Rubens
Por um momento cheguei a pensar que Antônio iria ficar bravo ou sei lá, ter qualquer reação diferente da que ele teve, seu acolhimento nem passou pela minha cabeça como uma possibilidade. Quando ele me abraçou me senti bem, seguro até, isso é louco, tipo gosta tanto assim dá aprovação de alguém que mal conheço.
De volta no bar nos juntamos aos amigos dele, Gessika é uma pessoa muito legal, mas Alex parece meio chato assim como a Karla, já a Luana é mais divertida pessoalmente, embora tenha a sensação de que ela só não quer brigar com Antônio de novo, ou posso está enganado, não sou de lidar com gente no meu trabalho.
— Você está legal? — Gessika me pergunta quando sento do seu lado de novo.
— Estou, era só uma coisa do trabalho — minto.
— Vocês tocam muito bem juntos, não me canso de elogiar — Gessika desvia seu foco de mim para o casal.
— Obrigada — Luana responde ainda muito simpática.
Karla por outro lado não fez questão de disfarçar sua antipatia pela Gessika desde que chegamos, até onde entendi as duas nem se conheciam até hoje, deve ter algo rolando que não sei, pelo menos é o que explicaria essa reação. O clima na mesa não é dos melhores, mas logo a turma se divide em dois núcleos, Gessika e eu, enquanto o restante das pessoas na mesa conversam sobre outro assunto.
— Sou advogada — diz ela quando pergunto o que ela faz da vida além da ong.
— E trabalha em uma ong de animais?
— Pois é, sou louca por bicho, desde criança sempre gostei — tem mesmo paixão em suas palavras.
— Não pensou em fazer veterinária também? — Pergunto.
— Meu pai é policial, meu tio e minha mãe são advogados, foi a primeira coisa que quis fazer na vida e acabei pegando gosto.
— Faz sentido.
— E você?
— Ele trabalha em uma empresa de fora como programador, Rubens é um mágico dos computadores — Antônio entra na nossa conversa de repente, me pegando de surpresa.
— Olha só, você mexe com impressora também, porque a da ONG está mesmo precisando de uns reparos — Gessika diz toda sorridente.
— Gessika — Alex a repreende não zueira.
— Na verdade eu mexo sim, já tive uns problemas até resolver aprender a resolvê-los — lembro de quando ainda trabalhava em um escritório e a impressora sempre dava pau.
— Daqui a pouco o Rubens vai virar assistente técnico de todos os meus amigos — Antônio diz rindo, mas notei que Luana não gostou muito.
Antônio coloca seu braço no encosto da minha cadeira ficando bem perto de mim, o cheiro de seu perfume é delicioso e de tanto que ele fica perto de mim seu cheiro já está se misturando com o meu. Passamos mais um tempo falando sobre meus talentos em concerto de máquinas até começar a tocar uma música de forró e Gessica me tirar para dançar quase que a força.
— Deixa disso eu te ensino é fácil.
— Quero ver você continuar dizendo isso depois que eu pisar no seu pé.
Ela né passa umas instruções, mas consertar um computador ou programar um código é muito mais fácil que isso, sou um desastre dançando com ela, nem quando dançava com Mariano eu consegui seguir no ritmo, ele ficava puto porque é um dançarino foda e sempre queria dançar nas festas, no fim acabava dançando com outras pessoas, me pego pensando agora se seu novo namorado sabe dançar — novo namorado, quando foi que isso virou uma realidade?
— Aí — Gessika solta um leve gemido quando piso no seu pé.
— Desculpe — me distraí pensando no Mariano e acabei pisando em seu pé.
— Relaxa, você bem que me avisou — recebo um sorriso solidário seu.
— Valeu, mas dançar não é pra mim.
— Que isso não desiste ainda, você só tem que se soltar um pouco — Antônio simplesmente aparece do nosso lado — espera Gessika, deixa eu mostrar a ele.
Primeiro pensei que ele demonstraria com ela, mas ao invés disso ele me puxou pra dançar com ele, Antônio colocou minha mão no seu ombro enquanto a sua veio direto no meu quadril, minha mão está soando e sei que ele sabe porque está segurando ela.
— Vou te guiar, presta atenção.
— Certo — digo cheio de vergonha.
