivesse sido pega em flagrante. Ela virou o rosto na direção da porta, e seus olhos castanhos, tão escuros que quase pareciam pretos sob a iluminação branda da sala, encontraram os de Vincent.

Por um instante, os dois apenas se encararam.

Vincent esperava o recuo instintivo, a vergonha, o rubor súbito nas bochechas, mas nada veio. Apenas um silêncio denso e um leve erguer de sobrancelha dela, como se estivesse avaliando se valia a pena se preocupar.

Foi Wagner quem reagiu primeiro, afastando Ellen de leve e se ajeitando no sofá, os dedos passando pelos cabelos desgrenhados.

— Pai. Mãe. — Ele pigarreou, forçando uma expressão neutra.

Clara demorou meio segundo a mais para reagir, mas então sorriu, tentando aliviar a tensão.

— Boa noite, gente.

— Opa — Ellen respondeu, casual, sentando-se melhor, agora com os braços apoiados no encosto do sofá.

Vincent não se moveu.

Wagner percebeu o olhar impassível do pai e respirou fundo antes de apontar para a garota ao seu lado.

— Essa é a Ellen. Minha namorada.

O silêncio que se seguiu foi espesso, como um nó que ninguém sabia se deveria desatar ou deixar apertar um pouco mais.

Clara sorriu, surpresa, mas genuína.

— Namorada? Por que não nos contou antes, Wagner?

— Eu ia contar — ele mentiu, e Ellen percebeu.

Ela lançou um olhar divertido para ele antes de virar-se novamente para Vincent e Clara.

— Não acho que ele queria oficializar tão cedo — A voz dela era tranquila, quase relaxada. Como se estivesse pouco se importando com o clima carregado da sala.

Vincent sentiu algo se acender dentro dele. Algo incômodo. Algo que ele conhecia bem.

Atrevimento. Não o tipo infantil, tolo. O tipo calculado.

Ellen reclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. Suas meias arrastão estavam rasgadas na altura da coxa, o short jeans curto demais para ser considerado apropriado. A camiseta preta, frouxa, revelava um ombro delicado e a pele alva, pontuada por algumas sardas. Uma corrente de prata pendia de seu pescoço, e os dedos finos, envoltos por anéis de prata, brincavam distraidamente com a bainha do short.

Ela estava confortável. Confortável demais.

— Mora onde? — Vincent perguntou, a voz baixa, mas afiada.

Ellen sorriu, como se tivesse esperado exatamente essa pergunta.

— Num apê aqui perto. Sozinha.

Clara franziu as sobrancelhas.

— Sozinha?

Ellen assentiu, casual.

— Meu pai saiu de casa quando eu era criança, minha mãe nunca deu muita bola, então achei melhor tocar a vida por conta própria.

A naturalidade na voz dela fez um nó se formar no estômago de Clara. Mas Vincent não se impressionava com esse tipo de história.

— E se sustenta como?

Clara lançou um olhar reprovador para Vincent, mas Ellen não pareceu se importar. Na verdade, ela sorriu de verdade agora, um sorriso de quem apreciava um bom jogo.

— Faço piercing num estúdio de tatuagem. — Ela ergueu as mãos enluvadas de couro sem dedos, exibindo os próprios piercings. O do lábio brilhou sob a luz morna da sala. — Também canto às vezes, quando dá.

Vincent assentiu lentamente, sem tirar os olhos dela.

Não era apenas rebeldia. Era algo mais. Algo perigosamente próximo de desafio.

Ellen sabia. Ela sabia o efeito que causava, e não fazia questão de mascarar isso.

Clara, no entanto, sorriu, talvez até admirando a independência da garota.

— Isso é bem interessante. Quer ficar para jantar, Ellen?

Wagner soltou um suspiro audível, já antevendo a tortura que seria ver seu pai e Ellen na mesma mesa, mas antes que pudesse intervir, Ellen já tinha dado de ombros.

— Claro. Quero ver se a comida aqui é boa.

O canto da boca de Vincent tremeu, mas ele conteve a expressão. Apenas pegou a mala de Clara e começou a subir as escadas sem dizer nada.

Mas ele sentiu.

Sentiu os olhos dela acompanhando seus passos.

