O SABOR DE UMA DOCE VINGANÇA ! SEGUNDA TEMPORADA! Cap.3 Cap.2

Um conto erótico de Alex Lima Silva
Categoria: Gay
Contém 3625 palavras
Data: 12/05/2025 02:43:31

Acordei antes do despertador. Ainda estava escuro lá fora, mas meu corpo parecia saber que era hora de levantar. Estava inquieto. Há dias vinha acordando assim — como se algo dentro de mim não me deixasse descansar por completo. Vesti minha camiseta cinza, o short preto com detalhe vermelho, calcei o tênis e saí sem nem tomar café.

As ruas da cidade ainda estavam silenciosas, só com os sons dos meus passos e da Adele nos fones de ouvido preenchendo o espaço. Gosto desse horário. Me sinto livre. É como se por um momento ninguém me visse, como se eu deixasse de ser o Pedro da sorveteria, da vingança, das memórias ruins. Só mais um cara correndo cedo demais.

Estava totalmente concentrado, respirando no ritmo certo, sentindo o ar frio bater no rosto, quando ouvi uma voz que me fez revirar os olhos por dentro.

— Mas olha só, que milagre você sozinho hoje, hein?

Virei o rosto devagar e lá estava ele: Maiconsuel. A camisa regata amassada, o cabelo bagunçado e aquele sorriso de quem sempre quer provocar.

— Toda vez que te vejo correndo, é com aquele policial fortão do teu lado.

Bufei.

— O Arthur? Ele é só um amigo.

— Uhum… "amigo" — ele disse com aquele tom malicioso, trotando do meu lado como se tivesse todo o tempo do mundo.

Eu não estava com paciência. Nem pra insinuação, nem pra flerte mal disfarçado.

— Tenho que continuar. A gente se vê. — disparei na frente, apertando o passo.

— Ei! Covarde! Assim não vale! — ouvi ele gritar atrás de mim, mas já estava longe demais pra responder.

Continuei correndo, agora mais rápido, tentando deixar Maiconsuel e seus comentários pra trás. Mas era como se, ao fugir dele, eu abrisse espaço pra outra coisa me alcançar.

Thales.

O nome veio com força. Os olhos dele, o jeito debochado, o sorriso cruel. Aquele galpão. O fogo.

Por que não encontraram o corpo dele? Era pra ter achado. Tudo pegou fogo, mas nada... nenhuma ossada, nenhum traço. Isso me incomodava desde aquele dia. E quanto mais o tempo passava, mais a dúvida se cravava em mim feito farpa. Será que ele...?

A cabeça ficou pesada de repente, e precisei parar um pouco. Respirei fundo, tentei afastar a sensação ruim. E então, como num impulso, virei na direção da casa da Jaci. Eu precisava ver a Clara. Ouvir a voz dela. Me ancorar em algo bom.

Corri até lá, como se minha vida dependesse disso. Quando cheguei, toquei a campainha com a respiração ainda descompassada. Vi pela janela que as luzes da cozinha já estavam acesas. Jaci abriu a porta com um sorriso sonolento.

— Pedro? Mas que surpresa boa!

— Bom dia, Jaci. Tô te atrapalhando?

— Imagina... já tava acordada mesmo. Clara ainda tá dormindo, mas entra. Você quer café?

— Eu aceito — disse, entrando. A casa dela tinha cheiro de lavanda e pão fresco, um conforto que me acolhia de um jeito difícil de explicar.

Sentei à mesa e fiquei observando ela preparar duas xícaras.

— Você tá melhor? — perguntei.

Ela assentiu, sem tirar os olhos do bule.

— Tô sim... devagarzinho. Foi difícil ver o Jorge daquele jeito, sabe? Tão fora de si naquela clínica... Mas tenho fé. Ele vai melhorar.

— Vai sim — respondi com firmeza. — Logo, logo ele vai estar em casa com vocês, do jeito que merece.

Ela me olhou com carinho, como quem agradece sem palavras.

— E você, Pedro? Tá tudo bem? —

Fiz que sim com a cabeça, mas por dentro a pergunta ecoava de outro jeito. Tá tudo bem?

