ALGUNS MESES ANTES
O fim de tarde dourava o parque da cidade, e o céu refletia tons de laranja e rosa sobre o lago tranquilo. Hugo, com o celular em mãos, posicionava-se com cuidado ponte de madeira que atravessava a água. A brisa leve balançava sua camiseta enquanto ele buscava o ângulo perfeito para registrar a paisagem.
HUGO: Só mais um pouquinho... — murmurou, inclinando-se ligeiramente.
Foi então que uma voz soou bem atrás dele:
GAROTO: BUUUUU! – Gritou - O susto foi imediato. Hugo deu um pulo, e com isso o celular voou da sua mão, fazendo uma curva rápida e trágica antes de mergulhar na água.
HUGO: Ah, não! — exclamou, se virando para trás com olhos arregalados. — Você tá maluco?
Lá estava ele. Um garoto ruivo de sorriso fácil, olhos brilhando de diversão, com um uniforme esportivo.
GAROTO: Caralho, eu achei que você fosse um amigo meu — disse o garoto — Nossa, foi mal mesmo...
Antes que Hugo pudesse responder com mais algum xingamento, o garoto tirou os tênis, jogou o celular e a carteira no chão e... pulou.
HUGO: EI! — Hugo gritou, correndo para a borda. — Você é louco?! -Segundos depois, o garoto emergiu com um sorriso vitorioso e o celular molhado em mãos.
GAROTO: Aqui está! — disse, jogando os cabelos para trás como se estivesse em um filme. ¬ — Se ele não estiver funcionando eu pago o conserto.
HUGO: A sua sorte é que ele é a prova d’agua. Mas se ele der algum defeito, você vai ter que pagar mesmo.
GAROTO: Tudo bem, eu sacrifico a minha mesada sem nenhum problema, afinal, eu que fiz merda . — Aliás, eu sou o Joaquim, mas meus amigos me chamam de Jota — disse estendendo a mão.
HUGO: É, eu sei quem você é — ignorando o cumprimento.
JOAQUIM: Sabe é? — em um tom de surpresa, mas também de dúvida.
HUGO: Estudamos na mesma escola e como você é do time de vôlei, seria meio difícil não saber quem você é.
JOAQUIM: Faz sentido, mas eu não te conheço, como é o seu nome, por falar nisso?
HUGO: Eu preciso ir, a gente se esbarra por aí – Ele deu as costas sem olhar para trás, se fosse uma história em quadrinhos, Joaquim estaria com uma enorme interrogação em sua cabeça
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HUGO: E foi assim que a gente se conheceu, ou melhor que ele me conheceu — Felipe ainda estava processando a informação de que seu melhor amigo namora o até então valentão que implicava direto com ele.
FELIPE: Sabe o que mais me surpreende nisso tudo? É você não ter me contado, que simplesmente namora o fucking Joaquim — disse cruzando os braços para intensificar o seu estado de indignação. — Nunca tivemos segredos um com o outro Hugo, eu te conto tudo. Achei que você confiasse em mim, assim como eu confio em você.
HUGO: Amigo, tenta me entender. Você é uma das pessoas que eu mais confio nesse mundo, só que eu prometi a ele que não contaria nada a ninguém. Eu quero ser um apoio para o Jota nessa jornada em relação a própria sexualidade. Nós dois mais do que ninguém sabemos como foi difícil esconder quem a gente é para as pessoas que estão a nossa volta.
FELIPE: Tá bom vai. Eu não conseguiria ficar bravo com você mesmo se eu quisesse, mas você tem muita coisa para me explicar ainda, pois esse relacionamento é muito confuso.
HUGO: Prometo que depois da aula eu te explico tudo. Agora vem cá e me da um abraço, sua bicha dramática — O abraço sempre representava que eles compreensão e respeito entre eles.
Hugo retorna ao banheiro para tranquilizar Joaquim, ou pelo menos era o que ele estava em mente, porém a bronca foi inevitável.
