O sol já estava se pondo, tingindo o céu de laranja e rosa, quando a paz que havia reinado na tarde foi interrompida por um grito. Era Túlio, e, por algum motivo, o som de sua voz me fez congelar.
— ANDRÉ! EDUARDO! MEU DEUS, ME PICARAM! — Ele gritou, a voz estridente como se estivesse prestes a desmaiar.
Eu e Eduardo, que estávamos arrumando as ferramentas no celeiro, nos entreolhamos rapidamente, sem saber o que fazer. Por um momento, pensei que fosse alguma das trapalhadas habituais de Túlio, mas, ao ver o pânico em seu rosto, meu estômago virou.
— O que aconteceu, Túlio? — gritei, correndo para onde ele estava.
Túlio estava ajoelhado no chão, olhando para o próprio pé com uma expressão de horror. No chão, uma cobra se arrastava lentamente para a vegetação.
— Eu fui dar um passo e… A cobra me picou! Eu tô sentindo uma dor danada! — Ele falou, tentando se equilibrar, mas o pânico estava claramente tomando conta dele.
Eduardo e eu nos aproximamos rapidamente. A cobra era uma jararaca, o que significava que a coisa estava séria. O que aconteceu em seguida foi uma mistura de pânico, trapalhadas e um caos completo.
— Calma, calma! Precisa parar de mexer a perna! — Eu gritei, tentando ajudar, mas Túlio estava se debatendo de dor.
— Eu não vou morrer, né? Não vai dar tempo de chegar no hospital! — ele continuava gritando, fazendo tudo pior.
Eduardo já estava tentando amarrar a perna de Túlio com uma corda improvisada, mas acabou enredando a própria mão na corda, caindo de cara no chão.
— Ai, caralho! — ele xingou, irritado.
Eu, enquanto tentava acalmar Túlio, não pude deixar de rir, mas ao mesmo tempo sentia a tensão da situação.
— Para de se atrapalhar, Eduardo! Tu não consegue nem amarrar uma corda direito! — eu disse, tentando segurar as risadas, mas também sentindo o pânico.
Foi quando Lucas apareceu. Ele estava com o celular na mão, visivelmente mais calmo do que qualquer um de nós.
— Preciso de uma picada de cobra no campo, né? — Lucas disse, se agachando perto de Túlio e começando a fazer perguntas rápidas e lógicas sobre o estado dele. — Vocês não sabem que a primeira coisa a fazer é manter o sujeito calmo e a picada abaixo do nível do coração?
Eu e Eduardo nos entreolhamos. Claro que Lucas sabia disso! Ele estava sempre mais focado, mais calmo.
— Vamos levar ele até a casa. A gente consegue improvisar até chegar ao hospital, mas não é bom ficar com ele aqui! — Lucas disse com um tom firme, enquanto começava a tirar a camisa para improvisar um tipo de ligadura.
Túlio estava ainda em pânico, mas Lucas parecia um socorrista experiente, e, por mais que eu ficasse incomodado com o jeito calmo dele, não podia negar que estava aliviado por ele estar ali.
— Mas e a cobra? Não vai dar tempo de pegar, né? — perguntou Eduardo, com o rosto ainda coberto de terra e suado de tanto esforço.
— A cobra já era. O importante agora é o Túlio. Vamos, rápido! — Lucas ordenou, pegando Túlio nos braços com facilidade. Eu nunca tinha visto ninguém ser tão tranquilo em uma situação dessas, e aquilo só me fazia respeitar mais o jeito dele.
Enquanto Eduardo e eu seguimos de perto, tentando ajudar no que fosse possível, fomos atravessando o campo até a casa, rindo de nervoso, mas gratos pela ajuda de Lucas.
Quando chegamos à casa, Lucas fez uma ligação para o hospital, pedindo uma ambulância. Em questão de minutos, um carro apareceu e levou Túlio embora, enquanto Eduardo e eu ficávamos no portão, ainda processando o que tinha acontecido.
— Acho que nunca mais vou querer ver uma cobra na minha vida — disse Eduardo, se jogando no sofá assim que entramos em casa.
— Não fala isso, senão o Túlio vai achar que ele tem a habilidade de atrair cobras — eu brinquei, tentando aliviar o clima.
Lucas olhou para nós, sorrindo com um pouco de divertimento.
— Acredite, eu não sou tão fã de cobras também. Mas a calma foi o que salvou o Túlio. Eu sou só um bom ouvinte, e esse pessoal aqui — ele olhou para mim e Eduardo — estava mais perdido que tudo. — Ele riu, e eu não pude deixar de achar engraçado o quanto ele parecia à vontade, mesmo no meio do caos.
No hospital, a situação de Túlio era delicada, mas não desesperadora. Ele estava sendo monitorado e, felizmente, a picada não era venenosa o suficiente para causar danos permanentes. No entanto, a pressão arterial dele estava baixa, e ele ainda estava com bastante dor.
