No horário determinado, dois minutos a mais, o carro parou em frente à casa de Paul e Anna. Celo desceu ajeitando o blazer nos ombros, olhando para a fachada iluminada, o jardim bem cuidado e a movimentação discreta lá dentro. Música boa ainda ecoava pela noite, misturada ao som de vozes e risadas.
Ele respirou fundo, passou as mãos no cabelo e encarou a porta. Depois de um sábado desastroso, tudo o que podia fazer era entrar.
Assim que entrou, foi recebido com preocupação.
— Você veio mesmo? Já estava perdendo a esperança. O que aconteceu?
Anna o encarava, com um sorriso caloroso nos lábios. Antes que pudesse falar, se explicar, Cora soltou a bomba de veneno:
— Chegou tarde. Mari já foi. E muito bem acompanhada, por sinal.
Continuando:
Parte 28: “All By Myself, Don’t Wanna Be”*
Celo se irritou ao ouvir o comentário venenoso de Cora. Pôs um meio sorriso nos lábios, daqueles que cortam mais que qualquer resposta direta, e encarou a mulher com a calma de quem já não se abala tão fácil.
— Que bom saber, Cora. Agora posso ir dormir tranquilo … Achei que ela tivesse ido embora sozinha. — Celo respondeu, com leve ironia.
A expressão dela travou por um segundo, e Anna, percebendo o incômodo no ar, interveio com um toque sutil no braço de Celo.
— Vem, pega uma bebida, relaxa um pouco. A noite ainda não acabou.
Ele assentiu com um gesto discreto, caminhando até o bar improvisado e servindo-se de um uísque com duas pedras de gelo. O primeiro gole queimou a garganta, mas ajudou a aquecer os ossos daquela noite difícil. Celo nem sabia que Mari estaria ali, achou que estivesse afastada daqueles amigos.
Paul se aproximou, batendo de leve no ombro dele.
— Chegou atrasado pro melhor da festa, cara. — Ele disse, num tom descontraído. — Mas ainda dá pra salvar um pouco.
— É, tô vendo. — respondeu Celo, sem esconder o cansaço. — Pelo menos o bar ainda está abastecido.
A curiosidade e o ciúme falaram mais alto e Celo não conseguiu se conter.
— Paul, a Mari saiu com quem? Você conhece?
Sem motivos para omitir, Paul foi honesto:
— Ela estava com uma amiga. Acho que é Luciana, o nome. As duas saíram com meus novos sócios, André e Jonas.
Antes que Celo pudesse se frustrar ainda mais, Paul completou:
— Mas não acho que você tenha motivos para se preocupar. Se eu não estou enganado, o André é um amigo de longa data da Mari. Parece que estudaram juntos. Ele até perguntou por você …
Celo o interrompeu:
— Tranquilo, cara. Não estou preocupado. Afinal de contas, Mari pode fazer o que ela quiser. Eu só …
Chris e Giba chegaram logo depois, e por alguns minutos, trocaram piadas e comentários sobre música, futebol … papo normal de homem, o que ajudou Celo a relaxar um pouco, esquecer a frustração. Ele até ria. Um riso contido, mecânico, é verdade. Mesmo assim, um riso.
Com o tempo, a música foi diminuindo, os convidados se despedindo. A casa começava a retomar o silêncio natural das madrugadas. Celo terminou a bebida, ajeitou o blazer mais uma vez e se aproximou de Anna e Paul para se despedir.
— Obrigado pelo convite. A festa estava ótima. Só lamento ter perdido a parte boa.
Anna o abraçou com carinho, percebendo no olhar dele uma saudade que não se dizia em voz alta.
— Que bom que veio, Celo. De verdade. Desculpa pela Cora … você sabe como ela é. Quanto a Mari …
Celo a interrompeu.
— Anna, a Mari tem todo o direito de se divertir e, não se preocupe com a Cora. Eu conheço a peça. — Se voltando para Paul, apertou a mão do amigo. — Até mais, cara. A gente se fala.
— Vai com calma, irmão. — Disse Paul, sincero.
Celo saiu pela mesma porta por onde havia entrado. A brisa da madrugada o acompanhou até o carro de aplicativo que tinha chamado, onde enfim pôde soltar um suspiro longo.
Talvez aquela noite não tivesse lhe dado respostas. Mas pelo menos confirmou o que ele já sabia: ainda havia muito conflito dentro dele.
{…}
O carro seguia pelas ruas da cidade, embalado por uma playlist suave que preenchia os silêncios com delicadeza. Mari sentou-se ao lado de Jonas no banco traseiro, enquanto Luciana, ainda com o riso solto, se aninhava junto a André no banco da frente. O vidro entreaberto deixava o vento da madrugada brincar com os cabelos dela, que balançavam como se dançassem.
— Eu proponho uma coisa. — Disse André, virando-se um pouco, com os olhos brilhando mais que o normal — Que tal terminarmos a noite na cobertura onde estou hospedado com o Jonas? Nada demais, gente. É praticamente um apartamento. Tem espaço, conforto e um bar que eu mesmo reabasteci. Bem melhor do que qualquer lugar barulhento a essa hora.
Luciana reagiu com um “hummm” animado, claramente empolgada com a ideia. Mari, no entanto, desviou o olhar para a janela. Havia algo na sugestão — talvez o tom, talvez o momento — que lhe pareceu precipitado. Jonas percebeu.
— Podemos ir ao bar do hotel. — Ele sugeriu, com uma tranquilidade que soou como um gesto de respeito — Tem hora e momento pra tudo. E o bar é ótimo, mais reservado, mais ... confortável.
André se corrigiu imediatamente.
— Desculpem. Me expressei mal. Eu só quis dizer que tem uma sala enorme, uma vista linda da cidade, um bar bacana ... Achei que ficaríamos mais à vontade lá, só isso.
Mari sorriu, agradecendo silenciosamente a Jonas pelo gesto. O carro seguiu, e minutos depois os quatro atravessavam o saguão elegante do hotel, iluminado por luzes âmbar e decorado com bom gosto.
No bar, acomodaram-se em uma mesa de canto, perto de uma grande janela de vidro que mostrava a cidade quase adormecida lá fora. A música ao vivo, um duo de piano e contrabaixo, criava uma atmosfera de aconchego sofisticado. André não demorou a puxar Luciana para dançar, deixando Mari e Jonas a sós.
Ele virou-se para ela com um sorriso discreto.
— Você parece distante ... Tudo bem?
Mari demorou alguns segundos antes de responder, olhando para a taça de vinho que acabara de receber do garçom.
— Só ... pensando. Refletindo, talvez.
— Imagino que esteja passando por um momento difícil. — Disse ele, com delicadeza. — Sem querer, ouvi algumas pessoas comentando. Sobre sua separação ... espero que não ache invasivo eu mencionar.
Ela o olhou nos olhos, surpresa pela sensibilidade no tom de voz dele.
