A luz amarelada da capela do hospital derramava uma paz artificial sobre o chão de granito fosco. Leônidas entrou em silêncio, os passos abafados pelo tapete gasto. Freitas já o esperava, encostado no altar, sob o olhar indiferente de um Cristo entalhado em madeira escura.
— Como conseguiu estar aqui, sendo você um homem foragido? – disse Leônidas.
— Foi difícil, mas tenho certeza que você vai querer ouvir o que tenho a te dizer !!!- disse Freitas .
— Meu tempo é precioso e preciso voltar para o Alexandre. – disse Leônidas.
— Sempre odiei a sua família, e não esperava que você fosse diferente. Porque está cuidando do Alexandre? – disse Freitas
— Ele é meu irmão, e não quero que ele tenha a vida que eu tive. E Outra, eu gosto do moleque.
— Engraçado… — começou Freitas, sem tirar os olhos da cruz. — A maldita da Luiza não pensava assim.
— A Luiza sabia do Alexandre ?
— Sabia há alguns anos, ela descobriu porque minha irmã mudou de ideia, e decidiu que Alexandre precisava do pai. Mas a piranha da sua irmã descobriu e decidiu atropelar a minha irmã, para não ter que dividir a herança com mais um bastardo. Por isso a matei.– disse Freitas.
— QUE ??? Você só pode estar louco. Vai embora !! Saia de nossas vidas.-disse Leônidas.
— Pare de teatro agora. – disse ele apontando uma arma para Leônidas. Enquanto você tem crise de consciência, nosso inimigo age nas sombras. – disse Freitas.
— O que quer dizer ? – disse Leônidas.
— O demônio do Marcelo. Vou presumir que você é inteligente e já sabe que seu pai tentou te matar. – disse Freitas.
— SIM.- disse Leônidas fechando os olhos e engolindo a tristeza.
— Ah nossa como você é sensível.- Cuspiu Freitas.
— Como você descobriu sobre meu pai e a Luiza ? – perguntou Leônidas.
— Paguei pela informação. Felipe foi meu espião. – disse Freitas.
— E também amante da sua mulher. Gostou da surpresa ? – disse Leônidas.
— Águas passadas. E falando no diabo, seu queridão faleceu. Agora pode ficar tranquilo, que não vai levar um tiro. – disse Freitas.
— Que ??? Como aconteceu isso ? – disse Leônidas abaladíssimo.
— Marcelo. O novo colega de classe do seu pai, o Vicente, o usou como mula, e bem, deu tudo errado. – disse Freitas.
— Meus Deus que horror, alguém precisa parar aquele monstro. – disse Leônidas.
— Não desejaria um pai desses a ninguém. Preciso da sua ajuda para proteja meu sobrinho daquele monstro. Temos um acordo ? – disse Freitas.
— SIM. Vamos destruir aquele capiroto. – falou Leônidas.
Logo depois, no estacionamento, Leônidas ligou para Márcia.
— Libera o dossiê para o Plínio. É agora.
Márcia, do outro lado da linha, já digitava o envio. Em minutos, o delegado Plínio retornava a ligação, se comprometendo com o plano.
— Que porra é essa Leônidas? Tá de brincadeira ?
— Eu nunca brinco. Esse dossiê irá transformar a sua carreira. Vamos destruir o bandido do meu pai. Está conosco ou não ? – disse Leônidas.
— Estamos com vocês. Vamos pegar esse desgraçado em flagrante.
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NO DIA SEGUINTE... INAUGURAÇÃO DO CENTRO DE TREINAMENTO EM PARAISÓPOLIS, À NOITE.
A inauguração estava em pleno vapor. Fogos coloriam o céu. Crianças corriam entre os grafites recém-pintados nas paredes. Bruna Marquezine e Dalton Vigh tiravam fotos com jovens lutadores.
Leônidas chegou de camiseta branca oversized com estampa da Donni Project, calça cargo preta e tênis de sola grossa. Olhar atento, mas a alma cansada.
Os cochichos começaram assim que ele entrou:
— É ele… o amante do Aldo. — sussurrou uma senhora.
— E a Pia? Finge que não vê? — respondeu outra.
— Depois de perder o estadual, ainda passa vergonha na favela…
Leônidas ignorou. Seus olhos cruzaram com os de Aldo, que avançou, decidido a falar com ele. Mas Roberto se colocou na frente.
— Nem tenta. Dá um tempo.