Aos poucos vou acertando o ritmo e até que não é tão difícil, existe um código afinal, uma sequência de passos e movimentos, minha coordenação motora não é das melhores e nem de longe eu tenho seu molejo, porém estou acertando tudo sem pisar no seu pé, Gessika nos aplaude quando vê que estou progredindo.
Estamos tão perto um do outro agora, dançando quase que colados, preciso me concentrar pra não passar a mão em sua barba, ou simplesmente beijar sua boca, pode ser loucura da minha cabeça, mas eu sinto que tem algo entre a gente, uma faísca, um clima, é loucura eu sei, mas quando mais fico perto dele menos tenho vontade de me distanciar depois.
— Viu como você consegue dançar — Gessika me traz de volta falando comigo.
— Tá, mas com um bom professor faz toda diferença — Antônio se gaba para a amiga só para pentelhar.
— Convencido — Gessika dá um leve tapa no braço do Antônio.
Luana está fuzilando a Gessika com os olhos, ainda bem que ela é enfermeira e não policial se não teria começado um tiroteio aqui dentro — tô exagerando eu sei — quando voltamos a para a mesa Luana puxa seu namorado para a pista de dança e assim eles dão um show novamente só que agora como dançarinos.
— Gente está ótimo, mas eu preciso ir — Alex se despede — Karla posso te dar uma carona se você quiser.
— Karla vai com a gente — digo sem pensar e sem perceber que isso pode ter sido uma cantada.
— A Luana falou que vai dormir com Antônio hoje e eu que não vou atrapalhar o casal, eu aceito sim Alex — Karla falou com uma satisfação sinistra na voz, posso jurar que isso foi um recado para mim e para Gessika.
Estou com um sentimento amargo já boca, não acredito que o Antônio me tirou de casa insistindo para que eu vinhesse e nem me falou que não voltaria para casa, espero que tenha pelo menos táxi para me levar de volta. Gessika percebeu que fui pego de surpresa e logo as prontificou a me levar para casa.
— Amigo, relaxa, eu posso te levar.
— Eu pego um táxi ou carro de aplicativo, vai ficar muito tarde pra você pegar essa estrada sozinha voltando.
— Tô acostumada, tenho uns clientes em Viçosa e em Ubajara, às vezes volto sozinha à noite — ela se refere a duas cidades vizinhas — e outra vai ser quase impossível você conseguir um táxi para aqueles lados a essa hora.
— Não acredito que ele não me contou — digo em voz alta.
— Ele pode ter esquecido, Antônio é meio desligado às vezes — sua amiga o defende.
— O Alex já foi? — Antônio pergunta voltando para a mesa.
— Foi e ele levou a Karla com ele — Gessika responde.
— Acho melhor eu ir também, amanhã eu tenho que revisar umas coisas pro trabalho — digo tentando não transparecer minha raiva.
— Cê já quer ir? — Antônio me pergunta, alheio a minha indignação com ele.
— Sim, já está tarde e não quero deixar a Gessika voltar sozinha ainda mais tarde.
— Voltar de onde? — Ele pergunta confuso.
— Karla falou que vocês iam dormir juntos, então eu me ofereci de deixar o Rubens em casa — Gessika fala e consigo notar uma satisfação em Luana.
— Espera que história é essa amor? — Antônio pergunta ainda mais confuso.
— Pensei que a gente podia ficar juntos hoje amor, já que daquela vez não deu certo — Luana responde.
— Hoje eu não posso, eu trouxe o Rubens, não posso deixar ele assim aqui — uma parte de minha raiva se alivia ao ouvir isso.
— Antônio, você reclamou outro dia que a gente não tem mais tempo juntos e a Gessika não disse que leva ele pra casa — Luana diz agora em um tom menos amigável.
— Você deveria ter combinado comigo antes amor, hoje não tem como, eu vou te deixar em casa e depois vou pra casa com o Rubens — ele diz mantendo sua calma, Gessika e eu nos entreolhamos.
— Amigo, não tem o menor problema eu posso levar o Rubens — Gessika tenta aliviar o clima.
— Agradeço Gessika, mas não precisa, eu vou levar ele — Antônio colocou tanta firmeza em suas palavras que tive que olhar para Luana para ver qual seria sua reação.
