A terça-feira amanheceu fria e nublada, como se o próprio céu refletisse o clima que pesava sobre Clara desde a noite anterior. Ela saiu de casa sem trocar mais do que algumas palavras com Vincent. O silêncio entre eles não era incomum, mas dessa vez, era diferente.
Não era um silêncio de conforto. Era um silêncio de coisas não ditas, de pensamentos perigosos, de ressentimentos não resolvidos. E o pior, ela não sabia se queria resolvê-los.
Quando chegou à clínica, tentou se ocupar. Mergulhou nos atendimentos, manteve-se atenta aos pacientes e evitou olhar no relógio. Mas, sempre que saía de sua sala, sentia os olhos de Otávio sobre ela.
Ele estava tentando falar com ela, mas sempre havia alguém por perto.
Na primeira tentativa, logo pela manhã, Otávio cruzou o corredor no exato momento em que Clara saía de seu consultório. Seus olhos encontraram os dela com um peso carregado de urgência, e, por um instante, ela pensou que ele fosse falar, mas então Priscila apareceu, animada, segurando a ficha de um paciente e chamando Clara para assinar um documento.
Otávio hesitou, mas logo desviou o olhar, recuando. Clara sentiu que aquele não era o momento. A segunda tentativa foi durante o horário do almoço. Ela estava na pequena copa dos funcionários, bebendo um café morno enquanto organizava mentalmente o restante dos atendimentos da tarde, quando Otávio entrou.
Sozinho.
Clara nem precisou olhar para sentir o peso de sua presença.
— Clara… — Ele começou, a voz um pouco rouca.
Ela segurou a xícara com mais força, sentindo o estômago revirar. Mas, antes que ele pudesse continuar, Priscila apareceu na porta outra vez, rindo de algo no celular e chamando Clara para ver um vídeo.
Otávio trincou o maxilar e apenas balançou a cabeça, desistindo mais uma vez. E assim foi o dia inteiro. Toda vez que Otávio tentava se aproximar, algo ou alguém surgia.
Como se o universo estivesse tentando impedir aquele encontro. Ou talvez… Talvez fosse Clara quem ainda não estivesse pronta para ele.
O relógio marcava 17h52 quando Clara finalmente percebeu que a recepção estava vazia.
Priscila costumava ficar até mais tarde, organizando a agenda do dia seguinte, mas seu computador estava desligado, e sua mesa, impecável.
Clara franziu o cenho.
Foi quando ela ouviu a voz dele.
— Eu a liberei mais cedo.
Clara se virou rápido demais e encontrou Otávio parado na porta da recepção.
Ele não usava mais o jaleco, apenas a camisa social de mangas dobradas, o colarinho levemente desabotoado, como se ele próprio já estivesse cansado de lutar contra algo o dia todo.
Seus olhos seguraram os dela, e Clara sentiu um arrepio subir por sua espinha. Eles estavam sozinhos pela primeira vez no dia inteiro.
Otávio respirou fundo, como se reunisse coragem, e então deu alguns passos à frente.
— Eu precisava falar contigo.
Clara engoliu em seco, sem responder.
Otávio parou perto demais.
Perto o suficiente para que ela sentisse o cheiro da sua pele, do seu perfume amadeirado que já conhecia bem demais.
Ele hesitou, desviando o olhar por um instante. Era raro vê-lo assim, tão incerto.
— Eu queria… pedir desculpa por ontem à noite.
Clara piscou, surpresa.
— Otávio… não tem pelo quê se desculpar.
Ele soltou um riso baixo, sem humor.
— Tem, sim. Eu deveria ter mantido o Daniel de boca fechada. Eu vi como tu tava desconfortável…
Clara sentiu o peito apertar.
O fato de Otávio perceber as coisas sem que ela precisasse falar…
Otávio inspirou fundo e finalmente perguntou:
— Tá tudo bem entre tu e Vincent?
A pergunta fez algo dentro dela rachar.
Ela abriu a boca para responder automaticamente, como faria com qualquer outra pessoa, mas então, travou. Porque a verdade era que não estava tudo bem.