Olhei pra direção do quarto da Clara. Só de saber que ela tava ali, dormindo em paz, eu me sentia mais inteiro. Respirei fundo, deixando um pouco do peso no ar daquela cozinha.

Talvez ainda não estivesse tudo bem. Mas por alguns minutos, ali com Jaci e o cheiro de café, eu podia fingir que estava.

E isso, por ora, era o suficiente.

Voltei da casa da Jaci ainda com o gosto de café na boca e um nó no peito. Clara tinha acordado antes de eu sair, com os olhos sonolentos e o cabelo todo bagunçado, e me abraçou forte. Aquele abraço me deu força, me reabasteceu — ou pelo menos foi o que achei.

Corri de volta pro prédio, tentando extravasar a ansiedade que ainda morava nos cantos do meu corpo. O sol já tinha subido, e a cidade começava a se mexer. Gente indo trabalhar, lojas abrindo, aquele movimento que, em dias bons, me fazia sentir vivo. Mas hoje… hoje tinha alguma coisa estranha no ar.

Cheguei no prédio suando, o coração ainda acelerado. Entrei no hall ajeitando a camisa que grudava no meu peito, e fui direto pro elevador. Mas, claro, nada é simples na minha vida.

— Pedro.

A voz veio como um tapa seco. Me virei e lá estava ele: o síndico. Seu Délio. Cinquenta e poucos anos, terno amassado às sete da manhã, e aquela cara de julgamento eterno.

— A gente precisa conversar.

Suspirei.

— Bom dia, né?

— Olha… eu e alguns moradores temos comentado... — ele fez aquela pausa dramática, como se estivesse prestes a soltar uma bomba — ...que você anda “dando muita pinta” no condomínio.

— Como é? — perguntei, com uma sobrancelha arqueada.

— Essas roupas coladas que você usa pra correr… incomodam. Principalmente famílias com crianças.

Levei a mão à cintura, respirei fundo e sorri. Aquele tipo de sorriso que vem antes da tempestade.

— Entendi. Da próxima vez eu corro de burca, pode ser? Ou melhor, uma túnica medieval. Com cinto de castidade.

Ele engasgou um pouco, tentando manter o tom sério.

— Não precisa exagerar, Pedro. É só que...

— Que a minha existência incomoda, né? Fica tranquilo, seu Délio. Pode anotar aí na ata da próxima reunião: "Síndico incomodado porque o morador gay usa roupa de lycra". Pronto. Já facilita.

Virei as costas sem deixar ele responder e apertei o botão do elevador com tanta força que quase quebrei. A porta abriu. Entrei. Sozinho. Um alívio. Ou pelo menos era o que pensei.

Dois andares depois… PÁ!O elevador tremeu, parou, e as luzes internas piscaram.

— Ah, não… — murmurei, apertando os botões feito um louco. Nada. Nenhum andar acendia.

— Não. Não. NÃO. — gritei, batendo na parede de metal.

Peguei o interfone. Sem sinal. Claro. Porque Deus, o universo e o síndico se uniram numa seita secreta de sacanagem só pra me infernizar.

Fiquei ali, suando, fedendo, com a cabeça girando e as pernas latejando. Uma hora inteira. Sessenta minutos trancado naquele caixão vertical. E tudo o que eu conseguia pensar era: "só quero um banho".

Quando finalmente o elevador deu um tranco e a porta abriu, saí feito um furacão. Cheguei no meu andar, entrei no apartamento com a fúria de um cavalo selvagem e fui direto pro banheiro. Tirei a camiseta suada, liguei o chuveiro e…

NADA.

Nem um pingo.

Abri a torneira da pia. Nada também. A privada? Seco.

— VOCÊ TÁ DE BRINCADEIRA COM A MINHA CARA! — berrei, jogando a toalha contra a parede. — SEM ÁGUA?! SEM ÁGUA, CARALHO?!

Fiquei ali, suando em pé, o corpo colando, a cabeça fervendo.

— Não basta o síndico homofóbico, o elevador de filme de terror... agora nem água eu tenho? É isso mesmo?