E, pior ainda, sentiu aquele peso incômodo dentro do peito, aquele pressentimento de que Ellen Hoffman não era apenas mais uma namorada temporária de Wagner. Ela era um problema e Vincent odiava problemas que ele não podia controlar.

O som dos passos de Vincent desapareceu no andar de cima, deixando um silêncio espesso na sala. A tensão que pairava antes pareceu afrouxar levemente, como um laço que deixava de apertar, mas não se desfazia completamente.

Clara, com sua doçura habitual, sorriu para Ellen antes de desaparecer em direção à cozinha.

— Vou preparar algo rápido. Não comemos nada direito na viagem. Ellen, fique à vontade.

Ellen esperou até que os passos de Clara sumissem no corredor antes de se jogar no sofá novamente, os braços se esticando preguiçosamente sobre o encosto. Ela olhou para Wagner com um sorriso divertido, a língua empurrando o piercing no lábio inferior.

— Tu não me falou que teus pais eram tão legais.

Wagner, que havia recostado a cabeça na palma da mão, bufou, lançando-lhe um olhar descrente.

— Não te empolga. Tu viu só uma versão editada deles.

Ellen ergueu as sobrancelhas.

— Ah é? Então qual é a versão sem cortes?

Wagner jogou a cabeça para trás, encarando o teto, antes de responder.

— Meu pai é um cara controlador, sempre foi. Ele não grita, não bate na mesa, não precisa. Só de olhar daquele jeito já te faz se sentir um idiota — Ele soltou um suspiro — E minha mãe… Bom, minha mãe é legal de verdade, mas às vezes eu sinto que ela vive mais pra agradar os outros do que pra ela mesma.

Ellen mordeu o canto do lábio, pensativa.

— Hum… então teu pai é um tirano de terno, e tua mãe, um anjo caído. Faz sentido.

Wagner riu pelo nariz, balançando a cabeça.

— Algo assim.

Ellen inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, os olhos brincalhões encontrando os dele.

— Ele não gosta de mim.

Wagner não contestou.

— Não é pessoal. Ele não gosta de ninguém.

— Ele gosta da tua mãe.

— Ele respeita ela. O que é bem diferente.

Ellen estreitou os olhos.

— E de ti?

Wagner hesitou.

— Ele quer que eu seja forte. Que eu tenha controle da minha vida, porque, na cabeça dele, eu sou fraco.

Ellen franziu o cenho.

— Fraco? Por quê?

Wagner deu de ombros.

— Sei lá. Talvez porque eu não queira ser como ele.

O silêncio se alongou por um instante. Ellen passou o dedo distraidamente pelo piercing no lábio, os olhos ainda presos em Wagner.

— Bom, sorte dele que eu sou uma péssima influência.

Wagner riu, mas no fundo sabia que o pai já havia sacado isso.

Antes que Ellen pudesse acrescentar algo, Clara apareceu na porta da sala, secando as mãos em um pano de prato.

— A comida tá quase pronta. Venham pra mesa.

Ellen se espreguiçou, jogando os cabelos para trás antes de levantar-se.

— Tô faminta.

Wagner levantou-se atrás dela, acompanhando-a até a sala de jantar.

A mesa estava posta com uma simplicidade acolhedora. A sopa quente de batata e carne defumada soltava vapor no ar, o aroma impregnando o ambiente de um conforto quase doméstico demais para o gosto de Vincent. O pão rústico, cortado em fatias generosas, descansava sobre um prato ao centro, e Clara servia as tigelas com a mesma delicadeza com que sempre cuidava da família.

Ellen sentou-se sem hesitação, como se já pertencesse àquele espaço.

Wagner, ao seu lado, pegou a colher e mergulhou na sopa, mas Vincent notou que ele desviava o olhar de tempos em tempos, talvez antecipando alguma provocação ou desconforto que poderia surgir a qualquer momento.

Vincent acomodou-se na cabeceira da mesa, observando Ellen de soslaio enquanto ela levava a primeira colherada à boca, soprando suavemente antes de provar.

Ela soltou um som satisfeito.

— Tá incrível, dona Clara. Melhor que muito restaurante por aí.

Clara sorriu, lisonjeada.

— Ah, querida, me chama só de Clara. E fico feliz que tenha gostado.

— Eu tô é me perguntando como o Wagner não pesa cem quilos comendo uma comida dessas todo dia — Ellen brincou, cutucando o namorado de leve.

