O estúdio era pequeno. Espelhos gastos, chão de madeira marcado por décadas de passos, e um cheiro de suor antigo misturado a lavanda barata. Mário chegou dez minutos antes. Terno aberto, gravata frouxa, sapato social que ele tirava assim que a porta se fechava.
No banco ao lado do espelho, pegou da mochila uma camisa de malha fina. Trocou ali mesmo. Os braços ainda eram firmes. O abdômen denunciava os anos de cervejas e jantares rápidos em casa. Tinha quarenta e dois. E uma ex-mulher que faria aniversário na semana seguinte.
Ela amava tango.
A ideia da aula fora da filha. 'Você podia aprender a dançar e surpreender a mamãe. Seria lindo vocês dois dançando no salão.' Mário não sabia dizer não para ela.
Na primeira aula, Luísa o recebeu com um sorriso que não era exatamente simpático. Era provocativo. Como quem diz: vamos ver se aguenta. Vinte e poucos anos, pele morena com um brilho próprio, cabelos presos em um coque desleixado que parecia arte. Ela falava com os ombros, corrigia com as mãos e elogiava com os olhos.
Na terceira aula, ela começou a tocar mais. Punha a mão nas costas dele e deslizava devagar até a cintura.
"Precisa firmar mais aqui, ó. Me guia com a lombar, não com o braço."
Ele só assentia, engolindo seco.
Na quinta, ela surgiu de vestido. Vermelho. Curto o suficiente para revelar os joelhos, solto o bastante para esconder as intenções.
Mário hesitou ao segurá-la.
Ela percebeu.
Na sétima aula, o toque virou silêncio. Ele já não pedia mais desculpas por encostar. Ela já não precisava corrigir os passos — apenas respirava no compasso certo, e ele seguia.
O corpo dela era quente como um segredo. O dele, uma confissão prestes a escapar.
No chuveiro, ele se pegava com a testa encostada no azulejo, os olhos fechados, o nome dela preso na garganta.
Nas visitas à filha, via a ex-mulher rindo, viva, e sentia o estômago apertar. Não de ciúme. De lembrança.
Na nona aula, ela chegou mais tarde. Ofegante, cabelo solto, a blusa colada ao corpo como uma segunda pele de suor.
"Tive outro aluno antes". disse, jogando a mochila no canto. "Mas agora posso respirar."
Ele a observou calada. Pela primeira vez, quis perguntar se dançava com todos assim. Mas não perguntou. Em vez disso, estendeu a mão.
A dança começou lenta. Ela mais entregue. Ele mais firme.
Quando o ritmo cresceu, ela encostou nele como se testasse. Quadril contra quadril. Seio contra peito. Boca quase coladas.
Ele não recuou.
Ela mordeu o lábio inferior. "Assim... isso.", sussurrou.
Na dança seguinte, ela ficou calada. Mas o corpo dela dizia tudo.
A mão dele subia além da cintura. As mãos dele seguravam o quadril dela. A música virou ruído ao fundo. Quando ela girou e ele a puxou de volta, os rostos ficaram a milímetros. Ele sentia a respiração dela, rápida, molhada.
Ela não recuou.
Mas ele sim.
Soltou-a com cuidado quase reverente.
Na décima aula, a última, ela trouxe uma música nova. Mais lenta, densa. Um tango arrastado, quase melancólico, cheio de pausas dramáticas. Quando colocou para tocar, olhou para ele de um jeito diferente. Menos instrutora, mais... cúmplice.
"Hoje quero que você conduza como se soubesse o final.", disse, colocando a mão dele na base da sua coluna, guiando os dedos com precisão. "Como se apenas a dança importasse."
Ele só assentiu. Não confiava na própria voz naquele momento.
O compasso começou. Um, dois... pausa. Ela colou o quadril no dele. O olhar preso nos olhos dele, o hálito batendo em sua bochecha. Os movimentos lentos, tensos, quase dolorosos de tão controlados.
"Isso...", ela sussurrou, próxima demais. "Sinta a música. Escute nossos corpos."
Ele tentava. Mas, um movimento mais próximo, o quadril dela deslizando no dele...
Rápida, involuntária. Uma ereção inapelável.
O rosto dele queimou.
Ele parou. Deu um passo para trás, tentando disfarçar. O olhar fugiu, as mãos tremiam, o coração batendo no pescoço.
"Desculpa.", disse baixo, envergonhado. "Não quis desrespeitar... Eu..."
Luísa o olhou com uma mistura deliciosa de doçura e malícia. Não recuou. Em vez disso, sorriu como quem já viu tudo e mais um pouco.
"Mário...", ela se aproximou devagar, sem tocar. "Se isso fosse um problema, eu só daria aula para mulheres."
Ele riu amarelo.
Ela riu. "Encaro isso como sinal de que sou uma boa professora.", gracejou.
O sorriso dela era devastador. Não pelo deboche — mas pela ternura.
"Se quiser parar por hoje…", ela completou, dando a escolha a ele.
Mário respirou fundo. Fechou os olhos um instante. Depois, com um leve sorriso nos lábios, estendeu a mão.
"Não. Quero terminar a música." Abriu os olhos. "Embora já saiba como será o final."
Ela aceitou a mão. Sem piada agora. Sem provocação.
A dança recomeçou.
Dessa vez, ele a guiou com mais firmeza. A vergonha ainda ali, mas agora transformada em algo quase bonito. A ereção cedeu, mas o desejo ficou. Mais profundo. Mais íntimo.
Os corpos se encostavam com menos culpa. As mãos encontravam caminhos com naturalidade.
Ela fechava os olhos. Confiava.
E ele, finalmente, sentia que estava no comando.
Não porque controlava, mas porque escutava.
Ao fim da música, ficaram parados, ainda colados. O silêncio pesando mais que a respiração entrecortada.
"Sabe o que mais me surpreende?", ela perguntou, sem abrir os olhos. "Você ainda tenta se conter."
Ele sorriu. "E você segue testando meus limites."
Ela abriu os olhos. "É que, às vezes, a gente precisa de alguém que nos faça lembrar... que o corpo também fala."
Ele encostou a testa na dela. Só por um instante. Um gesto sem nome. Nem desculpa.
"Então... Sábado você vai dançar?", ela perguntou.
"Sim.", ele respondeu.
Na saída, não se despediram. Apenas se olharam.
Luísa tinha acabado de ministrar a última aula de sábado. O relógio se aproximava das 10 da noite. Ela ouviu a porta e se virou.
"Mário?"
Ele sorriu.
"Você não disse que ia dançar no sábado?"
"Sim.", ele respondeu. "E aqui estou."
Ela sorriu
E eles dançaram.
E dançaram.