Porque há toques que não unem — apenas revelam que já não há mais nada a prender.
O relógio marcava 03:47.
O silêncio no quarto era absoluto, mas Amanda não dormia. Estava sentada à beira da cama, o corpo curvado sobre os próprios joelhos, o suor escorrendo devagar pela linha de sua coluna, mesmo com o ar condicionado sussurrando no canto. Havia algo no escuro daquela madrugada que lhe roubava o fôlego e a pele. Algo dentro dela havia se rompido e escancarado um desejo antigo, agora sujo, incômodo, fora de lugar. O presente a sufocava. O passado a lambia por dentro.
Matheus dormia. Ou fingia. Seu peito subia e descia com a calma dos que não precisam mais perguntar. Mas Amanda sabia — ele sabia. O corpo dele estava ali, morno, virado de lado, de costas. Mas o olhar, mesmo fechado, estava tenso. Como se enxergasse tudo mesmo com os olhos fechados.
Amanda se levantou devagar, com a ponta dos pés arrastando no tapete. Cruzou o quarto como quem cruza um campo minado — e era. Abriu a porta do banheiro com cuidado. Não trancou. Nem cogitou. Parte de si queria ser seguida. Parte de si queria ser impedida. Parte de si queria ser vista.
Acendeu a luz fraca. A luz amarelada e baixa iluminou o azulejo branco e a pequena bancada de mármore. Amanda se apoiou ali, olhando para o espelho. Não viu uma mulher. Não reconheceu a esposa. Tampouco a aluna. Era um espectro entre duas realidades, uma ponte quebrada entre dois mundos que exigiam sua lealdade.
Sua pele ainda carregava o cheiro de Cadu. Não do toque, mas da ideia dele. Era como um perfume que grudou nas entranhas. Amanda fechou os olhos. As imagens vinham como chicotadas: o elevador, o vinho, o olhar dele dizendo “eu ainda te quero”.
E então, ali, diante do espelho, ela deixou a calcinha descer pelas coxas lentamente, como se confessasse. Não havia como esconder o calor entre as pernas, mesmo sob a luz fria. Sentou-se na borda da banheira, o joelho dobrado, o outro pé no chão gelado. Os dedos buscaram o centro do que ainda ardia.
E foi nesse momento — antes do toque completo — que Matheus, imóvel no escuro do quarto, abriu os olhos.
A luz escapava pelas frestas da porta entreaberta. Ele não se moveu. O som era quase nenhum, mas os sentidos se aguçaram como um cão farejando dor. Ele sabia. Sabia desde o momento em que ela cruzou o quarto arrastando os pés como quem carrega um corpo morto.
Fechou os olhos por um segundo. Viu o rosto de Amanda — mas não ali, não no presente. Viu-a em outra cama, com outro corpo sobre o dela. As pernas dela abertas, recebendo alguém que não era ele. E o pior: os olhos dela abertos também. Olhando diretamente para os dele.
Ele respirou fundo, mas ficou. Assistiu. Sentiu-se torturado, mas não fugiu. Sabia que aquele momento diria mais do que mil palavras. Sabia que aquela masturbação solitária no banheiro era mais do que prazer — era luto. E despedida.
Os dedos de Amanda tocaram o sexo com um misto de raiva e desespero. Não era uma masturbação erótica no sentido mais trivial — era um pedido mudo de explicação. Ela pressionava o clitóris com uma precisão aprendida, os olhos meio cerrados, a boca entreaberta. Respirava pela garganta, sufocada. O prazer vinha rápido, porque não era só físico. Era memória. Era fantasma.
Cada movimento trazia um rosto.
Ela se tocava como se estivesse tentando apagar o rosto de Cadu — e ao mesmo tempo evocá-lo. Sentia-se suja, sim, mas excitada. Mais do que nunca. O desejo era febril, urgente. Seus quadris começaram a se mover involuntariamente, o pé se apoiando com mais força no chão frio, a perna dobrada tremendo.
Matheus, deitado, assistia. Olhava pelas frestas da porta entreaberta. A luz do banheiro projetava uma silhueta intensa: Amanda com o rosto virado para cima, uma das mãos apertando o peito, a outra enterrada entre as pernas, o queixo tremendo. Ele queria fechar os olhos — mas não conseguiu. E então, os flashes vieram.
