Capítulo 3 - A Cidade Pequena, o Mundo Menor Ainda
Aos cinco, quase seis anos, minha vida mudou drasticamente.
Meus pais deixaram a capital para trás, levando-nos para uma cidade pequena, sufocante, onde todos se conheciam e os segredos não podiam ser guardados por muito tempo. Para eles, era a escolha perfeita: tranquilidade, segurança, um estilo de vida previsível. Para mim? Era o começo do apagamento daquilo que eu nem sabia que existia dentro de mim.
Eu era apenas uma criança, mas já entendia, no fundo da alma, que havia algo de errado comigo. Ou melhor… Que havia algo errado com o mundo ao meu redor.
As ruas eram estreitas. Os rostos desconhecidos logo se tornaram familiares, e a vigilância da sociedade parecia pairar sobre minha pele como uma sombra constante. Se na capital eu já sentia que meu segredo precisava ser guardado, agora, ele jamais poderia sequer ser imaginado.
Naquela cidade, não havia espaço para diferenças. Não havia brechas. Tudo tinha um lugar certo. Cada pessoa tinha um papel a desempenhar. E qualquer um que saísse da linha invisível traçada pela tradição e pela moralidade era rapidamente identificado, comentado, corrigido. O peso disso não precisava ser explicado em palavras. Ele estava nos olhares dos adultos, nos sussurros entre as vizinhas, nos cochichos das crianças quando algo parecia "estranho". E eu… Eu era estranho.
Mas, dentro de mim, Nanda sussurrava. Ela queria existir. Ela precisava existir. E eu não conseguia impedir. Não conseguia controlar a atração quase magnética que sentia pelo toque da renda, pela suavidade da seda, pelo ajuste perfeito da lycra contra a pele.
Eu fechava os olhos e imaginava a textura das calcinhas femininas roçando meu corpo, imaginava o peso de um vestido esvoaçante caindo sobre minhas pernas, imaginava o brilho de um batom marcando minha boca, desenhando uma nova versão de mim. Mas naquela cidade… Essas coisas não aconteciam. Meninos como eu não podiam querer isso. E se quisessem… Aprendiam a sufocar esse desejo. A apagar esse fogo. A esconder-se nas sombras.
Naquela época, ninguém chamava de bullying. Era apenas "educação". Se alguém fosse diferente, que se preparasse. Porque os corredores da escola, as praças, as ruas, as salas de aula se transformavam em arenas onde a violência vinha em palavras afiadas, empurrões silenciosos, apelidos que grudavam na pele como feridas invisíveis.
Ser diferente era assinar um contrato invisível com o sofrimento. E eu… Eu sabia disso. Mesmo tão pequena, já entendia que precisava esconder tudo. O desejo de tocar uma renda, de sentir o elástico de uma calcinha apertar suavemente minha cintura, de me olhar no espelho e ver algo diferente refletido ali. Eu já sabia que tudo isso precisava ser enterrado fundo dentro de mim. Bem longe do olhar de quem estivesse por perto.
Mas o desejo não sumia. Ele apenas se disfarçava. Se escondia nos cantos do meu quarto, nas noites silenciosas em que eu fantasiava com aquilo que não podia viver.
Havia algo de sufocante naquela cidade. As regras não precisavam ser ditas – elas estavam no ar, impressas nos olhares severos dos adultos, na dureza das palavras das crianças.
Meninos jogavam bola. Meninos se ralavam no chão, riam alto, falavam grosso. Meninos aprendiam a responder, a brigar se fosse preciso. Meninos não podiam chorar. E eu… Eu tentava me encaixar. Tentava ser o menino que esperavam que eu fosse. Mas dentro de mim, existia algo mais. Um espaço secreto, um espaço meu, um espaço onde eu era Nanda. Onde eu existia. Onde ninguém podia me tocar.
Eu sabia que, em algum canto daquela cidade, talvez houvesse alguém como eu. Meninos que, no silêncio de seus quartos, experimentavam as roupas de suas mães, que sentiam o coração acelerar ao ver um batom, que fechavam os olhos e imaginavam um dia serem livres para viverem como queriam. Mas eu nunca os via. Se existiam, estavam tão escondidos quanto eu. Enterrados em suas próprias jaulas invisíveis. E então, eu comecei a acreditar que eu era a única.
Comecei a perceber algo: Havia meninos na cidade que eram diferentes. Meninos que não gostavam de futebol. Meninos que falavam mais fino. Meninos que andavam com as meninas. Meninos que, de tempos em tempos, eram chamados de "bichinhas", "mariquinhas", "veadinhos". Eu via o que acontecia com eles. Eu via os risos debochados. Os empurrões. As mãos pesadas de quem se achava superior.
E então, eu entendi uma coisa: Se descobrissem meu segredo, eu seria o próximo alvo.
Eu comecei a me perguntar se eu era gay.
Porque o que eu fazia, o que eu sentia, não era "coisa de homem". Na minha cabeça infantil, ser um menino que gostava de coisas femininas só podia significar uma coisa: Que eu era gay.
Eu não entendia que identidade de gênero e orientação sexual eram coisas diferentes. Eu não sabia que era possível ser um homem que gostava de se vestir de mulher e, ao mesmo tempo, amar mulheres. Eu não sabia que o mundo era muito mais complexo do que as regras rígidas daquela cidade pequena faziam parecer. Eu só sabia que, se eu deixasse alguém ver quem eu realmente era, seria o meu fim.
Eu aprendi a andar, a falar, a me comportar da maneira que esperavam. Aprendi a disfarçar meus olhares, a esconder minhas expressões, a rir das piadas que doíam em mim.
Mas nos dias em que conseguia estar sozinho, quando a casa estava vazia, quando o silêncio reinava, eu abria a gaveta da minha mãe. Com mãos trêmulas, pegava uma calcinha de renda. O toque do tecido ainda era o mesmo. O arrepio ainda subia pela pele. O coração ainda batia forte, mas agora, não era só pelo desejo. Era pelo medo. Pelo medo de ser descoberto. Pelo medo de nunca poder ser quem eu queria ser. Pelo medo de que, talvez… eu estivesse mesmo errada.
E, por anos, eu continuei assim. Sendo o menino que todos esperavam que eu fosse, enquanto, no fundo… Eu ansiava por ser a Nanda que eu sabia que era.
Continua...
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