PRÓLOGO
A vida é feita de segredos.
Alguns são suaves, quase inocentes, como aquele primeiro amor nunca revelado, guardado com carinho no fundo da memória. Outros são profundos, poderosos e capazes de moldar destinos inteiros. Segredos que surgem da necessidade urgente de ser quem se é verdadeiramente, mas que precisam ser protegidos atrás de máscaras, escondidos entre camadas de roupas que não refletem a alma.
Este livro conta a história de Nanda, alguém que nasceu aprisionada em um corpo e numa realidade impostos por uma sociedade que nunca a compreendeu.
Sua jornada é silenciosa e corajosa, um caminho entre desejos, culpas e silêncios que só ela conhece. Aqui não há julgamentos, nem respostas prontas. Há apenas a verdade nua de alguém que sempre quis ser livre para viver sua verdadeira essência.
Cada página revela a força de alguém que ousou existir, mesmo que discretamente, nos espaços permitidos por um mundo cheio de regras rígidas. É a história de uma identidade escondida, mas nunca esquecida, esperando o momento certo para florescer plenamente.
Este é um convite a olhar além das aparências, para a alma que vive escondida dentro de cada um de nósCAPÍTULO 1 - O Início de Nanda
Meu nome é Nanda.
Mas nem sempre foi assim. Por anos, carreguei um nome que nunca me pertenceu por completo, uma identidade imposta que vestia como uma armadura. Mas dentro de mim, havia outra. Havia ela. Suave. Delicada. Irresistível.
Ela sempre esteve ali, adormecida, aguardando pacientemente o momento certo para despertar. E, quando despertei, nunca mais consegui trancá-la dentro de mim.
Minhas primeiras lembranças vêm em fragmentos sedutores, como flashes de um filme antigo. Uma casa simples no subúrbio de uma grande capital. Os móveis de madeira escura. O cheiro de café misturado ao perfume floral da minha mãe. E no meio desse cenário inocente, um desejo já começava a se formar. Um desejo que eu não compreendia. Um desejo que me fazia sentir diferente.
Eu era apenas uma criança, mas já havia algo dentro de mim que pulsava, que me chamava, que me convidava para um universo proibido e delicioso. Era a seda. A renda. A lycra macia das lingeries femininas. Eu as via penduradas no varal, dobradas sobre a cama, esquecidas dentro da gaveta. E eu não conseguia resistir.
Toda vez que minha mãe saía para trabalhar e eu ficava sozinha, eu sabia exatamente o que fazer. O coração acelerava. As mãos tremiam. Cada passo até o guarda-roupa parecia um ritual secreto, um jogo perigoso entre o medo de ser descoberta e a adrenalina do desejo. E então, quando finalmente abria a gaveta e deslizava os dedos pelas peças delicadas, um arrepio percorria minha pele.
Eu pegava uma calcinha. Uma calcinha qualquer. Às vezes, era uma branquinha de algodão, com um elástico simples que se ajustava perfeitamente ao meu quadril. Outras vezes, uma de renda vermelha, com um detalhe bordado que me fazia suspirar sem entender por quê. E havia aquelas de lycra, lisinhas, macias, que deslizavam contra minha pele como um segredo sussurrado ao pé do ouvido.
Eu pegava a peça e corria para o banheiro. Fechava a porta devagar, certificando-me de que ninguém estava por perto. E então, diante do espelho, eu a vestia. Primeiro, subindo lentamente pelas pernas. Sentindo o tecido deslizar suavemente pela pele, subindo, ajustando-se. Quando o elástico se encaixava na minha cintura, um arrepio tomava conta do meu corpo. Era tão diferente das roupas masculinas. Tão certo.
Meu reflexo no espelho me encarava. Os olhos brilhavam, o peito subia e descia em uma respiração acelerada, os dedos deslizavam pelo tecido fino, experimentando, explorando, descobrindo. Eu me virava de lado, admirando como a renda marcava meu quadril, como o tecido delineava meu corpo de um jeito que nada mais fazia.
E, por um instante, eu me sentia… eu mesma. Mas a realidade sempre batia à porta. Literalmente.
— Por que você trancou essa porta? O que está fazendo aí dentro? A voz da minha mãe ou do meu irmão ecoava do outro lado, trazendo um medo avassalador. O coração disparava. O prazer se transformava em pânico. Eu arrancava a calcinha depressa, jogava-a no cesto de roupas sujas, certificava-me de que nada estava fora do lugar e abria a porta com um sorriso ensaiado.
Ninguém nunca soube. Ou, pelo menos, nunca disseram nada. Mas eu sabia. Aquele momento, aquele pequeno ritual secreto, não era apenas uma travessura de criança. Era o primeiro sussurro da minha verdadeira identidade. O primeiro sinal de que Nanda sempre esteve ali, esperando pacientemente para ser reconhecida.
Eu ainda não sabia, mas a garotinha que se via no espelho ajeitando as rendas de uma calcinha roubada do armário da mamãe, um dia se chamaria Nanda. E ela nunca mais aceitaria ser silenciada.
Continua...
📖 "Meu Segredo de Renda" é um romance intenso, baseado em fatos reais, sobre identidade de gênero, desejo e coragem. Uma história para quem já se sentiu deslocado. Para quem precisou esconder partes de si. Para quem, no fundo, apenas quer existir.
💡 Os primeiros capítulos já estão disponíveis aqui para você ler. Mas a jornada de Nanda vai muito além…
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