— Não acho. É só que ... ainda é tudo muito recente, e às vezes, parece que não estou vivendo, só sobrevivendo.
Jonas assentiu, compreendendo.
— Eu também me separei há pouco. — Revelou, encarando a própria taça. — Foi um casamento longo ... e instável. Momentos ótimos, outros nem tanto. A verdade é que a gente se perde, às vezes. E quando tenta se reencontrar, já não é mais o mesmo.
Mari o observava com mais atenção agora. Havia algo de reconfortante em ouvir aquela confissão tão sincera, dita com uma calma quase madura.
— É estranho ... — Disse ela. — Quando a gente se separa, não é só do outro, né? A gente se separa de tudo que imaginou ser.
— Exatamente — Respondeu ele. — Mas talvez, se a gente tiver sorte, possa descobrir algo novo. E mais verdadeiro.
Os olhos deles se encontraram por mais tempo do que antes. Do outro lado do salão, Luciana ria baixinho nos braços de André, alheia à profundidade que crescia, na conversa, ali na mesa.
E então, Mari sentiu que podia respirar diferente. Sem pressa, sem culpa. Apenas ... sendo. E aquilo, por ora, era mais do que suficiente.
A noite seguia no bar do hotel como se o tempo tivesse diminuído o ritmo. A música seguia em tom baixo, e o garçom, atento e silencioso, reaparecia, de tempos em tempos, com novos pedidos.
Mari e Jonas continuavam na mesa, imersos naquela conversa que parecia crescer por camadas. Ela já havia contado um pouco mais sobre os filhos, sobre a dificuldade de manter o equilíbrio depois da separação, sobre o quanto ainda se pegava tentando entender onde tudo se desfez.
— Às vezes eu me pergunto porque as coisas são tão frágeis … — Disse ela, com a franqueza que só o vinho e o cansaço da alma permitiam.
Jonas não respondeu de imediato. Ele a observava com interesse e respeito, como quem vê alguém despir o coração aos poucos.
— Eu acho que só quem ama tenta resistir tanto. — Disse ele, por fim. — O problema é quando só um tenta. Quando o outro já foi embora há muito tempo, mas continua ali ... de corpo presente.
Mari assentiu em silêncio, percebendo que Jonas sabia mais do que dava a entender. Sentia-se exposta, mas acolhida. E havia algo no olhar dele que era diferente. Não de quem queria invadir, mas de quem oferecia um espaço seguro para o desabafo.
Foi então que, em um breve instante de distração, ela olhou ao redor e percebeu a pista de dança deserta. Luciana e André não estavam mais lá.
— Eles sumiram. — Disse, com um sorriso enviesado. — Acho que aceitaram bem a sugestão da suíte.
Jonas deu uma risada contida, sem surpresa.
— Os dois estavam dançando como se o mundo já tivesse acabado. Acho que fizeram a escolha certa ... para eles.
Mari ergueu a taça, brindando com o olhar:
— Liberdade tem dessas coisas.
Jonas encostou o corpo um pouco mais na mesa, diminuindo a distância entre os dois.
— E você? Vai deixar a noite acabar aqui?
O tom era provocativo, mas não agressivo. Era mais sugestão do que convite.
Mari sustentou o olhar. Sentia o calor do vinho, o cansaço do dia, mas também a leveza rara de estar em um lugar onde ninguém esperava nada dela, mas ficou em silêncio.
— Mari ... — Jonas disse, com a voz baixa. — Eu gosto de conversar com você. Gosto da sua clareza, da sua presença. Mas quero ser honesto ... quero que saiba que estou aqui, disponível, se você me aceitar.
Mari mordeu o lábio inferior, surpresa com a franqueza. Jonas esperou a resposta, mas não pressionou. Apenas manteve os olhos nos dela, firmes, intensos.
Ela respirou fundo. Pensou em tudo. Nos últimos dias, na dor, no reencontro com Celo, no vazio que ficou, e também na necessidade — não de tapar buracos, mas de sentir-se viva. E, por um segundo, considerou não dizer nada. Apenas levantar-se da cadeira e decidir com o próprio corpo. Mas ainda não estava pronta.
Mari sustentou o olhar dele por alguns segundos. A sinceridade veio carregada de desejo, mas também de pressa. Não era vulgar, mas parecia impaciente. Era cedo. Cedo demais.
Ela respirou fundo, descansando a taça sobre a mesa antes de responder.
— Jonas ... eu gosto da sua companhia. De verdade. Gosto de como você me escuta, de como conversa. É raro isso. — Ela fez uma pausa, com o olhar mais brando. — Mas a verdade é que eu ainda estou me encontrando no meio do caos que virou minha vida. Não sei se estou pronta para abrir novas portas ... ainda estou fechando algumas. E nós acabamos de nos conhecer.
Jonas escutou sem interromper. O sorriso que se desenhou em seu rosto não era de frustração, mas de compreensão.
— Justo. — Respondeu, com um leve aceno de cabeça. — Respeito isso. E, pra ser honesto, já vale a pena estar aqui com você. Mesmo que seja só para conversar. Mesmo que seja só hoje.
Mari sorriu, tocada pela maturidade da resposta. A gratidão por ele não pressioná-la a fez relaxar um pouco mais.
— Só hoje ... ou quem sabe outros dias. — Disse ela, com uma leveza inesperada.
Jonas se inclinou suavemente, e dessa vez, não perguntou. Apenas se aproximou devagar, esperando qualquer sinal dela. Mari não recuou. Os lábios se encontraram num beijo lento, contido, mais sobre intenção do que sobre desejo. Um beijo sem promessa, sem urgência. Um único beijo.
Quando se afastaram, os olhos de Jonas diziam o que ele nem precisou verbalizar:
— Foi bom.
— Foi só um beijo … — Disse ela, sorrindo, como se avisasse a si mesma.
— E eu vou guardá-lo com carinho. — Respondeu ele, descontraído.
Eles pediram mais um drink. Conversaram sobre livros, filmes antigos, bobagens e silêncios. Riram. E por alguns instantes, Mari se sentiu leve. Não estava curada, nem inteira, apenas viva. E era um começo.
Já passava das três da manhã quando Jonas pagou a conta e se ofereceu para levá-la em casa. No caminho, o rádio tocava alguma canção suave, e nenhum dos dois sentiu a necessidade de quebrar o silêncio com palavras.
Ao chegar, Mari agradeceu e, antes de sair, se inclinou para deixar um beijo rápido no rosto dele.
— Boa noite, Jonas. Obrigada por ser gentil.
— Boa noite, Mari. Obrigado pela companhia hoje.
Ela sorriu e entrou, e só então ele deu partida. Sem pressa. Sem expectativa. Mas com esperança.