Sentei no chão do banheiro, de costas pra parede fria. Respirando pesado.

Naquele momento, se alguém ousasse tocar a campainha, eu juro que seria preso.

Tudo que eu queria era tomar um banho. Só isso. Mas não. O universo decidiu que hoje eu ia sofrer.

E ele estava cumprindo o plano direitinho.

Desci pelas escadas porque, depois do trauma de ter ficado preso naquele caixão vertical chamado elevador, minha confiança em tecnologia predial morreu. Cada degrau que eu descia era um lamento do meu corpo suado, grudando na roupa que já devia ter ido pra máquina ontem. Mas não, cá estava eu, ainda com a camisa colada no peito, o shorts de corrida marcando mais do que devia, e sem um pingo de dignidade.

Quando cheguei no térreo, adivinha quem estava lá? Claro. O capeta de terno malpassado: seu Délio, o síndico.

— Você vai sair assim de novo? — ele perguntou com aquela voz que mistura arrogância com bafo de café requentado.

Nem desacelerei o passo. Só virei o rosto com um sorriso falso e soltei:

— Vai tomar no cu, seu Délio.

Ele ficou parado, boquiaberto, parecendo um peixe fora d’água. Mas eu? Segui. Firme. Porque hoje, se alguém tentasse me tirar do sério, eu ia tirar a pessoa do planeta.

Cheguei na sorveteria ainda bufando. Respirei fundo, me preparei pra encarar o dia, mas o universo… ah, o universo tinha planos.

Assim que empurrei a porta de vidro, ouvi aos berros:

— Isso é um absurdo! Esse sorvete estava gelado demais, machucou a minha boca!

Fiquei parado por um segundo, tentando processar aquilo. Uma mulher de salto fino, blazer rosa-choque e óculos escuros de madame estava na frente do balcão, furiosa, apontando pra Camila, que me olhou com os olhos suplicando socorro.

— Senhora por favor... — Camila ainda tentava manter o tom profissional.

— Eu exijo respeito! — ela retrucou. — Estou machucada! Isso é um atentado à saúde do consumidor!

Não resisti. Me aproximei com o mesmo ar debochado que o síndico tanto odiava.

— Moça, se sorvete gelado é um atentado, a senhora devia procurar a polícia. Ou um cobertor... Ou ter noção do ridículo no mínimo!

Ela virou pra mim com indignação:

— E você é quem, pra se meter?

— Eu? — sorri, abrindo os braços. — E sou o dono da sorveteria minha queridinha!

A mulher arregalou os olhos, como se o simples fato de alguém como eu — suado, de lycra, com sarcasmo nos dentes — pudesse ser responsável por algo que envolvesse notas fiscais.

— O dono?!

— Em carne, osso e suor. E olha, se a senhora quiser um sorvete em temperatura ambiente, posso indicar uma padaria que vende pudim - Revirei os olhos!

Ela pegou a bolsa com indignação, murmurando algo sobre "processo", "autoridades sanitárias" e "jamais voltar aqui". Eu só acompanhei com o olhar e acenei como quem dá tchau pra ex que a gente nunca mais quer ver.

Camila riu, aliviada.

— Você é doido, Pedro.

— Não, Camila. Eu tô só começando o dia. Doido, eu fico se mais alguém reclamar da temperatura do sorvete.

Depois da cena com a cliente surtada, tudo o que eu queria era um banho. Minha pele ainda estava grudando por causa da corrida, o elevador quebrado, o síndico, e agora essa mulher que queria que o sorvete viesse fervendo. Eu merecia um respiro.

Fui pro banheiro dos fundos da sorveteria — o único com um chuveirinho elétrico — trancando a porta com a tranca que, sinceramente, nunca me passou muita confiança. Mas o calor no corpo era maior que qualquer receio.

Tirei a camisa com alívio, depois a calça de corrida, a cueca. A água morna descia meio tímida, mas era o suficiente pra lavar o suor, o estresse e talvez a vontade de mandar mais gente tomar no cu. Me apoiei na parede de azulejo, olhos fechados. Só o barulho da água, a tranquilidade… até que…

A porta se abriu.