— Eu sou magro de ruim — Wagner respondeu, rindo, mas sua atenção ainda estava dividida entre o prato e o olhar penetrante do pai.

Vincent mexia na sopa, sem pressa, sem fome. O movimento da colher desenhava círculos lentos no caldo espesso, mas sua atenção estava inteiramente voltada para Ellen.

Ela parecia confortável demais.

Não havia aquela hesitação típica de quem é apresentado à família do namorado. Nenhuma tentativa de impressionar, de parecer mais polida, mais ajustada. Ela era como era, relaxada, indomável.

— Então — Clara começou, tentando manter a conversa fluindo — Tu trabalha com body piercing, né?

— Uhum. No estúdio do Mauro, ali no centro — Ellen respondeu, pegando mais uma colherada da sopa.

— E gosta do que faz?

— Gosto. É tranquilo, me paga as contas e eu conheço um monte de gente diferente todo dia.

Vincent bebeu um gole de suco, observando a interação entre Clara e Ellen.

Sua esposa tinha o dom de fazer qualquer um se sentir confortável. Ele sabia que não era fingimento, Clara realmente se importava, queria conhecer as pessoas, queria entendê-las.

Mas Vincent? Vincent apenas queria saber o que fazia delas um problema e Ellen parecia ser um.

— Confesso que achei que o jantar aqui seria mais tenso — disse ela, um brilho divertido no olhar.

Clara franziu as sobrancelhas.

— Tenso? Por quê?

Ellen sorriu de canto, desviando o olhar rapidamente para Vincent antes de responder.

— Ah, sei lá. Wagner me pintou uma imagem de que eu ia ser interrogada como suspeita de homicídio.

Clara riu suavemente.

— O Wagner exagera um pouco.

— Não tanto assim — Wagner murmurou, baixo.

Vincent finalmente falou, sua voz grave cortando a conversa.

— Você parece lidar bem com interrogatórios.

Ellen ergueu os olhos para ele e segurou seu olhar sem hesitação.

— Depende do interrogador.

O silêncio que se seguiu não foi desconfortável, mas tenso.

Clara, alheia àquele jogo silencioso, decidiu quebrar o clima com sua doçura característica.

— O importante é que tu tá aqui, jantando com a gente. Espero que seja a primeira de muitas vezes.

Ellen desviou os olhos de Vincent e sorriu para Clara, e, por um instante, seu rosto relaxou de verdade.

— Eu também espero.

Vincent continuou mexendo na sopa, sem provar uma única colherada.

A sensação incômoda que crescera dentro dele desde o momento em que a vira pela primeira vez agora tinha nome. Reconhecimento. Ellen não era apenas uma garota rebelde, ela era um reflexo distorcido do que ele fora um dia e isso o incomodava mais do que ele queria admitir.

**********

O final de semana passou como um borrão.

Clara tentou se ocupar. Tentou preencher cada instante com afazeres domésticos, pequenas tarefas insignificantes que a mantivessem longe de seus próprios pensamentos. Mas era inútil. Sempre que fechava os olhos, sentia a pele quente de Otávio contra a sua. O gosto dele ainda parecia impregnar seus lábios. Aquilo a corroía por dentro.

Na segunda-feira, ao atravessar a porta da clínica odontológica, seu coração bateu mais forte. Por um instante, ela esperava encontrar Dr. Paulo ali, sentado atrás da mesa, com o sorriso calmo de sempre, a postura paternal que lhe trazia segurança, mas o que encontrou foi Otávio.

Ele estava de pé, apoiado contra o balcão da recepção, revisando a agenda da clínica ao lado de Priscila, que rabiscava algo num bloco de notas. Seu cabelo castanho-escuro estava perfeitamente alinhado, a barba bem aparada, e a camisa branca sob o jaleco impecável realçava seus ombros largos.

Clara sentiu uma onda de calor subir por sua pele.

Otávio levantou os olhos e, por um segundo, prendeu a respiração.

O tempo pareceu desacelerar.

Ele piscou rapidamente, recuperando-se, mas quando falou, sua voz carregava mais emoção do que ele gostaria.

— Bom dia, Clara.

Priscila ergueu os olhos e sorriu.

— Bom dia, amiga.

Clara umedeceu os lábios e forçou um sorriso profissional.