Como um filme maldito passando em sua mente: Amanda por baixo de Cadu, as pernas dela envolvendo a cintura dele. A pele contra pele. A cabeça dela virada para trás. Depois, outra cena: Amanda de quatro, os cabelos puxados com força, a boca entreaberta sussurrando o nome dele. Mais um: Amanda no colo dele, cavalgando devagar, os dois olhos fechados, até que ela os abre e olha diretamente para Matheus. Cruel. Doloroso. Quase insuportável.
Matheus segurou o lençol com força, o punho branco. A dor era aguda, mas estranhamente bela. Não era só traição. Era a certeza de que ela estava indo embora — mesmo ainda dentro da casa. Mesmo ainda ali.
No banheiro, Amanda não percebeu o tempo. Apenas sentiu. O corpo começou a sacudir levemente, a respiração ficou entrecortada, os dedos molhados de umidade escorrendo. Quando gozou, foi com um som abafado — um gemido que escapou contra a palma da própria mão, mordida.
Nesse instante, abriu os olhos e o viu.
Matheus estava parado na porta. Não disse nada. Não julgou. Não moveu o rosto. Amanda, ainda com os dedos úmidos, sentiu a vergonha escorrer pelas costas como se tivesse sido flagrada num crime. Seus olhos encheram-se de água — não por culpa, mas por desamparo. Ela se viu tão pequena. Tão ridícula. Tão perdida.
— Me desculpa... — sussurrou, a voz arranhada. — Eu não sei mais quem eu sou.
Matheus entrou no banheiro devagar. Não respondeu. Apenas ajoelhou-se à frente dela, em silêncio. Amanda tremeu. Não sabia se devia fugir, se devia abraçá-lo, se devia pedir que ele nunca mais falasse com ela.
Mas Matheus apenas a olhou. E então, como se dissesse tudo que estava preso na garganta, encostou os lábios na parte interna da coxa dela — ainda molhada.
Ela fechou os olhos e chorou.
O beijo era um pedido de clemência, mas também um ato de posse. Como se dissesse: “eu ainda estou aqui, mesmo depois de tudo”. E Amanda, já quase em colapso, passou as mãos nos cabelos dele, afundando os dedos.
Matheus começou a chupá-la com uma delicadeza que doía. A língua desenhava círculos lentos no clitóris, pausando às vezes para sorver, outras para respirar. Amanda se retesava inteira. Sentia-se ridícula por ter gozado sozinha, por estar entregue de novo, mas o gesto de Matheus a desarmava. Ele estava se oferecendo não por luxúria, mas por amor.
Ela gemeu baixo. A cabeça tombada para trás. As pernas se abrindo mais. O corpo implorando para esquecer — e se lembrar.
Quando Matheus parou, Amanda puxou-o para cima. Deu-lhe um beijo sem pressa, o gosto de si mesma na língua dele. Beijou os olhos dele, o pescoço, os ombros. Como se o mapeasse, como se quisesse memorizar o corpo de Matheus por dentro. E depois, ajoelhou-se à frente dele.
Foi a vez dela.
A boca envolveu o membro dele com reverência. Não havia joguinho, não havia pressa. Amanda chupava com intensidade, sim, mas com carinho. Como se pedisse perdão com os lábios. O som era úmido, a respiração pesada. Ela olhava para ele às vezes — olhos fundos, molhados, dilacerados.
Depois de minutos que pareceram horas, ele a puxou de volta. Levaram-se até o quarto em silêncio.
Ela se deixou guiar, os olhos baixos, o rosto tingido por uma mistura de vergonha e desejo, de medo e entrega. Ele pousou as mãos na curva suave da cintura dela, os dedos deslizando lentamente pela pele quente, como se quisesse memorizar cada centímetro antes que ela escapasse de novo.
Nua diante dele, vulnerável e ao mesmo tempo inquieta, ele apenas a olhou, como se tentasse entender tudo que a pele dela contava — as marcas, os arrepios, os rastros de uma história que já não lhes pertencia totalmente.
Deitou-a com suavidade na cama, sentindo o corpo dela se moldar à superfície, o coração acelerado com a mistura agridoce do toque, do desejo e da melancolia. As mãos de Matheus foram baixando devagar, explorando o contorno das costas, o desenho da coluna, parando nas nádegas, apertando com um carinho terno que dizia “ainda estou aqui”.
Amanda se arqueou levemente, como se buscasse mais desse contato, ou talvez quisesse se convencer de que ainda podia ser amada assim, por inteiro, mesmo com a sombra do outro entre eles.
Ele a beijou com uma pressa contida, um beijo que começou na boca e foi descendo, envolvendo o pescoço, os ombros, o colo, como se quisesse imprimir nela cada pedaço de si antes que o tempo lhes roubasse mais um pedaço.