Nas semanas que se seguiram, Mari e Jonas mantiveram o contato. Começou com uma troca de mensagens despretensiosa, memes, dicas de filmes, uma receita aqui, uma provocação ali. Depois vieram os encontros: um jantar informal num restaurante discreto, uma sessão de cinema no meio da semana, caminhadas no parque, risadas num barzinho de jazz numa noite chuvosa.
Eles não falavam sobre “nós”. Nem precisavam. A leveza do que estavam construindo dispensava rótulos. Mari ainda estava em reconstrução, e Jonas parecia compreender isso melhor do que ela mesma. Ele aparecia com naturalidade, como quem não queria invadir, apenas estar. E ela, aos poucos, ia deixando ele entrar. Devagar, com os pés no chão e o coração ainda em guarda.
Em um sábado à tarde, foram juntos a uma feira de livros usados e saíram de lá com sacolas cheias e os dedos manchados de tinta. Em outro dia, Jonas a surpreendeu com ingressos para uma peça de teatro que ela queria ver fazia tempo, mesmo que ele não soubesse. Nenhuma declaração, nenhuma cobrança, apenas gestos simples, que se acumulavam como tijolos de uma construção sutil.
À noite, quando voltava pra casa depois desses encontros, Mari sentia algo diferente. Não era paixão, nada avassalador, nem euforia juvenil. Era uma sensação de paz. De estar sendo respeitada no tempo, no espaço e nos silêncios.
E assim, entre goles de vinho, conversas no banco da praça, cafés estendidos pela madrugada e algumas confidências trocadas no carro parado na porta de casa, a amizade entre eles ganhava contornos mais íntimos. Ainda sem nome, ainda sem planos, mas cada vez mais presente.
O cheiro de café recém-passado preenchia a cozinha, misturando-se ao aroma suave de pão quentinho. Um café da tarde, em família. Mari observava os filhos sentados à mesa enquanto colocava duas xícaras sobre o balcão. Os últimos raios de sol da tarde atravessavam a janela, dourando o ambiente com uma tranquilidade aparente. Mas dentro dela, tudo fervia em silêncio.
Daniela mastigava o pão devagar, distraída com o celular. Diego lia as mensagens no próprio aparelho, mas ao perceber o olhar da mãe pousado nele com uma hesitação delicada, ergueu os olhos.
— Tá tudo bem, mãe?
Mari respirou fundo. Enrolava a ponta da manga do casaco com os dedos, como fazia quando tentava encontrar as palavras certas.
— Diego ... — começou, a voz calma, mas com algo prestes a romper — Como está o seu pai?
Ele se virou para ela, deixando o celular de lado com respeito.
— Sai do escritório há pouco, ele estava bem. Por quê?
Mari mordeu o lábio inferior, depois disfarçou com um gole de café.
— Só ... queria saber como ele está. Se anda bem.
Diego observou a mãe por um instante, entendendo o que estava por trás daquela pergunta simples.
— Ele … vai viajar de novo. Acho que amanhã após o almoço. Disse que precisava de uns dias naquele lugarzinho que ele gosta, sabe? Aquela cidade pequena onde ele sempre vai quando quer silêncio. Falou que estava se sentindo meio sobrecarregado. Que precisava pensar.
O silêncio ficou suspenso por alguns segundos.
Mari apenas assentiu, mas os olhos se perderam num ponto da parede. Como se, de repente, tudo tivesse feito sentido. Como se a peça que faltava finalmente tivesse se encaixado. Ela pousou a xícara na pia, lavou as mãos de forma quase automática e enxugou-as no pano com movimentos firmes.
— Mãe? — Diego chamou, um pouco confuso com a mudança súbita de energia no ar.
Ela virou-se para os filhos, os olhos agora determinados, a expressão serena e ao mesmo tempo resoluta.
— Eu preciso ir atrás dele. Preciso conversar com o seu pai ... Não dá mais para esperar. Acho que vou até ele amanhã. Acho que lá seria um ótimo lugar para uma conversa sem interrupções, só eu e ele.
Daniela ergueu os olhos, surpresa, esperançosa. Diego a encarou em silêncio por um momento e, ao ver que não era impulso, mas decisão, apenas se ofereceu.
— Quer que eu te leve?
Mari sorriu, com um carinho que vinha do fundo do peito.
— Não. Eu mesma dirijo. É algo que eu preciso fazer sozinha.
Mari passou os olhos pela cozinha mais uma vez, como se fixar o ambiente ajudasse a firmar o que sentia por dentro. Depois de contar aos filhos sua decisão de procurar Celo, respirou fundo e completou:
— Mas isso é para amanhã. Hoje à noite eu tenho um compromisso.
Diego e Daniela trocaram um olhar cúmplice. Ela notou, mas não comentou. Apenas subiu as escadas com passos firmes.
No quarto, abriu o guarda-roupa com calma. Nada muito chamativo. Optou por uma calça jeans, uma blusa de seda cor creme com decote discreto, sapatos baixos em tom nude e um blazer leve jogado sobre os ombros. Prendeu os cabelos num coque baixo e soltou alguns fios ao redor do rosto. Discreta, mas impecável. O batom suave deu o toque final.
Quando desceu, Diego, sentado no sofá, soltou um assovio contido.
— Uau. Tá bonita, mãe.
Mari sorriu, feliz.
— É só um jantar com amigos.
— Certo. Divirta-se. — Disse ele, cético, mas respeitoso. Daniela apenas levantou o polegar, num joinha cúmplice.
Mari pegou a bolsa, deixou um beijo na cabeça de cada um e saiu.
O trânsito estava calmo, e ela chegou rapidamente ao seu destino, a casa de Anna e Paul.
O clima era leve, acolhedor. A mesa posta com cuidado, velas acesas, música ambiente suave. Fabi e Chris estavam sentados próximos, em clima íntimo. Cora e Giba, entre risos e provocações, pareciam mais soltos do que nunca.
— Que bom te ver, Mari. — Disse Anna, abrindo a porta com um abraço. — Você tá linda.
— Obrigada pelo convite.
O jantar correu leve, com conversas amenas, risos e nenhum assunto polêmico. Paul estava especialmente animado, servindo vinho e contando histórias engraçadas de bastidores do trabalho.
Mas foi pouco depois da sobremesa, enquanto todos saboreavam um licor artesanal, que a campainha tocou. Paul foi atender e retornou minutos depois com Jonas e André.
— Desculpem a intromissão. Surgiu uma urgência daquelas e eu precisava alinhar com o Paul o quanto antes. — Explicou André, simpático, já abrindo um sorriso largo para cumprimentar todos.
Jonas, logo atrás, não perdeu tempo.
— Mas que sorte a nossa, encontrar esse grupo maravilhoso ... — Disse, os olhos parando em Mari por um segundo a mais. — E você está especialmente encantadora esta noite, Mari.
Mari agradeceu com um sorriso contido, consciente do olhar de Anna sobre ela.