— Então vai ser assim? — Luana pergunta olhando para ele.
— Eu vou indo então gente — Gessika se levanta.
— Eu te acompanho até seu carro — digo para dar um pouco mais de privacidade para o casal.
Acompanho Gessika até o caixa onde ela paga sua conta, aproveito para pagar a minha e a do Antônio também, já que ele nunca me deixa pagar pelas refeições que leva para casa, depois a acompanho até seu carro.
— Nunca vi ele enfrentando ela daquele jeito — ela solta enquanto caminhamos.
— Como assim?
— O Antônio é ótimo, mas quando se trata da Luana ele disse amém pra tudo que ele pede, a única coisa que ele não fez foi parar de falar comigo, que tenho certeza que ela já deve ter pedido — ele diz.
— Seria vacilo dele me deixar sozinho sem ter me avisado antes — digo.
— Pelo que conheço dele, jamais faria algo assim — ela diz pensativa e então continua — Rubens posso te fazer uma pergunta indiscreta?
— Pode — já imagino o que seja.
— Você gosta do Antônio, né? — pensei que ela iria me perguntar sobre minha sexualidade, estou sem reação — não é da minha conta eu sei, mas só toma cuidado amigo, ele é hétero e muito apaixonado pela Luana, nunca o vi sequer olhar para outra mulher, Antônio venera a namorada dele, mesmo ela sendo uma chata e eles não tendo quase nada em comum.
— Gessika eu — não sei como formular uma frase então desisto de tentar — é complicado, mas relaxa eu gosto de outra pessoa.
— Você é um cara legal Rubens, gostei mesmo de te conhecer.
— Também gostei de te conhecer Gessika.
Nós abraçamos e ela foi embora, combinei que iria ver sua impressora essa semana ainda e assim poderíamos tomar um café depois, assim que minha nova amiga sai com seu carro vejo Antônio saindo do bar sozinho, ele me procura por um instante até me encontrar, caminho até ele que parece meio estressado, mas seu sorriso me tranquiliza um pouco.
— Vamos — ele diz puxando a chave do Fusca do bolso.
— E a Luana?
— Vai ficar, ela disse que não quer ir para casa ainda — entendi sua chateação.
— Podemos ficar mais um pouco — digo querendo evitar que a briga piore.
— Você tem que ir pra casa e eu também estou cansado, o bar é de um amigo e tem outros amigos nossos aqui, o que não vai faltar é carona pra ela, tem uns taxis aqui perto também.
— Tem certeza Antônio?
— Tenho sim, vamos para casa — ele entra no carro e faço o mesmo.
A volta pra casa é silenciosa, por mais que ele tente não transparecer eu sei que está puto com o que aconteceu e para piorar acho que a culpa é minha, já que ele brigou com a namorada por minha causa, pensando no que Gessika me disse de que ele era louco por ela só piora as coisas.
— Cê tá com fome? — Ele pergunta quebrando o silêncio.
— Não muito — respondo sem olhar para ele.
— Tem um lugar que ainda tá aberto, os ônibus costumam fazer a parada para comer lá — ele diz ainda sério.
— Beleza — olho para a janela para evitar olhar pra ele, mas então sinto sua mão fria segurar a minha.
— Rubens tá tudo certo, você não tem nada haver com o que aconteceu.
— É que vocês brigaram por minha causa.
— Não, a gente brigou porque eu sou um idiota, Luana tinha razão precisamos conversar mais, vou resolver isso, mas não quero que você se sinto culpado, tá legal?
— Tudo bem — ele aperta minha mão e sinto um aperto no peito também, não quero soltar sua mão, esse sentimento é estranho é totalmente novo para mim.
Comprei salgados para comer, mas na hora de pagar ele não quis dividir porque eu já tinha pago a conta do bar, sentando para comer aqui mesmo, o clima aos poucos foi melhorando e logo ele tava todo sorridente de novo — prefiro ele assim inclusive — Antônio tem um jeito moleque, mas ao mesmo tempo é um cara responsável e muito atencioso, impossível não se apaixonar pelo cara incrível que ele é, Luana tem muita sorte, mesmo que ele diga que tem seus defeitos.
