Acordo com um barulho insuportável de um galo cantando. Algo que, pra mim, já indicava que o dia seria horrível.
— CALA A BOCA, DESGRAÇA! — grito, puxando o travesseiro sobre a cabeça.
O galo, obviamente, ignora minha súplica e continua seu show matinal. Resmungo, jogo as cobertas pro lado e levanto, derrotado.
Caminho até a cozinha, coçando a cabeça, e dou de cara com Eduardo, só de cueca, parado na porta como se estivesse esperando a chegada do apocalipse.
— Por que acordou tão cedo? — pergunto, tocando seu ombro. — Ou fez igual a mim e acordou com as galinhas?
Ele suspira.
— Perdi o sono. Raimundo já passou aqui e disse pra adiantar, que temos trabalho pra fazer.
— Mas já?! — reclamo, coçando os olhos. Eduardo dá de ombros.
— Se quiser dormir mais, vai fundo. Mas depois não reclame quando estiver se ferrando sozinho.
Suspiro, sabendo que a vida na roça não dá trégua.
— Vou chamar o Túlio então…
### MEIA HORA DEPOIS
— Você pega as folhas secas assim e passa o facão na parte de cima — Raimundo demonstra o corte preciso nas folhas secas das bananeiras. Tento acompanhar, mas só consigo pensar em como aquele facão parece pesado.
— Depois que fizer isso na maioria delas, junta tudo num canto do quintal e taca fogo.
— Moço, é pra fazer isso em todas? — Túlio arregala os olhos, já suando antes mesmo de começar.
— Calma, meu jovem! — Raimundo ri. — Só nessa parte aqui. — Ele aponta para três fileiras de bananeiras.
— Ufa, graças a Deus! — Túlio respira aliviado e pega o facão. De repente, ele me cutuca. — Já reparou que tem uns mini-macacos pulando de bananeira em bananeira?
Olho para cima e vejo vários bichinhos correndo entre as folhas.
— Isso são micos, uma praga! Estão acabando com as bananas! Xô, suas pestes! — Raimundo espanta os bichos com um gesto.
Um dos micos olha pra ele e solta um grito agudo, como se estivesse xingando.
— Olha lá, seu Raimundo! Ele tá te mandando se foder! — Túlio ri.
— Eu vou é buscar uma espingarda, isso sim! — resmunga Raimundo.
Os micos desaparecem rapidamente, como se tivessem entendido a ameaça.
— Vou deixar vocês aqui. Vou acompanhar Eduardo, temos que levar as vacas pro pasto.
— Tranquilo, seu Raimundo!
Assim que ele se afasta, começo a cortar as folhas secas. Logo percebo que a tarefa não é nada fácil. Meus braços ardem, o suor escorre pelo rosto, e uma coceira estranha toma conta das palmas das minhas mãos.
— Isso aqui devia ser considerado tortura — resmungo.
— Concordo! Vamos processar a fazenda! — Túlio brinca.
Enquanto tento limpar o suor da testa, sinto algo cair e se agarrar ao meu chapéu de palha. Meu corpo gela.
— Túlio… — sussurro. — Túlio…
— O que foi? — Ele me encara… e seus olhos se arregalam. — Caralho, André!
— Túlio! Pelo amor de Deus, diz que não é um macaco… na minha cabeça…
Ele hesita.
— Não se mexe! Não é um macaco.
— O que é então?! — Minha mão já vai em direção ao chapéu, mas ele me interrompe.
— Não toca! É uma cobra… devia estar enrolada no pé da bananeira!
O sangue some do meu rosto.
— Túlio… tira essa cobra da minha cabeça… TIRA ESSA COBRA DA MINHA CABEÇA!
— Sai, cobra!
— "Sai, cobra"? Cê acha que ela vai te escutar?!
— Não custa tentar, né?
— Quer saber?! — Num impulso, arranco o chapéu da cabeça, jogo no chão e, com um golpe certeiro do facão, corto a cobra ao meio. — Vá se foder, sua cobra imunda!
— Ficou com medinho, né?
— Ah, vai se lascar, Túlio!
Reviro os olhos e respiro fundo.
— Bora adiantar isso aqui, que ainda tem coisa pra fazer… infelizmente.
— Depois dessa, acho que nada pode ser pior! — digo, rindo.
### UMA HORA DEPOIS
— Isso é muito pior… — encaro, horrorizado, o chiqueiro imenso, lotado de porcos e lama.
— Eu me recuso a entrar nesse troço! — Túlio reclama, cruzando os braços.
Eduardo, encostado na cerca, dá de ombros.
— Ou entram aí ou me ajudam a consertar as cercas quebradas.
Troco um olhar com Túlio e bufo.
— Tá, mas afinal, o que exatamente a gente tem que fazer aqui?
Raimundo aponta para um buraco no chão.
— Jogar água ali, preparar a lavagem e encher os comedouros… em todos os vinte e quatro.
Meu cérebro trava.
— Vinte e quatro?!
— Tudo isso?! — Túlio parece prestes a desmaiar.
— É… agora que vocês contaram, até eu achei muito! — Raimundo ri.
O trabalho é pior do que imaginávamos. A lama chega nos tornozelos, os porcos correm pra todos os lados e, no meio do caos, Túlio escorrega e cai de bunda.
— SOCORRO! Tô afundando!
— Meu Deus, parece um leitão desesperado! — Eduardo gargalha.
Eu tento ajudar, mas começo a rir tanto que quase caio junto. No final, conseguimos completar a tarefa, fedendo mais que os próprios porcos.
Exaustos, nos jogamos na grama do lado de fora.
— Se algum dia eu disser que quero morar no campo, me interna — Túlio resmunga.
— Já devia estar internado há tempos… — retruco, rindo.
O sol já está se pondo quando ouvimos um barulho vindo do galinheiro. Raimundo sai correndo da casa, desesperado.
— O quê que foi, homem? — grito, levantando.
— O galo… — ele engole seco. — O galo desapareceu.
Túlio e eu trocamos olhares.
— Ué, ele tava cantando de manhã… — comento.
Raimundo se ajoelha no chão.
— Esse galo era do finado Seu Nestor… Dizem que ele era um encantado… Se ele sumiu, significa que…
— Que o quê? — Eduardo pergunta, impaciente.
— Que alguma coisa muito ruim vai acontecer!
O vento sopra forte. As galinhas se agitam. No horizonte, um vulto estranho parece surgir no meio da plantação.
— Ih… — Túlio murmura. — Acho que a gente mexeu com alguma coisa que não devia.
Eu fico pálido. Minha visão começa a escurecer.
— André, cê tá bem? — ouço Túlio perguntar, mas sua voz parece distante.
E então, tudo fica preto.
Desmaio.
Continua...