No começo, tudo parecia surreal. A transformação de Miguel para Aurora não era apenas uma mudança visual — era uma nova maneira de se mover, de falar, de existir. Cada detalhe era pensado para que ele não apenas parecesse uma princesa, mas se tornasse uma.
A primeira grande dificuldade veio nos pés.
— Você já usou salto antes? — perguntou Carla, segurando um par de sapatos rosa de salto médio, com um brilho perolado e uma fivela delicada no tornozelo.
Miguel olhou para os sapatos e sentiu um frio na barriga.
— Nunca.
Carla sorriu.
— Vai ser divertido.
Mas não foi. Nos primeiros passos, Miguel sentiu o corpo vacilar, os tornozelos fraquejarem. O salto inclinava seu peso para a frente, exigindo um novo equilíbrio.
— Postura! — corrigiu uma das instrutoras. — Princesas caminham como se deslizassem pelo chão. Nada de passos largos, nada de pisadas pesadas. Pequenos passos, elegantes e suaves.
Miguel tentou novamente, forçando-se a manter a postura ereta, os ombros alinhados, a cabeça levemente erguida. A cada movimento, sentia o balanço das saias volumosas e o toque da renda da anágua contra suas pernas.
A sensação do sutiã rendado sob o corpete apertado era algo novo para ele. O ajuste moldava sua silhueta, deixando-o com uma postura mais ereta e uma respiração mais controlada. E por baixo de tudo, a calcinha de renda fina, mais delicada do que qualquer coisa que ele já havia vestido antes, apertava-se suavemente contra sua pele.
Era diferente. Era estranho.
Mas, de alguma forma, era excitante também.
Além dos treinos de postura, Miguel precisava aprender a falar e gesticular como uma princesa.
— Nada de voz grave. Nada de pressa ao falar. Princesas são suaves, gentis, carismáticas.
Ele passou horas praticando como sorrir de maneira delicada, como erguer as mãos graciosamente ao gesticular, como inclinar levemente a cabeça ao ouvir alguém falar.
— Experimente dizer ‘Oh, que lindo!’ com doçura, como se fosse algo mágico.
— Oh, que lindo… — Miguel tentou, mas soou forçado.
— Menos mecânico, mais natural. Pense em algo que realmente te encante.
Ele respirou fundo e repetiu, tentando incorporar a personagem.
— Oh, que lindo! — disse, dessa vez com um brilho nos olhos.
— Melhor! Agora imagine que uma criança te mostra um desenho feito especialmente para você. Você precisa fazer com que ela sinta que aquilo é a coisa mais preciosa do mundo.
E assim foi. Treinamento após treinamento, Miguel foi se tornando Aurora.
Quando o grande dia chegou, Miguel sentiu o coração acelerar.
A roupa estava impecável. O vestido rosa brilhava sob a luz dourada do restaurante. A saia rodada e volumosa se movia suavemente a cada passo, e ele já havia se acostumado à pressão leve do corpete ajustado à cintura.
As meias 7/8, feitas de um tecido acetinado e elástico, abraçavam suas pernas com perfeição, fixando-se logo acima das coxas com uma delicada renda branca. Cada movimento fazia o tecido deslizar contra sua pele, um lembrete constante de sua nova realidade.
Mas o que realmente o fez sentir que sua transformação estava completa foi um pequeno detalhe:
Ele precisaria furar as orelhas.
— As princesas usam brincos. — explicou Carla. — E os de pressão não ficam naturais. Você topa?
Miguel hesitou por um segundo. Mas ao olhar-se no espelho e ver sua versão quase finalizada, percebeu que queria que tudo fosse perfeito.
— Eu topo.
O leve beliscão do brinco furando sua pele foi insignificante comparado à emoção de ver pequenos brincos de pérola decorando suas orelhas.
Agora, sim, ele era Aurora.
Em sua estreia no restaurante, os primeiros minutos foram um turbilhão.
O restaurante estava lotado. Miguel se movia entre as mesas, recebendo sorrisos encantados de clientes que acreditavam piamente que estavam diante da verdadeira Bela Adormecida.
Até que uma garotinha se aproximou, segurando um desenho colorido em mãos.
— Princesa Aurora! Fiz isso pra você!
Miguel se abaixou delicadamente para ficar na altura da menina.
— Oh, que lindo! — exclamou, com a doçura ensaiada. Mas, ao ver os olhinhos brilhando de expectativa, percebeu que não precisava mais atuar.
Ele sentia aquela emoção.
— Foi você quem desenhou? Que talento maravilhoso!
A garotinha sorriu, segurando o vestido de Miguel, como se não quisesse soltá-lo.
E foi ali, naquele momento, que Miguel percebeu: não era apenas um trabalho.
Era real.
Com o passar das semanas, algo mudou.
Miguel começou a perceber que sua transformação não terminava no restaurante.
Ele já não estranhava os saltos. Sua postura havia mudado; seus movimentos eram mais leves, mais femininos.
A maquiagem, antes desconfortável, tornou-se um ritual. Ele começou a gostar da forma como o batom realçava seus lábios, como o delineador deixava seu olhar mais cativante.
E, em um momento inesperado, ele se pegou escolhendo lingeries delicadas por conta própria.
No início, era apenas parte do figurino. Mas agora, ele se sentia bem vestindo rendas, tecidos suaves, cortes femininos.
Era como se, a cada dia, Aurora deixasse de ser uma personagem e começasse a se tornar parte dele.
E ele gostava disso.
Gostava da leveza. Gostava da delicadeza. Gostava de sentir-se belo.
O que antes era um emprego, agora era uma descoberta.
E Miguel ainda não sabia até onde isso o levaria.
Continua....