Santa e Profanada

Um conto erótico de Casal Tatuíra
Categoria: Heterossexual
Contém 1259 palavras
Data: 22/04/2025 15:57:19
Última revisão: 22/04/2025 16:46:20

Era já alta madrugada no casamento da filha de uma velha amiga da família. A festa, que começara elegante e cheia de boas intenções, agora se dissolvia aos poucos num caldo morno de álcool, risadas frouxas e conversas impróprias. Tavinho, o marido de Fernanda, encharcado de uísque e saudade dos tempos em que era jovem, já não enxergava com nitidez, nem queria, estava feliz assim e isso não fazia dele mau sujeito.

Fernanda era dessas mulheres que não precisam anunciar-se. Entrava num ambiente e, como num milagre antigo, os homens endireitavam a coluna, ajeitavam a gravata e as mulheres, num reflexo obscuro, cobriam os ombros. Trazia no corpo uma espécie de blasfêmia sagrada, como se Deus tivesse esculpido cada curva com a mão trêmula entre a criação e o pecado. Era madura, com aquele ar de santa possível, dessas que o sujeito sonha ajoelhar e, ao mesmo tempo, profanar no altar da própria luxúria.

Seus olhos — dois véus castanhos de promessas veladas — não eram libertinos, mas deixavam no ar um convite, um chamado silencioso que os homens decifravam com o suor da testa. E o sorriso… ah, o sorriso… tinha o segredo das mulheres que sabem e calam, que deixam o mistério apodrecer lentamente na cabeça dos outros. Uma boca feita para os pecados e para as orações.

O vestido — justo, insinuante sem ser vulgar — abraçava suas coxas redondas, as ancas largas e a cintura fina que parecia ter sido talhada por algum escultor pagão. Os seios, vivos, firmes, respiravam sob o tecido, dois pecados erguidos contra o céu. Era o tipo de corpo que provoca emoções tão antigas quanto a primeira tentação. Um corpo para o homem suar, para a mulher invejar e para os anjos virarem o rosto.

Fernanda, por sua vez, decidiu subir até a cobertura do salão — um espaço vazio, esquecido, onde o vento noturno soprava como um consolo antigo. Precisava respirar, desacelerar o sangue que lhe fervia nas veias por causas que ela mesma não ousava nomear. Ali, sob as luzes trêmulas da cidade, sozinha, sentiu um estranho alívio.

Na cobertura deserta, o vento passeava pela pele dela e os cabelos se moviam como serpentes negras e dóceis.

Mas a solidão não durou.

Ouviu passos. Um tropeço bêbado. Virou-se e viu. Era ele. Um dos convidados — bonito, másculo, perigoso. O tipo que não presta, e justamente por isso, irresistível. O homem que não olha: devassa. Que não fala: profana com o olhar. Desde o início da festa, ele a seguira com os olhos, com aquela cara suada de cafajeste bem-nascido, barba cerrada, perfume amadeirado e sorriso de quem sabe exatamente o que fazer com uma mulher.

E quando o homem — bêbado, cafajeste, bonito e suado — surgiu, Fernanda sentiu aquele frio antigo, que é puro calor. Ele vinha com o hálito de álcool e o perfume amadeirado, barba cerrada, olhos sujos de desejo, e ela — mesmo sem querer, ou querendo sem admitir — já conhecia aquele tipo. Gostava. Era o homem errado que sabe o que fazer.

Fernanda sentiu um frio cortante no estômago, um assombro misturado a um desejo primitivo. Como se estivesse prestes a cometer um crime ou receber um milagre. Queria correr, mas não moveu os pés. O coração batia descompassado, e, por dentro, uma voz — doce e suja — dizia: "E se?"

Ele se aproximou. Cambaleante, mas certo de si. Um animal ferido pelo álcool, mas ainda perigoso. As palavras que murmurava vinham carregadas de hálito quente e desejo desavergonhado. E Fernanda, que não era santa nem puta, mas mulher inteira, lutava dentro de si.

