A FORÇA QUE ENCONTRO EM TI - CAPÍTULO EXTRA 1: EMMETT E O CHOQUE DE REALIDADE

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2881 palavras
Data: 10/04/2025 06:15:13

NARRADOR: EMMETT

Eu não lembro de muita coisa das últimas vinte e quatro horas. A mente é estranha... apaga os detalhes pra gente não enlouquecer, talvez. Só sei que havia dor. Uma dor absurda. E frio. Um frio que vinha de dentro, como se minha alma tivesse congelado junto com aquele pedaço do meu corpo que agora não existe mais.

Acordei aqui, neste centro de apoio, cercado por paredes improvisadas e cheiros misturados de antisséptico, sangue e fumaça. E ao meu lado... George. O mesmo George que eu costumava ridicularizar. O mesmo George que eu tratei como se ele fosse inferior, só porque ele teve a coragem de ser quem é. E agora, ironicamente, foi ele quem me tirou dos escombros. Ele salvou a minha vida.

A verdade? Eu nunca odiei o George. Eu me odiava. Porque desde cedo eu soube quem eu era. E desde cedo aprendi a esconder. Fingir. Adaptar.

Meu nome é Emmett Montgomery-Kerr. Filho da Sharon Montgomery-Kerr, advogada formada com honras em Harvard, e do Abraham Montgomery-Kerr, engenheiro do MIT. Eu fui moldado para ser uma extensão do sucesso deles. Um projeto em desenvolvimento, um troféu vivo. Não havia espaço para falhas. Muito menos para algo "fora do padrão". E ser gay... bom, isso não era nem uma opção.

Então, virei esse cara introspectivo. Sempre na defensiva. O tipo que não aceita piadas, mas sabe exatamente como atingi-las de volta com mais força. Era minha forma de me proteger. Quando George se assumiu, eu reagi com sarcasmo. Talvez inveja. Ele fez o que eu nunca tive coragem. Ele foi livre.

E agora, aqui estou eu. Com um vazio no lugar do meu braço direito. Um buraco que lateja e me lembra que, no fim, sou um covarde. E talvez mereça essa dor. O frio. A perda.

— Nós fizemos de tudo para salvá-lo. — Explicou o médico, a voz arrastada pelo cansaço, mostrando à minha mãe as fotos do meu braço antes da amputação. Eu desviei o olhar.

— Meu Deus, o que vai ser do meu filho? Deformado desse jeito nunca vai entrar em uma boa universidade. — As palavras da minha mãe cortaram o ar como uma navalha.

É estranho. Eu já esperava algo assim... mas ouvir de verdade ainda doeu. Como se o valor que eu tivesse estivesse ligado só à perfeição física e à aprovação acadêmica. Como se a minha dor fosse secundária diante das expectativas dela.

— Senhora, isso não vai impedir o Emmett de fazer nada. — o Dr. Murphy respondeu com firmeza. Deus o abençoe. — E onde está o pai do rapaz?

— O meu marido está preso na empresa. Graças a Deus que o furacão não o alcançou. Ele está tentando vir para cá. — A voz dela tremeu. Pela primeira vez, vi minha mãe despedaçada. Sem maquiagem, sem elegância, sem controle. O Furacão Fernandes destruiu muito mais que paredes.

— Senhora Montgomery-Kerr, o momento é delicado e o seu filho vai precisar de todo apoio. — o médico continuou, pegando uns papéis em cima da mesa plástica. — Eu preciso checar outros pacientes, por favor, tentem descansar.

Ele saiu cabisbaixo. E por alguns segundos, tudo ficou em silêncio. Só o bip da máquina monitorando meus sinais. Só o som da minha respiração desigual.

Eu não conseguia dizer nada. Só chorava. Meu corpo tremia, minha mente estava distante, mas o choro era constante — como se fosse a única coisa que ainda fazia sentido. Toda vez que eu olhava para o meu braço... meu Deus. Onde deveria estar a minha mão direita, havia apenas um vazio. Um corte limpo, direto do cotovelo para baixo.

Mas, estranhamente, eu não sentia dor. Era só uma fisgada, quase fantasiosa, como se minha mente não tivesse entendido ainda o que tinha acontecido. Talvez fossem os remédios fazendo efeito, me anestesiando mais na alma do que no corpo. Eu nem consegui reagir quando minha mãe começou a reclamar, talvez preocupada, talvez desesperada... não importava. Nada importava. Eu só chorava.

De repente, gritos. Uma voz cortando o ambiente como uma lâmina. Era Diana Jenkins, mãe do Zeek — o melhor amigo do George. Eu a reconheci pelo tom, pela intensidade. Ela gritava com a minha mãe. Dizia que o filho dela estava morto. Que a minha mãe devia agradecer por eu estar vivo.