— Não tenho que pedir licença pra falar com ninguém. — rosnou Aldo.
— Tem sim. Quando é pra estragar tudo. — Roberto estava firme. O clima pesou.
Pia se aproximou de Aldo, visivelmente constrangida.
— Para de olhar pra ele assim, Aldo. Tá todo mundo comentando. Tá me fazendo passar vergonha.
— Eu não consigo evitar. — Aldo respondeu, os olhos ainda fixos em Leônidas.
As luzes se suavizaram no salão decorado com cores quentes e discretas faixas douradas. O som ambiente cessou. Todos se voltaram para o palco improvisado, onde Roberto ajeitava o microfone, impecável num terno cinza-claro que realçava seu ar jovial e político.
— Boa noite a todos. — Sua voz ecoou firme. — Hoje celebramos mais do que um projeto. Celebramos a coragem de recomeçar, a força de resistir e o poder da transformação.
Pausa dramática.
— Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos nossos patrocinadores, especialmente Miguel Vargas, que acreditou no impossível quando até nós duvidamos. — Um foco de luz iluminou Miguel entre os convidados; ele sorriu contido, erguendo discretamente sua taça. — Miguel, sua confiança financiou muito mais do que um centro de treinamento. Você apostou em dignidade.
Roberto se virou lentamente para outro ponto do salão.
— Também preciso agradecer a um homem que se reinventou diante dos nossos olhos. Que enfrentou seus fantasmas, seus erros, sua história — e escolheu lutar de novo. Aldebaran Rocha, obrigado por emprestar seu nome, seu tempo e sua história ao nosso projeto. — A luz focalizou Aldo, que estava com Pia ao lado da pista de dança. Ele apenas assentiu, contido, o rosto fechado.
— E, por fim, há um nome que eu não posso deixar de citar, porque este projeto não teria nascido sem sua loucura, sua ousadia e, acima de tudo, seu amor: Leônidas Maia.
A plateia se voltou para Leo, parado ao lado de Camila, Diego e Tatiana. Ele manteve a expressão serena, mas seus olhos estavam marejados.
— Leônidas enfrentou a própria família, sacrificou o que tinha de mais íntimo. Por quê? Porque acreditava em uma ideia. E, mais do que isso, acreditava em uma pessoa. — Roberto olhou diretamente para Aldo, que cerrou o maxilar.
— Hoje, esse espaço é real. As aulas vão começar. E, graças a Leônidas, muitas meninas, meninos e mulheres de Paraisópolis vão aprender que têm direito à força, ao corpo, ao futuro. A você, meu amigo, minha gratidão e meu orgulho.
Aplausos. Alguns emocionados, outros constrangidos. Leônidas apenas inclinou a cabeça, como se recusasse o papel de mártir.
— E agora — continuou Roberto, retomando o tom festivo —, vamos dançar.
As luzes se transformaram em um jogo quente de âmbar e azul. A pista se abriu com suavidade. Roberto caminhou até Leônidas e lhe estendeu a mão.
— Uma dança pela revolução?
— Uma última. — Leo aceitou.
Eles dançaram próximos, num ritmo lento e sóbrio, como dois homens que se conheciam há muito mais tempo do que de fato conheciam. Leônidas repousou a cabeça no ombro de Roberto, enquanto seus olhos cruzavam o salão… e encontravam os de Aldo.
Aldo dançava com Pia, mas não sorria. Não via Pia. O olhar era fixo. Umedecido. Devastado. Cada passo que Leônidas dava, Aldo parecia absorver como um golpe. Como se a música, os aplausos e até mesmo Pia não existissem mais.
Leônidas se afastou de Roberto no fim da música. A mão dele ainda repousava na cintura do outro, como se seu corpo se recusasse a aceitar o que a mente já sabia. Havia uma delicadeza triste no toque. Os dois ficaram ali, no meio da pista, por alguns segundos em silêncio.
— Você tá indo embora? — Roberto perguntou, num sussurro grave.
— Eu já fui, Roberto. Só meu corpo que ainda ficou.
Roberto deu um meio sorriso, cansado. — Você sempre teve essa mania de falar bonito quando tá se despedindo.
Leônidas abaixou os olhos. — Eu tentei, de verdade. A gente tentou.
— Eu sei.
— Eu gosto de você. — Ele disse com firmeza, como se confessar isso fosse também se punir. — Você é bom pra mim. Calmo. Seguro. Mas...