Sentiu medo. Sim. Pensou no escândalo, no marido, num possível tumulto violento — garrafas quebradas, sangue, polícia, um casamento transformado em manchete. Imaginou o Tavinho se atirando sobre o homem, as mãos fechadas, a tragédia. Mas, ao mesmo tempo, havia a tentação. Aquela ideia sussurrada pelo próprio corpo: "Deixa."

As mãos dele eram pesadas, másculas, e deslizavam pelo corpo dela com a ousadia dos que não pedem licença. E Fernanda, por um instante, esqueceu o nome, a aliança, o marido na mesa. Seu corpo, traidor, já se entregava antes da consciência. Quando ele a prensou contra a parede, Fernanda sentiu a rigidez dele contra si — e não era apenas o corpo, era o desejo, violento e certo.

Seria mais seguro fugir. Mais rápido. Mais fácil. Mas havia — admitia no íntimo — aquela vontade suja e divina de entregar-se. Não por fraqueza, mas porque o desejo, quando é forte demais, se disfarça de razão.

Naqueles segundos, Fernanda hesitou entre o grito e o gemido, entre o escândalo e a rendição. E descobriu que, em certas madrugadas, nem o céu ou o inferno importam — só o instante, só o corpo, só o pecado.

Ele a encurralou contra a parede áspera, um gesto bruto, sem delicadeza — e era justamente isso que mais lhe queimava a pele. Fernanda sentiu o bafo quente, alcoólico e doce, misturado ao perfume amadeirado que ela, para sua vergonha, sempre adorara. A barba cerrada roçou sua face, e aqueles olhos… olhos de bicho, de homem que não pede — toma.

As mãos dele, pesadas, errantes, começaram a explorar o território proibido de seu corpo. Subiram pelo vestido, contornaram sua cintura, invadiram suas coxas. Fernanda fechou os olhos. Por um segundo — só um — imaginou que se gritasse, alguém ouviria. Mas que alguém? Que mundo? Lá embaixo só havia risos, música alta, gente ocupada demais com seus próprios pecados.

"Se eu resistir, ele força. Se eu gritar, Tavinho sobe. Se Tavinho sobe, mata. E se mata, morre. E se morre, tudo acaba."

Pensou. Raciocinou num segundo que durou uma eternidade. Não era covardia — era inteligência. Era também, sim, vontade. Queria aquilo. Queria, sem coragem de querer. Sem coragem de assumir. Como se não fosse ela, mas outra mulher que morasse em sua carne.

Quando ele beijou sua boca com ferocidade, ela sentiu um gosto amargo e quente. E gemeu. De raiva, de medo, de desejo. As mãos dele encontraram seus seios, libertaram-nos do vestido como quem rasga o véu de um altar. Beijou-os, mordeu-os, e Fernanda arfava, as pernas moles, a pele em brasa.

Quando ele subiu seu vestido até a cintura, ela não impediu. Nem quando suas mãos firmes abriram a calça, libertando um membro que, aos olhos dela, mais parecia um monumento profano, rijo, grosso, pesado. Fernanda, num gesto que não saberia explicar depois, afastou a calcinha de lado e se encaixou nele, com um gemido quase religioso.

O choque dos corpos foi violento. Um encontro de carne, suor, saliva, culpa e prazer. Ele a possuía como quem reivindica, como quem invade, como quem conquista um território sagrado pela força. Ela o arranhava, mordia, gemia com raiva, com fome. Os dois se devoravam, enquanto lá embaixo o mundo seguia, ignorante, tolo, inocente.

E quando veio o clímax — esse assassino de culpas — Fernanda sentiu-se leve. Não havia mais medo, nem remorso, nem nome, nem marido. Só a carne satisfeita, a alma lavada, o corpo desfeito.

Ele se afastou, exausto, tonto, sorrindo um sorriso torto, e se jogou numa cadeira velha, meio nu, meio morto. Ela ajeitou o vestido, compôs os cabelos, respirou fundo. Não havia ódio, nem vergonha. Só aquela calma clandestina que vem depois do abismo.

Ali, na penumbra da cobertura, com o marido bêbado lá embaixo e Deus distraído, Fernanda foi mulher inteira, santa, e profanada.

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Esse conto é uma reformulação de um que li aqui nesse portal há muito tempo e gostava muito, mas nunca mais encontrei.

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