A manhã nasceu dourada na Praia do Sonho. O céu limpo, de um azul quase líquido, abraçava o mar que dançava em ondas suaves, preguiçosas, como se espreguiçassem antes do calor do meio-dia. A brisa salgada vinha com cheiro de maresia e pitadas de verão, carregando o som distante de risadas, passos na areia e o vai e vem ritmado da água.
No alto do prédio redondo — marco da orla, com vista para o infinito — Gabriel observava o mundo com a calma de quem já aprendeu a não ter pressa. Aos 40 anos, corpo atlético esculpido por anos entre o mar e os treinos, pele dourada como bronze vivo, ele estava ali, de sunga preta, chinelo gasto e uma caneca de café quente na mão. Sentado na varanda da cobertura, lia O Velho e o Mar, livro surrado que ele parecia conhecer de cor, mas relia como um ritual. A cada poucas páginas, desviava o olhar para o movimento na praia. Seus olhos castanhos escurecidos pelo sol eram atentos, porém tranquilos. Observava, absorvia, sem julgamento. Só presença.
Foi quando o carro parou.
Lá embaixo, próximo à faixa de areia, um casal desceu. Ele — forte, talvez nos quarenta, barba bem feita, óculos escuros — puxava um guarda-sol e uma caixa térmica pesada. Ao lado dele, duas mulheres caminhavam na frente, descalças, rindo como se só a companhia uma da outra bastasse.
Os biquínis chamaram atenção. Pequenos, insinuantes, mas não vulgares. Um equilíbrio raro. A mulher de preto — cabelos castanhos, corpo curvilíneo, firme, com uma sensualidade contida — ajeitou a parte de baixo do biquíni como quem tenta esconder o que sabe que está mostrando. A outra, de verde vibrante — mais jovem, pele dourada e fresca, cabelos longos e olhos curiosos — passava protetor nas coxas com um cuidado quase hipnótico.
Gabriel fechou o livro com um leve sorriso, como quem reconhece um novo capítulo se abrindo, mesmo fora das páginas.
Desceu com calma. Sem camisa, com a sunga justa revelando o físico definido sem exageros — costas largas, abdômen marcado, pernas firmes — pegou sua cadeira de praia e o livro. Cravou os pés na areia quente, a alguns metros do trio, longe o suficiente para parecer casual, perto o bastante para não ser esquecido. Vestiu os óculos escuros e se sentou, livro no colo, mas os olhos iam e vinham. Quieto. Observador. Uma presença que se fazia notar mesmo em silêncio.
Carlos montava o guarda-sol com esforço. Vanessa — a de preto — se deitou de bruços, apoiando o rosto nos braços e deixando as costas nuas expostas ao sol. A curva dos quadris parecia sorrir para o mundo. Lívia, de verde, ficou de pé, olhando o mar. Passou protetor nos ombros com movimentos lentos, como se fosse dançar. Conversavam baixo. Riam entre si.
Gabriel não precisava ouvir. Bastava ver.
Minutos depois, as duas resolveram ir até o mar. Levantaram-se juntas, passando perto de Gabriel. Ele manteve os olhos no livro, mas por trás dos óculos escuros, observou. Vanessa o notou primeiro. Depois Lívia. Trocaram um olhar cúmplice, quase imperceptível. O tipo de olhar que diz “vimos o mesmo”.
Entraram na água, uma de cada lado, rindo com o choque da temperatura morna. Gabriel fechou o livro com naturalidade, alongou os braços como quem decide se espreguiçar... e levantou. Caminhou até o mar com passos firmes e despreocupados. Entrou alguns metros ao lado delas, sem se impor, apenas presente.
Foi Gabriel quem puxou conversa, com a voz grave e serena:
— Gabriel: “Essa água hoje tá perfeita. Melhor lugar pra lavar a alma, né?”
Vanessa virou o rosto. Sorriu com gentileza. Lívia respondeu:
— Lívia: “Tá mesmo... quase morna. Uma delícia.”
— Gabriel: “Moro ali no prédio redondo... venho todo dia. Mas hoje... tem algo diferente.”
Vanessa arqueou uma sobrancelha, curiosa.
— Vanessa: “Diferente como?”
Gabriel deu de ombros, com um sorriso enigmático.
— Gabriel: “O céu, as cores, o silêncio bonito... o tipo de dia que parece ter sido feito pra ser lembrado.”
Vanessa desviou o olhar para o horizonte, como quem considera aquela ideia. Lívia mergulhou até os ombros, depois voltou com os cabelos colados às costas, ofegante, os lábios entreabertos. Gabriel observou — sem devorar, mas com atenção de artista.
— Lívia: “Você passa muito tempo lá em cima, então? Vendo tudo?”
— Gabriel: “Vejo o mar, os ventos, os pássaros... às vezes, a beleza vem de onde a gente menos espera.”
A resposta pairou no ar, como brisa quente. Vanessa mordeu o lábio inferior por um segundo, talvez distraída. Depois perguntou:
— Vanessa: “E sempre sozinho?”
— Gabriel: “Na maior parte do tempo. Mas não por escolha.”
Houve uma pausa. Aquele tipo de silêncio que não é desconfortável, mas cheio de significados.
Voltaram à areia juntos. Gabriel não tentou prolongar. Sentou de novo na sua cadeira, abriu o livro com um suspiro e voltou a fingir que lia. Mas os olhos iam e vinham. Carlos, curioso, se aproximou.