A primeira coisa que sentiu foi um nó na garganta. Ela engoliu em seco, tentando afastar a sensação, tentando fingir que estava tudo sob controle, mas, quando piscou, sentiu os olhos se encherem de lágrimas.
Otávio percebeu na hora.
— Clara…
A voz dele foi baixa, suave, como se ela fosse algo que ele quisesse segurar, mas soubesse que não deveria tocar, ms era tarde demais.
Clara balançou a cabeça, respirando fundo, tentando conter as lágrimas.
— Tá tudo errado, Otávio — Sua voz saiu arrastada, frágil — Eu não sei mais o que fazer.
Otávio fechou os olhos por um instante, como se aquelas palavras o atingissem mais do que ele queria demonstrar. E então ele a abraçou. Foi lento, cuidadoso, sem hesitação.
Os braços dele envolveram sua cintura, puxando-a contra o calor do seu corpo, e Clara cedeu. Afundou o rosto no peito dele, sentindo o ritmo forte do seu coração, e tudo ao redor desapareceu.
Havia apenas o cheiro dele. Apenas o peso das mãos firmes segurando-a no lugar. Apenas a segurança de estar ali, naqueles braços. O que deveria ser conforto rapidamente se tornou algo mais. Porque quando Clara se moveu ligeiramente, tentando recuperar o fôlego, seus lábios roçaram de leve na pele quente do pescoço dele.
Otávio prendeu a respiração. Por um segundo, nenhum dos dois se mexeu. O desejo, tão bem contido até ali, agora pairava como um fio elétrico desencapado no ar.
Clara sentiu o corpo de Otávio reagir contra o dela, um mínimo tensionar de músculos, um calor diferente na forma como as mãos dele desceram para sua cintura. Ela fechou os olhos, sentindo-se perigosamente perto de atravessar um limite que não poderia ser desfeito. Ele falou. Baixo. Próximo.
A respiração quente dele arrastando-se contra a pele dela.
— Eu não consigo mais segurar…
A frase ficou suspensa no ar.
Porque ele sabia, sabia que Clara precisava daquele momento. Que ela o queria tanto quanto ele e, por um segundo, ela não soube o que responder.
O ar ao redor deles parecia vibrar. O corpo de Clara estava tão quente que ela se perguntava se Otávio sentia o mesmo incêndio queimando sob sua pele.
Ela agarrou a nuca de Otávio e puxou-o para si, colando sua boca à dele com uma necessidade crua, desesperada, primitiva.
O choque do beijo foi um incêndio sem volta.
Otávio segurou sua cintura com força, puxando-a ainda mais contra si, e Clara gemeu contra sua boca, sentindo cada centímetro do corpo dele pressionado contra o dela.
Não havia mais dúvidas. Não havia mais barreiras.
Otávio aprofundou o beijo, faminto, explorador, sua língua traçando caminhos proibidos dentro da boca dela enquanto suas mãos deslizavam sem pudor pelas curvas de Clara.
A primeira peça de roupa caiu no chão.
Depois outra.
E outra.
Clara nem sabia ao certo quando haviam se movido, mas em algum momento sua blusa desapareceu, e as mãos de Otávio estavam explorando seus seios desnudos, os polegares provocando seus mamilos rijos até arrancarem gemidos suplicantes de seus lábios.
— Tu é linda demais… — Ele murmurou, a boca descendo pelo seu pescoço, mordiscando até alcançar a curva dos seus seios.
Clara arqueou-se quando os lábios quentes dele envolveram uma aréola sensível, sua língua desenhando círculos torturantes antes de sugá-la com força suficiente para fazê-la soltar um gemido trêmulo.
O fogo cresceu dentro dela, consumindo cada pedaço de sua sanidade.
— Otávio… — Seu nome escapou como um pedido.
Ele ergueu o rosto, os olhos escuros ardendo de desejo.
— O que foi, Clara?
Ela agarrou seus cabelos, puxando-o contra si, ofegante.
— Me fode.
Otávio sorriu.