Aquilo me acertou como uma pedra no peito. Zeek? Morto?

Diana desabou. Literalmente. Caiu no chão e foi amparada por quem estava por perto. Levaram-na até uma cama, e tudo ficou ainda mais silencioso depois disso. Silencioso de um jeito estranho, como se o ar estivesse pesado demais pra se mover.

Minha mãe se aproximou. Ela estava tremendo tanto quanto eu.

— Emmett, filho, me perdoa. — Ela me abraçou. Senti o calor dela, senti a culpa escorrendo pelas palavras. — Eu prometo que vou tentar ser uma mãe melhor. Eu sou tão grata. Tão grata, filho. Me perdoa.

Choramos juntos.

Meu pai apareceu pouco depois.

— Sharon, Emmett... — Ele nos envolveu num abraço forte, apertado. — Filho, eu fiquei tão preocupado. Graças a Deus que você está vivo.

Minha mãe segurou o rosto dele com as duas mãos, como se tentasse agarrar aquele momento com todas as forças.

— Abraham, o nosso filho está bem. Nossa família está bem. — Ela mal conseguia falar de tanto chorar.

Foi tudo tão intenso. Tanto sentimento misturado que parecia que o chão ia desabar a qualquer momento. Quando eles foram procurar o Dr. Murphy para saber mais sobre o meu estado, eu fiquei ali, no silêncio estranho da tenda, sentindo o peso do que tinha acontecido.

Olhei para o lado e vi George. Ele encarava a mãe do Zeek, que ainda estava desacordada. Havia dor nos olhos dele. Mais do que dor... havia desespero.

Ele se aproximou, devagar. Tocou o meu braço com cuidado.

— Emmett... — ele disse.

Eu mal consegui levantar os olhos pra ele.

— A minha vida acabou, George. — Falei, e cada palavra parecia pesar toneladas.

— Não, a sua vida não acabou. A vida do Zeek acabou. — Ele tentou me levantar com palavras, mas as lágrimas escorriam pelo rosto dele também.

— O Jenkins está morto? — Minha voz saiu falha, assustada. — Eu... eu sinto muito, cara. E a Rachel?

Ele balançou a cabeça.

— Nada. Os pais dela também não estão aqui. Eu já não sei mais de nada, Emmett. — E então, ele desabou também.

Com esforço, estiquei o que restava do meu braço e toquei na mão dele. Foi como se algo quebrasse — uma parede invisível entre nós. Pela primeira vez, a dor dele e a minha se encontraram ali, naquele gesto simples.

— Eu também estou com medo. O que será que vai ser daqui pra frente? — Perguntei, sem esperar resposta. Porque talvez nem existisse uma.

***

Os dias seguintes foram um borrão de lágrimas e silêncio. Fiquei trancado em casa, tentando encontrar sentido em tudo, mas só encontrava dor. Chorava muito, principalmente nos momentos mais simples — como na hora do banho, ou quando tentava escovar os dentes com a mão direita que não estava mais lá. Aquilo me quebrava. Eu era uma pessoa deficiente agora. Nunca pensei que diria isso sobre mim mesmo. A palavra parecia pesada demais, dura demais, cruel demais.

Minha família se mobilizou rápido. Visitamos vários especialistas, buscamos opiniões, informações sobre próteses, formas de reaprender a viver. Tudo parecia técnico demais, distante. Eu queria respostas mais simples: como escrever? como amarrar o cadarço? como apertar a mão de alguém?

Os médicos do centro de apoio fizeram o que puderam com o pouco que tinham, e eu sou grato por isso. Mas minha mãe… ela não aceitou que aquilo era o melhor que podiam fazer. Me levou a um cirurgião plástico, em busca de uma nova chance. E o médico topou. Lá fui eu de novo pra uma mesa de cirurgia, só que dessa vez num hospital de verdade.

Achei que fosse doer mais. Mas não doeu tanto quanto imaginei. O difícil mesmo veio depois. A recuperação. Tinha algo muito doido acontecendo: eu sentia meu braço. A mão, os dedos… como se ainda estivessem lá. Às vezes parecia que estavam fechando com força, outras vezes formigavam, coçavam, queimavam. Mas não estavam mais ali. Nada disso estava.

O médico me explicou que era a tal da dor do membro fantasma. Parece nome de coisa inventada, né? Mas é real. Uma dor estranha, absurda, que surge do nada. Uma parte de mim gritando, mesmo depois de ter sido levada embora. Às vezes era só uma pontada, outras vezes parecia que o braço todo pegava fogo. Era desesperador. Tinha momentos em que eu só queria gritar, outros em que só me restava chorar calado.