— Mas não sou o Aldebaran. — Roberto completou, sem raiva.
O silêncio entre os dois foi mais íntimo que qualquer beijo que já haviam trocado. Leônidas ergueu os olhos e encontrou os de Roberto — olhos de quem sabia que estava perdendo para um fantasma que ainda respirava.
— Ele te destrói, Leo. Continua amá-lo mesmo sabendo que dói ?
Leônidas assentiu, com um meio sorriso quebrado.
— Acho que... preciso de um tempo para mim.. Preciso pensar no meu filho...
Roberto o olhou por um longo instante, depois puxou Leônidas num abraço. Forte, protetor, resignado. Como alguém que já não implora.
— Me promete uma coisa?
— O quê?
— Que você não esqueça que te amo.
Leônidas fechou os olhos. Aquele abraço era um lar — mas não era o seu. Ele se afastou devagar, passando os dedos pelo colarinho de Roberto numa despedida silenciosa, íntima, final.
E então se foi. Sem olhar pra trás. Porque se olhasse, talvez ficasse.
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Olga, de vestido estampado e salto baixo, surgiu entre os convidados. Se aproximou de Leônidas.
— Vim em nome de Freitas. — disse. — Quero acabar com Marcelo tanto quanto vocês. Depois do que ele fez com Felipe…
— Não confio em você, sua lambisgóia !!Se não colaborar, eu juro que vou cortar a sua língua... e arrancar os seus olhos... Acha isso suficiente ? — Leônidas falou sem levantar a voz. Frio.
No dia anterior Tatiana, Márcia e Leônidas instalavam escutas numa sala reservada no centro de treinamento. Tatiana, técnica precisa, escondia os microfones sob a mesa, nos suportes das luminárias. A armadilha estava pronta. Iriam expor Marcelo para toda a sociedade..
Plínio e sua equipe cercavam os arredores.
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A festa fervilhava. Crianças correndo, música pulsando nas caixas de som velhas. Entre os convidados, jornalistas, moradores da comunidade, empresários e figuras políticas se misturavam como óleo e água. Mas havia um cheiro de tensão no ar.
Marcelo Sampaio caminhava entre os convidados como quem observa o império que construiu com as próprias mãos — e que estava prestes a ruir.
Foi quando Olga surgiu, linda, precisa, letal. Vestia um macacão laranja de linho, justo na cintura, solto nas pernas. Os olhos, delineados com sombra escura, procuraram Marcelo como um míssil busca calor.
— Marcelo — ela disse, sorrindo com os lábios e cuspindo veneno pelos olhos. — Podemos conversar?
Ele a olhou com cautela, o tipo de cautela de quem sabe que uma arma está apontada para o peito, mas ainda não sabe de onde.
— Aqui? — perguntou.
— Sim e Agora. Antes que eu suba naquele palco e conte pra todo mundo do que você foi capaz de fazer.
Marcelo apertou o maxilar.
— Olga... Vamos para um outro lugar.
— Não confio em você, por isso marquei em um local bem público. E hoje, no meio dessa sua festinha na favela, é o melhor lugar. — Ótimo, por aqui.
A sala estava vazia. Apenas uma mesa de madeira, uma cadeira no canto e, escondidos atrás de um falso revestimento no teto, microfones e transmissores — obra de Tatiana e Márcia, montados horas antes.
Olga deixou Marcelo entrar primeiro, e então... virou a chave por fora.
CLIQUE.
Marcelo virou-se, desconfiado.
E então o viu.
Sentado na cadeira de madeira, de braços cruzados, vestido com jeans folgado, camiseta preta com estampa da Donni Project, e tênis, Leônidas Sampaio encarava o próprio pai como quem encara um buraco no peito.
MARCELO
(olhando ao redor, debochado)
— Isso aqui é o seu palácio, Leônidas? Um barraco com cheiro de suor e tinta fresca?
(encarando o filho com escárnio)
— Combina com você. Filho de faxineira, viado e agora... messias de favela. A cereja do bolo da vergonha.
LEÔNIDAS
(engolindo seco, voz contida)
— Você me despreza tanto assim?
MARCELO
— Desprezo? Eu senti nojo de você por anos.
(ri, com escárnio)
— Sabe quantas vezes meus amigos do clube me perguntavam se era verdade que meu “filhinho bastardo” desfilava de roupa preta e salto nas festas alternativas da Augusta? Você virou piada no meu círculo, Leônidas. E sabe qual era a pior parte?