— Bom dia.

Otávio fechou a agenda, passando a mão distraidamente pela nuca.

— Como foi o final de semana?

A pergunta era inofensiva, mas havia um peso oculto por trás dela. Como se ele estivesse perguntando: Você pensou em mim? Porque eu pensei em você.

Clara engoliu em seco.

— Tranquilo — ela respondeu, tentando parecer casual.

— Ótimo — ele disse, mas o olhar que a segurava dizia o contrário.

Priscila olhava de um para o outro com curiosidade, percebendo algo, mas sem entender completamente.

Clara desviou o olhar e caminhou até sua sala, sentindo as pernas levemente trêmulas.

O trabalho seguiu seu fluxo normal. Consultas, exames, procedimentos de rotina, mas a tensão no ar era constante. Sempre que passava pelo corredor, Clara sentia o olhar de Otávio. Sempre que estava ao alcance da sua visão periférica, sabia que ele estava ali.

Havia um jogo silencioso acontecendo entre os dois.

Quando suas mãos se encontravam brevemente ao trocarem instrumentos cirúrgicos, quando um deles dizia algo e o outro segurava o olhar por um segundo a mais.

Eles estavam fingindo normalidade, mas ambos sabiam a verdade e aquilo só tornava tudo mais insuportável.

No final da tarde, Clara foi até a recepção buscar um prontuário quando Priscila puxou-a pelo braço, os olhos brilhando de empolgação.

— Amiga… — ela sussurrou, olhando para os lados para se certificar de que ninguém estava ouvindo.

Clara franziu a testa.

— O que foi?

Priscila soltou um suspiro dramático, apoiando-se no balcão.

— Pelo amor de Deus, tu já viu bem o Dr. Otávio? Porque, olha, que homem, viu? Que homem, Clara!

Clara arregalou os olhos, sentindo o rosto esquentar.

— Priscila!

— Ah, qual é! — Priscila riu, mordendo o lábio inferior — Tu não pode me dizer que não percebeu.

Clara tentou manter a compostura, focando nos papéis em sua mão.

— Ele é um profissional competente…

— E gostoso. Meu Deus do céu! — Priscila abanou o próprio rosto, dramatizando — Eu fico olhando ele falar, mexendo naquela agenda, aquelas mãos grandes, aquela barba… Ai, eu juro, eu fico imaginando coisas que nem posso falar em voz alta!

Clara engoliu em seco, sentindo o coração acelerar.

— Priscila…

— Eu tô falando sério! — A recepcionista se inclinou mais perto, os olhos brilhando de malícia. — Tu já reparou no jeito dele? Ele tem aquele… aquela presença, sabe? Parece um cara que… que sabe o que faz.

Clara quis sumir.

Sim, ela sabia exatamente do que Priscila estava falando.

O problema era que ela sabia, porque já havia sentido na pele.

— Ai, amiga… — Priscila suspirou, mordendo a ponta do dedo — Se eu tivesse uma chance, uma só, eu juro que faria aquele homem me pegar com força, me jogar contra uma parede e me foder até eu esquecer meu próprio nome.

Clara arregalou os olhos, sentindo o corpo inteiro reagir.

— Priscila!

A jovem riu, colocando a mão na boca.

— Ai, desculpa! Mas eu não aguento! Ele entra na clínica e o ambiente até esquenta.

Clara soltou um riso nervoso, desviando o olhar.

— Tu é impossível.

Priscila riu mais um pouco, mas então inclinou-se para frente, estudando Clara.

— Mas e tu?

Clara piscou.

— Eu?

— É. Tu acha ele gostoso ou não?

Clara sentiu a garganta seca.

Ela tentou pensar numa resposta racional, algo neutro, mas sua mente foi inundada pela lembrança de Otávio, suas mãos firmes, seus lábios quentes, o jeito como seu corpo a havia dominado sem hesitação.

Ela fechou os olhos por um instante, tentando afastar a memória.

Quando voltou a abri-los, sorriu fraco.

— Acho que tu devia voltar ao trabalho antes que o Dr. Otávio te escute.

Priscila fez um biquinho, mas riu logo em seguida.

— Tá bom, tá bom. Mas ó… se um dia tu quiser compartilhar umas fantasias sobre ele, eu sou toda ouvidos.

