QUINTA FEIRA
O despertador tocou cedo naquela manhã. Eu me espreguicei na cama, ainda com os olhos meio pesados, e vi a hora. Eu estava começando a me acostumar com a rotina, mas algo me dizia que eu precisava mudar alguma coisa. O ônibus estava sempre lotado, o barulho das crianças, as olhadas de canto… o desgaste de tudo aquilo estava me afetando mais do que eu queria admitir.
Depois de um bom tempo refletindo, tomei uma decisão. Eu não iria mais de ônibus para a escola. Não era apenas pela preocupação com o bullying, mas também pela minha saúde. Se eu fosse andar até a escola, talvez fosse a oportunidade que eu precisava para sair do sedentarismo que eu tanto temia. Eu sabia que precisava mudar, por mim mesmo.
Pulei da cama, me vesti rápido e, antes de sair, me olhei no espelho. Não estava lá tão mal. Eu era só… eu. E, se tivesse que encarar aquele dia, faria de cabeça erguida. Encarei o desafio que seria a caminhada até a escola, mas pensei que, ao menos, eu estaria fazendo algo por mim.
O ar fresco da manhã me acolheu quando saí de casa, e comecei a caminhada. O caminho até a escola parecia mais longo do que de costume, mas eu me concentrei na minha respiração e na música da Adele, tentando fazer da caminhada algo positivo. Ao menos, era um começo.
Cheguei à escola, suando um pouco devido à caminhada, mas me sentindo mais disposto do que quando pegava o ônibus. Deu para perceber a diferença no meu corpo, ou ao menos, eu queria acreditar nisso. Mas logo a realidade voltou a me pegar, como sempre fazia.
Logo ao entrar no portão, senti aquela sensação de tensão se formando. Olhei ao redor, procurando por qualquer sinal de que o dia seria mais tranquilo. Mas, claro, não demorou para Arthur aparecer, com aquele sorriso escuro e sarcástico. Ele estava acompanhado de dois amigos, como sempre.
— Olha só quem resolveu caminhar hoje… — Arthur disse, se aproximando de mim de forma desajeitada. — Ah, Pedro, você não tem jeito mesmo, né? Sempre tentando ser diferente, tentando se fazer de bonzinho. Você não é nada além de um fracasso, sabia? Bichinha pão com ovo!
Os amigos dele riram, e eu senti a raiva subindo pela minha garganta, mas tentei não reagir. Eu sabia o que aconteceria se eu desse bola para aquilo. Eles adoravam ver minha reação, mas eu não queria mais ser o alvo fácil.
Respirei fundo, tentando ignorar as palavras de Arthur. Mas, como sempre, o peso delas ficou em mim, como uma sombra que me acompanhava.
Eu estava tentando focar na escola, tentar fazer as coisas funcionarem para mim, mas aquele momento já tinha me roubado um pouco da paz que eu queria. Ao menos, estava me esforçando para não deixar que Arthur me derrubasse. Com um movimento rápido, dei um passo à frente e segui para minha sala.
Entrei na classe e me sentei no meu lugar. Os outros alunos estavam entrando aos poucos, e eu começava a me preparar mentalmente para o dia. O barulho das conversas dos colegas de sala me incomodava um pouco, mas eu só queria que o dia passasse rápido. Eu não estava exatamente empolgado.
Foi então que, de repente, a porta da sala se abriu novamente, e eu a vi. Sofia entrou, com um sorriso enorme no rosto, radiante, como se o sol tivesse se instalado dentro dela. Ela olhou para mim, e eu senti uma onda de calor no peito. Por algum motivo, ela sempre parecia iluminar o ambiente.
— Pedro! — ela exclamou, caminhando até a minha mesa com passos rápidos e uma expressão animada. — Adivinha o que aconteceu? Eu me mudei para a sua sala! Agora somos amigos de sala também!
Eu olhei para ela, surpreso, mas o sorriso dela era tão genuíno que não consegui conter o meu.
— Sério? — Perguntei, meio sem acreditar. — Isso é incrível!
Ela riu e se sentou na cadeira ao meu lado, ainda parecendo radiante. O peso do bullying de Arthur parecia ter diminuído com a chegada de Sofia, e eu me senti mais leve, como se o dia tivesse finalmente dado uma virada. A presença dela fazia o ambiente mais amigável, mais acolhedor.
