Amor Sob Regime Fechado. Cap.11

Um conto erótico de Alex Lima Silva
Categoria: Gay
Contém 2790 palavras
Data: 03/05/2025 18:36:16

— Eu matei alguém.

As palavras de Pedro foram secas, diretas, lançadas no meio da sala como se não carregassem o peso que de fato tinham. Eu e Bernardo congelamos. Ele estava ali de pé, no meio do nosso apartamento, com o rosto limpo, mas os olhos... os olhos estavam sujos de alguma coisa que eu não sabia explicar. Cansaço, culpa, raiva? Ou talvez fosse o contrário: a ausência total de culpa.

— E não me arrependo — completou, como se estivesse falando de algo inevitável. Como se matar alguém tivesse sido apenas mais uma decisão entre tantas que ele tomou.

Ficamos em silêncio por alguns segundos que pareceram minutos. Tentei entender se ele estava falando sério, se era alguma metáfora torta, se era o efeito de algum surto ou confusão mental. Mas ele não parecia nem agitado nem em crise. Era Pedro. Frio, objetivo e... estranho.

— Pedro… — comecei, tentando controlar minha própria voz. — Quem?

Ele desviou o olhar, enfiando as mãos nos bolsos. Andou até a janela, olhou a rua lá embaixo, e depois voltou a nos encarar. Só que, em vez de responder, murmurou:

— Isso não importa agora.

— Como assim não importa? - Dei de ombros - Claro que importa, caralho! Você chega aqui, solta isso e age como se fosse a coisa mais normal do mundo!

— Eu não vim aqui pra confessar nada — disse ele, calmo demais. — Só achei que vocês deviam saber. Pelo menos isso.

Bernardo se manteve calado até então, sentado ao meu lado, observando tudo com os braços cruzados e a testa franzida. Parecia processar as coisas de forma mais lenta, mas intensa.

Pedro passou as mãos pelos próprios braços, como se só então tivesse notado que ainda estava sujo — manchas discretas de terra, um leve resquício avermelhado na barra da calça.

— Preciso tomar um banho. Não posso aparecer no hospital assim. Nem posso ir pra casa com essa roupa.

— Hospital? — perguntei, antes de me lembrar que ele já tinha mencionado isso. Mas ele foi mais direto dessa vez.

— Vou visitar o Arthur no hospital! Ele foi baleado! Acredito que vocês já viram nos noticiários o ocorrido! - Assentimos!

Eu quis perguntar mais — como, por quê, quem fez isso — mas me calei. Havia um muro entre ele e qualquer tentativa de aproximação.

— Vou tomar banho aqui, tá? — disse, tirando os sapatos e já caminhando em direção ao banheiro. Parou na metade do caminho e se virou pra mim. — Você tem uma roupa que eu possa usar?

Assenti com a cabeça e fui até o meu quarto. Peguei uma calça jeans escura e uma camisa preta simples. Nada que chamasse atenção. Quando voltei, Pedro estava com as mãos apoiadas no batente da porta do banheiro, esperando.

— Toma. Serve em você — falei, entregando.

Ele pegou sem dizer nada, mas me olhou por dois segundos como se estivesse tentando agradecer sem usar palavras. Depois entrou e fechou a porta.

A água do chuveiro começou a cair logo em seguida. O som abafado da água batendo no chão do box parecia ecoar pela sala como um lembrete de que algo muito maior estava acontecendo. Bernardo suspirou ao meu lado.

— Ele matou alguém, Bernardo — falei ainda tentando acreditar que aquilo era real.

A pergunta é! Quem ele matou, e porque ? — Bernardo me encarou - Mas sabe de uma coisa?! Vamos ficar na nossa e deixar ele resolver! Não vamos nos meter no que não é da nossa conta!

Assenti, sentindo um arrepio subir pela espinha.

Depois de alguns minutos, ele saiu do banho. Estava com a roupa que emprestei, o cabelo ainda molhado caindo nos olhos. Mais limpo por fora, talvez ainda mais sujo por dentro.

Parou na porta como se fosse embora, mas ficou ali por um instante, nos observando. O silêncio na sala voltou, denso.

— Logo logo eu vou dizer qual trabalho preciso que vocês façam pra mim — disse com a voz firme. — Vai ser só um. Depois disso, vocês estão livres. Pra fazerem o que quiserem das suas vidas.

Ninguém respondeu.

Ele encarou nós dois por mais um segundo, como se estivesse se despedindo de uma versão nossa que nunca mais voltaria. E então saiu.

