A queda de Jennifer Harris aconteceu de forma gradual. A professora Yadav mostrou o vídeo para a coordenação do colégio. A nossa colega foi retirada da administração do Corpo Estudantil, e não demorou muito para que outros alunos tomassem coragem e relatassem o bullying que sofreram da patricinha.
Eu me senti como o Batman. Sem superpoderes, mas ainda assim ajudando a sociedade. Bem que eu poderia ter os bilhões do Bruce Wayne também, né? Eu não iria reclamar.
Sabe o que não mudou? A minha dificuldade em Álgebra. Lá estava eu, copiando o exercício dos meus colegas, enquanto tentava fazer cara de quem entendia alguma coisa. Nossa árvore de Carvalho, bem no meio do campus, virou nosso ponto de descanso oficial. Emmett, Sofia, Nathan e eu sempre aproveitávamos os momentos de folga para conversar ou simplesmente passar o tempo.
— E a Britney? — perguntou Emmett, deitado com a cabeça no meu colo.
— Tópico sensível. — brincou Sofia, tirando os olhos do livro e prestando atenção na reação do irmão.
— Sei lá. Ela tentou falar comigo, mas eu não estou no clima. Teve a chance de me ajudar antes, mas preferiu deixar os amigos fazerem o bullying. — disse Nathan, e eu percebi um certo ressentimento em seu tom de voz.
— Olha, eu não quero fazer a linha advogado do diabo, mas ela fez a denúncia formal contra a Jennifer, que era a melhor amiga dela. Talvez tenha se arrependido. — comentou Emmett.
— É verdade. Vê o Emmett. — falei, largando o caderno de lado. — Fez da minha vida um inferno no passado, mas hoje é meu namorado.
— Essa doeu. — Emmett fingiu que tinha levado um tiro no peito, fechando os olhos dramaticamente.
— Enfim, podemos mudar de assunto? — perguntou Nathan, tirando um panfleto da mochila. — Vocês estão preparados para o Baile de Halloween?
— Baile de Halloween?
— Sim. — Ele respondeu e me entregou o panfleto. — Temos dois bailes na escola. O primeiro é no Halloween e o outro é para os formandos do terceiro ano.
— O uso de fantasia é obrigatório?
O semblante da Sofia mudou instantaneamente. Geralmente mais reservada, abriu um sorriso animado e começou a falar sobre as fantasias dos alunos. Contou sobre o concurso que elege a melhor fantasia da festa e parecia empolgada como nunca.
Ela mostrou fotos da fantasia do ano passado: foi de Samara, do filme 'O Chamado'. Nathan, por sua vez, foi de Jack Skellington, o Rei das Abóboras, de "O Estranho Mundo de Jack". Eles realmente capricharam. A fantasia da Sofia incluía um televisor, e ela fez uma performance imitando a icônica cena da Samara saindo da televisão.
Eu já podia imaginar o quanto essa festa ia render histórias.
— Ah, galera, semana que vem vamos para a Disney. — Contei para os meus amigos. — A van do papai tem vagas para todos. Vocês querem ir?
— Eu topo. — Todos falaram juntos e sorri com a sincronia.
— Temos que comemorar o livramento. — Garantitu Sofia. — Não aguentava mais a detenção e ouvir o choro da Jennifer.
— Também, a gente acabou com a vida social da coitada. — Disse Emmett, que ficou fazendo carinho no meu braço.
— Ela cavou a própria cova. — Soltei. — Enfim, só quero aproveitar um bom final de semana live! — Ergui os braços.
***
Fazia tempo que minha família não fazia uma viagem juntos, então quando meus pais decidiram que iríamos para a Disney, fiquei feliz. Mas a melhor parte foi poder chamar Emmett e os gêmeos para irem junto. Moramos na Flórida, então ir até o parque não era nada de outro mundo, mas a ideia de aproveitar tudo isso com meus amigos tornava a experiência mais especial.