Os corpos se encontraram num movimento lento, um encaixe delicado, quase hesitante, enquanto as mãos se exploravam, sentindo a pele, o calor, a vida pulsando entre eles. Não havia pressa, não havia palavra, só o som dos suspiros abafados e o ritmo dos corações tentando se sincronizar novamente.
Matheus deslizou o corpo para cima dela com a delicadeza de quem sabe que cada instante pode ser o último. O encaixe foi suave, quase tímido, como se os dois precisassem se redescobrir num terreno que parecia ao mesmo tempo familiar e estranho.
Enquanto ele se movia, sentindo o calor e a resistência do corpo de Amanda, o silêncio entre eles falava mais do que qualquer palavra poderia. Era um diálogo de olhares, de respirações, de toques que tentavam preservar o que ainda restava daquele amor frágil e dilacerado.
Amanda levantou a cabeça, desviando o olhar por um momento, mas Matheus segurou seu queixo com a ponta dos dedos, trazendo-a de volta para ele. Os olhos se encontraram, profundos, cheios de memórias e dores, e juntos se levantaram em direção ao espelho no quarto.
No reflexo, os dois se viam lado a lado, corpos entrelaçados, mas uma linha fina parecia dividir a imagem em dois — a linha da dilatação do espelho que, por um instante, virou símbolo do que os separava. Ela via a si mesma no reflexo, mas também via a distância invisível que crescia entre eles, e Matheus, do outro lado, igualmente dividido entre o desejo de ficar e a dor da perda.
Sem romper o contato visual, ele começou a imitar as posições que sua mente tinha gravado dos flashes que o atormentavam — os momentos que ele via na mente, ela sendo tocada, invadida por outro homem, e ao mesmo tempo o corpo de Amanda respondia, como se desejasse que Matheus a levasse para longe daquela sombra, mesmo que só por algumas horas.
Os movimentos eram lentos, cadenciados, com Matheus buscando replicar o que conhecia, mas com a delicadeza de quem não quer machucar. Amanda arqueava as costas, gemia baixinho, tentando se perder no toque e ao mesmo tempo se encontrar nos olhos que não desviavam dela.
Quando eles mudaram para a posição em que Matheus estava atrás, segurando-a pelas coxas, ele a levantou um pouco, apoiando-a no corpo enquanto ela apoiava as mãos na parede perto do espelho, ainda de frente para o reflexo que os dividia.
Ali, frente a frente com o reflexo fragmentado, os olhos de Amanda encontraram os dele novamente, um misto de súplica, amor, medo e resignação brilhando no espelho, enquanto a linha de dilatação parecia um símbolo cruel do abismo entre eles.
O silêncio foi quebrado apenas pelos gemidos baixos e pela respiração ofegante, enquanto os dois buscavam no corpo um do outro um conforto que as palavras já não podiam mais dar.
Matheus a levou para a ponta da cama, ainda a segurando no colo, com o corpo quente colado ao dela, a pele grudando pela mistura de suor e desejo acumulado. Amanda enroscou as pernas na cintura dele, o rosto encostado no pescoço que ela apertava com os dedos trêmulos, como se segurasse também o próprio coração para que não escapasse.
Eles ficaram ali, imóveis por um instante, deixaram que o ar quente que escapava de suas bocas se misturasse no silêncio quase sagrado do quarto. O peito de Matheus subia e descia acelerado, a respiração de Amanda se misturava com pequenos gemidos que escapavam entre dentes cerrados — sons que revelavam toda a tensão acumulada, a dor contida, o desejo que não se dissolvia mesmo diante da tristeza.
Os corpos vibravam em sintonia, cada músculo tenso, como se o simples contato fosse um fio frágil conectando o que restava de seu amor. O suor escorria dos seus braços e costas, o calor fazia a pele parecer mais sensível, mais viva, enquanto a ponta dos dedos de Amanda apertava o pescoço de Matheus, numa mistura de necessidade e medo.
Eles não tinham pressa. O tempo parecia suspenso, esticando-se até cada segundo do momento ser sentido com uma intensidade dolorosa. A conexão dos olhares se transformou num mergulho profundo, como se buscassem no espelho invisível à sua volta o que estava se perdendo.
Amanda deslizou sobre Matheus como se buscasse nele o último vestígio de si mesma. O quarto continuava em silêncio, cortado apenas pelas respirações entrecortadas, os corpos suados, o som úmido do encaixe que se repetia em ritmo crescente. Ela se acomodou em seu colo, o movimento lento, decidido, as coxas pressionando os quadris dele com urgência contida.