Aquele sorriso perigoso, torturante, que dizia que ele faria exatamente isso, mas no tempo dele. Ele virou Clara de costas, inclinando-a sobre o balcão de atendimento. Suas mãos deslizaram pela curva de sua cintura, descendo pelas nádegas, apreciando cada centímetro de pele exposta.
— Tu sabe que eu senti falta disso… — Ele sussurrou contra sua orelha, a ponta dos dedos traçando um caminho lento e pecaminoso entre suas pernas.
Clara arfou, se abrindo para ele, sentindo-se escandalosamente molhada.
Otávio gemeu baixo, satisfeito.
— Eu sabia… — Ele deslizou um dedo entre suas dobras escorregadias, provocando-a sem piedade — Olha o estado que tu já tá pra mim.
Clara fechou os olhos, mordendo o lábio para conter um grito.
Ela nunca quisera tanto alguém assim.
E quando ele finalmente a preencheu, a investida foi lenta, intensa, fazendo-a arquear e segurar-se no balcão para não desmoronar.
— Porra, Clara… — Ele gemeu contra sua nuca, segurando seus quadris com força, fazendo-a sentir cada centímetro dele dentro dela.
Ela não conseguia pensar, só sentia.
Cada movimento. Cada estocada profunda e certeira. Otávio sabia exatamente o que estava fazendo.
E quando ele segurou seus cabelos, puxando-a levemente para trás enquanto murmurava obscenidades contra sua pele suada, Clara soube que estava perdida.
— É assim que tu gosta, né? Sendo fodida desse jeito, sem freio…
— Sim… — Ela gemeu, apertando-se ainda mais contra ele.
— E eu vou te dar mais.
Otávio a preencheu mais fundo, fazendo todo o seu corpo estremecer.
A sensação era insana, visceral, um prazer insuportável que a levava à beira do abismo.
E quando o clímax veio, explodiu com força suficiente para fazer Clara perder o fôlego, seu corpo inteiro se contraindo ao redor dele enquanto ela gritava seu nome. Mas não era o suficiente.
Ambos ainda queriam mais.
Os joelhos de Clara falharam, e ela deslizou para o chão frio da recepção.
Otávio seguiu junto, deitando-se sobre o piso liso, puxando-a para cima dele.
E foi ali, com as luzes baixas e os corpos brilhando de suor, que Clara tomou o controle.
Ela montou sobre ele, segurando seus ombros para se equilibrar. Os olhos de Otávio estavam famintos, hipnotizados.
— Isso… — Ele gemeu, apertando sua cintura enquanto Clara deslizava lentamente, saboreando a sensação de tê-lo novamente dentro dela.
A nova posição a fazia sentir tudo de forma ainda mais intensa.
Cada centímetro.
Cada pulsação.
Cada tremor.
Ela jogou a cabeça para trás, montando nele sem vergonha, sem hesitação, enquanto Otávio murmurava palavras sujas que só aumentavam seu desejo.
— Tu nasceu pra isso… pra foder assim, toda molhada…
Clara estremeceu, cavalgando com mais força, mais rápido, levando ambos ao limite mais uma vez. E quando chegaram lá juntos, foi como mergulhar no fogo.
Uma combustão intensa.
Avassaladora.
Destruidora.
E nada… nada mais importava.
O ar na recepção da clínica estava pesado, denso, carregado do cheiro de sexo e do calor dos corpos entrelaçados.
Clara ainda estava sobre Otávio, as unhas cravadas nos ombros dele enquanto se movia, sentindo cada pulsação dele dentro dela.
O corpo dele tremia abaixo do dela, os músculos retesados de tanto se segurar, mas seus olhos continuavam fixos nos dela, escuros, famintos.
— Assim, Clara… — Ele rosnou, as mãos apertando sua cintura, guiando-a para um ritmo ainda mais intenso — Porra, olha pra ti… montando em mim desse jeito.
Clara gemeu alto, sentindo as palavras dele ecoarem direto no lugar mais profundo do seu desejo. Ela estava selvagem, sem reservas, tomando tudo que queria, sem medo de ser vista ou ouvida.
E ele estava entregue a ela. Mas ainda não era suficiente. Não para Otávio. E não para ela. Ele queria mais.