— Tem papel higiênico aqui ou...

— CARALHO, MATEUS! —gritei, cobrindo meu corpo encharcado com as mãos, enquanto ele congelava na entrada feito um poste.

— MEU DEUS, DESCULPA! — ele disse, se virando rápido, batendo a porta, mas deixando um rastro de caos.

Fiquei lá, parado, o coração disparado. Era isso que eu precisava pra fechar o combo do dia: ser invadido no banho por um funcionário que, aparentemente, não sabe bater na porta.

Terminei o banho com pressa, a raiva queimando por dentro. Vesti a bermuda e a camiseta que eu mantinha ali de reserva e saí, ainda secando o cabelo com uma toalha.

Mateus estava encostado na parede do corredor dos fundos, visivelmente constrangido.

— Eu juro que achei que não tinha ninguém ali. Tava procurando papel pro banheiro da frente… — disse ele, sem coragem de olhar nos meus olhos.

— A tranca tava virada, né? Não era um código. Era um sinal de “tem alguém pelado aqui”, porra. — retruquei, ainda irritado.

— Eu sei, cara… Desculpa mesmo. Mas, olha… é que… você tá muito… — ele hesitou — …bem. Digo, fisicamente. Tá em forma mesmo.

Me virei pra ele com o cenho franzido, pronto pra mais um corte. Foi aí que meus olhos desceram, e, apesar da tentativa dele de esconder com a mão no bolso, a ereção marcava a calça jeans com força.

Suspirei, cansado.

— Mateus, vai trabalhar. Antes que, pela segunda vez hoje, eu perca a paciência e mande alguém tomar no cu.

Ele baixou a cabeça, envergonhado, e saiu sem dizer mais nada.

Eu encostei na parede, tentando respirar fundo. Uma mistura de raiva, surpresa… e, pra meu desgosto, uma pontinha de vaidade ferida e inflada ao mesmo tempo. Aquele cara ainda ia me dar dor de cabeça.

Passei o resto da manhã mergulhado nos papéis da parte administrativa da sorveteria. Nota fiscal, controle de estoque, planilha com a previsão de gastos da próxima semana... nada que me desse prazer, mas tudo o que manteria o negócio em pé. Meu cérebro já tava gritando por liberdade. Estiquei os braços, fechei o notebook e decidi ir até o balcão, respirar o movimento, ver as pessoas, sentir o sabor do caos que eu mesmo havia escolhido administrar.

No caminho, passando perto dos banheiros, ouvi um som abafado. Um soluço. Baixo, mas constante. Meus pés pararam sozinhos. Olhei pra porta fechada do banheiro dos fundos e bati de leve.

— Alô? Tá tudo bem aí?

Silêncio. Um segundo. Dois.

— Quem tá aí? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas gentil.

— É o... Wellington — ele respondeu, com a voz embargada.

Meu estômago revirou um pouco. Respirei fundo.

— Quer que eu chame alguém? Posso ajudar?

— Não... não precisa. Só... só me deixa aqui um pouco.

Assenti, mesmo sabendo que ele não podia me ver.

— Tudo bem. Vou respeitar. Fica à vontade, tá? Se precisar de algo, só chama.

Me afastei devagar, o som abafado dos soluços ainda ecoando na minha cabeça. Dei a volta e fui direto até Mateus, que estava servindo casquinhas com a agilidade de quem tenta esconder as pressões da vida por trás de sorrisos automáticos.

— Teu namorado tá chorando no banheiro — falei sem rodeios.

Mateus congelou por um instante, a espátula de sorvete parando no ar. Ele nem respondeu. Apenas largou tudo e saiu direto na direção do banheiro.

Curioso — e preocupado — me aproximei com cuidado. Fiquei do lado de fora do corredor dos fundos, ouvindo.

— Abre essa porta, Wellington! — Mateus dizia, com impaciência.

Ouvi a tranca abrir. Um silêncio. Depois, a porta se escancarou com um estrondo.