Clara riu nervosa e balançou a cabeça, apressando-se para voltar ao seu consultório, mas quando fechou a porta atrás de si e encostou-se nela por um momento, sentindo a respiração levemente alterada, soube que algo dentro dela havia reacendido. Priscila não fazia ideia, mas tudo que ela tinha dito… Clara já tinha experimentado e o pior? Ela queria mais.

**********

A noite caiu sobre Blumenau com um frescor agradável, o vento deslizando pelas ruas movimentadas enquanto as luzes dos restaurantes começavam a iluminar a cidade.

Vincent guiava o carro com uma mão firme no volante, a outra descansando sobre a marcha, seus olhos fixos na estrada. O silêncio entre ele e Clara não era incômodo, mas carregado de significados que ambos fingiam não perceber.

Foi ele quem sugeriu o jantar.

— Faz tempo que não saímos juntos — dissera mais cedo, sem muita explicação, apenas um fato.

Clara concordou sem hesitar. A verdade era que Vincent raramente fazia convites assim sem um motivo maior, mas, depois dos últimos dias, e do crescente distanciamento de Wagner, agora sempre grudado em Ellen, ela aceitou sem questionar. Talvez quisesse resgatar alguma coisa do que um dia tiveram ou talvez quisesse apenas entender o que restava ali.

Mas o que ela não esperava era que aquela noite tomaria um rumo tão desconfortável.

O restaurante escolhido por Vincent não era qualquer um. Ele preferia lugares discretos, elegantes, sem distrações externas. O maître os recebeu pelo nome, conduzindo-os até uma mesa reservada perto das janelas amplas.

Vincent puxou a cadeira para Clara sentar-se, como sempre fazia. Um gesto cavalheiresco, sem esforço, que qualquer outro homem talvez fizesse parecer forçado.

— O vinho de sempre, senhor Weiser? — o garçom perguntou.

Vincent apenas assentiu com um leve movimento de cabeça.

Clara observava tudo em silêncio. A familiaridade daqueles pequenos rituais deveria ser reconfortante, mas, ao invés disso, ela sentia um peso sobre os ombros.

O Vincent que se sentava à sua frente era o homem meticulosamente controlado de sempre. Elegante, imponente. Dono de tudo ao seu redor. Mas o problema era que, agora, ela sabia como era estar diante de outro tipo de homem.

E não conseguiu evitar a comparação. Otávio nunca a fazia sentir-se tão contida. Ele não a prendia dentro de um silêncio calculado e esse pensamento a incomodou mais do que qualquer outra coisa.

Vincent serviu o vinho em sua taça antes de finalmente falar:

— Wagner já não janta mais em casa.

Clara suspirou.

— Ele está apaixonado. Não percebe?

Vincent girou a taça entre os dedos, o vinho rodando lentamente contra o vidro fino.

— Paixão passageira.

— Talvez. Ou talvez seja mais do que isso.

— A garota é um problema.

Clara arqueou as sobrancelhas.

— Ellen não é um problema. Ela só não tem medo de dizer o que pensa.

Vincent sorriu de lado, aquele sorriso que não era exatamente um sorriso, mas sim uma constatação de que ele sabia mais do que estava dizendo.

— Isso nunca acaba bem.

Clara tomou um gole do vinho, deixando o silêncio se arrastar por alguns instantes, sabendo que Vincent estava apenas sendo superprotetor.

O garçom retornou com os pratos, e Clara tentou guiar a conversa para outros assuntos. Mas o desconforto continuava ali, rastejando sob a superfície.

E então aconteceu. Foi Clara quem viu primeiro. Na mesa próxima, Otávio.

A luz suave do restaurante iluminava seu rosto de perfil, a barba bem aparada, a expressão relaxada enquanto conversava com um colega de profissão. Daniel Duarte.

Seu coração deu um pequeno salto antes que pudesse impedir.

Ela baixou os olhos imediatamente para o prato, mas Vincent já havia notado.

Ele seguiu seu olhar e encontrou Otávio e então sorriu, um sorriso leve, quase amigável.

— Que coincidência — Vincent murmurou, recostando-se levemente na cadeira.

Clara sentiu o corpo inteiro enrijecer.

Antes que pudesse reagir, Vincent já estava se levantando.

— Vamos cumprimentá-los.

