Quando a porta do apartamento se trancou às costas de Cris, o silêncio a engoliu como um confessionário deserto. Ela caminhou, largou a bolsa sobre a cama com o descuido de quem já se sabe pecadora, e então o susto — um grito mudo que lhe escapou da alma. Paulo a envolveu por trás, um abraço que era mais cilada que afeto, e o perfume almiscarado dele, esse veneno doce, já a traía, já a fazia ceder, úmida de antecipação.
Ele roçou o bigode no pescoço dela, um roçar de fera que marca o território, e a voz saiu rouca, carregada daquela ironia torpe que Cris tanto amava:
— Diga que não queria, Cris. Diga que lutou contra isso, sua santinha de araque.
O pescoço dela se curvou, rendido, mas a boca ficou muda — muda de palavras, mas não de gemidos. Os dedos dele, calejados de tanta conquista, já escalavam as coxas, profanando a carne com a certeza de quem sabe o mapa do delito.
— Eu te ouvi jurando, hein? Que não voltava, que dessa vez era o fim. Fala de novo, vai.
Cris mordeu o lábio, um gesto de quem se entrega ao castigo e ao gozo. Um gemido rasteiro lhe escapou, traidor.
— Mentira deslavada. Só aqui você vira isso, essa coisa que geme e se contorce. Só eu te faço mulher de verdade.
O calor subia como febre, um incêndio que não perdoa. As mãos dele, brutas e precisas, erguiam o vestido — e ali, exposto, o triângulo de renda branca, um véu irônico sobre o desejo, os pelos escuros prometendo abismos. O membro dele, ansioso, já achava seu lugar entre os montes macios, um ritual pagão disfarçado de motel. Ela era o pecado encarnado: morena, olhos verdes, perfumada, com aquele charme quieto de quem já viveu o bastante pra não se desperdiçar em gestos vãos.
Cris, deusa entre os homens, transformava o quarto num templo imundo, a cama num altar onde o recato era imolado, onde ela se oferecia inteira ao culto do prazer. E Paulo? Um touro, um macho de pele esticada e veias pulsantes, músculos que estalavam como cordas de navio. A barriga trincada, que ela já conhecera em tantas noites, o sorriso torto, magnético, indecente. Executivo de gravata e cofres cheios, mas que, entre papéis e poder, preferia desbravar não o coração, mas o corpo de Cris — esse terreno onde ele era rei, e ela, rainha e vítima ao mesmo tempo.
Em geral, fora dali, odiava-o. Odiava com um fervor de freira que se descobre traída por Deus. Odiava tudo que ele representava: a ambição de lobo, a indiferença de quem pisa em carcaças sem olhar pra trás. E, mais que tudo, o modo como ele tratava o marido de Cris — o pobre coitado, um cãozinho de coleira curta, humilhado nas reuniões, nas indiretas, nas risadas que ecoavam pelos corredores da firma. Sim, ela era casada, e o marido, coitado, nada podia fazer, a não ser aceitar que Cris não era só sua, que havia Paulo a entrar nas suas carnes e que a ele só restava a resignação.
Essa contradição a corroía como ácido, fazia dela uma pecadora de olhos abertos, uma vilã de si mesma. E, no entanto, ela amava isso. Amava o veneno que escorria por suas veias, o peso da culpa que a jogava de joelhos — não pra rezar, mas pra se entregar mais fundo. Era como se cada gemido roubado, cada toque profano de Paulo, fosse uma vingança contra a vida medíocre que o marido lhe oferecera, contra as noites mornas e os silêncios de quem nunca soube incendiá-la. O ódio e o desejo dançavam juntos, num tango sujo, e Cris, ah, Cris se deliciava no meio do fogo, sabendo que era ela, no fim, quem segurava o fósforo.
Eis que o quarto fedia a pecado, a suor e a segredos que ninguém confessa nem no confessionário. Cris, ah, Cris, não era das que se contentam com juras de amor ou flores murchas de promessas. Não. Ela queria o chão bruto, o verbo sujo, a mão pesada que não pede licença. Queria o insulto que corta, o tapa que estala, a cusparada que humilha e, ainda assim, acende. E Paulo, esse cão sem coleira, sabia disso. Sabia e entregava.