Meu pai, sempre prevenido, preparou vários quitutes para evitar os preços absurdos dos restaurantes da Disney. Quando o dia finalmente chegou, os gêmeos e Emmett chegaram pontualmente. Pela primeira vez, vi Nathan e Sofia vestidos de forma mais... casual. Sofia trocou o habitual sobretudo de couro por um moletom lilás com um unicórnio bordado, algo que destoava totalmente de sua estética gótica.
Nathan, por outro lado, usava uma regata branca e shorts jeans, mas o mais chamativo era a quantidade exagerada de protetor solar que ele passou no rosto, deixando sua pele com um brilho esbranquiçado. Outra novidade? Ele tingiu os cabelos na cor rosa e ficou muito bom.
Emmett, como sempre, estava lindo. Uma camiseta azul clara, bermuda bege e tênis branco, despretensiosamente perfeito. Meu pai, no seu costumeiro bom humor, distribuiu bonés do Mickey para todos, e até Anne, minha irmãzinha, ficou adorável com suas orelhas da Minnie. Antes de sairmos, tiramos uma selfie juntos, todos combinando com as orelhinhas, e eu sabia que aquela viagem seria memorável.
A ida até a Disney foi uma festa à parte. Meu pai, animado, colocou uma playlist só com músicas das animações da Disney, e todos nós cantamos juntos. Emmett e eu ficamos de mãos dadas o caminho todo, e eu aproveitei para acariciar sua pele quente enquanto ele se divertia acompanhando a cantoria. A van estava cheia de risadas e desafinações épicas, mas ninguém se importava.
Ao chegarmos, o estacionamento estava lotado, mas o clima estava perfeito para um dia no parque. O sol brilhava sem estar insuportável, e uma brisa agradável tornava tudo mais confortável. Caminhamos até a entrada para pegar nossas pulseiras, e foi impossível não sentir aquela energia única que a Disney tem. Pessoas de todos os lugares do mundo transitavam por ali, cada uma vivendo sua própria experiência mágica.
— Olha. — Emmett apontou para a frente, onde o Mickey estava tirando fotos com um grupo de crianças.
Sofia fez uma careta, mas eu sabia que no fundo ela achava fofo. Nathan, com sua cara de quem não dormiu direito, murmurou algo sobre filas longas, e Emmett apenas riu, me puxando pela mão para começarmos a explorar o parque.
A primeira parada foi a Space Mountain, uma montanha-russa no escuro que fez Nathan gritar mais do que qualquer um de nós. Sofia saiu do brinquedo ajeitando os cabelos, tentando fingir que não havia amado. Depois, fomos para o Piratas do Caribe, onde ficamos admirados com os animatrônicos realistas. Emmett parecia uma criança de cinco anos, apontando cada detalhe da atração para mim.
Nosso estoque de quitutes preparados pelo meu pai salvou o passeio. No meio da tarde, paramos em um banco sombreado para lanchar e decidir nosso próximo destino. Comemos sanduíches caprichados e bolinhos caseiros, e eu percebi que até os gêmeos, que adoravam reclamar, estavam satisfeitos. Anne, no auge da animação infantil, sugeriu que fôssemos ao carrossel, e embora Nathan tenha protestado, acabou indo junto.
Quando chegamos na Splash Mountain, eu já sabia que sairíamos encharcados, mas a aventura valia a pena. O último mergulho foi tão intenso que saímos completamente molhados. E foi aí que me ocorreu um detalhe importante: Emmett estava com a camiseta toda colada no corpo, destacando seus músculos definidos e a pele dourada pelo sol. Engoli em seco.
— Acho que precisamos trocar de roupa. — Ele disse, rindo, apertando o tecido molhado contra a barriga.
Fomos até o banheiro para pegar camisetas secas nas mochilas. Assim que entramos, aproveitei a privacidade para puxá-lo pela cintura e colar nossos lábios. Ele riu entre o beijo, as mãos deslizando pelo meu rosto. O momento foi rápido, mas intenso o suficiente para me deixar com o coração acelerado.
Saímos do banheiro renovados, prontos para continuar nosso dia mágico juntos.