Os olhos de Matheus não desgrudavam dos dela. Ele a segurava pela cintura com firmeza, os dedos marcando sua pele, guiando os movimentos com a reverência de quem segura algo sagrado e prestes a se desfazer. Amanda o envolvia pelo pescoço, as mãos trêmulas fincadas nos ombros dele como se aquela pele fosse o único ponto fixo num mundo prestes a ruir.
Ela cavalgava devagar, sentindo-o inteiro dentro de si, cada deslize um arranhão na alma, cada fricção trazendo memórias, medo, arrependimento, amor. Os quadris dela dançavam num ritmo íntimo, dolorido, e Matheus a ajudava, erguendo o corpo levemente, buscando mais fundo, mais contato, mais tempo.
O suor dos dois colava seus peitos, seus abdomens, suas bocas, que se buscavam sem palavras. Ela o beijava com urgência, com culpa, com sede, e ele aceitava cada toque, cada gemido abafado, como se aquilo fosse tudo o que restava entre eles — e talvez fosse.
O olhar dela desceu, buscando o reflexo dos dois no espelho à lateral do quarto, a imagem deles marcada por uma linha tênue na superfície: a moldura da porta aberta. Naquele reflexo, Amanda se via montada sobre ele, o corpo em frenesi calmo, como uma dança ritualística, um adeus envolto em carne. Os dois olhavam juntos, entrelaçados, seus reflexos separados por uma linha invisível — uma fronteira entre o antes e o depois.
Matheus a observava com atenção crua, como se quisesse memorizar a curva da espinha dela arqueando em sua direção, os seios oscilando num compasso lento, o lábio inferior preso entre os dentes dela, tentando conter os sons do prazer. Mas não havia mais contenção. Tudo transbordava: suor, amor, dor, desejo, perda.
Ele apoiou os pés na borda da cama e a impulsionou mais forte, ajudando o movimento com as mãos espalmadas em suas nádegas. Amanda gemeu baixo, pressionando a testa contra a dele. Os narizes se tocando, os olhos cerrados, a pele colando pela umidade, pelas lágrimas silenciosas, pelo fim inevitável.
O tempo parecia suspenso, esticando-se até cada segundo do momento ser sentido com uma intensidade dolorosa. A conexão dos olhares se transformou num mergulho profundo, como se buscassem no espelho invisível à sua volta o que estava se perdendo.
E então, quando o prazer chegou ao ápice, foi lento, quase desesperador...
…Amanda arqueou o corpo, os músculos internos se contraindo ao redor dele num espasmo quente, prolongado, enquanto os dedos se cravavam na nuca de Matheus. Ela gemeu com a boca encostada na orelha dele, um som rouco, abafado, que vibrou contra sua pele como um grito contido.
Matheus apertou a cintura dela, o quadril subindo num impulso ritmado, firme, enquanto sentia o gozo dela pulsar em torno de si, molhando-o, envolvendo-o, como se o corpo dela quisesse impedi-lo de sair dali para sempre.
Ele resistiu um instante, respirando fundo, os olhos fechados, o maxilar tenso. E então se rendeu.
O orgasmo de Matheus veio como uma onda devastadora, quente, densa, seus gemidos baixos afundando contra o pescoço de Amanda, o corpo inteiro tremendo sob ela. Gozo espesso, respiração entrecortada, a pele dos dois colando com o suor — cada centímetro do outro agora cravado como cicatriz.
Amanda não se afastou. Ficou ali, sentada no colo dele, os peitos colados ao peito suado dele, os dois ofegantes. Ela ainda o segurava pelo pescoço, o rosto encostado ao dele, a respiração se misturando numa névoa quente. Ficaram imóveis por longos segundos, as contrações involuntárias se dissolvendo devagar, o prazer recuando, dando lugar ao que vinha depois: o vazio, a realidade, a inevitável perda.
O silêncio retornou. Mas agora ele pesava.
Matheus passou os dedos pelas costas dela, traçando lentamente a coluna ainda úmida, como se pudesse reter aquele momento com o toque. Amanda levantou o olhar devagar, os olhos marejados, mas secos. Olharam-se de novo, sem defesas. Sem mais perguntas.
E então, ele sussurrou. Quase sem voz, com a calma de quem já aceitou.
— Vai, eu não posso prender, o que já não está mais aqui.