Uma Duplicidade Notável

Da série Putinho Vermelho
Um conto erótico de Tiago Campos
Categoria: Homossexual
Contém 1219 palavras
Data: 25/05/2025 23:04:19
Assuntos: Homossexual, Gay, Fantasia

A transformação no predador foi instantânea, fluida e aterradora em sua perfeição. Como se um interruptor tivesse sido acionado, a máscara de vilão caiu, substituída por um semblante afável, gentil e amplamente sorridente. O sorriso largo e desarmante quebrou qualquer traço da frieza anterior. Ele deu um passo à frente, sua voz agora macia e polida, totalmente diferente do sibilo ameaçador de segundos antes. “Dona Adelaide, que surpresa boa encontrá-la”, ele disse, com uma cordialidade que parecia ensaiada, mas soava perfeitamente natural. “Desculpe incomodar a esta hora. Sou Johnny, um cliente antigo de vocês. Fiquei um pouco preocupado porque o Chapeuzinho não apareceu na praça hoje no horário de sempre para vender os doces, e como ele é sempre tão pontual, resolvi passar rapidinho para saber se estava tudo bem, se ele não estava doente. Espero, de verdade, não ter sido inoportuno ao bater à porta.”

O rosto enrugado da minha avó se iluminou gradualmente, como se o sol aparecesse depois de uma tempestade. Um misto de surpresa agradável e uma gratidão genuína, profunda e tocante, inundou suas feições. Ela levou uma mão ao peito, os olhos marejados. “Oh, meu rapaz, que bondade imensa a sua!”, exclamou, a voz ligeiramente embargada pela emoção. “Que coração bondoso! Fico profundamente feliz e imensamente agradecida em saber que há pessoas tão atenciosas e preocupadas que se importam com a saúde de meu neto neste mundo tão cruel. Um gesto assim, de vir até aqui só para saber notícias, aquece o coração de uma velhinha como eu de um jeito que as palavras não podem descrever.”

Enquanto ela falava, Johnny manteve sua fachada impecável, acenando levemente com a cabeça em sinal de respeito e concordância, o sorriso fixo no rosto. Para mim, observando de perto, era uma interpretação assustadora, uma demonstração de controle absoluto e duplicidade. “É o mínimo, senhora”, ele respondeu, mantendo o tom respeitoso e caloroso. “Tiago é um excelente garoto, sempre me atende tão bem com aqueles doces maravilhosos que vocês fazem. Por falar nisso”, ele continuou, mudando ligeiramente para um tom mais casual de interesse, “vocês ainda têm pão de mel por aí para vender? Daqueles que derrete na boca, com a melhor receita que já provei?”

Minha avó franziu a testa suavemente por um segundo, seus olhos percorrendo mentalmente as prateleiras e caixas na dispensa, avaliando o estoque restante. “Ah, sim, temos sim”, respondeu ela, a preocupação momentaneamente esquecida pela rotina do negócio. “Ainda temos uns pacotinhos prontos. O senhor gostaria de quantos, meu jovem?” “Quero todos eles, Dona Adelaide”, ele respondeu prontamente, talvez até rápido demais, com um entusiasmo que, para mim, soou decididamente forçado — uma camada fina de verniz sobre algo que eu não conseguia decifrar. Mas esse verniz era perfeitamente crível aos ouvidos de vovó, cujo rosto se iluminou, genuinamente encantada com a súbita e inesperada fome de pão de mel daquele homem simpático — ou assim ele parecia a ela.

Com uma leveza quase juvenil, apesar dos anos, ela se afastou por um momento, dirigindo-se às prateleiras onde os doces estavam arrumados com esmero. Voltou logo em seguida, os olhos brilhando, com uma sacola plástica branca e um pouco translúcida, cujo conteúdo se revelou ser seis pacotes generosos. Cada pacote, eu sabia, era cuidadosamente embalado, selado com fita, guardando dez unidades redondas e douradas daqueles deliciosos — e agora valiosos — doces caseiros que só minha vó sabia fazer. “Prontinho, meu filho. Aqui estão todos eles”, ela informou, a voz tinindo de satisfação, segurando a sacola um pouco pesada com um orgulho que transbordava — orgulho do trabalho dela, do reconhecimento, talvez. “Deu noventa reais no total”.