— Agora podemos conversar muito mais! — ela disse, olhando para mim com um brilho nos olhos. — E a melhor parte é que, se algum babaca como aquele idiota do Arthur vier atrás de você, eu vou te proteger. Não vamos deixar que ele atrapalhe seu dia, Pedro.
Eu ri, sentindo um alívio imenso. Ao menos, com Sofia ao meu lado, talvez as coisas fossem um pouco mais fáceis. Ela não parecia se importar com o que os outros pensavam, e isso me dava um pouco de coragem para continuar.
- Obrigado Sofia! - Pelo visto a Sofia também já tinha percebido o quanto eu sofria com o Arthur no meu pé!
Enquanto eu conversava com Sofia, tentando me acostumar à ideia de que agora éramos amigos de sala, algo mais aconteceu. Eu não sabia bem o que era, mas a atmosfera na sala parecia diferente, como se uma nova energia estivesse tomando conta do ambiente. Talvez fosse o sorriso de Sofia, ou o fato de que, pela primeira vez, alguém parecia realmente se importar comigo.
Mas logo eu percebi que algo mais estava acontecendo, algo que me deixou ainda mais tenso. Mateus entrou na sala. Ele apareceu na porta com aquele olhar calmo, como sempre, mas quando seus olhos encontraram os meus, uma sensação estranha invadiu meu peito. Ele ficou ali por um momento, como se estivesse apenas... observando. Eu senti o calor subir à minha face, o que era algo novo para mim. Ele me encarava de uma maneira que me deixava desconfortável e, ao mesmo tempo, curioso.
Mateus se sentou, mas o que mais me chamou atenção foi o fato de que ele não estava com Arthur. Isso era estranho. Normalmente, os dois sempre estavam juntos e nunca era comum ver Mateus em outro canto sem o amigo. Mas hoje, ao contrário, ele parecia estar ali, completamente sozinho, sem a presença de Arthur por perto.
Os segundos passaram e eu percebi que, enquanto todos estavam concentrados na aula, Mateus ainda me observava. Eu, por outro lado, me sentia extremamente tímido com aquele olhar, quase como se ele estivesse tentando entender algo em mim, ou quem sabe, esperando por algo.
— Ei, Pedro, você está bem? — Sofia perguntou, interrompendo meus pensamentos e percebendo que eu estava distraído.
Eu olhei para ela, tentando disfarçar a situação desconfortável que estava se formando dentro de mim. Tentei forçar um sorriso e respondi:
— Ah, sim, estou bem. Só estava... distraído.
Mas meus olhos não conseguiam deixar de se voltar para Mateus. Ele estava ali, quieto, como se a mudança que ele havia feito não fosse tão grande. Mas para mim, parecia ser um grande passo. Ele não estava mais colado a Arthur, e isso mexia com algo dentro de mim. Seria que a amizade deles estava realmente acabando? Será que ele estava começando a perceber que a companhia de Arthur não era mais tão atraente para ele?
Aquela ideia me inquietava, mas também me dava uma sensação estranha de alívio, como se o espaço entre eles significasse que talvez eu não fosse mais tão invisível aos olhos de Mateus. Talvez ele tivesse notado algo, ou talvez ele estivesse tentando entender se ainda valia a pena se associar a um grupo que, para mim, estava cada vez mais distante.
A aula seguiu, mas meu foco estava em Mateus. Sempre que eu olhava, ele parecia perdido em seus próprios pensamentos, e o que mais me chamava a atenção era que ele ainda não havia trocado uma palavra com Arthur. Talvez fosse cedo demais para eu perceber a mudança, mas, aos poucos, algo me dizia que aquele cenário não seria o mesmo para sempre.
E, pela primeira vez, a ideia de que Mateus poderia estar se afastando de Arthur me fez sentir uma ponta de esperança..
O intervalo chegou e, como sempre, a escola se encheu de risos, conversas e barulho. Sofia e eu nos dirigimos até o pátio, com os nossos lanches nas mãos. Eu me sentia mais confortável agora, sabendo que ela estava ao meu lado. Mas o que aconteceu em seguida realmente me pegou de surpresa.
Mateus apareceu, caminhando lentamente até onde nós estávamos. Ele olhou para nós e, sem rodeios, disse com um sorriso tímido:
— Ei, posso me juntar a vocês para o lanche?
