Um Turbilhão Tóxico

Da série Putinho Vermelho
Um conto erótico de Tiago Campos
Categoria: Homossexual
Contém 1100 palavras
Data: 28/05/2025 20:51:37
Assuntos: Homossexual, Gay, Fantasia

Como se lutasse para recuperar o controle, minha vó engoliu em seco com uma dificuldade visível. Ao falar, a voz oscilou ligeiramente, como uma corda prestes a arrebentar, a tensão mal contida: “O que exatamente você contou para ele, Charles?”

O homem da lei soltou uma risada de leve, um som artificial que, no entanto, conseguiu, de alguma forma, como por mágica perversa, aliviar a tensão excruciante que ele próprio havia tecido. “Ah, nada de mais, senhora”, ele minimizou com um aceno displicente, como se estivesse falando sobre o clima. “Só comentei com ele que vi um lobisomem rondando a floresta noite passada. Sabe como é…”, Charles acrescentou, voltando a me encarar com aquele sorriso enigmático, “... os mais jovens devem ficar cientes sobre os perigos daquele bosque.”

Observei, com uma mistura de descrença e cansaço, o alívio genuíno se espalhar como uma onda quente pelo rosto de vovó. Era palpável. A tensão que a enrijecia cedeu de repente, como uma corda que se rompe sob pressão, deixando-a momentaneamente flácida. “Charles!”, ela o repreendeu, mas a brandura na voz e a leveza que retornava ao seu semblante revelavam que, para ela, a crise estava dissipada. “Não assuste o menino desse jeito! Ele é sensível!”

O xerife somente acenou com a cabeça, um gesto rápido, como se estivesse concordando com uma verdade universal, a farsa perfeitamente encenada atingindo seu clímax. “Está bem”, ele concluiu, endireitando o corpo no batente, o tom de voz mudando para um pragmatismo repentino. “Melhor sairmos logo, senão vai ficar tarde, minha senhora.”

Minha avó concordou, o corpo relaxando ainda mais, a preocupação anterior substituída pelo compromisso. Virou-se para mim, um sorriso cansado, mas carinhoso nos lábios. “Tiago, querido”, ela disse, a voz agora completamente normal, “lembre-se de que o Johnny virá daqui a pouco consertar aquelas goteiras insistentes. Esteja atento para recebê-lo.”

Assenti rigidamente, sentindo-me incapaz de mover qualquer outro músculo ou de articular qualquer som que fizesse sentido. A cabeça girava com a revelação e a farsa que acabara de testemunhar. As palavras de Charles pairavam no ar da pequena cozinha, a mentira dita em voz alta, encobrindo uma verdade terrível e compartilhada. Tudo o que consegui dizer foi um fraco, quase inaudível: “Não se preocupe, vovó”.

No banheiro, a luz fria e crua do teto espalhava-se sobre o espelho, onde encarei meu reflexo com uma intensidade dolorosa. A imagem refletida não era a de um rosto familiar, mas a de alguém que mal reconhecia, mergulhado em uma decepção tão amarga que parecia roer não somente minha alma, mas a própria fundação da minha existência. Aquela mulher refletida nos meus olhos, Adelaide, minha avó… havia sido, por toda a minha vida, meu farol, a pedra angular da minha moralidade, meu exemplo inatingível de pessoa honrada, forte, íntegra. Sua imagem pairava acima de qualquer crítica, um bastião de decência.

E agora, essa imagem desmoronava em ruínas aos meus pés. As palavras cruéis e venenosas do xerife Charles ainda ecoavam na minha cabeça, um sussurro repugnante que destruiu tudo: por baixo da fachada respeitável, por baixo da dignidade inabalável que ela exibia ao mundo, vovó escondia uma vida secreta, torpe, inconfessável. Ela era uma “putinha”, nas palavras exatas, cuspida com desprezo pelo oficial. O choque inicial, um golpe físico que me fez cambalear internamente, deu lugar a uma raiva fria, direcionada a Charles, a ela… mas essa raiva foi gelada, curta, e se dissipou quase imediatamente na hipocrisia gritante da situação em que eu me encontrava.

Como, em nome de qualquer decência que me restasse, eu poderia julgá-la? Em que pedestal moral patético eu me apoiava para lançar pedras? Eu, que pouquíssimos minutos atrás — a memória ainda fresca e nauseante, a sensação ainda na pele — estava ajoelhado no chão frio da cozinha, me entregando aos desejos perversos com aquele homem. As palavras da autoridade, destinadas a ela, se aplicavam a mim com igual, talvez maior, peso. Eu também era uma “putinha”. Talvez até pior, porque minha ação era tão recente, tão crua, tão voluntária, tão palpável.

A constatação me atingiu com a força de um soco no estômago, me deixando sem ar, mas, estranhamente, como acontece depois de um choque profundo, trouxe consigo uma estranha e brutal clareza. Não importava o que Dona Adelaide havia feito no passado distante ou recente, não importava a verdade por trás da fachada; importava o que ela representava para mim, importava o amor que eu sentia por ela, que era a única constante na minha vida.

Decidi, naquele instante pesado e silencioso, que não podia, não iria me deter nessa revelação, não me debruçaria sobre isso até me destruir. Não podia permitir que essa nova e turva realidade, essa rachadura na base do meu mundo, destruísse o laço inquebrantável que eu tinha com vovó, o amor que nos unia. Dona Adelaide não era somente uma pessoa; ela era a base da minha existência, a rocha onde construí minha vida. Minha avozinha cuidou de mim a vida toda, desde que eu era um bebê abandonado, me deu um lar, me ofereceu amor incondicional, me protegeu, me deu segurança quando eu não tinha nada. Eu a amava demais, com uma intensidade visceral e enraizada que nada, absolutamente nada, nem mesmo essa descoberta chocante e desorientadora, poderia sequer arranhar.

Suspirei fundo, o som abafado no eco do banheiro, tentando, com um esforço monumental, juntar os pedaços estilhaçados da minha própria percepção e do meu mundo. A única saída era a negação, o artifício. Eu somente fingiria que nunca soube, que a imagem da minha avó imaculada, a santa padroeira da decência na minha mente, ainda estava intacta e inquestionável. Mas a negação era frágil, precária.

O pensamento de Charles — cujo cheiro parecia ainda impregnar minha pele, uma lembrança física da minha própria luxúria — vindo até aqui, conhecendo-a, fodendo-a… isso adicionava outra, mais aguda, camada de ansiedade que apertava meu peito. O que ele faria? Contaria algo para ela sobre o que havia ocorrido entre nós, mesmo que só por pura maldade ou para ver o caos se instalar? E, ainda pior, e se ela descobrisse sobre mim e Johnny, sobre a minha própria fraqueza e degradação? Será que ela, com toda a sua promiscuidade secreta e sua vida dupla, poderia olhar para o neto que ela criou com tanto cuidado e aceitar que ele também — usando a linguagem vulgar que pairava no ar e se grudava em mim — era uma “piranha”?

As batidas na porta da frente — firmes, decididas, inconfundíveis, ressoando pelo silêncio tenso da casa — soaram pelo corredor e me tiraram abruptamente, violentamente, desse turbilhão tóxico de pensamentos, autodepreciação e ansiedade. Era o Johnny.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive Dante9 a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil de foxxy

❤Qual­­­quer mulher aqui pode ser despida e vista sem rou­­­pas) Por favor, ava­­­lie ➤ Ilink.im/nudos

0 0