(aproxima-se)
— Eu não podia nem desmentir. Porque era verdade. Você sempre foi um erro que eu não consegui apagar.
LEÔNIDAS
— Então tentou me matar?
MARCELO
(sorri com um suspiro)
— Mais de uma vez. Os freios sabotados? Eu mandei, sim. O carro na oficina foi o momento perfeito.
(finge pensar)
— Mas a bomba no dia da ação social... essa foi ideia da sua irmãzinha. Luiza. Bem mais eficiente do que eu, diga-se de passagem. Só não funcionou porque o imbecil do mecânico errou a instalação.
LEÔNIDAS
(olhos arregalados, furioso)
— Por quê?! Por que tanto ódio?
MARCELO
(grita, perdendo o controle)
— Porque você é compatível!
Silêncio pesado. Leônidas endurece.
MARCELLO
(respirando ofegante)
— Meu coração está falhando há anos. Precisei de um doador. Luiza... não é minha filha biológica. Renata acha que eu não sabia que ela trepava com o jardineiro pé de chinelo. E Alexandre, aquele menino frágil, também não serve. Já deveria ter matado o moleque há muito tempo.
(olha diretamente nos olhos do filho)
— Mas você, Leônidas... você era perfeito. O coração certo, no corpo errado.
(dá um passo adiante, cruel)
— Só que você não quis morrer por mim. Preferiu viver como esse lixo moralista que finge ter ética, que adota o irmão bastardo como se isso o redimisse. Você falsificou aquele teste de DNA, não foi?
LEÔNIDAS
(voz baixa, magoada)
— Fiz porque pensei que poderia dar ao Alex o que você nunca me deu.
MARCELO
(ri, sarcástico)
— E o que eu te devia, Leônidas? Amor? Respeito? Eu nunca pedi você. Você foi um acidente. Uma mancha. E agora... vai me servir. Ou o garoto morre.
FLASHBACK: Apartamento no Jardim Europa – Fim de tarde
Márcia organizava os papéis, inquieta, enquanto Alexandre brincava com o celular. Três seguranças estavam de prontidão.
Tudo parecia calmo… até a campainha tocar.
— Ninguém atende. — alertou um dos seguranças. Mas era tarde demais. Um dos capangas já havia invadido pela entrada de serviço.
A luta foi rápida e violenta. Tiros. Gritos abafados. Márcia correu para proteger Alexandre, mas foi atingida no ombro pelo projetil.
— Corre, Alex! — ela gritou, antes de cair
Alexandre tentou fugir, mas foi agarrado por Vicente, que o arrastou para fora pela garagem.
FIM DO FLASHBACK.
Marcelo puxa do bolso o celular e mostra um vídeo: Alexandre, amarrado a uma cadeira, chorando, cercado por homens armados.
MARCELO
— Está nas suas mãos. O seu coração, ou a vida dele.
Leônidas sente o chão sumir debaixo dos pés. As paredes parecem se fechar. Um passo em falso e o mundo desmorona.
LEÔNIDAS
(engolindo o choro, firme)
— E se eu disser não?
MARCELO
— Então se despeça do seu irmão. Vicente vai adorar aquele saco de órgãos.
LEÔNIDAS
— Me leva.
Silêncio
Todos os convidados, jornalistas e os moradores ficam abismados ao ouvirem as confissões de Marcelo. Aldo começa a subir as escadas para entrar na sala e de repente, uma explosão sacudiu o prédio. Uma bomba atirada nos fundos, gerando caos. Gritos. Correria.
Dentro da sala Leônidas e Marcelo ouvem um estrondo – uma explosão no salão. Marcelo sorri.
— O QUE TÁ ACONTECENDO ? - gritou Leônidas.
— Essa é a nossa deixa.- falou Marcelo.
Marcelo tira uma arma do cós da calça e atira na maçaneta e empurra Leônidas para fora, e descem a escada na lateral do prédio em direção ao carro onde capangas esperavam na rua.
Aldo viu. Sem pensar, foi atrás.
Freitas, disfarçado entre os convidados, fez sinal para seus homens.
A perseguição começava.
FIM DO PENÚLTIMO CAPÍTULO.
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E AI MEUS AMORES ? IMAGINAVAM TODAS ESSAS REVELAÇÕES ?
DEIXEM NOS COMENTÁRIOS.
O QUE ESPERAM PARA O ÚLTIMO CAPÍTULO ?