— Você tá chorando aqui por quê? Hein? — a voz de Mateus era ríspida, cortante.

— Porque eu não aguento mais, Mateus! — a resposta veio num grito engasgado. — Eu não aguento mais ser tratado como se eu fosse nada! Eu te amo, porra, e você... você me ignora, chega tarde em casa, cheirando a vinho, como ontem... e ainda quer que eu finja que tá tudo bem?

— Wellington, não começa. Não aqui. — ele tentou controlar a voz, mas soava mais nervoso do que arrependido.

— Você me humilha! Me olha com desprezo quando tá com os outros! Eu só queria ser amado de volta, e tudo que recebo é frieza, cobrança... você me puxa pelos cabelos como se eu fosse um boneco!

Foi aí que vi — espiando discretamente pela quina da parede — Mateus segurando Wellington pelo cabelo, como quem tenta controlar uma situação que já fugiu das mãos.

Meu corpo enrijeceu.

Wellington chorava de verdade. Despedaçado. Como alguém que só queria colo, e recebia socos emocionais no lugar.

— Me solta, por favor... — ele disse, mais baixo agora, derrotado.

Mateus largou. Deu dois passos pra trás, e pela primeira vez, parecia assustado com o que tinha acabado de fazer.

Voltei devagar pro balcão. Minha cabeça fervendo. Eu tinha acabado de ver um pedaço da verdade que ninguém mostrava — e era feia, dolorida e covarde.

E eu sabia que aquilo... não podia continuar. E agora eu tinha total certeza que o Mateus não tinha mudado nada, nada!

Depois de tudo que eu tinha visto e ouvido, depois do Wellington arrasado no banheiro e do Mateus revelando um lado que ele parecia ter escondido... eu precisava de um alívio. Qualquer coisa que me lembrasse que o mundo ainda tinha uma parte que valia a pena. Peguei o celular, abri a galeria e escolhi uma das fotos que tirei mais cedo, durante a corrida. Era uma selfie com o céu cor de laranja do amanhecer atrás, o rosto suado e um leve sorriso nos lábios. Nada demais, mas genuíno.

Postei nos status do WhatsApp com a legenda:

“Correr me devolve o que o mundo tenta tirar.”

Fechei o aplicativo e fui preparar um café ali mesmo na sorveteria. Ainda nem tinha tomado um banho decente — já que meu prédio parecia ter declarado guerra contra o meu sossego e o Mateus tinha arruinado meu banho aqui na sorveteria!

Dez minutos depois, o celular vibrou.

Mensagem de Arthur.

Meu peito travou antes mesmo de abrir. Era como se só o nome dele já viesse com um som de tambor por trás.

Abri.

— Falso. Não me chama pra correr também. Tô triste contigo.”

Abaixo da mensagem... uma selfie.

Arthur, de uniforme da polícia, fazendo beicinho com a boca e o peito peludo à mostra, já que a camisa tava desabotoada até um nível que beirava a indecência — e a tentação.

Meu coração deu um pulo.

Literalmente.

Era como se uma parte de mim tivesse levado um choque — outra tivesse sido puxada por um ímã antigo e teimoso que ainda morava em algum canto do meu corpo.

Mas me controlei. Respirei fundo. Fingi maturidade.

Respondi:

— Na próxima te chamo pra correr. Mas sem essa cara de carente, viu?

Ele visualizou na mesma hora, mas não respondeu. Como sempre, ele gostava de deixar a última palavra pendurada no ar, provocando silêncio como se fosse uma isca.

Suspirei. Coloquei o celular de lado e tentei voltar pro mundo real.

Foi aí que vibrou de novo.

Dessa vez, era o síndico:

" Pedro, precisamos conversar. Estarei disponível hoje à noite para uma reunião. Assunto: conduta no condomínio.”

Fechei o celular com força. Minha mandíbula travou. Os ombros tensionaram. E eu percebi, com clareza absoluta, que tava no limite do meu estresse.

Limite, mesmo.

Como se uma respiração mais forte fosse capaz de fazer tudo desabar.