HUGO: Você ficou maluco? — em um tom de advertência. Quando Joaquim olhou para ele, Hugo continuou — Você tem noção de que estava prestes a fazer?Nós estamos disfarçamos tão bem, e de repente, do nada, você decide que é uma boa ideia tentar ficar de pegação aqui no banheiro da escola? Você está colocando tudo em risco! — Joaquim ficou em silêncio, olhando para Hugo, e por um momento parecia que ele estava refletindo sobre o que havia acontecido. Ele se aproximou um pouco de Hugo, ainda com um semblante sério, mas o olhar suavizou.
JOAQUIM: Eu sei, amor — disse com uma leveza que irritou Hugo ainda mais — Mas é que... eu não consigo me controlar, sabe? Você é lindo demais e eu não aguento ficar tanto tempo sem poder te beijar, desculpa... — Hugo sentiu o coração disparar com as palavras de Joaquim, mas não poderia deixar de se preocupar. Ele sabia que o amor deles era complicado, mas aquilo ainda era um jogo perigoso.
HUGO: Você precisa pensar nas consequências! — exclamou, sentindo o tom de bronca em sua voz — A nossa sorte é que dessa vez quem flagrou a gente foi o Felipe.
JOAQUIM: Você é fofo quando fica bravo, sabia? — Joaquim murmurou, de forma quase descontraída, tentando quebrar o clima tenso.
HUGO: Eu estou falando sério. A gente precisa ser mais cuidadoso, na verdade você precisa ser !
JOAQUIM: Eu vou tentar, prometo. Eu só não consigo ficar longe de você e tem sido uma tortura ter que ficar te ofendendo toda vez que a gente se encontra pelos corredores. Queria que todo mundo soubesse o quanto eu te amo. — Hugo sorriu, sentindo uma onda de carinho por ele.
HUGO: Você sabe qual seria a alternativa para acabar com essa situação, mas não está preparando para ela, né? — Se der, a gente se vê a noite, está bem? — Joaquim assentiu, e, apesar da leve frustração, ele estava contente por Hugo demonstrar preocupação com o relacionamento dois dois.
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Durante a tarde Hugo foi até a casa de Felipe para conversar melhor com o amigo sobre o que tinha acontecido no banheiro da escola, pois a conversa que eles tiveram não tinha sido o suficiente para esclarecer tudo.
FELIPE: Agora eu quero entender como você está namorando um garoto escroto como aquele, Hugo. Você merece coisa bem melhor.
HUGO: É as coisas não são bem assim, migo. O Jota é o garoto mais fofo e gentil do mundo inteiro. As ofensas e humilhações não passam de encenação!
FELIPE: Encenação? Que negócio mais esquisito, não era mais fácil vocês dois fingirem que não se conhecem?
HUGO: Bom, no começo era isso mesmo que estávamos fazendo, e estava dando certo, mas em um belo dia o Jota inventou de me beijar no banheiro da escola e um dos amigos dele acabou flagrando nós dois. E na hora a gente teve que disfarçar, e desde aquele dia a gente vem sustentando a farsa — Felipe ficou em silêncio por um momento, processando cada palavra, o olhar agora mais atento. Ele estava começando a entender, mas a surpresa ainda estava estampada em seu rosto.
FELIPE: É...parando para pensar foi bem do nada a implicância que ele começou a ter com você. Eu nem desconfiei porque afinal de contas, na minha cabeça ele era só mais um garoto “hetero” idiota pegando no pé e sendo homofóbico com um viadinho, sem ofensas. Mas ainda sim, estou surpreso.
HUGO: Sim, migo. Eu sei que parece loucura. Mas foi a única maneira que encontramos de manter as aparências, para que ninguém desconfiasse. E mesmo assim, é difícil, ele não gosta disso, mas é a única maneira de manter tudo no sigilo. Se as pessoas soubessem seriamos alvo de fofocas, ele seria tratado de maneira diferente e na verdade a preocupação maior dele é a reação dois pais — Felipe estava em silêncio agora, as palavras de Hugo começando a fazer sentido. Ele olhou para Hugo, os olhos agora mais suaves, e o alívio se misturava com a preocupação.