Com um movimento ágil, Otávio a segurou pela cintura e a virou sobre os joelhos, fazendo-a apoiar as mãos no chão da recepção.
Clara sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
Ela sabia o que viria a seguir e queria, queria com tudo dentro dela.
Otávio deslizou os dedos pela curva da sua cintura, descendo até suas coxas.
— Sabe o que mais me enlouquece em ti? — Ele murmurou contra sua pele suada, beijando sua nuca e mordiscando o lóbulo da sua orelha.
— O quê? — Clara arfou, sentindo os dedos dele deslizarem entre suas pernas novamente, provocando-a sem pressa.
— O jeito que tu se entrega. O jeito que tu deixa eu te tomar desse jeito, como se tivesse sido feita só pra mim.
Clara ofegou, sentindo seu corpo vibrar só com as palavras.
— Otávio… por favor…
Ele sorriu contra sua pele.
— Suplica mais.
A provocação fez Clara arder. Ela mordeu os lábios, empinando-se mais para ele, esfregando-se contra seu membro rígido, implorando pelo que queria.
— Me fode… me enche toda, me faz tua…
E ele atendeu.
A primeira investida foi funda, firme, arrancando um gemido rasgado de Clara.
As mãos dele seguraram sua cintura com mais força, puxando-a para ele a cada estocada.
O ritmo aumentou, tornou-se insano, devastador, sem misericórdia.
Otávio estava completamente tomado pelo desejo, os gemidos dele roucos, carregados de posse.
— Isso… assim… tão apertada…
Clara agarrou o chão, sentindo-se incendiar, consumida pelo prazer bruto e primitivo.
Os gemidos dela ecoavam pelo ambiente vazio, misturando-se ao som dos corpos se chocando, ao arfar de Otávio, à respiração pesada de ambos.
— Eu vou gozar… — Ela choramingou, as pernas tremendo.
Otávio mordeu sua nuca, os movimentos ficando ainda mais intensos.
— Então vem, Clara… goza pra mim.
E foi o que ela fez.
O ápice a atingiu como um raio, espasmos violentos a percorrendo, o corpo inteiro se fechando em torno dele.
Otávio soltou um gemido profundo, enterrando-se uma última vez antes de finalmente se desfazer dentro dela, preenchendo-a por completo.
Os dois desabaram juntos, ainda ofegantes, os corpos brilhando com o suor e o desejo saciado.
O silêncio foi preenchido apenas pelo som das respirações descompassadas.
Clara ainda tremia, o rosto apoiado no chão frio da recepção.
Otávio deslizou a mão pelas costas dela, um toque leve, mas cheio de algo mais profundo.
E então ele riu baixinho.
Clara virou o rosto para ele, ainda recuperando o fôlego.
— Do que tu tá rindo?
Otávio mordeu o lábio, ainda deitado ao lado dela.
— Eu sabia que tu era um problema.
Ela sorriu, cansada, satisfeita.
— Agora já é tarde demais.
Otávio a puxou para si, beijando-a de novo.
E nenhum dos dois quis pensar no que aquilo significava. Não agora. Não enquanto o fogo ainda queimava dentro deles.
**********
A porta de casa se fechou atrás de Clara com um estalo suave. O silêncio que a recebeu era denso, carregado de algo que ela não sabia nomear. Seus passos ecoaram pelo piso enquanto ela largava a bolsa sobre o aparador da sala. Não acendeu as luzes. Não queria que o brilho artificial dissipasse a febre que ainda ardia sob sua pele.
Seu corpo ainda pulsava.
As pernas estavam trêmulas, o peito subia e descia em um ritmo descompassado. E entre as coxas… o líquido seco marcava sua pele, um lembrete sujo e delicioso do que acontecera horas antes.
A respiração dele ainda queimava contra sua nuca. A forma como a segurou, como a puxou para si, como a preencheu. Clara fechou os olhos, encostando-se por um momento na parede do corredor.
Não deveria se sentir assim. Não deveria desejar repetir aquilo, mas o fogo dentro dela não havia se apagado. O relógio na parede marcava 20h17.