— Não vamos atrapalhar. É rápido. A gente só precisa de uns quinze minutos. — Disse André, seguindo Paul e Jonas para o escritório.
— Se for só quinze, então quero ver mesmo. Porque com vocês três no mesmo cômodo, isso vira seminário. — Brincou Giba.
As risadas ecoaram e, em minutos, as portas do escritório se fecharam.
Mari permaneceu com a taça de licor nas mãos, os pensamentos dispersos. Apesar da leveza do jantar, a visita inesperada trouxe um desconforto sutil. Não pela presença de Jonas — ele estava sendo respeitoso, quase comedido — mas pelo lembrete constante de que escolhas estavam batendo à sua porta. E que a noite seguinte, inevitavelmente, traria respostas que talvez ela não estivesse pronta para ouvir.
Com os homens imersos numa conversa sobre campanhas, clientes e novidades do mercado, o canto da sala se tornou um refúgio só delas. Chris e Giba já haviam deslizado para o sofá da varanda, rindo de algo bobo. No interior da casa, entre taças de licor e luz suave, Mari, Anna, Fabi e Cora se acomodaram na sala de visitas.
Anna foi direta, mas com o cuidado de quem sabe navegar por assuntos espinhosos.
— Tenho visto você mais leve, Mari. E ouvi por aí que tem saído com o Jonas ...
Mari riu baixo, mas não fugiu.
— “Saído” é uma palavra forte. Temos nos encontrado, sim. Alguns jantares, uns drinks, cinema. Mas é só isso mesmo.
Anna estava curiosa.
— Só amizade?
Mari assentiu, firme.
— Sim. E mesmo que não fosse, eu ainda não ... — Mari pausou, procurando as palavras — … ainda não posso me abrir de verdade pra algo novo sem saber se não estou deixando algo inacabado para trás.
Fabi observava em silêncio, respeitosa. Cora, por outro lado, não se conteve.
— Tá falando do Celo, né?
Mari a olhou, não em reprovação, mas com a aceitação de quem já sabia que a pergunta viria.
— Tô, sim.
As três se entreolharam. Anna apoiou a mão sobre a dela, num gesto de apoio silencioso. Mari respirou fundo e então disse, com serenidade:
— Amanhã eu vou atrás dele. Meu filho me contou que ele vai passar uns dias naquela cidadezinha onde costuma se esconder do mundo ... e de si mesmo. Achei que seria o lugar ideal pra gente ter aquela conversa que ficou pendente. A definitiva. Não dá mais pra empurrar com a barriga. A gente precisa resolver isso ... de verdade.
Por um instante, todas ficaram em silêncio, como se respeitassem o peso da decisão. Mas Cora não conseguiu esconder um sorrisinho maroto que escapou no canto da boca.
— O que foi, Cora? — Perguntou Fabi, notando.
— Nada ... — Cora respondeu, ainda sorrindo, olhando para Mari. — É que ... sei lá. Eu sempre imaginei que essa história de vocês dois ainda tinha um novo capítulo para ser escrito. Só espero que não seja drama demais. — Ela piscou, provocando.
Mari não queria confronto, estava leve. Ela apenas riu.
— Cora, por favor ...
Anna balançou a cabeça, divertida com a amiga falastrona, mas depois encarou Mari com doçura.
— Seja qual for o desfecho, que ele traga paz pra você. Você merece isso.
Mari agradeceu em silêncio, com um sorriso contido e um brilho nos olhos. O que viria no dia seguinte ainda era uma incógnita, mas ao menos, o caminho estava traçado.
{…}
Algum tempo antes, de volta ao final da festa na casa de Paul e Anna:
O carro avançava pelas ruas quase desertas da cidade, iluminadas apenas pelos postes espaçados e o farol amarelado dos poucos veículos que cruzavam a madrugada. Celo recostou a cabeça no encosto, o olhar perdido na janela embaçada pela respiração. A mão ainda segurava o celular, mas a tela já estava apagada havia minutos.
Ele não sabia ao certo o que doía mais: o comentário venenoso da Cora, a surpresa ao descobrir que Mari estava na festa … ou a confirmação de que ela talvez já estivesse mesmo seguindo em frente.
Cora tinha contado o básico. Com que intenção, ele não sabia. Se por interesse próprio, ou apenas para tirá-lo do escuro.
"Jonas", Celo repetiu mentalmente. O nome ecoava com um peso que ele não queria admitir. E André. Dele ele lembrava. Um daqueles amigos de faculdade, dele e da Mari, o tipo que sempre sorria demais, gentil demais. Celo nunca teve nada contra o cara, mas agora, tudo nele o incomodava. Como se, de repente, qualquer homem próximo demais da Mari fosse uma ameaça silenciosa àquilo que ele mesmo deixara escorrer por entre os dedos.
Suspirou, longa e profundamente. Não havia com quem brigar. Nem motivos para cobrar. Foi ele quem se afastou. Ele quem silenciou quando precisava falar. Ele quem desistiu primeiro, precisa se testar, entender do que era capaz, se era suficiente. Ainda que o coração não tenha assinado aquele acordo.
O carro virou a última esquina antes do prédio. A madrugada estava morrendo, mas dentro dele, o vazio só crescia. Ao descer, agradeceu ao motorista com um aceno breve e entrou no edifício com passos lentos. O elevador subiu devagar, como se soubesse que a pressa não mudaria nada.
Dentro do apartamento, o silêncio o abraçou de novo. Tirou o blazer e o largou sobre a cadeira. Passou pela sala apagando as luzes, caminhou até a cozinha e bebeu um copo d’água. Olhou ao redor. Tudo no lugar. Tudo frio.
Celo parou diante da janela da sala, imaginando o antigo lar, onde às vezes Mari ficava olhando seu jardim à noite, abraçada a uma manta, com uma xícara nas mãos. Sorriu por dentro. Um sorriso triste, nostálgico, cheio de lembranças que ardiam no peito.
Ela podia, agora mesmo, estar com alguém novo. E ele não podia reclamar. Não tinha esse direito. Foi ele quem abriu a porta. Quem se distanciou até que a ausência virasse rotina. Quem ergueu muros ao redor de si e depois se assustou ao ver Mari do outro lado.
Mas, ainda assim ... doía.
Doía imaginar outro homem fazendo ela rir. Doía pensar nela se arrumando para alguém que não fosse ele. Doía, mesmo sabendo que era justo.
Celo passou a mão pelos cabelos, frustrado. Pensou em mandar uma mensagem. Em ligar. Em dizer qualquer coisa. Mas não fez nada. Guardou o celular na gaveta do criado mudo, fechou-a com firmeza e foi em direção a cama.
Ali, no escuro do próprio silêncio, se deitou na cama vazia. Os olhos demoraram a fechar. E, quando finalmente se renderam, o nome dela ainda ecoava dentro dele como uma prece maldita: Mari.