— Posso te perguntar uma coisa estranha? — Ele perguntou me deixando curioso.
— Claro.
— Ele é mais bonita do que eu? — Fico uns segundos processando o que ele me perguntou.
— Quem, o Mariano?
— Marino o nome dele então, interessante — Antônio faz uma cara engraçada que quase me fez esquecer a estranheza de sua pergunta.
— Por que?
— Só curiosidade, mas chapei né, não precisa responder — ele sem jeito meio tímido fica ainda mais bonito.
— Ele é muito vaidoso, tipo malha, faz crossfit, gosta de esportes, então ele tem um corpo bem padrão — digo — mas acho que você tem seu charme.
— Uau, entendi, ele é mais gato — ele diz fingindo estar ressentido.
— Vocês são diferentes só isso, os dois são bonitos a sua maneira eu acho — ele com certeza tem um sorriso mais bonito, mas não vou dizer isso a ele para não ficar se sentindo — a paixão até você sente pelo que faz, o Mariano não tem isso, quer dizer você trata até seu Fusca como se ele fosse gente.
— O Fuscão preto tem personalidade e ele se magoa fácil então melhor tomar cuidado — ele brinca e nós dois rimos.
— Anotado.
— Mas ele cuidava de você? — Ele segue com as perguntas estranhas.
— Ele queria que eu me cuidasse mais, você já percebeu que minha rotina de sono não é das melhores e meio que você também vem me alimentando esses dias.
— Entendi — ele fica pensativo então sorri — ainda sente falta dele?
— Estou começando a me acostumar, mas aí vem pequenas coisas que faziam parte da nossa rotina, então é como reviver o término de novo.
— Desculpa, vamos mudar de assunto — ele se apressa a dizer.
— Relaxa, é bom falar com alguém sobre isso, Juh é a única que sabia e ela não é a maior fã dele.
— Porque?
— Juh é meio rebelde e lá em casa sou quem mais apoia seu estilo de vida mais “desleixado” — digo colocando aspas na palavra desleixado.
— Mariano tinha ciúme da sua irmã? — Ele fica surpreso.
— Não ciúmes, mas tipo ele queria que eu ajudasse menos — digo.
— Mas ela é sua irmã.
— Pois é, Juh foi pauta de algumas brigas, então eles não chegaram a ser amigos.
— Sabe que Luana tem muita resistência com meus amigos, nunca liguei muito porque é difícil sairmos todos juntos.
— Ela sempre foi ciumenta? — Pergunto.
— No início não, mas depois do primeiro ano de relacionamento fizemos umas viagem e ela cismou que uma amiga sua estava dando em cima de mim, não chegamos a brigar, mas ela parou de falar com a menina, depois disso foi ficando mais comum ela reclamar se alguma coisa do gênero.
— Isso não te incomoda? — Ciúmes é algo que corrompe uma relação se não for dosado.
— Não incomodava — me responde depois de pensar um pouco.
Nossa conversa é interrompida pelo meu celular tocando, vejo o nome do Mariano no identificador de chamadas e meu corpo inteiro congela, Antônio percebendo minha reação passa para a cadeira ao meu lado e aperta meu ombro todo preocupado, com a proximidade ele ver o nome do Mariano na tela.
— Você está legal? — Ele pergunta, faço que sim com a cabeça, peço licença pra ele e levanto para atender.
— Oi Mariano.
— Oi Rubens, tudo bem? — Sua voz está um pouco estranha — desculpa te ligar a essa hora, imaginei que você ainda estivesse acordado trabalhando — sua voz é reconfortante, mas dentro de mim sinto que não tem mais o mesmo efeito que antes.
— Estou numa lanchonete, estava em um bar com uns colegas, mas o que foi, aconteceu alguma coisa, precisa de algo — começo a ficar preocupado.
— Um barzinho, nossa que bom pra você — tem algo de estranho em sua voz — a deixa pra lá, não quero te atrapalhar.
— Você não me atrapalha Mariano, nunca — ficando em silêncio por dois segundos, então volto a falar — o que aconteceu?
— Não é nada demais, só que eu estou um pouco doente, deve ser só uma gripe boba — isso é estranho Mariano tem a saúde de um cavalo, o cara é muito cuidadoso com essas coisas — só queria saber se você cancelou o plano de saúde.