A porta se fechou devagar atrás dele. Mas a sensação que ficou foi de que ela nunca chegou a se fechar completamente.

Ficamos em silêncio por um tempo. Bernardo coçou a barba, pensativo. Eu ainda estava em pé, com o coração batendo forte no peitoNaquela noite, decidimos cozinhar juntos. Nada muito elaborado — só uma mistura de legumes refogados com arroz e uma carne, mas a verdade é que o cardápio era o que menos importava. O que fazia meu coração bater diferente era vê-lo ali, ao meu lado, de camiseta surrada e cabelo bagunçado, concentrado em cortar cenouras como se fosse uma missão de vida ou morte.

— Você sempre leva tudo tão a sério? — perguntei, com um sorriso.

Ele olhou pra mim de soslaio, sem parar de cortar.

— Se eu for fazer, que seja direito, né? Você que não reclame depois se os legumes ficarem do mesmo tamanho de catálogo de restaurante.

— Perfeito. Vai combinar com sua personalidade metódica.

— E você é o quê? O cozinheiro impulsivo?

— Sou o charme da cozinha, amor — brinquei, jogando sal na panela.

Ele riu, aquele riso baixo e bonito que ele solta quando está relaxado. Bernardo era todo travado no início, meio desconfiado. Mas com o tempo, fui aprendendo a decifrar os pequenos sinais: o jeito como ele encosta o ombro no meu sem perceber, como ele me chama pelo nome com um tom diferente quando está à vontade, como olha de canto quando acha que não estou prestando atenção.

Montamos os pratos e comemos ali mesmo, na bancada. De vez em quando nossas pernas se tocavam por baixo, e eu fingia que era sem querer. A gente falava pouco, mas era como se estivéssemos dizendo tudo. Às vezes, o silêncio também é uma forma de cuidado.

— Que tal um filme agora? — ele sugeriu quando terminamos, levando os pratos para a pia.

— Só se tiver pipoca. E coberta. E você do meu lado.

— Exigente — ele murmurou, mas já estava rindo.

Enquanto ele colocava a pipoca no micro-ondas, fui ajeitar a sala. Escolhi um filme leve — comédia romântica boba, do tipo que termina com beijo na chuva e alguém correndo atrás de alguém num aeroporto. Não importava. O que valia era o clima.

Quando ele voltou com a tigela cheia, se jogou no sofá, e eu fui logo colando do lado. Ele puxou a manta do encosto e cobriu nós dois, como se fosse automático. Como se aquilo já fosse parte da rotina.

Eu me encostei um pouco mais, e ele não se afastou. Só ajeitou a cabeça, encostando levemente na minha. A pipoca ficou entre nós, mas nem comemos muito. Estávamos mais interessados um no outro do que no filme. A respiração dele ali, perto da minha, me fazia esquecer até o enredo.

De vez em quando, nossos dedos se encontravam debaixo da manta, num toque sutil. E eu não puxava a mão. Nem ele. Aquilo ali... era o começo de algo. Algo nosso. Algo simples, mas que me fazia querer ficar ali pra sempre.

Mas, por mais que eu quisesse me entregar de corpo inteiro àquele momento, uma parte de mim ainda estava presa a outro nome. Pedro. Desde que ele nos contou que tinha matado alguém — e que não se arrependia —, aquilo não saiu mais da minha cabeça.

Quem ele tinha matado? Por quê? Como alguém dizia isso com tanta calma ? Aquilo me intrigava. Me assustava, um pouco. Mas também me fazia querer entender mais sobre ele. Pedro era um enigma que pairava entre nós, mesmo quando ele não estava ali.

Balancei a cabeça levemente, tentando afastar o pensamento. Bernardo estava ali, comigo. Era por ele que meu peito aquecia agora. Era por ele que meu corpo se inclinava, buscando mais proximidade. Pedro podia ser um fantasma rondando nossos passos, mas não ia me roubar esse instante.

Na tela, os personagens se beijavam sob a chuva. E, por um segundo, imaginei como seria se fosse a gente ali. Eu e Bernardo. Sem pesos, sem passados. Só a gente. Só o agora.

E era o agora que importavaDesde que saímos da prisão, tudo parecia novo. O barulho da rua, o cheiro da cidade, o toque do vento. Mas nada era tão novo — e ao mesmo tempo tão familiar — quanto a rotina com o Bernardo. Nosso dia começava quase sempre do mesmo jeito: café juntos, piadas bobas, e a academia logo depois.