Quando finalmente conseguimos visitá-lo, ele estava deitado na cama, com um semblante mais tranquilo, mas ainda pálido.
— Você tá bem? — Perguntei, me aproximando.
Túlio sorriu, mas foi um sorriso forçado.
— Mais ou menos. Minha perna parece um balão e… vocês não podem me deixar sozinho aqui. Eu tô morrendo de medo das enfermeiras, acham que sou fraco e ficam me vigiando.
Eduardo, ao lado, não conseguiu evitar de rir da situação. Era claro que, apesar da picada, Túlio ainda estava no modo "drama", como sempre.
— Não vai morrer, não, irmão. Só não sai mais correndo por aí, porque, se não, você vai virar o homem cobra! — ele brincou.
Túlio bufou.
— Fica quieto, Eduardo. Eu não sou mais corajoso do que você. A diferença é que você não fica gritando feito uma criança quando leva uma picada de abelha!
Todos rimos, e a tensão que havia no hospital desapareceu por um momento. Mas foi nesse momento que Lucas entrou na sala, trazendo um café para os três.
— Achei que ia ser um bom anfitrião — ele disse, dando um sorriso para Túlio. — Como está se sentindo?
Túlio deu uma olhada em Lucas, que parecia ser a pessoa mais calma e centrada na sala, e balançou a cabeça, em um misto de incredulidade e gratidão.
— Se eu soubesse que ia receber tanto carinho, teria me picado por mais tempo! — Túlio zombou, e todos rimos de novo, aliviados pela leveza que Lucas trouxe com sua presença.
Enquanto isso, Eduardo me olhou, ainda com um sorriso de lado.
— E aí, André, vai me dizer que você não percebeu o que está acontecendo entre você e Lucas? — ele perguntou, com um tom provocativo.
— Tá querendo me zoar, é? — Eu ri, mas senti a ponta de um desconforto, como se eu estivesse realmente começando a ver Lucas de uma maneira diferente. Era como se ele tivesse se tornado parte do nosso grupo, e eu não sabia muito bem como lidar com isso.
O clima estava tenso, mas ao mesmo tempo descontraído. Eu e Eduardo trocamos olhares e, de alguma forma, nos sentíamos mais conectados, agora que as trapalhadas do campo e até a picada de cobra pareciam ter nos unido ainda mais.
Após algum tempo, Túlio recebeu alta e foi liberado para descansar em casa. O hospital tinha sido uma pausa forçada para ele, mas a bagunça da nossa vida no campo logo iria voltar.
De volta à fazenda, tivemos que lidar com a situação dos bois que, por algum motivo, resolveram se soltar novamente. Foi uma bagunça tão grande que, no meio de tudo, acabei tropeçando e caindo no meio da lama, com Eduardo rindo da minha desgraça.
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A manhã na fazenda começou como qualquer outra.O som das galinhas cantando e os gritos esporádicos dos bois ao longe davam o tom do lugar: simples, rústico e, de alguma forma, acolhedor.
Túlio já estava recuperado da picada de cobra e, como sempre, não podia perder a chance de transformar qualquer momento em uma oportunidade para ser o centro das atenções. Ele estava de bom humor, mais do que nunca, afinal, o susto que levou serviu para acendê-lo de uma forma diferente. Agora, ele se sentia forte o suficiente para fazer qualquer coisa – mesmo que isso significasse se meter em mais confusão.
— Ah, não acredito! Já estou de volta ao jogo! — Túlio exclamou, enquanto se aproximava de nós com um sorriso orgulhoso. Ele já estava com as botas de borracha e os trajes sujos de trabalho.
— Espero que esse otimismo todo não nos traga mais cobra no caminho — Eduardo zombou, com a cara fechada, mas claramente ainda se divertindo com a situação.
— Vai, Eduardo, vai. Eu sou o cara mais forte aqui agora! — Túlio deu um tapa nas costas de Eduardo, quase derrubando ele, o que só causou mais risadas entre nós.
— Aham, forte... Se a cobra te pegar de novo, eu vou rir tanto que vou sair rolando pelo campo — Eduardo respondeu, ainda com o tom debochado, mas sem conseguir esconder o sorriso.
O trabalho da manhã consistia, como sempre, em alimentar os animais, limpar o curral e, para completar, tirar leite das vacas. E é claro que as trapalhadas começaram assim que chegamos à sala de ordenha.
— Tu vai mesmo fazer isso, Túlio? Não é só porque você se recuperou da cobra que vai virar fazendeiro, né? — Eduardo provocou, enquanto observava Túlio tentar se posicionar perto de uma vaca, com uma expressão de puro foco.
Túlio, para tentar se mostrar experiente, abaixou-se perto da vaca com um sorriso de confiança. Mas logo, ao tentar pegar a teta da vaca, ele fez uma careta de desconforto.