Vincent ainda não havia chegado e nem havia mandado mensagem. Wagner, provavelmente, estava com Ellen. Talvez fosse melhor assim. Que ninguém estivesse ali. Que ninguém percebesse a mulher em que ela estava se tornando.
Clara subiu as escadas, sentindo o rastro da noite ainda impregnado em seu corpo.
Precisava de um banho. Precisava limpar-se, mas, acima de tudo… precisava esquecer.
Seus pés deslizavam suavemente pelo corredor, cada degrau um lembrete do peso que carregava dentro de si. Mas então, no instante em que passou pela porta entreaberta do quarto de Wagner, algo a fez parar.
Um som abafado, baixo, feminino. Clara piscou, confusa e então ouviu de novo.
O gemido.
Não era dela. Não era sua memória distorcida de algumas horas atrás. Era real. Seu peito subiu e desceu mais rápido, e um arrepio gelado percorreu sua espinha.
Seus dedos se apertaram contra o corrimão da escada.
Outro som. Dessa vez, mais claro.
Os olhos de Clara se arregalaram. Ela não deveria estar ali. Não deveria ouvir, mas seu corpo não se moveu. Em vez disso, aproximou-se.
A porta estava encostada, não fechada.
E quando Clara se colocou ao lado da abertura estreita, ouviu claramente.
— Wagner… ah… isso… assim…
Clara sentiu o próprio corpo reagir.
Um calor subiu por sua pele, os pelos de sua nuca se arrepiando. Ela deveria ir embora. Deveria simplesmente entrar em seu quarto, tomar seu banho e fingir que nunca ouvira nada, mas seus pés não se moveram.
Ela prendeu a respiração, os sentidos aguçados, e ouviu o ranger abafado da cama, os murmúrios mais baixos, o som úmido e lascivo de corpos se encontrando.
Seus lábios entreabriram-se sem que percebesse. Wagner, seu menino, seu filho.
Ele já não era mais tão inocente.
Aquela não era a voz de um garoto perdido e hesitante. O tom rouco de sua respiração pesada, os comandos murmurados entre dentes, a forma como Ellen respondia a ele com prazer descarado…
Clara sentiu o ar faltar.
Seu corpo inteiro reconheceu o que acontecia. E, o que a assustou mais do que qualquer outra coisa… foi o calor que se acendeu entre suas pernas.
Ela mordeu o lábio, reprimindo o pensamento que tentou invadi-la. Não, não podia estar reagindo àquilo, mas seus dedos apertaram a barra do vestido, e seu peito subia e descia em um ritmo descontrolado.
Seu corpo ainda estava sujo de Otávio e agora, era outra febre que subia dentro dela.
Ela fechou os olhos, tentando controlar a própria respiração.
Precisava sair dali. Precisava entrar no banheiro e esquecer tudo isso.
Mas, quando Ellen gemeu alto e arrastado, o nome de Wagner escapando de seus lábios em pura rendição…
Clara soube que havia perdido completamente o controle, de seu corpo, de sua mente, e, principalmente… de quem ela era.
**********
A porta da frente se abriu e o som dos sapatos de Vincent ecoou pelo piso do hall. O ar dentro do ambiente parecia diferente do habitual. Não havia o cheiro acolhedor da comida de Clara, nem o som da TV ligada ou o barulho dos passos leves dela pelo corredor.
Apenas silêncio.
Ele deslizou os dedos pelo nó da gravata, afrouxando-a lentamente, a mente ainda presa nos eventos da noite anterior. O jantar. O olhar de Clara. O toque de Otávio segurando seu braço. Ele fechou os olhos por um instante, tentando conter a irritação que ainda pulsava dentro de si.
O silêncio foi quebrado por um som leve de passos na escada.
Ellen apareceu, descendo com um sorriso travesso nos lábios, os cabelos ruivos bagunçados como se tivesse acabado de sair de uma tempestade. Ela parou no último degrau e ergueu os olhos para Vincent, sem qualquer hesitação.
— Opa. O chefe chegou.
Vincent arqueou uma sobrancelha, estudando a garota.
Wagner surgiu logo atrás, os cabelos igualmente bagunçados, a camisa mal colocada sobre os ombros.