Os dias que seguiram foram uma mistura de rotina e silêncio. Celo mergulhou no trabalho como quem tenta calar os ruídos internos com produtividade. Reuniões, apresentações, planilhas … tudo com precisão cirúrgica. Era mais fácil lidar com números e metas do que com sentimentos mal resolvidos.
Durante um almoço rápido, enquanto Diego programava habilmente, Celo o observou por um momento, aproveitando aquele instante.
— E aí, como está a sua mãe? — Perguntou casualmente, enquanto mexia o café na xícara. — Tá tudo certo por lá?
Diego olhou para o pai sem suspeitar de nada. Apenas deu de ombros.
— Tá bem, acho. Ela anda meio calada, mas isso é normal quando ela tá pensando muito. Às vezes sai, às vezes fica em casa vendo série, cuidando do jardim … nada demais.
— Entendi. — Celo assentiu, mantendo a neutralidade no tom. — Qualquer coisa, você avisa, tá? Só pra eu saber que tá tudo certo.
— Pode deixar.
O filho voltou sua atenção para o trabalho, sem desconfiar que, por trás daquela pergunta inocente, havia uma ansiedade que o pai disfarçava com maestria. Ele não queria parecer invasivo, muito menos levantar suspeitas sobre seus próprios sentimentos. Mas era inevitável, a dúvida o roía por dentro.
Naquela tarde, enquanto respondia e-mails no notebook, o celular vibrou. Notificações de mensagens. Cora. De novo, insistente.
“Você sumiu, hein … Pensei em te chamar pra tomar um vinho. Dizem que ajuda a esquecer certas coisas …”.
Celo leu e respirou fundo. Não queria ser grosseiro, mas também não estava interessado em alimentar qualquer expectativa.
“Oi, Cora. Obrigado pelo convite, mas essa semana tá corrida. Quem sabe numa próxima?”.
Minutos depois, mais uma mensagem dela:
“Tá bom, vou fingir que a resposta foi ‘talvez’. Quem sabe, um dia, não muito no futuro, você leve a sério as minhas intenções”.
Ele não respondeu. Mais tarde, já no fim daquele expediente de sexta-feira, outra notificação. Um nome que ele pensou já ter desistido: Vicente.
“Fala, sumido. Que tal sair um pouco da toca? Vai rolar um evento massa amanhã. Só para convidados. Gente fina, ambiente exclusivo. E mulher, claro. Não vai faltar”.
Celo sorriu, já imaginando o tom debochado da voz de Vicente. No fundo, devia a ele. Por bem ou por mal, ele foi a “ponte” que Celo usou para chegar ao outro lado da vida.
“Que tipo de evento é esse?”. — Respondeu.
“A inauguração da nova casa de swing de um bom amigo, o Otávio. Discrição total, gente interessante, clima leve. Sem pressão, sem compromisso. Só diversão. Quero que você vá. Otávio também precisa de ajuda profissional, na sua área”.
Celo ficou alguns segundos olhando a tela, ponderando. Parte dele queria dizer não, como sempre. Mas outra parte, aquela que tentava abafar a saudade, o orgulho ferido e o ciúme disfarçado, achava que talvez um pouco de distração não fosse má ideia.
“Manda o endereço”.
Vicente comemorou.
“Aí sim … Botei fé. Vai por mim, será uma noite incrível”.
Mesmo sem muitas expectativas, ainda pensando em Mari, Celo dormiu melhor naquela noite.
O sábado foi tranquilo. Celo acordou sem pressa, tomou um café reforçado, organizou algumas coisas no apartamento e passou boa parte do dia resolvendo pendências simples do trabalho. Leu, cochilou um pouco no sofá, e evitou pensar demais. Quando o sol começou a cair, soube que era hora de se preparar.
Optou por algo sóbrio, mas com presença: uma camisa preta de linho bem cortada, calça jeans escura e sapato casual. Um leve toque de perfume amadeirado, barba bem aparada e cabelo arrumado sem exagero. Queria estar à altura, sem parecer que estava tentando demais.
O local era uma antiga mansão discreta nos arredores da cidade, convertida em espaço comercial. Fachada elegante, portão alto, iluminação planejada para manter a discrição e criar um clima quase cinematográfico. A casa tinha um ar moderno, com arquitetura que mesclava vidro, madeira e concreto polido. Na entrada, um segurança conferia os nomes na lista, e ao encontrar o de Celo, apenas sorriu e abriu caminho.
Vicente já o esperava no hall interno, de copo na mão e sorriso largo.
— Achei que fosse dar pra trás. Ainda bem que veio. — Disse, batendo levemente no peito de Celo com o dorso da mão. — Vem, quero te apresentar pro Otávio.
Atravessaram um corredor amplo até uma sala mais reservada, onde o dono da casa os aguardava cercado por três belas mulheres em trajes elegantes e ousados. Otávio era um homem de meia-idade, pele bronzeada, em forma, cabelos grisalhos bem cuidados e aquele olhar de quem já tinha visto muita coisa, e ainda queria ver mais.
— Esse é o Celo, o cara de quem te falei. Especialista em segurança digital. Confiável, discreto e brilhante. — Vicente os apresentou.
Otávio levantou-se para cumprimentá-lo com firmeza.
— Se o Vicente confia, então você já tem meio caminho andado. Estou investindo pesado nessa casa. Preciso de um sistema de segurança à prova de escândalos. Câmeras, controle de acesso, blindagem de dados. Quero que cada pessoa que entrar aqui saiba que o sigilo é absoluto.
Celo sorriu, profissional.
— Podemos conversar melhor na segunda. Te mostro um projeto completo. Vai gostar do que eu tenho.
— Fechado. — Respondeu Otávio, satisfeito. — Agora, vai aproveitar a festa. Hoje é dia de relaxar.
O ambiente era uma mistura de luxo e sensualidade. Luzes suaves em tons rubros e dourados, móveis confortáveis, trilha sonora envolvente. Na pista de dança, casais se divertiam despreocupados, enquanto mulheres solteiras, elegantes e provocantes, dançavam com olhares sugestivos. Clima de liberdade no ar. Desejo pairando como perfume.
Celo pegou um whisky no bar e observou por alguns minutos. Sem pressa. Apenas absorvendo a atmosfera. Foi então que viu Vicente sorrir e erguer a mão para cumprimentar duas jovens mulheres que se aproximavam: Bruna e Raíssa.
Bruna usava um vestido justo, vermelho, maquiagem impecável. Raíssa estava deslumbrante num vestido preto que realçava suas curvas com elegância. Ambas traziam aquele olhar de quem sabia exatamente onde estavam e o que queriam.
Bruna o reconheceu primeiro.
— Olha só quem apareceu. — Disse, seca, mas com um sorriso irônico nos lábios.
Celo sorriu de volta, educado, mas com uma ponta de ironia nos olhos.