Bernardo estava determinado a mudar. Desde lá dentro, a gente treinava juntos com o que dava. Agora, com halteres de verdade, colchonetes decentes e uma parede cheia de espelhos, ele se dedicava com uma vontade bonita de ver.

— Se eu morrer aqui, vai ser culpa sua — ele reclamou, rindo enquanto levantava o peso.

— Morrer não, só vai ficar mais gostoso — respondi, piscando pra ele, o que arrancou uma gargalhada.

Bernardo ficava corado com facilidade, e eu adorava isso. Ele tentava parecer sério, às vezes até durão, mas bastava uma provocação minha e ele desmontava.

— Aposto que só me fez fazer esse exercício pra ficar me olhando suar — ele brincou, passando a toalha no rosto.

— Confesso que ajuda na motivação — falei, me aproximando e dando um beijo de leve na bochecha dele, que ficou ainda mais vermelho.

Terminamos o treino suados, cansados, mas com aquela sensação boa de missão cumprida. Do lado de fora da academia, o mundo girava num ritmo estranho, como se não tivesse mudado nada enquanto a gente mudava tudo.

Fomos andando de mãos dadas, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E era. Pelo menos pra mim.

Foi quando viramos a esquina que vimos.

A sorveteria do Pedro.

Destruída. Queimada. Cinzas e vidro espalhado. Um cenário de abandono.

— Pietro… — a voz do Bernardo saiu baixa, carregada de surpresa.

Eu fiquei alguns segundos em silêncio, observando o estrago. Lembrei do que passou na TV: o incêndio. Mas ver de perto era diferente.

Olhei pra ele. Aqueles olhos castanhos que sempre tinham uma luz diferente quando me olhavam.

— Vamos no parque? — perguntei. — Acho que preciso respirar um pouco.

Ele assentiu, e seguimos até o parque. O silêncio entre nós não era desconfortável. Era só… reflexivo. Como se a gente estivesse tentando entender tudo o que estava acontecendo.

No parque, nos sentamos num banco de madeira à sombra de uma árvore enorme. A brisa era leve, o ar fresco. Pássaros cantavam ao longe. O mundo parecia um lugar mais gentil dali.

Bernardo se encostou em mim, apoiando a cabeça no meu ombro. Eu passei o braço ao redor dele e beijei seus cabelos bagunçados. Ele cheirava a sabonete e suor, e de algum jeito isso me dava paz.

— Sabia que eu não trocaria esse momento por nada? — ele disse, com a voz mansa.

— Nem mesmo por um sofá mais confortável? — provoquei.

— Só se você vier junto.

Rimos juntos. Era bom rir com ele. Era bom ter ele ali, rindo comigo, sonhando comigo, existindo comigo.

— A gente passou por tanta coisa, né? — murmurei.

— E estamos aqui. Fortes. Juntos.

Eu fiquei um tempo olhando as folhas balançando no alto, sentindo a mão dele entrelaçada à minha. Mas no fundo, havia um pensamento que eu não conseguia calar.

Pedro.

Ele ainda rondava meus pensamentos, mesmo que em silêncio. Havia algo nele, algo que me inquietava. O que ele tinha feito? Quem ele tinha matado? E por quê?

Mas olhei para Bernardo ao meu lado, e suspirei. Agora não era hora disso. Agora era hora de aproveitar.

— Que tal um piquenique aqui um dia desses? — sugeri. — A gente traz frutas, suco… ou uma garrafa de vinho escondida na mochila.

— Você sabe como me conquistar — ele respondeu com um sorriso que me desmontou.

Acariciei seu rosto, beijei sua testa e fiquei ali, só curtindo a paz daquele momento. Porque mesmo com o passado sussurrando e o futuro incerto, ter Bernardo ao meu lado era a única certeza que eu precisava.

Voltar pra casa de mãos dadas com o Bernardo depois do parque era como encerrar o dia com um abraço do universo. O sol já começava a se pôr, tingindo o céu de tons alaranjados e rosados, e o vento carregava um cheiro leve de terra e flores. Por mais que o passado às vezes tentasse bater na minha porta, momentos como aquele me lembravam que a gente tinha direito ao presente — e até mesmo ao futuro.

— A gente podia fazer isso todo dia — Bernardo disse, apertando minha mão de leve. — Caminhar no fim da tarde. Só pra lembrar que a vida é mais do que o que a gente já viveu.

Olhei pra ele com um sorriso. — Tô dentro. Desde que você aceite que vai ter que ouvir todas as minhas piadas ruins no caminho.