— Vamos, Ellen — ele murmurou, tentando guiá-la rapidamente para a porta antes que a situação ficasse mais desconfortável.
Mas Ellen não parecia ter pressa, pelo contrário. Ela se virou para Vincent e, com um sorriso descaradamente fofo, ergueu a mão e acenou.
— Boa noite, senhor Weiser. Durma bem.
Vincent encarou-a por um longo segundo, sua expressão impassível, fria. Ellen piscou como se aquilo fosse um desafio velado, como se testasse até onde poderia irritá-lo. Vincent não respondeu. Apenas permaneceu imóvel, os olhos frios como vidro.
Wagner prendeu o riso, mas Vincent percebeu o estremecer de seus ombros.
Vincent ficou ali por um momento, o silêncio voltando a envolver a casa. Ele soltou um suspiro pesado, passando a mão pelo rosto antes de subir as escadas. Clara não estava ali para recebê-lo. Ela já estava no banho.
O vapor ainda flutuava no banheiro quando Clara saiu do chuveiro, envolta apenas em uma toalha. Seu corpo ainda estava quente, o sangue pulsando preguiçosamente sob sua pele. Ela deslizou os dedos pela superfície do espelho embaçado, revelando seu próprio reflexo.
Os olhos estavam cansados, confusos. As lembranças da clínica ainda queimavam sob sua pele. O toque de Otávio, a posse, a fome, o desejo descarado, mas ali, naquela casa, havia outra presença. Vincent. A culpa deveria estar corroendo-a por dentro, mas não estava.
Seu corpo ainda doía do intenso desempenho de Otávio, mas não era um incômodo. Era um lembrete cruel.
O som vindo do quarto quebrou seus pensamentos.
Ela se virou para a porta e encontrou Vincent parado ali, desabotoando a camisa.
Seus olhos se cruzaram apenas por um instante, mas havia algo ali. Um peso silencioso, uma barreira invisível.
Clara desviou o olhar primeiro, caminhando até a cômoda para pegar um pijama confortável. O tecido deslizou sobre sua pele, e ela sentiu o olhar de Vincent sobre ela, de soslaio, avaliando cada um de seus movimentos.
O silêncio entre eles se estendeu. Clara respirou fundo. Ela precisava dizer algo.
Com a voz baixa, quase hesitante, ela murmurou:
— Eu… sinto muito por ontem à noite.
Vincent arqueou levemente uma sobrancelha, mas não respondeu.
Clara continuou, ainda sem encará-lo:
— Eu deveria ter ficado do teu lado. Só queria evitar uma cena.
Ela queria acreditar que era só isso.
Vincent continuou a observá-la com aquele olhar cortante, estudando cada palavra que saía de seus lábios.
Finalmente, ele falou.
— Eu te defendi.
Sua voz era baixa, mas carregava algo mais. Clara se virou de leve, encontrando seu olhar por um segundo. Vincent não estava bravo. Não havia fúria ali. Havia convicção e isso mexeu com ela.
Ela engoliu em seco.
— Eu sei.
O silêncio se alongou.
E foi nesse silêncio que Clara percebeu algo inquietante.
Vincent a fazia se sentir segura. Mesmo naquele momento, com tudo o que fizera naquela tarde, havia uma proteção inabalável em sua presença. Isso não deveria fazê-la se sentir como estava se sentindo, porque ainda havia algo entre suas pernas. Um inchaço, o lembrete ardente do que Otávio fizera com ela, do que ela permitiu, do que ela implorou. E, agora, estava ali, de frente para o marido, sentindo-se protegida por ele, mas ainda suja do toque de outro homem.
Clara respirou fundo, desviando o olhar antes que Vincent percebesse o conflito dentro dela.
Vincent aceitou as desculpas, mas algo nele ainda parecia analisar, ainda parecia questionar.
**********
O cheiro de café fresco se espalhava pela cozinha, misturado ao aroma sutil do pão tostado na frigideira. Clara terminava de arrumar a mesa do café da manhã, os movimentos automáticos, enquanto a luz suave da manhã entrava pelas janelas.