— Não cancelei nada, pode usar, vá no hospital ver o que é essa gripe logo e se precisar de alguma coisa me liga — por um segundo nada mudou, ele ainda é meu noivo e o mundo parece fazer sentido, mas lembrei que não somos e que nunca seremos noivos de novo.
— Obrigado, e desculpe.
— Mariano, não precisamos disso, por favor — não quero ser tratado como um estranho.
— Você tem razão desculpa — ele se desculpa de novo — vou marcar uma consulta, mas não é nada de mais, obrigado.
— Está tudo bem? — Antônio se aproxima me perguntando ao ver que assumi uma cara mais preocupada.
— Você está com alguém? — Mariano pergunta do outro lado da linha.
— Está sim Antônio só um segundo — digo para ele que se afasta novamente — desculpa Mariano é meu primo Antônio, paramos para comer, mas já vamos para casa.
— Que primo é esse que você nunca falou? — Mariano quis saber.
— Ele mora aqui no Tinguá na casa dos meus avós, também não o conhecia.
— Você está no Tianguá? — Tinha esquecido que ele não sabia.
— Meu avô fez uma cirurgia e está usando meu quarto, resolvi vim pra cá, enquanto ele se recupera.
— Você não podia ficar no quarto da Júlia? Ou ela te negou isso?
— Você sabe que trabalho no meu quarto, não posso trabalhar em qualquer lugar e no fim achei melhor ficar longe — interrompi minha frase com uma dor no peito.
— Longe de mim — ele diz com pesar na voz.
Ficamos calados, não sei o que ele quer de mim, mas não consigo só desligar, sinto muita falta dele, da segurança que ele me passava, com Mariano eu sabia que teria uma família, que seríamos nós dois pelo resto da vida, mas os planos que ele fez comigo agora pertencem a outro alguém e isso doi muito, muito mesmo.
— Tudo bem, vou deixar você aproveitar sua noite, obrigado pelo plano.
— Não se preocupe com isso, vou manter por mais um tempo até você se organizar — essa foi uma das coisas mais difíceis que já falei pra ele, aceitar que acabou e que temos que pôr um fim nas coisas que foram construídas durante esses quase sete anos, é muito doloroso.
— Obrigado, vou resolver isso — algo me diz que ele também está sentindo esse peso.
— Não precisa ter pressa.
— Valeu, até mais, Rubens.
— Até Mariano.
Ele fica uns segundos na linha ouvindo nossa respiração até encerrar a chamada, respiro fundo conseguindo um pouco de oxigênio finalmente, Antônio está perto e vem em minha direção quando vê que encerrei a ligação, sem falar nada ele me abraça e me apertou contra seu corpo, nossa como preciso desse abraço, retribuo o abraçando ainda mais forte.
O cheiro amadeirado com gasolina virou meu cheiro favorito no mundo, sua fragrância marcante me acalma e com ele consigo me sentir seguro de novo, depois dessa ligação não tenho mais ânimo para nada além de ir para casa e é isso que fazemos. Antônio foi o percurso inteiro segurando minha mão, não soltou nem para passar a marcha do carro.
Em casa ele me deu um beijo na cabeça de boa noite e foi pro seu quarto, quero pedir para dormir com ele, mas não tenho nem cara e nem coragem para isso. Tomei um banho quente e me deitei para dormir, mas me revirei na cama repassando a minha conversa com Mariano várias e várias vezes, no meio da madrugada levanto para tomar um pouco de água na cozinha e dou de cara com Antônio só de cueca também na cozinha.
— Que susto — ele diz rindo levando a mão até seu peito.
— Desculpa — digo.
— Relaxa, tá sem sono?
— Mais ou menos — digo tomando minha água.
— Quer conversar? — É a última coisa que quero fazer agora.
— Não.
— Beleza, se precisar estou no meu quarto — Antônio diz isso me olhando nos olhos me fazendo arrepiar o corpo inteiro.
— Beleza — depois disso ele vai indo para o quarto então em um ato de coragem ou estupidez abro minha boca e falou o que eu quero.
— Posso dormir com você? — Sem pestanejar Antônio estende a mão para mim, quando seguro ele me guia até seu quarto.