Com o tempo, foi melhorando. Ainda sinto, de vez em quando. Como uma lembrança do que não está mais aqui. Um eco. Um aviso.

Além disso, tinha a cicatriz. A pele tentando fechar um capítulo que o corpo ainda não entendeu que acabou. O jeito como ela cicatrizasse iria influenciar nas dores futuras, o médico disse. Então eu rezava todos os dias pra que curasse direito, porque a última coisa que eu queria era carregar mais dor do que já estava levando.

A terapia acabou sendo o respiro que eu não sabia que precisava. O Dr. Stevens era um senhor de idade com cara de quem já viu de tudo. Tinha um jeito leve de fazer perguntas que me desmontavam sem esforço, como se ele conseguisse enxergar além daquilo que eu conseguia colocar em palavras.

As sessões eram três vezes por semana, combinadas com fisioterapia. Confesso que os piores momentos eram quando passava futebol americano na TV. Era como levar um soco no estômago — aquele era o meu mundo. E agora... parecia um planeta ao qual eu não pertencia mais.

Mas aos poucos, o Dr. Stevens me fazia pensar diferente. Me fazia enxergar além da dor, mesmo que ainda fosse difícil.

— Hoje fui no Departamento de Veículos Motorizados — Contei, meio sem ânimo, enquanto ele me observava com aquela paciência de sempre.

— E como foi? — Ele perguntou, com um leve sorriso que não era de deboche, era de interesse genuíno.

— Um desastre. — Suspirei. — Quando as pessoas percebem que eu não tenho um braço… Sei lá, o olhar delas muda. Dá pra ver a pena estampada no rosto. E isso me dá nos nervos.

— Entendi. E o que você foi fazer lá? — O psicólogo insistiu, com aquela calma que me fazia querer continuar falando.

— Meus pais compraram um carro adaptado, pra eu dirigir só com a esquerda. O departamento precisa me testar.

— E você está pegando o jeito? Conseguiu dirigir?

— Sim. Na verdade, é mais fácil do que eu pensei. O carro é automático, então ajuda bastante. Mas… — Dei de ombros. — Adeus sonho de ter um conversível.

Ele deu uma risada curta, sincera.

— Por que você precisa dizer adeus a esse sonho? Será que é impossível adaptar um conversível às suas necessidades?

Fiquei em silêncio por alguns segundos, olhando pro nada.

— Eu sei que não é impossível. Mas na minha cabeça, sabe… eu sempre imaginei dirigindo pela Rota 66, capô aberto, o vento bagunçando tudo, a mão esquerda na janela e a direita no volante. Era mais do que dirigir, era uma imagem que eu tinha de liberdade. E agora… — Soltei o ar com um peso no peito. — Agora parece só uma lembrança que nunca vai existir.

— É muito complicado ter que reaprender tudo na vida, Emmett. Mas você é um rapaz competente e vai superar tudo isso. — Ele anotou alguma coisa, depois levantou os olhos de novo. — Na sessão anterior você mencionou um nome. George Sanches. Ele é seu amigo?

Eu respirei fundo. Só de ouvir o nome, senti algo se revirar dentro de mim.

— Não. Ele me salvou. — Respondi, sentindo um nó na garganta que eu nem sabia que estava lá. — Mas cara, errei muito com ele.

Minha mente girava em círculos, tentando encontrar uma linha de raciocínio coerente no meio daquele caos interno. Depois de um tempo, levantei o olhar para o Dr. Stevens, arqueando uma sobrancelha com uma expressão meio debochada, meio séria.

— Tudo o que a gente conversa aqui fica aqui, certo? Existe aquela história de sigilo médico?

— Nada do que é dito aqui sai daqui, Emmett. Nem para os teus pais ou outras pessoas. — Ele apontou para a parede, onde um monte de diplomas estava pendurado, reluzindo sob a luz fraca do consultório. — Todos aqueles diplomas não valeriam nada se eu fosse um psicólogo ruim.

Respirei fundo. Muito fundo. Como se estivesse prestes a mergulhar em águas profundas e desconhecidas.

— Eu sou gay. — As palavras saíram num sussurro, e meus olhos se fecharam com força, como se isso pudesse impedir o mundo de me ver. — Eu sou gay e fiz da vida do George um inferno encobrindo a minha verdade.

As lágrimas vieram antes que eu pudesse detê-las. Tentei limpar discretamente com a manga da camisa, mas o Dr. Stevens, gentil como sempre, me passou um pacote de lenços.

— Entendi. — Ele disse com aquela voz calma que, de alguma forma, me fazia sentir seguro. — Não tem problema chorar, Emmett.

