Capítulo 2 - Sonhos de Renda e Silêncio
Nanda ainda não existia, mas já sonhava.
Sonhava no toque da seda deslizante, na maciez do cetim, na textura rendada que abraçava o corpo como se sempre tivesse pertencido a ele. No reflexo opaco do espelho do quarto, havia uma criança de olhos atentos e curiosos, envolta em um mistério que nem ela sabia nomear.
Algo dentro dela pulsava diferente. Um segredo sussurrado pelo vento que entrava pelas frestas da janela. No silêncio da casa, entre os ruídos da rua e o eco das vozes dos adultos, havia um universo escondido dentro daquele coração pequeno e ansioso.
Ela não sabia explicar. Mas sentia. E sentia profundamente. O desejo não era racional. Não era aprendido.
Era uma chama branda, acesa em sua pele toda vez que seus dedos deslizavam pelo tecido fino da calcinha de renda esquecida no cesto de roupas. Era um arrepio involuntário, uma onda de calor subindo pelas coxas, quando o elástico abraçava seu quadril. Era um tremor leve, uma excitação inocente, um encantamento proibido que se instalava no fundo da alma, um prazer silencioso que não deveria existir… mas existia.
Ela fechava os olhos, sentindo o tecido abraçar seu corpo, como se finalmente pertencesse a um lugar seguro. Como se estivesse em casa dentro de si mesma.
Mas então, a culpa vinha rastejando. Os passos no corredor faziam seu peito gelar. As vozes ecoavam e o medo apertava a garganta. Ela não podia ser pega. Ela não podia ser descoberta.
Com a respiração acelerada, arrancava às pressas a calcinha rendada, empurrando-a de volta para o cesto, o coração martelando, os dedos ainda tremendo com a sensação do proibido na pele.
O mundo lá fora dizia que aquilo não era dela. Mas seu corpo dizia o contrário.
Ela queria ser feminina. Queria deslizar os pés em sapatos de salto, sentir a cintura marcada por um vestido justo, ver os próprios lábios pintados de vermelho e sentir o perfume doce impregnado na pele. Mas estava cercada por muros invisíveis. Muros erguidos por regras, por olhares severos, por expectativas que pesavam sobre seus ombros frágeis.
Foi podada. Moldada. Treinada para caminhar reto, quando sua alma queria rodopiar. Forçada a ser forte, quando seu instinto era delicadeza. Obrigada a ser firme, quando seu corpo pedia suavidade. O mundo lhe deu carros de brinquedo, bolas, carrinhos de corrida. Mas seus olhos brilhavam diante de vestidos rodados, laços, rendas e bonecas.
Mas o desejo nunca morreu. Ele permaneceu ali. Escondido. Disfarçado. Abafado pelos anos de disciplina e silêncio.
A lingerie continuava a ser um refúgio secreto. Um tesouro proibido dentro do guarda-roupa materno. Cada noite em que conseguia roubar alguns momentos a sós, cada vez que podia deslizar uma peça feminina pelo corpo, era uma vitória silenciosa.
Mas junto com o prazer… Vinha a culpa.
Aos poucos, começou a entender. O mundo dizia que meninos que gostavam de roupas de meninas eram errados. Eram diferentes. E o diferente era perigoso.
O pensamento começou a crescer, se infiltrando em sua mente como um veneno. Se eu gosto disso… então eu sou gay? Era a única explicação que conhecia. O mundo não falava sobre desejo feminino dentro de um corpo masculino. O mundo não ensinava sobre identidade. O mundo apenas julgava. O mundo apenas destruía o que não entendia.
E, então, ela tentou esquecer. Tentou enterrar o que sentia. Tentou se forçar a ser o que o mundo queria. Mas como matar algo que é parte de você? Como destruir um desejo que nunca desaparece? Como se livrar de uma verdade que arde na pele, que queima no peito, que lateja no ventre? Como matar a própria essência?
Nanda ainda não tinha um nome. Mas ela já existia. Mesmo que o mundo dissesse que não. Mesmo que ela mesma tentasse apagar essa parte de si. Mesmo que vestisse as roupas masculinas de volta e fingisse que nada acontecera.
Mesmo que prometesse "nunca mais farei isso". Mesmo que jurasse "nunca mais tocarei em uma calcinha". Mesmo que chorasse escondida, sufocando a vontade, reprimindo os sussurros da alma. Nanda nunca desapareceria. Porque Nanda era real. Porque Nanda era ela.
Continua...
📖 "Meu Segredo de Renda" é um romance intenso, baseado em fatos reais, sobre identidade de gênero, desejo e coragem. Uma história para quem já se sentiu deslocado. Para quem precisou esconder partes de si. Para quem, no fundo, apenas quer existir.
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