Seu cheiro nos travesseiro é melhor coisa, mas nada me preparou para seu corpo quente e pesado deitado em conchinha comigo, minha respiração quase falha por sua proximidade, mas passado o susto consigo me aconchegar em seu abraço e só assim o sono vence meu cansaço e apago.
Não sei o que tem na cama do Antônio, mas é a segunda vez que durmo aqui e consigo dormir a noite inteira. O quarto está escuro, mas um pouco quente, mesmo com o ventilador ligado, estou sozinho e ele não está no quarto, puxei o celular do criado mudo para ver a hora, mas não é o meu, na foto de bloqueio tem uma foto do Antônio abraçando a Luana, mas ignoro e foco só na hora mesmo.
— Porra são dez e meia? — Falo em voz alta.
Acho que nunca dormi tanto assim na vida, tem mesmo alguma coisa nessa cama que me faz hiberna, levanto com um pouco de preguiça e vou direto para o banheiro do corredor mesmo, na cozinha Antônio está preparando nosso almoço e conversando com a Tia Marli, ela é quem está cuidando do jardim da vovó, assim que me vê já me puxa para sentar ao seu lado e começa a me encher de paparico, a tia não teve marido ou filhos então ama todo os sobrinhos.
— É a primeira vez que te vejo sem tá trabalhando Rubinho.
— Me dei folga hoje, tia — digo.
— Você trabalha demais Rubinho, desse jeito não vai ter tempo para namorar e terminar sozinho que nem a tia.
— Que isso tia, eu a gente tá aqui pra senhora — Antônio diz mandando beijo pra ela.
— Vocês entenderam, a tia é feliz com esse monte de filho, mas é bom ter alguém pra velhice filho — ela volta sua atenção para mim.
— Vão dar certo tia — ela me abraça, depois levanta para me servir um café, da outra vez que ela veio eu estava trabalhando então só deixou um café e bolo para mim e não quis me atrapalhar, na minha família todos sabem que trabalho é muito sério e não posso está parado.
— Já que você não vai trabalhar hoje a gente podia ir pro sítio — Antônio dá a ideia e eu até que gostei — vamos com a gente tia?
— Na próxima, meu filho, leva o Rubinho que ele precisa pegar gosto aqui pra não ir mais embora né filho — tia Marli diz toda animada.
— Olha tia, nem precisa de tanto viu, estou aqui a uma semana só, mas já tô apaixonado.
— Coisa boa filho, agora deixa eu ir, que eu tenho que preparar um bolo pra levar pra igreja hoje, vou fazer dois, na volta do sítio vocês passam lá em casa pra pegar.
— Obrigado tia — Antônio e eu falamos ao mesmo tempo.
Levo a tia até a porta e lhe dou um beijo de despedida, depois retorno para a cozinha para almoçar com Antônio, ele fez um risoto que está cheirando muito bem. Ele parece leve e de bom humor, já deve ter falado com a Luana e se entendido com ela. Enquanto ele me serve aproveito para verificar os emails do trabalho e esta tudo em ordem, também respondo umas mensagens, da minha mãe e da Juh.
Estou sentindo falta da Juh, mas ela ainda está meio chateada comigo desde que falei que não posso mais bancar seu cartão de crédito, ela resolveu atribuir isso ao Mariano, tipo uma tentativa minha de me reconciliar com ele, mas com o tempo ela vai cair na real, cedo ou tarde.
— Falou com a Luana? — Perguntei.
— Falei, ela está bem — ele responde de forma esquiva e sei bem como é quando não quero falar de um assunto, então respeito e mudo de assunto.
Nem falamos da Luana e nem do Mariano, depois do almoço, apareceu uma demanda pra mim, mas coisa rápida, Antônio até ficou no escritório tocando violão então eu trabalhava, tocando minhas músicas favoritas, fiquei de cara quando vi que ele conhecia a discografia inteira de Charlie Brown Jr e da Pitty.
Final da tarde pegamos o Fuscão — de tanto ele chamar assim estou me acostumando — e fomos ao sítio, esse foi o resumo de um domingo tranquilo e feliz que não tinha a mil anos, ficando até o pôr do sol no sítio só curtindo a beleza que é assistir esse espetáculo daqui de cima da Serra.