— Ai, caralho, parece que a vaca tá me dando uma cabeçada! — Túlio se afastou rapidamente, ruborizado de vergonha.
Lucas, que estava observando a cena de longe, não conseguiu segurar o riso.
— Parece que ela não gostou do seu jeito de trabalhar, Túlio — Lucas comentou, dando uma risadinha abafada.
Túlio fez uma cara de desespero, como se estivesse prestes a tentar de novo, mas Eduardo, ainda sorrindo, o impediu.
— Calma, você não tem jeito para isso. Melhor deixar para quem sabe mesmo. — Eduardo se aproximou e pegou o balde de leite, começando a ordenhar a vaca com a mesma habilidade de sempre.
Mas a confusão não parou por aí. Enquanto Eduardo e Túlio discutiam sobre a vaca, Lucas decidiu dar uma ajuda, mais como uma demonstração de seu próprio talento. Ele se aproximou de outra vaca e começou a ordenhar com destreza, fazendo com que a vaca se comportasse com total paciência.
— Tá vendo, Túlio? Não é assim que se faz — Lucas comentou com um sorriso tranquilo, fazendo questão de mostrar o quão fácil aquilo parecia para ele.
Eduardo, que estava concentrado no trabalho, não resistiu.
— Você não vai dizer que é o mestre da ordenha agora, vai? — ele provocou, sem levantar os olhos.
— Eu só queria mostrar o caminho certo, cara. Não precisa ficar com ciúmes — Lucas respondeu, rindo e, de forma inesperada, piscando para Eduardo, que ficou com a expressão um tanto confusa.
Isso bastou para Eduardo perder a paciência.
— Não é ciúmes, é que esse jeito de se achar o sabe-tudo me irrita, Lucas! — Eduardo retrucou, visivelmente irritado.
Túlio, que estava observando tudo de longe, não conseguiu deixar passar a oportunidade de adicionar mais caos à situação.
— Calma, calma! Não precisa brigar, porque eu ainda não aprendi a técnica de ordenha, mas sei que quando a vaca se mexe, o leite sai mais rápido! — Túlio deu uma risada, tentando aliviar a tensão, mas só causou mais irritação em Eduardo.
— Você tá mais perdido que cachorro em dia de caça, né? — Eduardo respondeu, se afastando, e tudo que conseguiu foi tropeçar no balde de leite que havia deixado perto da vaca, derrubando o conteúdo por todo o chão.
O cenário virou uma verdadeira bagunça. Enquanto Eduardo tentava limpar o leite derramado, Túlio riu da situação, mas acabou escorregando em uma poça de leite no chão e caindo de bunda.
— Aí, caralho! — Túlio gritou, levantando-se rapidamente, sem parar de rir, mas agora com o rosto completamente molhado de leite.
A risada de Lucas, que estava olhando tudo de longe, não ajudou em nada. Ele estava se divertindo com a cena, mas também não conseguia se segurar ao ver como as coisas se desenrolavam.
— Parece que o Túlio tá aprendendo, mas à sua maneira — Lucas disse, soltando uma risada controlada.
— Isso é mais uma comédia do que uma fazenda — Eduardo reclamou, enxugando as mãos na calça, enquanto eu ficava ali, observando a bagunça e tentando não rir também.
Quando finalmente conseguimos acabar com a ordenha, o resto do dia seguiu com mais confusão. Tivemos que fazer a roçada no campo e, para variar, a máquina de cortar grama quebrou no meio do trabalho. E, claro, Túlio não perdeu a chance de tentar consertar, mesmo sem ter a menor ideia de como lidar com aquilo.
— Vai, mecânico! — eu gritei de longe, enquanto ele tentava, sem sucesso, mexer na máquina que estava emperrada.
— Eu tô tentando, mas isso aqui não tem lógica! — Túlio resmungou, suado e frustrado.
— A lógica tá toda em você, irmão — Eduardo comentou, de longe, ainda irritado com a confusão anterior, mas rindo da tentativa frustrada de Túlio de consertar a máquina.
No final da tarde, todos estavam exaustos e suados, mas ninguém queria admitir o quanto gostava de estar ali. Quando finalmente nos sentamos à mesa para o jantar, a conversa girou em torno das trapalhadas do dia.
— Bom, pelo menos o dia foi produtivo, não foi? — Eu disse, tentando fazer um balanço positivo da situação.
Túlio, ainda com a cara cheia de leite e terra, levantou o copo.
— Com certeza! Não tem lugar melhor que aqui. Mesmo com cobras, vacas mal-humoradas e máquinas quebradas, essa fazenda me ensinou a ser forte. — Ele fez uma pausa — E talvez também me ensine a ser mais paciente. Com as vacas... e com pessoas como o Lucas.
Continua...