O parque estava cheio de cores vibrantes, risadas e o som das atrações ao fundo, mas nada disso se comparava à sensação de pertencimento que eu sentia naquele momento. Entre tantas idas e vindas, entre tantos desafios e mudanças, eu finalmente estava ali, cercado por pessoas que realmente se importavam comigo.
— Vamos tirar uma selfie! — Rachel sugeriu animada, puxando todos nós para perto.
Nos agrupamos, cada um tentando encaixar seu rosto na tela do celular dela. Quando o clique aconteceu, eu senti algo diferente. Era um retrato da felicidade, algo que há muito tempo parecia inalcançável para mim. A verdade é que, no início, foi difícil deixar que essas pessoas entrassem na minha vida, mas agora, eu sabia que elas eram parte de mim. Zeek e Rachel sempre estiveram ao meu lado, me apoiando e torcendo pelo meu melhor. Nathan e Sofia, com seu jeito excêntrico e inusitado, haviam se tornado indispensáveis. E Emmett...
Depois de muito riso, filas e atrações que nos deixaram zonzos, seguimos em direção ao Castelo da Cinderela. Era ali que aconteceria a famosa queima de fogos, o encerramento perfeito para aquele dia que, sem sombra de dúvidas, ficaria marcado na minha memória.
Quando os primeiros fogos iluminaram o céu, senti um nó na garganta. Não resisti quando a música "Vencer Distâncias" de Hércules começou a tocar. A melodia carregava uma mensagem que falava diretamente ao meu coração. Fechei os olhos por um instante, sentindo as lágrimas quentes deslizarem pelo meu rosto. Quando os abri, encontrei Emmett ao meu lado, um sorriso largo e verdadeiro iluminando seu rosto à luz dos fogos.
Lembrei-me da conversa que tive com Zeek. Ele queria comemorar minha saída do armário com uma viagem para o Monte Storm, um lugar incrível que ficava em outra cidade. Pela primeira vez, pensar no futuro não me assustava. Pelo contrário, me enchia de expectativas.
Olhei novamente para Emmett. O mundo ao nosso redor parecia se dissolver, e tudo o que restava era ele e eu. Sem pensar muito, apenas guiado pelo momento, o chamei:
— Ei, Emmett.
Antes que ele pudesse responder, me aproximei e o beijei.
Foi diferente de tudo que já havia sentido. Ali, naquele instante, a magia era real. Eu estava com meus amigos, minha família e, acima de tudo, com o garoto que eu amava. E, no fundo do meu coração, sabia que essa era apenas uma das muitas conquistas que ainda estavam por vir.
Eu tinha um plano. E, desta vez, estava pronto para viver cada segundo dele.
***
A magia da Disney não estava nesta prova de química. Na verdade, acho que a Disney inteira teria que se unir para me salvar dessa tortura. Meu cérebro fritava enquanto eu tentava decifrar aquelas equações, mas nada fazia sentido. Se ao menos fosse uma questão sobre o ciclo de vida de um zumbi, talvez eu tivesse alguma chance. Mas não. Eram números, fórmulas e um professor de olhos atentos, impossibilitando qualquer troca de olhares ou ajuda disfarçada do Nathan. Falando nele, meu amigo parecia completamente absorto na própria prova. Traidor.
Suspirei, segurando o lápis com força, tentando, por um milagre, que a resposta correta surgisse magicamente na minha mente. E então, do nada, o professor anunciou o fim da prova.
Droga.
Recolhi minha folha e entreguei sem nem olhar para trás. Já estava aceitando meu destino de aluno mediano em exatas.
No intervalo, fui encontrar Emmett. Ele estava com os colegas da equipe de natação, rindo enquanto mostrava vídeos da viagem para a Disney. Pouco a pouco, eu já começava a me sentir mais à vontade em ser seu namorado. O medo de julgamentos ainda existia, mas estava diminuindo.
Foi então que notei seu novo casaco. Azul, com um design bem parecido com o da equipe de futebol americano, mas com o distintivo da natação.
— Pela sua cara, a prova não foi boa. — Emmett comentou, assim que me aproximei.