— Bruna. Raíssa. Boa noite.
O passado veio à mente como um flash rápido. A noite frustrada com Bruna … e, pior, os comentários que ela fez na manhã seguinte: “Da próxima vez, escolhe um cara com mais energia. Mas, se não tiver energia, pelo menos, que seja criativo. Ele é bonito, tem aquele jeito misterioso ... mas é bem devagar”.
E ali estava ela, de novo, com aquele mesmo tom de superioridade. Mas o foco dele se deslocou, uma ideia surgindo em sua mente. Raíssa sorriu com mais leveza, os olhos demorando-se um segundo a mais nos dele. Tinha algo diferente ali. Talvez a forma como ele se portava agora. Mais firme. Mais homem.
— Cê tá bem diferente da última vez que o vi. — Comentou Raíssa, num tom quase íntimo.
— Espero que pra melhor. — Respondeu Celo, devolvendo o olhar.
Vicente se afastou discretamente, puxado por uma loira exuberante. Bruna foi cumprimentar outras pessoas. Celo ficou ali, ao lado de Raíssa, sentindo o jogo virar.
— Quer dançar? — Ela perguntou, já esperando a resposta.
Ele estendeu a mão com firmeza. O orgulho ferido tinha ficado no passado, mas já que a oportunidade se oferecia, por que recusá-la?
A pista os recebeu com uma música envolvente, e, ao contrário da última vez com Bruna, ele conduziu Raíssa com atitude e determinação. Trocavam olhares, sorrisos, toques sutis que aumentavam o calor. Era mais do que vaidade. Era reparação.
Vendo que sua intuição estava correta, que todos tem um dia ruim de vez em quando, Raíssa se inclinou para sussurrar no ouvido dele:
— Você realmente mudou …
Celo apenas respondeu, com voz baixa e segura:
— Talvez a parceira não tenha sido a certa.
A música trocou para algo mais lento, com batida envolvente. Celo e Raíssa dançavam perto, os corpos alinhados, mas ainda respeitando uma distância mínima que servia apenas para alimentar a tensão.
— Você sempre foi assim ou andou fazendo algum curso intensivo de charme? — Ela perguntou, com um sorriso curioso.
Celo inclinou o rosto levemente, os olhos presos nos dela.
— Sempre fui assim. Só precisava lembrar quem eu era.
Ela riu, leve, interessada, e mordeu o canto do lábio. Seu olhar dançava entre o rosto e a boca dele.
— Então quer dizer que aquela versão ... travada da última vez ... era só distração?
— Aquela versão era um homem confuso, tentando agradar. Esse aqui ... — Ele disse, deslizando a mão pela cintura dela até o quadril, sem pressa — … só quer viver o momento. Com a mulher certa.
Raíssa inspirou fundo, quase imperceptível, e deixou que o toque dele ficasse um pouco mais longo. O jeito como ele falava, firme, mas suave, mexia com ela mais do que esperava.
— E como você sabe que eu sou a mulher certa?
Celo se aproximou mais, o rosto a centímetros do dela, e respondeu com a voz baixa, quase em tom de segredo:
— Porque você está aqui ... ainda dançando comigo ... quando poderia estar com qualquer um desses caras que estão te olhando como se você fosse um prêmio. Você escolheu ficar. E eu já escolhi errado uma vez.
Ela fechou os olhos por um segundo, saboreando a resposta, deixando que ela acariciasse seu ego.
— E agora? Vai continuar jogando charme até a noite acabar?
— Não. — Celo sorriu com um toque de provocação. — Agora vou fazer só o necessário ... pra te deixar querendo mais.
Raíssa soltou uma risada baixa, sem disfarçar o encantamento. Colocou a mão no peito dele, sentindo a firmeza do corpo sob a camisa.
— Você definitivamente não é o mesmo cara daquela noite, Celo.
— Ainda bem. Você merece mais do que um cara inseguro. Merece alguém que te veja ... e te faça sentir exatamente como você merece.
Ela manteve os olhos presos nos dele por alguns segundos. Nenhum dos dois piscava. Nenhuma palavra desnecessária. Só o clima crescente.
Até que Raíssa se aproximou do ouvido dele e sussurrou, com voz rouca e firme:
— Vamos subir?
Ele não respondeu de imediato. Apenas olhou fundo nos olhos dela, passou a mão de leve por sua nuca, e disse:
— Se for com você ... agora.
Ela o puxou pela mão com um sorriso malicioso, atravessando o salão com passos lentos, mas decididos. Olhos curiosos, e até um olhar ressentido, acompanhou os dois escada acima. Atrás deles, a música, os sorrisos, as danças e os olhares continuavam, mas Celo e Raíssa já estavam em outra frequência. A da entrega.
A cabine da casa de swing era pequena, com paredes revestidas de veludo vermelho e uma cama de casal no centro. A luz fraca, quase sensual, criava sombras que dançavam ao ritmo de suas respirações. Raíssa sentiu o coração acelerar quando Celo fechou a porta atrás deles, trancando-os em um mundo onde só existiam os dois.
Celo se aproximou, sem pressa, cada movimento calculado para aumentar a expectativa. Ele colocou as mãos nos ombros dela, empurrando-a suavemente contra a parede.
— Você é uma delícia, sabia? — Ele completou o movimento com um beijo calmo, seguido de uma mordidinha leve nos lábios dela.
Raíssa sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele começou a beijá-la. Eram beijos intensos, de domínio, que a fazia sentir-se pequena, submissa. Seus lábios eram firmes, exigentes, como se estivessem reivindicando algo que já era dele. Raíssa tentou retribuir, mas Celo a segurou pelo queixo, impedindo-a de tomar o controle.
— Não. Você apenas obedece.
Ela fechou os olhos, respirando fundo e deixou que ele a guiasse. Celo deslizou as mãos por seu corpo, sem pressa, como se estivesse mapeando cada curva, cada detalhe. Seus dedos já eram hábeis, sabiam onde tocar para provocar arrepios, onde pressionar para despertar suspiros. Raíssa sentiu-se derreter sob suas mãos, como se seu corpo não pertencesse mais a ela, mas a ele.
— Retira o vestido — Ele ordenou, a voz baixa, mas inquestionável.
Raíssa obedeceu, sentindo o tecido deslizar por suas pernas até se acumular em seus pés. Ela estava apenas de lingerie, e a vulnerabilidade a fez corar, mas Celo não permitiu que ela se escondesse. Ele a puxou de volta contra a parede, as mãos agora explorando a pele nua.
— Você é linda, Raíssa. E hoje, você é minha.
Ele a beijou novamente, mas desta vez foi diferente. Era um beijo mais possessivo, que a fazia sentir-se completamente entregue. Celo a levantou, segurando-a pela cintura, e a levou até a cama. Raíssa sentiu o colchão ceder sob seu peso, mas não teve tempo de se acostumar antes que ele a deitasse, posicionando-se sobre ela.