Meu olhar, inevitavelmente, seguiu os movimentos de Johnny. Vi a mão dele, elegante e rápida, deslizar para o bolso interno de sua jaqueta jeans preta. Ele puxou uma carteira de couro escura, grossa, visivelmente volumosa, cheia de dinheiro. E de lá retirou não somente o valor pedido, mas duas notas de cem reais, novinhas, que pareciam quase brilhar na luz fraca do quarto. “Pode ficar com o troco, senhora”, ele disse, e o sorriso que se abriu em seu rosto era largo, cativante, quase caloroso — a imagem perfeita da generosidade. E com aquela notável indiferença ao valor, entregou as notas a ela, que as recebeu com as mãos um pouco trêmulas.

O efeito foi imediato e avassalador. Os olhos da minha avó, há pouco brilhantes de orgulho, se encheram de lágrimas com uma rapidez impressionante. A surpresa genuína e a emoção, talvez pela quantia inesperada ou pelo simples gesto de bondade, transbordaram visivelmente. “Meu Deus do céu, mas que generosidade! Que Deus o abençoe grandemente, Johnny! Você não sabe o quanto isso ajuda!”, ela exclamou, a voz já trêmula, embargada pela gratidão. E num impulso puro e maternal (ou avoengo, nesse caso), o abraçou apertado, o rosto afundando brevemente em seu peitoral. Vi, por aquele brevíssimo milésimo de segundo, o corpo de Johnny enrijecer sob o toque inesperado, uma tensão sutil nos ombros, mas ele recuperou o controle com uma maestria assustadora, dissolvendo a rigidez e devolvendo o abraço com uma palmada leve.

Ainda com os olhos marejados, a voz embargada pela emoção que parecia não querer ir embora, ela fez a oferta que para ela era o suprassumo da hospitalidade: “Aceita um cafezinho?”, ela ofereceu, com a voz ainda aveludada pela recente emoção. “Com certeza! Um cafezinho seria ótimo”, ele respondeu, e então, virando-se ligeiramente na minha direção com uma expressão neutra que eu não consegui decifrar, “E o Tiago, vai tomar também?”

A pergunta me pegou de surpresa, e antes que eu tivesse a chance de articular qualquer resposta — qualquer desculpa para escapar daquele momento — Dona Adelaide já intervinha, com a familiaridade e a autoridade suave que só o amor de avó proporciona. Ela me lançou um olhar rápido, cúmplice e amoroso, como se partilhássemos um segredo delicioso. “Mas é claro que vai! Ele nunca dispensou o meu cafezinho, não é, meu amor?”, ela confirmou para Johnny, mas dirigindo as últimas palavras a mim, como um pequeno carinho público. “Meu neto sabe que o café da sua avó é único, não tem igual!”

Juntei minhas forças, convocando cada pedacinho de autocontrole que possuía. Tentei soar o mais natural possível, uma tarefa hercúlea com o nó grosso que se formara na minha garganta e a pontada gelada do medo que ainda se escondia, teimoso, nas profundezas do meu peito. “Sim, vovó… O seu café é o melhor do mundo”, consegui dizer, as palavras raspando um pouco na saída, forçando um sorriso que eu esperava parecer genuíno, mas que sentia como uma máscara rígida no meu rosto.

Ela se virou completamente para mim, então, o rosto vincado por mil histórias e pelo tempo generoso, mas naquele instante completamente iluminado pela pura, inabalável ternura que sentia por mim. Com um gesto lento e cheio de carinho, inclinou-se e depositou um beijo suave e prolongado na minha testa, um selo de amor incondicional. “Ah, meu Tiago. Você é um presente de Deus na minha vida”, sussurrou, a voz baixa e doce, carregada de uma convicção que era o único farol naquela situação. E por causa dela, por causa daquele amor tão palpável e verdadeiro me envolvendo, naquele momento exato, por um instante fugaz, eu quase — ah, quase — acreditei que, apesar de Johnny e de tudo que ele representava, que tudo realmente ficaria bem.

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Tenso. Nervoso com a situação. Ansioso fico me perguntando; e agora o que vai acontecer? - Seria esse homen/lobo muito mau?

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