Ela não teve escolha senão segui-lo. Otávio ergueu o olhar e, por um instante, ficou imóvel. Mas então, como o cavalheiro que também era, levantou-se, apertando a mão de Vincent com firmeza.

— Vincent, Clara.

Daniel, que já bebera um pouco demais, sorriu largo, sem o mesmo filtro.

— Ah, então essa é a famosa Clara. Agora entendo por que tu passa tanto tempo na clínica, Otávio.

Clara congelou. Otávio franziu a testa, seu olhar escurecendo por um instante.

— Daniel…

Mas Daniel apenas riu.

— Relaxa, cara. Só tô dizendo a verdade. Como tu consegue manter o foco trabalhando com uma mulher assim o dia inteiro? Eu não conseguiria.

A tensão na mesa tornou-se palpável. Clara sentiu Vincent ficar rígido ao seu lado. Foi um segundo. Apenas um segundo de silêncio antes da tempestade.

A cadeira dele rangeu no chão, e num piscar de olhos, Vincent agarrou Daniel pelo colarinho, seus olhos azuis agora duros e impiedosos.

Clara prendeu a respiração.

— Escolha melhor suas palavras — Vincent disse, sua voz baixa e letal.

Daniel arregalou os olhos, surpreso, tentando rir, mas o peso da mão de Vincent em sua camisa fez qualquer brincadeira morrer na garganta.

Otávio interveio. Com um movimento rápido e preciso, ele segurou Vincent pelo braço.

— Não.

A voz de Otávio era firme, sem hesitação. Não era um pedido. Era uma ordem. Vincent virou-se para ele, os maxilares travados. Por um momento, a guerra silenciosa entre os dois parecia prestes a explodir.

— Vincent, basta.

Vincent soltou Daniel abruptamente.

Daniel caiu de volta na cadeira, finalmente percebendo que havia passado dos limites. O restaurante inteiro parou.

Clara respirou fundo, seu coração disparado. Ela se colocou entre Vincent e Otávio, sua mão tocando levemente o peito do marido, como se pudesse segurá-lo ali.

Foi a primeira vez que usou aquele tom com ele. Ele olhou para ela e viu a forma como Clara olhava para Otávio. Viu de que lado ela estava. Ela se virou para Otávio e disse, com a voz baixa, mas convicta:

— O Otávio está certo. Ele não vale o desgaste.

O silêncio que seguiu foi denso, carregado de uma tensão quase tangível. O restaurante, que antes parecia aconchegante e discreto, agora se tornava sufocante para Clara.

Vincent ajeitou os punhos da camisa, respirando fundo, mas sua expressão era dura, os olhos frios como aço. Ele ainda estava no controle, ou queria acreditar que estava.

Daniel, envergonhado e desconfortável, balbuciou algo sobre não ter falado por mal, mas ninguém estava mais ouvindo. Foi Otávio quem rompeu a inércia da situação.

Ele tocou de leve o ombro de Clara, um gesto discreto, mas notado por Vincent.

— Tá tudo bem — disse Otávio, baixo o suficiente para ser ouvido apenas por ela.

A calma dele, a forma como ele não estava exaltado, mas sim centrado, só fez com que Vincent se irritasse ainda mais.

Clara sentiu o peito apertar. Tudo naquela noite estava dando errado. Ela não queria estar ali, entre os dois, presa em um jogo silencioso que não havia começado, mas do qual definitivamente fazia parte.

Ela olhou para Vincent, tentando manter a paciência.

— Por que a gente não volta pra casa?

Foi um convite, mas também um limite.

Vincent a estudou por um instante, como se estivesse tentando decifrá-la. E, finalmente, ele cedeu.

— Vamos.

Ele se virou sem olhar para trás, mas Clara notou o jeito que Otávio a observava. Era um olhar cheio de perguntas que ele não faria ali. E que ela não responderia.

A viagem de volta foi quase silenciosa. O motor do carro preenchia o espaço entre eles, enquanto Clara olhava pela janela, sentindo uma irritação crescente dentro de si.

Vincent mantinha a expressão inalterada, mas sua mão no volante estava tensa, os dedos apertando o couro com força.

Foi ele quem quebrou o silêncio primeiro.

— Se eu não tivesse feito nada, ele teria saído impune.

Clara respirou fundo, fechando os olhos por um instante antes de responder.