Sofia e eu ficamos completamente chocados. Eu, particularmente, não sabia o que pensar. Mateus, o cara que sempre andou com Arthur e seus amigos, agora estava pedindo para se juntar a nós. Eu olhei para Sofia, que parecia tão surpresa quanto eu, mas ela logo recuperou o sorriso e disse:
— Claro, pode se juntar a nós! Vai ser bom ter você por aqui.
Mateus se sentou ao nosso lado, e o ambiente que antes parecia carregado com a presença de Arthur e seus amigos agora estava mais tranquilo, mais leve. Mas, ao mesmo tempo, uma tensão crescente tomava conta de mim. Por que Mateus estava se afastando de Arthur? O que ele estava realmente querendo? Eu me sentia como se estivesse em um território desconhecido, e não sabia exatamente como lidar com tudo aquilo.
Enquanto comíamos, trocávamos algumas palavras sobre a escola, sobre o que gostávamos de fazer no tempo livre, e a conversa, surpreendentemente, estava fluindo bem. Mas, no fundo, eu não conseguia parar de pensar que algo estava mudando. E, embora fosse bom ter Mateus ali, o medo de que algo estivesse prestes a acontecer sempre estava por perto, como uma sombra.
Após o intervalo, voltei para a sala de aula, tentando me concentrar nas lições e deixar os pensamentos de lado. Mas, no fundo, eu sabia que mais problemas estavam à espreita. E isso se confirmou mais tarde, quando fui ao banheiro.
Ao entrar, tentei me distrair, lavar as mãos e esquecer as últimas horas. Mas, antes que eu pudesse sair, ouvi os passos rápidos e pesados de alguém se aproximando. Antes que eu pudesse reagir, uma mão forte me empurrou para dentro de uma das cabines.
Eu olhei para trás, com o coração disparado, e vi Arthur. Seus olhos estavam vermelhos, como se estivesse possuído por uma raiva incontrolável. Ele me empurrou contra a parede da cabine, e eu senti a pressão da sua mão apertando meu pescoço. A respiração ficou difícil, e a tensão aumentou a cada segundo.
— O que você fez com o Mateus? — Arthur rosnou, a raiva escorrendo de cada palavra. — Você botou coisa na cabeça dele, não foi? Fala, Pedro! Eu vi ele, sozinho, sem mim! Agora tá achando que pode tirar ele de mim, é? Eu vou fazer da sua vida um inferno, sabia? Isso não vai ficar assim!
Aquela ameaça era real, eu podia ver nos olhos dele. O ódio que ele tinha dentro de si agora estava voltado para mim. E a pior parte era que, com cada palavra, ele fazia com que eu me sentisse impotente, como se fosse um alvo fácil para toda a sua frustração. A pressão no meu pescoço se intensificou, e eu fiquei sem reação, incapaz de lutar de volta.
Eu não sabia o que fazer. Ele estava tão perto, tão furioso, e, naquele momento, eu percebi que estava em perigo. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim queria gritar, queria me defender, mas o medo me paralisava. O que mais me assustava era saber que ele poderia ir ainda mais longe, fazer algo ainda pior.
A única coisa que eu conseguia pensar era em Mateus, e como, talvez, ele estivesse me afastando de Arthur. Será que ele estava começando a ver o que realmente acontecia entre eles? Ou será que, mesmo assim, Arthur ainda acreditava que tinha o controle sobre tudo e todos? Eu não sabia, mas uma coisa era certa: agora, Arthur parecia decidido a destruir qualquer esperança que eu tivesse de uma vida mais tranquila.
A dor no meu pescoço era insuportável. Arthur me mantinha preso na cabine, sua mão ainda firme contra minha garganta, me impedindo de respirar corretamente. O medo me paralisava, mas uma parte de mim ainda lutava contra a sensação de impotência. Eu tentei me soltar, mas a força dele era demais para mim.
— Arthur, por favor... — implorei, minha voz embargada pela falta de ar. — Me solta, por favor... Eu não fiz nada com o Mateus, eu juro!
Ele me olhou com os olhos inflamados de raiva, e seu olhar me cortou como uma lâmina afiada. Ele estava tão perto de mim, tão furioso, que eu quase pude sentir a pressão da sua raiva, pesada e sufocante.
— Não adianta implorar, Pedro. Você está mexendo com o que não deve, e agora vai pagar por isso! — disse ele, com a voz carregada de ódio.