Ele não me apressou. Só ficou ali, me dando espaço para digerir a tempestade de sentimentos que me rasgava por dentro.

— E o que você sente sobre o fato de ter dificultado a vida do George?

— Péssimo. — Engoli em seco e encarei o vazio. — Às vezes, eu acho que tudo isso — levantei o braço decepado, ainda me acostumando com o vazio que ele deixava — é um castigo divino. Fui um covarde, enquanto o George... o George foi tudo o que eu não tive coragem de ser: espetacular. Corajoso.

— Entendi. — Ele fez uma anotação no caderno dele. Às vezes, eu me perguntava o que exatamente ele escrevia. Talvez algo como “Emmett: mais uma sessão de revelações e lágrimas.” — Emmett, você acha que as pessoas que morreram no furacão mereceram?

— Não, doutor. Claro que não. — Respondi quase indignado, franzindo o cenho.

— Então, por que acha que perder o braço foi um castigo? Vejo que você não fez nada por maldade. Está aqui, chorando pelos atos que teve contra o George.

Fiquei em silêncio. As palavras dele batiam forte, mas de forma justa.

— A gente conversa quase todos os dias por mensagem. Ele também está tendo acompanhamento com um psicólogo. Eu já me desculpei diversas vezes, mas sinto que não é o suficiente. — A voz começou a falhar de novo. — Não só com o George, mas com todas as pessoas que magoei.

Era difícil explicar. Tinha um peso aqui dentro... como se cada desculpa não curasse nada, só cobria com um curativo fino uma ferida muito mais profunda.

— Que tal escrever esses sentimentos?

— Escrever? — Repeti, como se a palavra fosse nova pra mim.

— Você pode fazer uma carta para o George e essas outras pessoas. Seja sincero, seja ousado e corajoso. Às vezes, um santo de fé é tudo o que precisamos para destravar barreiras internas.

Fiquei olhando para ele por alguns segundos, sem saber se queria rir ou chorar de novo. Mas, de algum jeito, aquelas palavras ficaram martelando na minha cabeça.

Talvez escrever não fosse tão idiota assim. Talvez... fosse um começo.

O silêncio do meu quarto era tão pesado quanto a lembrança que eu carregava. A única coisa que quebrava a monotonia era o som distante do vento contra a janela, como se o mundo lá fora ainda estivesse tentando me lembrar do que vivi. Na minha frente, um papel em branco. Caneta na mão, dedos tensos. E nada.

Mas a mente... a mente, essa estava longe.

Pensei em George. No jeito como ele falava devagar, escolhendo as palavras com cuidado, como se cada sílaba fosse importante demais pra ser desperdiçada. Pensei em tudo que passamos naquele maldito furacão — Fernandes. Só de lembrar o nome, já sinto o gosto amargo do medo.

Meu braço, preso debaixo daquela viga de concreto, doía mais pela impotência do que pela dor física. E George... George ficou lá. Podia ter fugido, podia ter se salvado. Mas ele ficou. Falamos por horas. Sobre tudo. Sobre nada. Sobre a vida. E, em meio ao caos, ele segurou a minha sanidade como quem segura a mão de um amigo pendurado num precipício.

Quando o resgate chegou, foi ele quem correu pra explicar tudo aos paramédicos. Com calma, com precisão. Mesmo tremendo, mesmo suando medo, George era firme. Era forte. E, de algum jeito, isso me segurou inteiro.

Agora, sentado aqui, olhando esse papel ainda vazio, entendi o que precisava fazer.

Respirei fundo, deixei a caneta tocar o papel e escrevi. Não só sobre aquele dia, mas sobre tudo que carreguei calado. Escrevi sobre a gratidão que nunca disse em voz alta. Sobre as palavras que ficaram entaladas na garganta. Sobre o perdão — tanto o que devo quanto o que espero.

Quando terminei, li tudo de novo. Não mudei uma vírgula. Era cru, era honesto. Era eu.

Dobrei a folha com cuidado e coloquei dentro de um envelope. Sele com firmeza, como se estivesse selando também um pedaço da minha alma.

Depois comecei a escrever outras. Para cada colega que, de algum jeito, eu magoei. Que deixei de defender quando devia. Que fui omisso quando o time de futebol ultrapassava os limites nas brincadeiras. Foram muitas. Mas cada carta era um passo pra fora daquela sombra.

Talvez nunca me perdoem. Talvez nunca leiam. Mas eu precisava escrever. Precisava, antes de tudo, me olhar no espelho e saber que estou tentando ser alguém melhor do que fui.

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Temos muito aprender com as diferenças. Respeito e oportunidade a todes.

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