— Sua vadia! — rosnou ele, com a voz cheia de fel e desejo, do jeito que ela pedia, do jeito que ela se lambuzava.
Cris, então, se dobrou, como quem reza uma prece pagã. As mãos cravadas na cama desfeita, as pernas, torres de mármore trêmulas, sustentadas por saltos agulha que pareciam zombar da gravidade. E a bunda — meu Deus, a bunda! Era um milagre profano, uma curva que desafiava os olhos, cortada por um fio branco de calcinha, tão fino, tão ínfimo, que mal escondia o buraco onde a decência se perde. Um anel de carne que ria da moral.
- Puta, cadela.
Paulo, com dedos de fera, agarrou o tecido. Puxou, rasgou, fez a calcinha morder a pele, arranhar o vale entre as nádegas, esmagar o monte úmido onde o prazer se escondia, palpitante. E Cris? Cris gemeu. Não de dor, mas de fome. Seus olhos brilhavam, sua boca se abria em súplica e delírio:
— Me fode, Paulo! Me faz tua cadela, tua puta do beco!
Ele não hesitou. A calcinha cedeu, partiu-se em trapos, deixou vergões vermelhos na pele branca, como um mapa de sua danação. Paulo, com o colosso de carne em riste, apontou para o buraco que Cris lhe oferecia — não com pudor, mas com a devoção das meretrizes que vendem a alma por um trocado. Era ali, naquele altar de lençóis amassados, que os dois se encontravam: ela, a santa dos becos; ele, o demônio que a consumia.
- Vadia, puta da rua, vou te foder toda.
E o quarto, testemunha muda, engolia seus gritos, seus pecados, seus êxtases. Porque, no fim, era disso que viviam — da sujeira, da devassidão, do amor que não ousa dizer seu nome, mas que se escreve em carne e se paga em gemidos.
— Macho, macho gostoso, come meu cu, com força, mete! — berrou Cris, a voz rasgada, os olhos vidrados de fome.
— Sua vadia safada! — cuspiu Paulo, com o veneno pingando da língua, enquanto avançava como um touro.
Cris gritou. Um urro que misturava o latejar da dor — o cajado a rasgava, uma lança cravada no holocausto do seu corpo — e o êxtase de quem se entrega ao abate. Ela amava ser alargada, esticada, como se sua vontade fosse nada, como se fosse só um pedaço de carne oferecida no açougue do desejo.
— Me fode, filho-da-puta, mete até o talo! — ela implorou, a boca tremendo de delírio.
— Cala a boca, sua porca! — rosnou ele, os dentes à mostra, o olhar faiscando.
Paulo caçava o pescoço dela, as orelhas, o rosto. Mordia com raiva, lambia com gula, babava como se marcasse território. A mão, ágil e cruel, espremia o seio com força, como quem torce uma laranja apodrecida até o sumo explodir. O outro braço, uma jiboia, cruzou a barriga de Cris e apertou, com a fúria de quem esmaga a vida de uma presa.
— Me quebra, macho, me faz tua puta, tua cadela! — ela gemeu, o corpo se contorcendo de prazer.
— Rameira, toma o que merece! — ele respondeu, a voz um trovão, enquanto apertava mais.
Cris adorava. Pedia mais, sempre mais, com a gana de quem não tem fundo. E quando um fiapo de juízo voltou — porque, sim, Paulo a desmontava, a reduzira a instinto —, ela sorriu, um sorriso de demônio. Esticou os braços, fincou as mãos na cama, empinou ainda mais o traseiro, o trono do prazer profano. Queria se abrir, se rasgar, esticar as carnes até o limite, para que o orifício engolisse Paulo mais fundo, mais bruto.
— Me fode, me mata, seu desgraçado! — ela suplicou, a voz quase sumindo entre os gemidos.
