Cada novo podre que eu descobria sobre Felipe e Luiza me dava combustível para seguir com meu plano. Agora, com Olga grávida — e o detalhe delicioso da vasectomia do marido —, as possibilidades se multiplicavam. Só precisava organizar bem as peças no tabuleiro.
Mas antes, uma intervenção básica. Um certo Aldebaran Rocha havia transformado o apartamento num santuário da autossabotagem.
Bati à porta como se fosse do Samu, armado com luvas de borracha, desinfetante de lavanda e uma sacola preta de 100 litros. O olhar de Aldo quando abriu a porta oscilava entre vergonha e alívio.
— É impressão minha ou o padre chegou com o kit exorcismo? — ele disse, com a voz falhada.
— Se tivesse água benta, você ia virar fumaça. Dá licença, que hoje a faxina é espiritual e física.
Sem cerimônia, comecei a catar garrafas, bitucas, e o que mais servisse de prova da ruína moral que ele estava encenando. Quando joguei fora uma garrafa de uísque ainda pela metade, ele tentou protestar.
— Isso é importado!
— E eu sou importado da paciência. Mas olha só, hoje tô vencido. Fora!
Ele recuou e deixou. No fim, o apartamento cheirava a lavanda e desespero contido.
Aldo afundou no sofá como se estivesse pousando depois de uma queda livre.
— A Camila quer dançar a valsa comigo nos quinze anos dela. E eu… não sei dançar nem com vassoura.
Suspirei alto.
— Levanta. Agora. Sem drama.
— Você não tá falando sério…
— Claro que não. Eu raramente tô. Mas agora sim. Vai, antes que eu repense minha generosidade.
Ensiná-lo a dançar foi como ensinar um tijolo a flutuar. Mas, com esforço e sarcasmo suficiente, ele foi pegando o jeito.
— Você dança bem demais pra alguém tão cínico — ele disse.
— Mérito do velho Marcelo. Depois que decidiu me reconhecer, achou que podia me transformar em gente com aula de etiqueta, postura e dança de salão. Uma tortura semanal com cheiro de naftalina e suor de professor frustrado. Mas olha só, serviu pra alguma coisa.
Ele apenas assentiu. Um silêncio meio respeitoso caiu entre nós.
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Na manhã seguinte, levei Aldo a um café elegante para uma reunião. O nome do contato: Roberto Rangel. Quarenta e seis anos, um corpo que denunciava academia e uma cara de quem sabia que era bonito.
— Leônidas — disse ele, abrindo um sorriso indecente —, você continua o mesmo.
— Cínico, amargo e irresistível? Obrigado, querido.
— E você deve ser o Rocha. — Roberto estendeu a mão. — Prazer.
Aldo murmurou um “igualmente” e ficou em modo alerta.
Falamos sobre projetos sociais, impacto em Paraisópolis, possíveis investimentos. Roberto estava animado. E mais animado ainda comigo.
Quando Aldo se afastou para ir ao banheiro, Roberto se inclinou.
— Sério, pensa no jantar. A gente podia comemorar essa parceria com um bom vinho. Sem pressa.
— Você sempre flerta assim com potenciais sócios?
— Só quando eles têm olhos lindos e uma causa nobre.
Aldo voltou e ouviu. Ficou quieto, tenso, mastigando o ciúme como se fosse gelo.
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Mais tarde, encontrei Olga em um café discreto no centro da cidade. Óculos escuros, lenço no cabelo, e o andar apressado de quem teme ser reconhecida.
Ela se sentou, pediu um expresso forte e disse:
— Leo, eu quero acabar com o Felipe. Não só por mim. Mas por tudo.
Cruzei os braços, encostei na cadeira.
— Agora você fala minha língua. Mas tudo tem um preço.
— Diz. — Ela cruzou as pernas, desafiadora.
— Você me dá tudo que tiver do Felipe: mensagens, provas, hábitos. Em troca, eu cuido do seu marido. Tenho uma amiga investigadora que adora derrubar homens perigosos.
Ela hesitou, mas assentiu com um brilho frio no olhar.
— Fechado.
Estávamos selando uma aliança no meio do aroma de café e promessas de ruína. Do jeito que eu gosto.