— Não se mexa. — Ordenou, e Raíssa obedeceu, mesmo que seu corpo implorasse por mais.
Celo começou a despi-la da lingerie lentamente, como se estivesse desembrulhando um presente precioso. Cada peça de roupa íntima removida era acompanhada por um suspiro, um gemido contido que revelava sua crescente excitação. Quando ela estava completamente nua, ele a observou por um momento, como se admirasse uma obra de arte.
— Perfeita … — Celo murmurou, antes de se inclinar e beijar seus seios, as mãos deslizando pelas curvas de seu corpo.
Raíssa gemia baixinho, à mercê de suas mãos e boca. Celo sabia exatamente onde tocar, como tocar, e ela se entregava completamente, sem reservas. Ele a beijou, a lambeu, a saboreou, explorando cada centímetro de sua pele. E quando finalmente se posicionou entre suas pernas, Raíssa sentiu o coração disparar. Era hora de ser mais direto e definitivo.
— Vou te foder com força, putinha. Essa bucetinha delicada merece ser bem fodida.
Raíssa chegou a revirar os olhos, estimulada pela dominância natural, sem ser forçada, que Celo exercia.
Sem mais palavras, Celo se enfiou entre suas pernas, beijando a parte interna das coxas, deixando a ponta da língua correr de um lado para outro. Deu um beijo estalado no clitóris, uma sugada mais forte, e só então começou a lamber com mais intensidade, com a pressão calculada, indo e voltando, subindo e descendo, chupando os grandes lábios, voltando ao grelo … Raíssa já estava agarrada em seu cabelo, gemendo e implorando.
— Bem aí … Ahhhhh … que isso … hummm … Não para … bem assim … Ahhhh …
Celo aumentou a pressão, chupando de cima a baixo, por toda a extensão da xoxota, voltando enfim a se concentrar no grelinho.
— Puta que pariu … que delícia … mete esse pau em mim … por favor … fode minha buceta …
Raíssa é do tipo “mais ação, menos preliminar”. Adora uma pica dura socando fundo dentro dela. Ela mesmo pegou o preservativo e entregou para ele.
— Coloca em mim … com a boca. — Celo exigiu.
Ela apenas se posicionou, abrindo a embalagem do preservativo, tirando a calça e a camisa dele, liberando o membro duro e pulsante. Antes, enfiou a pica quase toda na boca, chupando com devoção. A bucetinha piscava de tesão e ansiedade. Num movimento rápido, que ela dominava bem, prendendo a base do preservativo com os lábios, deixou que se desenrolasse perfeitamente na rola. Sentiu a cabeça do pau pressionando o fundo de sua garganta e quase engasgou.
Celo já estava plenamente ciente de sua imposição, cansado de atuar, era hora de finalizar o show. Nada de preliminares longas, de perda de tempo … queria dominar, deixar que Raíssa falasse por ele, desfazendo a má impressão que ficou daquela transa com Bruna.
— Tá pronta pra mim? — Celo enfiou dois dedos na buceta dela. — Parece que sim.
Os dedos dele chegavam a pingar, tamanha era a lubrificação.
Raíssa assentiu, sem conseguir falar, e Celo entrou nela devagar, dando a ela tempo para se acostumar. Mas Raíssa queria mais. Ela queria tudo.
— Mais rápido. Mais forte. Mete tudo. — Ela implorou, e ele sorriu maliciosamente.
Celo começou a se mover, do jeito que ela pediu, com intensidade, mas sem ser bruto. Era uma dominação inteligente, calculada. Cada estocada era profunda, mas controlada, ditando o ritmo, guiando-a para onde ele queria que ela fosse. Raíssa se sentia completamente entregue, seu corpo respondendo a cada movimento dele, cada toque, cada beijo.
— Que buceta apertada, gostosa. — Ele gemeu, enquanto acelerava o ritmo. — Tu é um tesão, mulher.
Ela não conseguiu responder, perdida em um turbilhão de sensações. Celo a conduzia com carinho, mas com a força necessária para deixar marcado na memória, e ela se deixava levar, confiando nele completamente.
Ele a beijava, a segurava, a dominava, estocava com intensidade, tirava o pau quase todo, e voltava a penetrar num movimento único, profundo, que arrancava gemidos cada vez mais altos.
— Mete … mete mais … Ahhhhh … mete que eu vou gozar …
Celo arriscou, dando um tapa com a força bem medida em seu rosto. Sem força para machucar, mas na medida certa para a buceta reagir a sensação, “mordendo” seu pau.
— Bate que eu gamo de vez … Ahhhh … assim é covardia … de novo, mais …
Celo repetiu o gesto, tapas seguido de um leve enforcamento, intercalando com estocadas mais lentas, mas demorando mais a retirar o pau de dentro.
— Que gostoso … não para … tá vindo … Ahhhhhh …
Mas, quando ela estava prestes a atingir o clímax, Celo parou.
— Não ainda. — Ele disse, e Raíssa sentiu frustração, mas também, desejo.
Ele a virou, colocando-a de quatro, e Raíssa entendeu. Celo queria mais. Ele queria tudo. E ela, sem hesitar, se entregou.
Ele recomeçou com mais força, mais intensidade. Raíssa sentia cada movimento, cada estocada, cada tapa estalado nas nádegas, como se seu corpo estivesse sendo consumido por ele. Ela gemia, gritava, sem se importar com quem poderia ouvir. Celo a segurava pelos quadris, ditando o ritmo, e ela se deixava levar, completamente submissa ao seu domínio.
Raíssa sentiu o orgasmo se aproximando, inevitável, e desta vez, Celo não a parou. Ele a levou até o limite, e quando ela finalmente atingiu o clímax, ele a seguiu, seu corpo se tensionando enquanto ele a preenchia completamente. Por alguns momentos, só houve silêncio, exceto pelas respirações ofegantes. Celo a puxou para si, deitando-a de lado, e Raíssa sentiu-se protegida em seus braços.
Mas aquele não era um local para romance e Celo tinha conseguido cumprir o objetivo que planejara de supetão, ao reencontrar Bruna. Era hora de Raíssa fazer a parte dela e se gabar para a amiga. O orgulho de Celo seria devidamente restaurado.
Se arrumaram e desceram juntos, rindo e brincando um com o outro. As luzes baixas da casa de swing lançavam reflexos dourados nos degraus enquanto Celo e Raíssa desciam lado a lado. Ela, ainda com o brilho nos olhos e o sorriso bobo no rosto, se apoiava suavemente no braço dele, se sentindo segura, satisfeita … conquistada. A expressão de prazer recém-vivido ainda estava ali, evidente para quem quisesse ver.
Bruna, ao avistar os dois juntos, arregalou os olhos. A surpresa rapidamente virou incredulidade.