— Cachorra, cadela. vou te rasgar inteira! — ele grunhiu, enquanto mergulhava mais.
Os olhos de Cris reviravam, o corpo arqueava, torcia-se em espasmos, como uma possuída. E a lança de Paulo, essa arma bruta, cravou-se ainda mais fundo, até ele jorrar dentro dela, um rio quente de danação. Ela sentiu, sorriu com a boca torta e gritou mais, gozando enquanto o sumo escorria de suas entranhas, manchando as pernas com a prova do delito.
— Me enche, seu desgraçado, me fode até secar! — urrou Cris, a voz partida entre o gozo e a súplica.
— Cadela imunda, toma tudo! — Paulo, os dentes cerrados, o olhar de fera.
Desabaram na cama, exaustos, como destroços de uma guerra. Paulo retirou o colosso de carne do empalamento, e Cris gemeu, um lamento agudo de dor que ainda carregava prazer. Ele viu o suco dele, misturado à sujeira dela, escorrer pela saída arrombada e sorriu, satisfeito com a devastação. Não havia espaço para carinhos, nem para juras frágeis de amor — eles cuspiam nessas coisas. Para ele, ela merecia a crueza. Deu-lhe apenas um beijo, seco, como quem paga com uma.moeda à puta do beco, antes de virar pro lado e apagar.
Mas Cris não dormiu. Ficou ali, esperando o corpo aquietar seus arrepios de prazer, esperando a imundície parar de pingar. Num último arroubo, tocou o punhal de Paulo, meio rígido, meio ereto, lambuzado com a sujeira dos dois. Vibrou de tesão, os dedos trêmulos. Teve vontade de chupá-lo assim, cru, fedendo a eles, e o teria feito se o tempo não a apertasse.
Levantou-se, num átimo, e vestiu o vestido amassado, pegou a bolsa. O cabelo, o corpo — deixou tudo como estava, suado, marcado, roto. Não ligava se alguém a visse assim, com a cara de quem se entregou ao abismo. Seria a última lasca de gozo daquela tarde. Então, com a frieza de uma ladra, revirou os pertences de Paulo. Achou o que o marido mandara: um token, a chave numérica do sistema da empresa. Roubou a sequência e sumiu, deixando para trás o quarto, o homem e o cheiro da própria perdição.
Antes do jantar, Cris, com o olhar firme, entregou a Mauro o token, a sequência de números que ele pedira, o fruto do seu segredo.
— Agora faz o que tem de fazer. Tira aquele escroto da empresa — disse ela, a voz seca, sem hesitação.
Mauro quis agradecer, mas as palavras não vieram. A vergonha o consumia, o peso de ter pedido à própria esposa que se entregasse a outro, que cruzasse a linha do impensável. Teria ido longe demais? Imaginou que ela sofria, que carregava um fardo por ele.
— Obrigado... agora você pode parar com isso. Vai dar certo — murmurou, tentando oferecer uma saída, uma trégua.
Cris o encarou, e nos olhos dela havia um desprezo que não precisava de palavras. Viu Mauro como um homem quebrado, encolhido, sem forças para se erguer e sentou pena. Ela, ao contrário, estava inteira, decidida, dona de si.
— Não, Mauro. Não vou parar — respondeu, calma, mas inabalável.
— Como é? — Ele ergueu a voz, buscando uma sombra da autoridade que já não tinha.
— Baixe o tom. — disse ela, sem se alterar. — Você continua sendo meu marido. Mas algo mudou. Abrimos a Caixa de Pandora. Eu descobri sensações que não posso abandonar. Serei sua esposa, correta aos olhos de todos, impecável na nossa rotina. Mas terei minha outra vida, aquela que me faz sentir viva, como se eu fosse a Bela da Tarde. Não é pra te ferir, não é revanche. É o que eu quero. O que eu preciso. Preciso continuar sendo quem sou agora.
Mauro ficou mudo, engolindo o que restava de orgulho. Cris deu as costas, o vestido ainda marcado pelo calor da tarde.
E, ao sair da sala, esboçou um leve sorriso.