Fingi um choro dramático.
— Eu não sou de exatas. — Choraminguei, me jogando levemente contra ele.
— O importante é passar de ano. — Ele disse, apertando meu ombro de um jeito reconfortante. — Vamos almoçar?
— Claro. — Respondi, e então observei melhor seu casaco. — Tá gato, hein.
Ele sorriu e deu uma volta, exibindo o presente.
— Gostou? A treinadora Yadav entregou hoje. — Disse, claramente orgulhoso.
— Eu beijava. — Brinquei.
— Só beijava? — Ele retrucou, levantando uma sobrancelha.
Corei na hora.
— Garoto. Estamos na escola. — Briguei de leve, sentindo o rosto quente. — Vamos almoçar.
Mas a verdade é que sua pergunta ficou na minha cabeça. Sexo. Meu Deus. Entre toda a confusão das últimas semanas e a viagem para a Disney, eu simplesmente esqueci desse detalhe. Droga. Será que estou preparado para isso? Quero dizer, Emmett é lindo, gostoso e meu namorado. Qualquer outro adolescente no meu lugar já teria aproveitado cada segundo ao lado dele, mas eu... eu sou travado. Fazer o quê? É só mais um item na minha longa lista de inseguranças para resolver.
O refeitório estava movimentado, como sempre. Peguei minha bandeja e passei pela fila, escolhendo meu almoço: frango empanado, purê de batata e arroz. Comida reconfortante. Ao meu lado, Emmett optava por algo mais leve, dizendo que os treinos estavam ficando mais pesados e precisava se manter em forma. Me perguntei se isso incluía controlar a quantidade absurda de chocolate que ele comia quando estava ansioso, mas deixei passar.
Caminhamos lado a lado até encontrarmos um lugar. Uma mesa perto da parede, onde o ar-condicionado batia de um jeito perfeito. Me sentei e observei Emmett enquanto ele misturava sua salada sem muito entusiasmo. Ele estava lindo. Não que fosse novidade, mas ali, com a luz do refeitório pegando nos seus traços definidos e os olhos concentrados no prato, era impossível não notar.
A palavra "sexo" martelava na minha cabeça, e isso, inevitavelmente, me levava a nós dois como casal. Meu rosto ficou quente. Eu precisava focar em outra coisa. O Baile de Halloween! Sim, isso era seguro. Lembrei do conselho da Dra. Moore: diálogo. Então, sem pensar muito, perguntei:
— Emmett, nós vamos para o Baile de Halloween juntos?
Ele ergueu os olhos e sorriu.
— Claro. Por que não iríamos?
Respirei fundo. Não queria soar inseguro, mas...
— Não sei. Você não se assumiu para a tua mãe, só não quero te atrapalhar e...
Antes que eu pudesse terminar, ele esticou a mão e tocou na minha, o polegar deslizando suavemente sobre minha pele. Meu coração deu um salto.
— Ei, bebê. — Sua voz era baixa e carinhosa. — O meu pai sabe e está muito feliz por nós. Ele só quer preparar o terreno para a mamãe. Você quer ir combinando?
Sorri de leve, sentindo um alívio tímido misturado com um toque de felicidade.
— Do que você quer ir?
O brilho nos olhos de Emmett aumentou, e ele sorriu de um jeito travesso.
— Quero uma fantasia de Capitão Gancho. — Ele ergueu o braço amputado, fazendo uma pose exagerada. — Estou louco para colocar um gancho aqui. Vai ficar animal.
Soltei uma risada sincera.
— Isso é incrível. Acho que posso combinar com algum personagem de tapa olho. O que acha?
Ele inclinou a cabeça, me avaliando com aquele olhar que sempre me deixava sem jeito.
— Você vai ficar lindo de qualquer jeito, George Sanches.
Minha boca se abriu, mas nenhuma palavra saiu. Meu rosto esquentou, e eu apenas enfiei uma garfada de purê de batata na boca, torcendo para que ele não percebesse o quanto aquilo mexia comigo.
Mas ele percebeu. E sorriu ainda mais.