E, sem aviso, ele me deu dois socos no estômago. O impacto foi tão forte que eu mal consegui respirar. Cada soco parecia fazer a dor se espalhar por todo o meu corpo, e eu fiquei tonto, quase sem conseguir manter os olhos abertos. Meu estômago queimava, e eu caí de joelhos no chão da cabine, tentando recuperar o fôlego.
Arthur me olhou uma última vez, e, com um sorriso cruel nos lábios, deu as costas e saiu. A porta da cabine se fechou atrás dele, e a única coisa que restou foi o silêncio. O tipo de silêncio que pesa, que dói, que engole qualquer tentativa de conforto.
Eu fiquei ali por alguns minutos, recuperando o fôlego e tentando me recompor. Meu estômago ainda doía e os olhos estavam cheios de lágrimas, mas eu não queria deixar ninguém me ver assim. Levantei-me, tentando controlar a respiração e limpar as lágrimas que teimavam em cair.
Quando voltei para a sala, eu estava visivelmente abatido. O rosto inchado, as mãos trêmulas, e os olhos ainda brilhando de lágrimas não passavam despercebidos. Tentei me sentar o mais discretamente possível, evitando o olhar dos outros. Sofia me lançou um olhar preocupado, mas eu não estava em condições de falar.
As horas pareciam arrastar-se enquanto a aula continuava, mas minha mente estava longe, perdida na dor e na raiva de Arthur. Eu sabia que, no fundo, ele não ia me deixar em paz. E o pior era que, talvez, aquilo fosse apenas o começo.
Quando a aula terminou, eu saí apressado, tentando evitar a conversa com qualquer pessoa. O único lugar onde eu queria estar era em casa, longe de tudo e de todos. Mas, ao sair da sala, eu encontrei alguém que não esperava ver.
Mateus estava ali, parado, perto da entrada da escola, com a moto. Seu olhar era atento, e quando me viu, ele sorriu levemente, mas logo percebeu que algo estava errado. Ele se aproximou, e a preocupação tomou conta de seu rosto.
— E aí, Pedro, tudo certo? — perguntou ele, mas logo notou a expressão no meu rosto. — O que aconteceu? Está tudo bem?
Eu hesitei por um momento, tentando engolir a dor e as palavras que estavam se formando em minha garganta. A última coisa que eu queria era contar para Mateus o que havia acontecido. Ele não precisava saber daquilo, não precisava ver o quanto eu estava fraco.
— Ah, é só... Eu não estou com muita fome hoje. — tentei desviar o assunto, forçando um sorriso que, de tão falso, nem eu mesmo acreditava. — Vou passar em casa e descansar.
Mateus me olhou com uma expressão desconfiada, como se soubesse que eu estava mentindo. Ele deu um passo em minha direção, com o olhar mais sério agora.
— Pedro, você pode falar comigo, sabe? Eu te ajudo. O que aconteceu?
Eu não sabia o que dizer. Não sabia se deveria confiar em Mateus ou se ele, de alguma forma, estaria se afastando de mim. Eu apenas queria ficar sozinho, longe de tudo aquilo.
— Não é nada, sério. — forcei mais um sorriso, mas a dor no peito era muito maior que qualquer tentativa de esconder o que eu sentia. — Só... Não estou no clima de almoço hoje. Pode ser outro dia.
Mateus me observou por mais um momento, como se estivesse tentando entender o que estava acontecendo, mas, no fim, ele apenas assentiu.
— Bora Peu, por favor! Vai ser legal! — ele disse, com uma leveza na voz, tentando me fazer sentir confortável.
Eu respirei fundo e, sem dizer mais nada, subi na moto. A sensação de liberdade que a moto me dava era estranha. Ao mesmo tempo que eu estava fugindo de tudo, estava indo em direção ao desconhecido. Eu não sabia o que me esperava na casa de Mateus, mas algo dentro de mim dizia que, por mais doloroso que fosse, eu precisava estar lá.
A moto roncou, e começamos a sair do estacionamento da escola. Enquanto o vento batia no meu rosto, eu me permiti relaxar um pouco, embora a dor ainda me consumisse por dentro. Eu não sabia o que aconteceria a seguir, mas por um breve momento, eu tinha a sensação de que talvez, só talvez, tudo fosse ficar melhor.
Continua...