FELIPE: Fico aliviado em saber que você não está namorando um garoto que te maltrata de verdade, mas que você está em um relacionamento complicado isso você está.
HUGO: É, eu sei disso. Eu queria poder namorar com ele sem esconder isso das pessoas, andar de mão dadas, beijar em público sabe...Mas eu sei que ele está em um processo de aceitação ainda, e eu vou estar do lado dele dando o apoio que ele precisa.
Felipe sorriu e abraçou o amigo, mas no fundo ele estava preocupado com Hugo, ele sentia que o melhor amigo precisava de alguém que não tivesse medo de ser quem é de fato. Felipe não verbalizou, mas esse relacionamento com Joaquim representava uma prisão para o amigo.
HUGO: Obrigado por me entender, Felipe — Hugo murmurou, com a voz embargada — Você não sabe o quanto isso significa pra mim — Depois de tudo o que havia dito, Hugo sentiu um alívio instantâneo. Era como se um peso tivesse sido tirado de suas costas. Ele sabia que Felipe não iria revelar o segredo e que, ao menos por enquanto, poderia respirar mais tranquilo.
FELIPE: Não precisa agradecer, você é o meu melhor amigo. E eu vou estar aqui, sempre. — Felipe considera Hugo uma pessoa muito importante em sua vida, e estaria disposto a fazer de tudo para proteger o amigo.
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No final da tarde Joaquim estava voltando do treino acompanhando de seu melhor amigo. Eles estavam caminhando em passos lentos, quando Paulo decidiu quebrar o silêncio
PAULO: Sabe quem eu encontrei a caminho do treino?
Joaquim responde sem tanto interesse.
JOAQUIM: Não faço ideia, quem?
PAULO: O viadinho do Hugo.
JOAQUIM: Cara, não precisa falar assim dele — respondeu incomodado.
PAULO: Qual foi, cara? Você é a pessoa que mais implica com aquele viadinho. Viraram melhores amigos é? — disse em um tom de desconfiança.
Joaquim se deu conta da bandeira que ele tinha acabado de dar, ele precisaria de uma desculpa convincente para não levantar nenhuma suspeita.
JOAQUIM: Sai fora. A gente vai ter que dar um tempo das brincadeiras com o moleque. Descobri que as nossas mães se conhecem. Se a minha mãe souber que eu estou implicando com o filho da amiga dela ela vai ficar enchendo o meu saco.
PAULO: É um filhinho da mamãe mesmo — zombou.
Joaquim respirou aliviado, aparentemente ele tinha conseguido disfarçar, porém teria que ser mais cuidadoso. No fim das contas o saldo era positivo, pensou. Ele não precisaria mais ficar ofendendo o garoto que ele ama.
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Na manhã seguinte, durante a aula de Artes, a professora propôs uma atividade em dupla para a sala. Entretanto a atividade deveria ser feita com uma pessoa com quem eles não tivessem intimidade. A proposta era integrar os estudantes uns com os outros. Para sorte ou azar de Felipe, a sua dupla de trabalho era Paulo, o amigo de Joaquim. Durante a elaboração da atividade, Paulo tentou quebrar o gelo.
PAULO: Beleza, irmão. Tá curtindo a volta as aulas?
FELIPE: Não me leve a mal a mal, mas não precisa se sentir na obrigação de puxar assunto comigo. Não temos nada em comum. Vamos só fazer essa merda e terminar logo.
PAULO: Mas é isso que a doninha ali quer, que nos viremos coleguinhas. E você que você está enganado, sabia? Nós temos coisas em comum sim.
FELIPE: Não consigo pensar em nada — disse sem dar tanta importância.
PAULO: Meu melhor amigo não simpatiza com o seu, e nem o seu simpatiza com meu. O Joaquim é como um irmão para mim, eu faria de tudo por ele. Tenho certeza que você também faria qualquer coisa pelo seu amiguinho.
Felipe não sabia onde Paulo estava querendo chegar com aquela conversa, porém ele não estava errado. Será que uma parceria improvável estava prestes a nascer? Para a elaboração da atividade, é claro!