— Aff… já tô me arrependendo.

Rimos, e foi nesse riso leve que nossos olhos foram atraídos para uma plaquinha colada na vitrine de um mercadinho de bairro. O letreiro era simples, quase improvisado, com letras em vermelho escritas à mão: **"Estamos contratando!"**

Paramos juntos, instintivamente. Era automático agora — qualquer chance de trabalhar, de se manter, era uma oportunidade que não dava pra ignorar.

— Bora ver? — Bernardo perguntou, ajeitando os óculos que teimavam em escorregar com o suor.

Assenti. — Pelo menos a gente descobre o que tão oferecendo.

Entramos. O mercadinho era pequeno, mas organizado. Prateleiras limpas, produtos bem dispostos. Um senhor de meia-idade, barrigudo e de cabelos grisalhos nos atendeu com um sorriso curioso, mas simpático.

— Boa tarde, rapazes! Estavam olhando o cartaz?

— Isso — comecei, tentando manter a postura firme. — A gente viu que estão contratando… ainda tão?

— Tão sim — ele confirmou, secando as mãos num pano de prato pendurado no ombro. — Tô precisando de dois. Um atendente pro balcão e um ajudante pro depósito, pra descarregar mercadoria. Serviço honesto, mas pesado. Vocês têm disposição?

— Disposição a gente tem de sobra — Bernardo respondeu antes mesmo de eu dizer qualquer coisa.

O homem sorriu de novo. — Nome de vocês?

— Pietro — falei.

— Bernardo — completou ele.

O dono do mercadinho estendeu a mão e se apresentou como senhor João. O aperto de mão dele era firme, típico de quem trabalha há anos.

— Amanhã de manhã, vocês podem vir aqui? Às oito? Faço uns testes rápidos. Nada demais, só pra ver se sabem lidar com atendimento, organização, essas coisas. E se tiverem fôlego pra carregar umas caixas.

— A gente vem sim — garanti, trocando um olhar rápido com Bernardo, que confirmou com a cabeça.

— Beleza. Tragam identidade, qualquer papel que comprove endereço. E venham leves. Vai suar um pouco.

— A gente já tá acostumado — Bernardo respondeu, soltando um risinho.

Saímos do mercadinho com o coração meio acelerado. Era só uma vaga, era só uma chance, mas pra quem saiu da prisão com quase nada no bolso e muito peso na alma, era como ganhar uma nova peça do quebra-cabeça da vida.

— Se der certo… — Bernardo começou, pensativo. — A gente podia juntar um dinheirinho e… sei lá, mudar de cidade. Recomeçar de verdade, onde ninguém saiba de onde a gente veio.

Assenti, com um meio sorriso. — Longe de tudo isso. Um lugar nosso, com silêncio e espaço pra viver.

O céu já escurecia quando chegamos em casa. Largamos as mochilas e fomos direto pro quarto. Nem passamos pela sala dessa vez. Caímos na cama de roupa mesmo, cansados do dia inteiro, mas deitados um do lado do outro como se o mundo lá fora pudesse esperar um pouco mais.

Foi aí que a ficha caiu.

— Bernardo… — falei, quebrando o silêncio. — Os documentos…

Ele me olhou por um segundo antes de arregalar os olhos. — Droga… é mesmo. A identidade.

Suspirei. Os documentos que a gente tinha eram falsos, criados pouco depois que saímos da prisão. Pedro e o advogado dele acharam que era o melhor — uma nova identidade, só mudando o sobrenome. Pra facilitar a reintegração, pra evitar preconceito, pra evitar olhares tortos. Era arriscado, mas até agora tinha funcionado.

— Vamos ter que mentir! Fazer o que né! — Bernardo disse, virando o rosto pro teto.

— A gente consegue sustentar a história — falei, mais pra mim do que pra ele. — É só um trabalho simples. E a gente precisa.

— E cada dia aqui é só um degrau pro nosso plano — Bernardo completou. — Juntar grana, sumir desse lugar… e começar uma vida nova.

— Uma vida só nossa — murmurei, e ele sorriu pequeno, virando de lado pra encostar a cabeça no meu peito.

Ficamos assim, no silêncio confortável da nossa cama, só ouvindo a respiração um do outro. Por mais que eu ainda pensasse em Pedro, em tudo o que ele fez — e, principalmente, em quem ele poderia ter matado —, minha mente agora também estava cheia de planos com Bernardo. E dessa vez, eu queria que tudo desse certo. Queria que fosse de verdade!

Continua...

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