Mateus e Wellington estavam no balcão, trabalhando. Ou melhor, tentando trabalhar. A tensão entre os dois ainda dava pra cortar com uma faca cega. Cada pedido trocado, cada sorvete servido, vinha com um olhar atravessado, uma palavra seca. Wellington tava mais calado do que nunca, e Mateus… fingia uma calma que eu sabia que era pura encenação.

Foi então que a campainha da sorveteria tocou e a porta se abriu, revelando Flávio. De jeans escuros, camiseta preta e um sorriso largo, ele entrou como se trouxesse sol num dia nublado.

— Vim dar um oi — ele disse, olhando em volta. — Meu funcionário tava tá na loja! Então vim te infernizar!

— Imagine! Você sempre melhora meu humor! Não me inferniza nunca!

Wellington e Mateus continuaram fingindo normalidade atrás do balcão. Mas era como se a presença do Flávio colocasse uma energia diferente no lugar. Mais leve. Menos sufocante. Eu precisava daquilo.

— Quer dar uma volta? — perguntei, abrindo a porta.

Flávio topou na hora. Fomos andando até o parque ali perto. O calor estava terrível mas a sombra das árvores e o barulho dos passarinhos me ajudaram a respirar melhor. Eu precisava falar com alguém. E Flávio, por mais que às vezes me confundisse, sempre me escutava.

— O prédio tá um inferno — desabafei, enquanto sentávamos num banco. — O síndico implicando comigo por tudo. Fiquei preso no elevador e ainda estou sem água. - Suspirei - Sem contar que o síndico mandou uma mensagem marcando uma reunião! Como se eu fosse um criminoso!

— Quer saber? — Flávio disse, virando o corpo pra mim. — Vem morar comigo. Ou pelo menos procura outro apartamento. Você não precisa se submeter a isso, Pedro.

Dei uma risada curta.

— Porque você é sempre tão direto assim?

— Porque sim ué - Ele riu!

Fiquei em silêncio por um momento, com o olhar perdido nas folhas que se moviam com o vento. O gesto dele foi bonito, mas... eu não sabia o que pensar.

— Eu vou considerar as possibilidades, tá? — falei, tentando manter o tom leve.

Flávio me olhou mais sério.

— Pedro… tem alguma coisa acontecendo? Porque, sei lá, eu sinto você cada dia mais distante de mim.

Aquilo me pegou de surpresa. Pisquei algumas vezes, buscando a resposta certa.

— Não é você. É só o estresse. A sorveteria, o prédio, esses rolos todos… tá tudo me sugando. Juro.

Ele assentiu, mas eu não sabia se tinha realmente acreditado. Às vezes, nem eu acreditava mais nas próprias desculpas.

Foi então que meu celular vibrou no bolso.

Jéssica.

Fazia um tempinho que eu não falava com ela. Ela era parte de um plano antigo — o plano de destruir o Gabriel. Mas Gabriel… bem, Gabriel já não era mais um problema.

Abri a mensagem.

"Pedro, você não vai acreditar. Eu me mudei por acaso pra frente da casa do Gabriel, por causa daquele plano que não rolou… enfim, deixa isso. O estranho é que ontem à noite, eu juro, vi um cara desfigurado entrando na casa. Ele tava com o rosto coberto, mas alguma coisa no jeito me deu arrepios. Parecia ferido… ou queimado. Foi rápido, mas eu vi."

Meu corpo gelou.

O mundo pareceu ficar mudo por alguns segundos. Thales? Impossível. O galpão… o fogo… não encontraram o corpo.Ninguém nunca achou nada.

Guardei o celular sem dizer nada pra Flávio.

Mas, por dentro, eu já sentia o sangue começar a correr mais rápido.

Se aquilo era verdade… os fantasmas do passado estavam prestes a bater na minha porta. E talvez, dessa vez, não fossem só lembranças.

Continua...

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Comentários

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Acredito ser a hora do Arthur e o Pedro terem uma noite de amor cheia de tesão?, pois o enredo esta levando para um lado difícil da historia, o Tales, o Fabio e o Mateus estão com certeza tramando algo para Pedro.

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