A conversa com Vincent na noite anterior havia encerrado a tensão imediata entre eles, mas o distanciamento permanecia. Apenas uma cordialidade calculada.
Os passos de Wagner ecoaram pela escada, e, pouco depois, ele surgiu na cozinha, o cabelo desgrenhado e os olhos ainda carregados de sono.
— Bom dia — murmurou, puxando uma cadeira e se jogando sobre ela.
Clara sorriu, servindo uma xícara de café para ele.
— Bom dia. Dormiu bem?
Wagner tomou um gole do café antes de responder.
— Aham.
Ela percebeu o jeito hesitante dele, a forma como girava a colher entre os dedos, como se procurasse as palavras certas.
Clara sabia reconhecer quando o filho queria pedir algo.
Ela cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.
— Fala logo.
Wagner soltou um suspiro dramático, largando a colher sobre o pires.
— Preciso de um favor.
Clara se recostou no balcão, já imaginando onde aquilo ia dar.
— Que tipo de favor?
Ele respirou fundo.
— Um empréstimo.
Clara estreitou os olhos.
— Ah, é? Pra quê?
— É aniversário da Ellen. Queria levar ela pra jantar num lugar legal.
A confissão foi direta, mas Clara percebeu a hesitação na voz dele. Não era vergonha, mas Wagner também não gostava de pedir.
Ela cruzou os braços.
— E por que não pede diretamente ao teu pai?
Wagner bufou, revirando os olhos.
— Ah, mãe. Tu sabe que vai ser mais fácil se tu pedir por mim.
Clara riu.
— Tá querendo me usar como intermediária?
Ele jogou um olhar pidão para ela.
— Funciona, não funciona?
Ela suspirou, balançando a cabeça.
— Wagner…
Ele bebeu mais um gole de café e inclinou-se sobre a mesa.
— Ele tá lá no quarto, né?
Clara olhou para as escadas, hesitante.
— Sim.
— Então vai lá.
Clara sabia que já tinha perdido essa discussão.
Com um suspiro resignado, pegou sua xícara de café e seguiu pelo corredor, subindo as escadas.
Vincent estava em frente ao espelho, ajustando a gravata com um movimento firme. O terno cinza-escuro caía perfeitamente sobre ele, cada detalhe de sua aparência meticulosamente arrumado.
Clara entrou de mansinho, encostando-se à porta por um instante antes de falar.
— Wagner quer levar Ellen para jantar hoje à noite.
Vincent não parou de arrumar a gravata, mas respondeu com um tom neutro:
— E?
Clara sorriu de leve.
— E ele precisa de dinheiro.
Dessa vez, Vincent parou. Ele virou-se devagar, o olhar avaliando Clara.
— Ele quer que eu banque o jantar.
Não era uma pergunta. Clara aproximou-se, pousando a xícara de café sobre a cômoda.
— Vincent… ele ainda não tem como pagar essas coisas. E é um gesto bonito.
Vincent respirou fundo, como se analisasse os prós e contras da situação. Clara conhecia aquele olhar. Ele não gostava da ideia, mas também não gostava de negar algo quando era ela quem pedia. Antes que ele decidisse, ela deslizou até ele e tocou suavemente seu peito.
— Se tu fizer isso… eu prometo um jantar especial pra ti hoje à noite. Só nós dois.
Ela viu o leve estremecer dos dedos dele sobre a gravata.
Vincent ergueu uma sobrancelha.
— Especial como?
Clara sorriu de canto.
— Como tu quiser.
Vincent relaxou um pouco. Ele não estava cedendo por Wagner, ele estava cedendo pela promessa do jantar e por ela.
Ele soltou um suspiro longo e, por fim, pegou a carteira no criado-mudo, retirando algumas notas.
— Dá isso pra ele. Mas que não vire um hábito.
Clara pegou o dinheiro, satisfeita com sua pequena vitória.
Antes de sair do quarto, virou-se e sorriu.
— Obrigada.
Vincent apenas observou-a por um momento.
— Espero que o jantar valha a pena.
Clara sustentou o olhar dele, sentindo algo curioso revirar dentro de si.
— Vai valer.
E saiu.