— O que tu queria? Dar um soco nele no meio do restaurante?

Vincent virou o rosto para encará-la rapidamente, a mandíbula travada.

— Ele desrespeitou minha esposa. Eu deveria apenas sorrir e fingir que não aconteceu?

Clara bufou, cruzando os braços.

— Eu só queria evitar uma cena. Mas, claro, tu sempre tem que transformar tudo em uma questão de força.

A acusação pairou no ar como uma lâmina suspensa.

Vincent não respondeu. Não porque não tivesse algo a dizer, mas porque sabia que qualquer resposta só prolongaria a discussão.

O carro estacionou na garagem da casa e, assim que desligou o motor, Clara saiu primeiro, entrando na casa sem esperar por ele.

Mas Vincent não era do tipo que deixava um conflito aberto sem resolvê-lo. Ele a seguiu. Clara entrou na casa jogando a bolsa no sofá, passando a mão pelos cabelos, irritada.

Ela queria tomar um banho, queria esquecer aquela noite. Queria não ter se sentido daquele jeito no restaurante, mas Vincent não ia deixar o assunto morrer.

Ele fechou a porta atrás de si e encarou Clara.

— Você ficou do lado dele.

A frase soou como uma acusação direta.

Clara virou-se, incrédula.

— Eu fiquei do lado do bom senso.

Vincent deu um passo à frente, os olhos brilhando com algo mais sombrio do que simples irritação.

— Ele tocou em você.

Clara franziu o cenho.

— Ele só tentou me acalmar.

— E você permitiu.

A palavra pesou.

Vincent nunca precisou dizer muito para ser entendido. Clara sentiu um frio na espinha.

— Tu tá insinuando o quê?

Vincent passou a mão pelo rosto, exalando lentamente, como se tentasse controlar algo que estava fervendo dentro dele.

— Eu tô dizendo que, pela primeira vez, minha mulher não ficou do meu lado.

Clara riu, mas sem humor.

— Tua mulher? Vincent, eu não sou um troféu.

Ele estreitou os olhos.

— Não, mas eu conheço a forma como você olhou pra ele.

A afirmação fez o sangue de Clara gelar. Ele sabia. Talvez não soubesse tudo, mas sentia que algo ali não era mais tão simples quanto antes.

Clara engoliu em seco, forçando-se a manter a calma.

— Eu olhei pra ele porque eu sabia que ele não ia fazer aquilo virar um espetáculo. Ao contrário de ti.

Vincent sorriu de lado, mas não havia humor ali.

— Ele é o tipo de homem que tu respeita, então? O que resolve as coisas com calma?

Clara sentiu o coração acelerar. A forma como Vincent disse aquilo… não era uma pergunta. Era uma constatação e isso a assustou mais do que qualquer coisa.

Ela sustentou o olhar dele, sem desviar.

— Eu respeito quem sabe escolher as batalhas certas.

Vincent não respondeu imediatamente. Apenas ficou ali, olhando-a como se visse algo que não queria ver. O silêncio entre eles foi muito pior do que qualquer briga. Finalmente, ele virou-se e subiu as escadas, deixando-a sozinha na sala.

Clara sentiu as pernas tremerem antes de se sentar no sofá, pressionando os dedos contra as têmporas. Aquela noite mudou algo entre eles e ela não sabia como voltar atrás.

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Foto de perfil de Fabio N.MFabio N.MContos: 128Seguidores: 159Seguindo: 51Mensagem Segredos para uma boa história: 1) Personagens bem construídos com papéis e personalidades bem definidas qualidades e defeitos (ninguém gosta de Mary Sue ou Gary Stu); 2) Conflitos: "A quer B, mas C o impede" sendo aplicado a conflitos internos e externos; 3) Ambientação sensorial, descrevendo onde estão seus personagens, o que estão vendo ou sentindo.

Comentários

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Esse conto ta muito legal e cheio de expectativas. O Vincent teve uma vida muito difícil e traumática, e eu acredito que a situação dele pode ser pior que a do falecido pai, pq pelo o que foi visto naquele início, ele mora com dois traidores, que são a esposa e o filho. E eu acredito que uma hora ele vai desabar, pq é difícil qualquer pessoa engolir tantas mágoas e não conseguir soltar isso tudo.

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