— Carlos: “Você é guarda-vidas, né? Já te vi por aqui. Mora mesmo ali em cima?”
— Gabriel: “Desde o ano passado. A vista nunca cansa. É minha terapia.”
Conversaram por alguns minutos. Carlos se mostrou amigável, Gabriel respondeu com simpatia e elegância. Falava pouco, mas com precisão. Suas frases vinham como ondas calmas: sabiam onde bater e quando recuar. Carlos gostou dele. Sentiu algo raro — confiança imediata.
Ao voltar para a canga, comentou com as mulheres:
— Carlos: “O cara é gente boa. Mora sozinho no prédio redondo. Guarda-vidas meio filósofo.”
Vanessa olhou para Gabriel, que lia sob o sol como uma escultura viva. Pensou: “Tem algo nele... não é só o corpo. É o jeito que ele olha. Como se visse mais do que mostra.”
Lívia permaneceu calada. Mordeu discretamente o canto da boca, os olhos presos na figura masculina solitária, misteriosa. Algo nela acendeu — um tipo de curiosidade que nem sempre termina no mar.
Gabriel não forçou nada. Só permaneceu.
Mas a porta havia sido aberta — com olhares, gestos e silêncios. E ele sabia que, às vezes, é o mar quem traz... e a gente só precisa estar na areia certa, na hora certa.....Gabriel se levantou com a naturalidade de quem domina o próprio corpo. As gotas d’água ainda escorriam devagar por seu peitoral definido e desciam pelo abdômen, contornando os músculos como se quisessem demorar. Quando se virou de frente para o trio sentado, ficou evidente: a sunga, molhada e colada, revelava mais do que deveria.
Só que agora… algo havia mudado.
Enquanto ele se aproximava para se despedir, parecia que o volume sob o tecido havia… aumentado.
Não era apenas o contorno anatômico que chamava atenção. Havia algo ali, quase hipnótico, ocupando espaço, moldado pelo tecido fino e colado. Um flutuador? Uma brincadeira? Uma ousadia?
Vanessa abaixou os olhos imediatamente, como quem flagra algo íntimo sem querer. Depois os ergueu de novo, curiosa.
Lívia, mais discreta, manteve a cabeça firme, mas os olhos vacilaram. A sunga simplesmente não tinha forro. Cada detalhe, cada curva, estava ali — visível. E parecia que quanto mais ele falava com elas, mais o volume projetava uma presença própria.
"Isso não é só uma chave… isso é um acontecimento," pensou Lívia, tentando disfarçar o calor que subia pelo pescoço.
Gabriel parou a menos de dois metros deles. Estava em pé, com a chave agora visível na mão — pendurada num fio de couro. A pequena peça metálica refletia o sol, brilhando sutilmente.
Mas nenhum dos três olhava para a chave. Era impossível.
Carlos até tentou. Cruzou os braços. Forçou um sorriso. Mas a posição, a altura, a luz, tudo colaborava para destacar aquele volume central, projetado com absurda segurança. Como um animal à espreita.
— Gabriel: “Se precisarem de algo, podem me chamar, tá? Esse número é direto no WhatsApp. Hoje à noite talvez eu saia, mas se ficarem por aqui, amanhã estou nesse posto ao lado. Trabalho por aqui.”
Ele entregou o cartão com o número:
Gabriel
Carlos recebeu com a mão meio suada. O cartão pareceu leve demais diante da presença daquele homem. Vanessa mordeu o canto dos lábios e desviou o olhar para o mar. Lívia segurou o riso. A tensão tinha virado desejo mal contido.
"Cara de pau… ou só muito seguro de si?"
O volume, agora à luz direta do sol, parecia até pulsar sob o tecido. Nada obsceno, nada vulgar — mas inegavelmente presente, vivo, uma sombra concreta sobre a sunga azul-marinho.
Gabriel não se incomodou. Pelo contrário. Era como se estivesse ciente do efeito — e confortável com ele.
— Gabriel: “Aproveitem o sol, meninas. Carlos. Até mais.”
Ele se virou e começou a se afastar. A parte de trás da sunga deixava pouco à imaginação, moldando-se aos glúteos como uma segunda pele. Cada passo deixava pegadas firmes na areia — e a lembrança viva daquele volume impossível de ignorar.
Lívia soltou o ar em silêncio.
Vanessa girou os ombros, tentando disfarçar o frio que subiu pelas costas.
Carlos abriu outra cerveja, com um estalo mais forte do que o necessário.
— Vanessa (com ironia): “Será que ele guarda a chave no bolso da frente da sunga mesmo?”
— Lívia: “Que sunga? Aquilo não tinha nem forro...”
Elas riram. Carlos ficou em silêncio.
"Que tipo de homem carrega uma chave daquele jeito? E ainda para diante da mulher dos outros com aquele… negócio ali?"
"Que tipo de mulher se segura… mas não para de olhar?"
A brisa trouxe o cheiro do mar de volta. O sol seguia quente. Mas o clima entre eles agora estava marcado por outra temperatura.
Gabriel, lá na frente, olhou por cima do ombro. Não para conferir, mas para confirmar. Sabia que havia deixado algo para trás. Um impacto. Uma faísca.
E a noite ainda nem tinha começado.