Amor Sob Regime Fechado. Cap.2

Um conto erótico de Alex Lima Silva
Categoria: Gay
Contém 1671 palavras
Data: 22/04/2025 18:42:56

O cheiro do refeitório da cadeia era um soco no estômago — e não do tipo que dá fome. Era mais como se alguém tivesse misturado suor, tristeza e lavagem de porco num caldeirão e servido com uma colher de raiva. Caminhei até a fila com a bandeja de metal nas mãos, tentando ignorar os olhares cortantes que me seguiam como lâminas afiadas.

Quando o guardinha jogou a gororoba na minha bandeja, quase perguntei se tinham esquecido de temperar. Mas engoli o comentário junto com o nojo. Era o que tinha. Macarrão mole, carne seca que parecia sola de sapato e um molho bege sem identidade. Suspirei e fui procurar um canto onde pudesse fingir que aquilo era comida.

Foi aí que ele passou por mim.

O cara da barba cerrada. Aquele mesmo que disse que eu não servia nem pra depósito. Parou ao meu lado, me encarando com aquele sorrisinho de quem sabe que o medo é uma arma. Sem dizer uma palavra, inclinou-se... e cuspiu bem no meio da minha bandeja.

O refeitório pareceu ficar em silêncio por um segundo. Eu olhei pra aquela mistura nojenta, sentindo o estômago embrulhar. O instinto me dizia pra levantar, jogar aquilo no chão e partir pra cima dele.

Mas outra parte de mim — aquela que sobrevive — me fez respirar fundo, segurar a colher com firmeza e afundá-la direto no ponto onde o cuspe se misturava ao molho.

Levei à boca, mastiguei devagar e engoli olhando diretamente nos olhos dele.

Depois, passei a língua pelos lábios de forma lenta, provocativa, quase sensual. O olhar dele vacilou por um segundo. Só um segundo. Mas eu vi. E aquilo me bastou.

Se eu baixasse a cabeça agora, viraria saco de pancadas da prisão. E eu não fui feito pra isso.

O gosto ainda estava na minha boca. Não sei se era da comida, do cuspe ou da sensação estranha de não ter me encolhido diante daquele animal. Só sei que mastiguei e engoli como se fosse banquete.

Ele riu.

Não aquela risada escandalosa de escárnio, mas uma risadinha seca, baixa, quase respeitosa. Como se, por um segundo, tivesse visto que eu não era tão frágil quanto ele pensava. Os olhos dele cravaram nos meus, e por um momento fiquei na dúvida se ele ia me dar um murro ou me chamar pra dançar.

Mas ele apenas seguiu andando.

Voltei a encarar a bandeja, tentando fingir que meu coração não estava batendo como um tambor desgovernado. Foi quando vi ele. Um carinha novo, sentado sozinho na outra ponta do refeitório, com a cara mais fora de lugar que já vi naquele inferno.

Rosto de anjo. Era isso. Pele clara, cabelo bagunçado e uns olhos que pareciam pedir desculpa por estarem ali. Não era só bonito — era o tipo de beleza que parecia não saber que era. E por isso mesmo doía mais de olhar.

Meu coração deu um salto. Idiota. Mas deu. E eu continuei olhando como quem encara uma lembrança boa demais pra ser de verdade.

Foi aí que ele me viu.

Os olhos dele encontraram os meus, e em vez de desviar, ele manteve o olhar. Franziu as sobrancelhas, curioso. E então, sem aviso, se levantou com a bandeja na mão e veio na minha direção.

Meu corpo ficou tenso. Cada passo dele era uma interrogação. Ele parou ao meu lado e apontou com a cabeça pro banco vazio.

— Posso sentar aqui?

A voz dele era tranquila, quase macia. Me peguei balançando a cabeça em silêncio, como se já não tivesse mais controle do próprio corpo.

Ele se sentou. E por um instante, o refeitório desapareceu.

O cheiro ruim, os gritos ao fundo, o peso do lugar — tudo ficou em segundo plano. E o som que ecoava dentro de mim era o coração batendo alto, como se quisesse me lembrar que, mesmo aqui dentro, ainda pulsava alguma coisa.

— Rafael — ele disse, estendendo a mão. — Cheguei ontem.

Olhei pra mão dele, limpa, diferente das outras mãos sujas dessa cadeia — não de terra ou de sangue, mas de intenções. Apertei devagar.

— Pietro — respondi. — Cheguei ontem tambem... não tive tempo o suficiente pra me acostumar, mas o bastante pra saber que ninguém se apresenta desse jeito aqui.

Ele sorriu mais abertamente agora. Era o tipo de sorriso que fazia a gente esquecer por um segundo onde estava.

— Talvez eu esteja no lugar errado — ele disse, brincando. Mas os olhos... os olhos diziam que ele sabia exatamente onde estava.

Conversamos por poucos minutos. Nada profundo — o clima não permitia —, mas havia algo nos gestos dele, nos silêncios, que era diferente de tudo que vi aqui dentro. E quando ele começou a se levantar, meu corpo protestou, querendo mais daquela presença.

— Preciso ir — disse, ajeitando a bandeja. — Meu dono tá esperando. Quer que eu lave as costas dele...

Aquilo me fez franzir a testa.

— Dono? — perguntei. — Que história é essa?

Rafael deu de ombros, como se fosse algo corriqueiro.

— Ele me “escolheu” quando entrei ontem. Disseram que é assim com alguns novatos. Mas ele tem uns hábitos… estranhos.

— Estranhos como?

Ele se inclinou um pouco, como se fosse compartilhar um segredo precioso.

— Gosta de banho quente, sabonete cheiroso e que alguém lave as costas dele... com cuidado. Como se fosse uma cena de filme. Meio bizarro, mas... menos assustador do que poderia ser.

Deu um sorrisinho que misturava ironia e alívio.

Foi quando ele estendeu a mão de novo, dessa vez só pra se despedir. Eu segurei, e os dedos dele envolveram os meus com uma firmeza suave. E aí veio — um arrepio, um calor bobo subindo pelo corpo. Uma leve excitação que me pegou desprevenido. Fazia tempo que não sentia isso. Desejo. Vontade. Toque.

— A gente se vê, Pietro.

E então foi. Passos leves, corpo magro e olhar calmo desaparecendo pelo corredor como se não pertencesse a este mundo. Fiquei ali, encarando o lugar onde ele esteve, com a mão ainda formigando.

Anjo ou não… alguma coisa naquele garoto ia me tirar o sono essa noiteSubi os corredores com os passos arrastados, o som dos chinelos ecoando entre as grades e as paredes sujas. Cada passo parecia mais pesado que o anterior, mas tudo que eu queria era deitar e tentar esquecer que o mundo lá fora continuava girando sem mim. E, talvez, esquecer também que Rafael existia — ou melhor, que ele mexia comigo daquele jeito.

Quando cheguei na porta da cela, estranhei o silêncio.

— Palito? — chamei, entrando.

Nada.

A cama de cima estava intacta. Nenhuma bagunça, nenhum sinal dele. Achei que talvez tivesse sido chamado por algum guarda, alguma bronca, ou tivesse arrumado encrenca com outro setor. Mas aí ouvi passos atrás de mim.

Bola.

Aquele jeito lento, quase arrastado, ombros largos, sempre com uma expressão de quem tá meio entediado da vida. Ele parou na porta e me olhou com aquele meio sorriso torto que nunca dizia coisa boa.

— Procurando o Palito?

Assenti, meio sem paciência.

— Sumiu.

Bola coçou a barriga, deu um suspiro demorado e disse, como se falasse do tempo:

— Encontraram ele morto. No pátio de trás. Enforcado com um lençol.

O mundo parou por um segundo. Um som agudo começou a zunir no meu ouvido. Não consegui falar. Só olhei pra ele esperando que fosse alguma piada ruim.

— É uma pena — Bola continuou, indiferente. — Mas pelo menos agora você tem a beliche só pra você, né?

Foi aí que tudo desabou.

Senti o chão sumir debaixo dos pés. As pernas falharam. Caí de joelhos e o ar me faltou. O zumbido virou uma pressão absurda no peito, e quando tentei respirar, só veio um soluço seco. Me encolhi ali mesmo, no cimento frio, e comecei a chorar. Sem vergonha, sem controle, como uma criança que perdeu tudo.

As lágrimas vieram com força, junto com o desespero. Uma crise de ansiedade que me fez suar, tremer, perder o eixo. Sentia meu coração bater como se quisesse sair do peito e fugir antes que eu mesmo explodisse.

Fiquei ali no chão por um tempo que perdi a noção. A dor apertando o peito como uma mão invisível, o choro vindo aos soluços, suprimido pela vergonha e pela tristeza.

Foi quando senti algo quente me envolver.

Um braço. Depois outro.

Bola.

Me puxou contra o corpo dele devagar, como quem sabe que o outro tá quebrado demais pra mais pancada. Me segurou firme. Senti o cheiro dele, forte, mistura de sabão barato com suor. Um calor estranho, mas não ruim. Foi o primeiro abraço que recebi ali dentro.

Ele sussurrou, a voz grossa, baixa, quase um sopro no meu ouvido:

— Na cadeia, a vida não é fácil, baixinho... Aprende isso antes que ela acabe com você também.

Fechei os olhos. O peito ainda doía, mas aquele gesto, por mais torto que fosse, aliviou um pouco o peso. Por um segundo, não me senti tão sozinho.

Quando ele se afastou, limpei o rosto rápido, envergonhado. Ia agradecer, mas não deu tempo.

Um guarda apareceu na porta da cela com aquele olhar impessoal de sempre, como se a gente fosse só peças de um jogo sujo.

— Pietro. Junta tuas coisas. Vai trocar de cela.

Arregalei os olhos, confuso.

— Mas por quê?

— Ordem do chefe de ala. Anda.

Pensei em protestar, mas minha boca não respondeu. Só me levantei, peguei minhas poucas coisas — que mal encheriam um saco — e fui seguindo o guarda pelos corredores.

Cada passo era um filme de possibilidades ruins passando na minha cabeça. Gente que some. Gente que morre. Gente que troca de cela e não volta mais a ser a mesma.

A porta da nova cela abriu com aquele barulho de ferro rangendo. Entrei devagar, tentando entender onde eu tava me metendo.

O guarda fechou a grade atrás de mim com um estrondo.

E foi só quando me virei que vi.

Ali, sentado na cama, olhando pra mim com aquele sorriso de canto de boca que gelava até os ossos, estava ele.

O cara da barba cerrada.

— Bem-vindo à jaula, gatinho — ele disse.

Meu estômago revirou.

Agora era só eu... e o leão.

Continua...

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