— Raíssa?! — disse com a voz mais alta do que pretendia, os olhos fixos na amiga. — Me diz que você não fez isso … com ele?
Raíssa apenas sorriu, encolhendo os ombros com naturalidade, como quem não via problema nenhum. Celo, sem dizer nada, apenas sorriu, ajustando o paletó enquanto Vicente se aproximava, rindo baixinho da situação.
— Que cena, hein? — Comentou Vicente, oferecendo uma dose de uísque a Celo. — Missão cumprida, campeão.
Celo pegou o copo, brindou no ar e deu um gole sem pressa. Bruna, no entanto, não recuou. Segurou o braço de Raíssa, tentando afastá-la para um canto.
— Você enlouqueceu? Eu já tinha dois parceiros certos para hoje, você sumiu do nada! Com esse aí? Logo esse? O cara é um fiasco, Raíssa! Ele …
— Chega, Bruna. — Interrompeu Raíssa, com um olhar firme que Bruna não conhecia. — Você tá muito enganada.
Bruna piscou, confusa.
— Como assim?
— Ele não é nada do que você disse naquela manhã. Nada. Na verdade … — Raíssa fez uma pausa, respirando fundo com um sorrisinho no canto dos lábios — … eu ainda tô com as pernas tremendo.
— Raíssa! — Exclamou Bruna, completamente sem reação.
— Quer saber? Me erra, Bruna. — A voz dela era firme, decidida. — Cansei dessa tua mania de menosprezar os outros. De só ver carteira, e nunca caráter. De achar que você dita o que vale ou não numa pessoa.
Raíssa se livrou do aperto no braço e voltou até Celo com passos decididos. Sem hesitar, o puxou pelo colarinho e lhe deu um beijo longo, envolvente, como quem selava ali não só um desejo, mas uma posição.
Ao se afastar, pegou o celular dele, esperou que ele desbloqueasse com um sorriso maroto e digitou o próprio número.
— Me liga. — Sussurrou, passando o dedo no peito dele. — Vamos repetir.
Deu-lhe uma piscadinha e saiu rebolando, deixando para trás seu perfume no ar … e Bruna com a boca entreaberta, engolindo o próprio veneno.
Celo observou a cena em silêncio. Sabia que não era só uma revanche. Era o reflexo da sua nova postura: menos culpa, mais controle.
Vicente, ao lado dele, só balançou a cabeça e brindou de novo:
— Isso aí, meu irmão. Você tá começando a entender o jogo.
Celo deu um leve sorriso, sem tirar os olhos de Raíssa sumindo no meio da pista.
— Tô só esquentando.
Celo ainda saboreava o restante do uísque, apoiado na lateral do bar, quando sentiu uma mão delicada em seu ombro. Ao se virar, a voz já lhe era familiar antes mesmo de encarar o sorriso malicioso nos lábios dela.
— Nossa, cheguei a queimar como um vulcão … — Disse Anna, com brilho nos olhos. — Quem te viu e quem te vê, Sr. Marcelo.
Celo arqueou as sobrancelhas, um tanto desconcertado.
— Anna? Que surpresa. Mas … o que você quer dizer com isso?
Ela soltou uma risada leve, inclinando o corpo em sua direção.
— Nós vimos você em ação agora há pouco.
— Viram ...? — Ele franziu a testa, confuso.
— Aham. — Anna levou a mão aos lábios, abafando outra risada. — Aquela cabine, Celo … os vidros são transparentes! Só de um lado, claro, mas de fora dá pra ver tudinho. E você lá, todo entregue, sem nem fechar a cortina. Acho que a emoção foi tanta, né?
Celo arregalou os olhos, sentindo o calor subir pelo rosto.
— Ah, não … — Sussurrou, passando a mão no rosto. — Me diz que você tá brincando.
— Brincando? — Anna riu ainda mais. — Eu fiquei foi com inveja daquela garota!
Antes que Celo pudesse responder, Paul surgiu ao lado da esposa com um sorriso maroto.
— Falei pra Anna: ou a gente muda de posição ou de parceiro. Cê mandou ver …
Logo em seguida, Giba e Cora se aproximaram. Giba deu uma risada alta e já foi saudando:
— O homem, a lenda … — Ele brincou, erguendo o copo em saudação. — Senhoras e senhores, a reencarnação do Don Juan moderno! Palmas pro homem!
— Cala a boca, Giba … — Resmungou Celo, envergonhado, mas rindo ao mesmo tempo. — Não foi nada disso.
Cora, um passo atrás, mantinha os braços cruzados. O olhar dela era indecifrável: parte surpresa, parte incomodada. Celo percebeu, mas preferiu ignorar.
Chris e Fabi chegaram por fim, sorrindo.
— Cara, a gente achava que você era discreto … — comentou Chris. — Agora entendi … os quentinhos são piores …
— Se ele tivesse falado antes, a gente teria cobrado ingresso! — Provocou Fabi, dando um tapinha de leve no braço de Celo. — Foi um show à parte!
Vicente, já de copo cheio novamente, entrou na roda com sua gargalhada típica.
— Eu falei que a noite ia ser boa. Mas confesso que nem eu esperava tanto. Celo, meu querido … você me representou! Seu mestre está orgulhoso. — Todos caíram na risada.
— Não exagera, gente … — Murmurou Celo, já mais relaxado. — Eu juro que não sabia desse lance do vidro.
— Agora sabe. — Disse Anna, piscando. — Da próxima vez, fecha a cortina … ou não.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Celo perguntou para o grupo.
Chris, dando dois tapinhas nas costas dele, respondeu:
— Casa de swing … grupo de liberais … o que você esperava? Viemos conferir. Otávio é um bom amigo.
As risadas se espalharam entre o grupo. A conversa seguiu com piadas leves, flertes aqui e ali, drinques sendo erguidos e uma cumplicidade gostosa no ar, típica de uma noite onde os julgamentos ficavam do lado de fora da porta.
Apesar da leve tensão no ar vindo do olhar de Cora, Celo manteve o clima. Era uma nova fase. E, de algum jeito, ele estava começando a gostar de estar no centro das atenções — mesmo que sem querer.
De qualquer forma, Celo evitou todas as investidas que se seguiram naquela noite. Não porque não quisesse, mas porque achava errado. Jamais faria aquilo com Mari, não com alguém que tivesse qualquer vínculo com ela.
Celo estava de alma lavada. A noite com Raíssa, a surpresa das testemunhas inesperadas, a leveza das conversas descontraídas com Anna, Paul e os demais, tudo contribuiu para um sopro de renovação. Era como se o peso que carregava no peito há meses tivesse diminuído, ainda que não tenha desaparecido por completo.
As semanas seguintes correram surpreendentemente bem. No trabalho, ele se sentia produtivo, focado. Nas manhãs de sol, gostava de caminhar sem pressa pelas ruas de sua nova vizinhança, ouvindo uma playlist de MPB misturada a rock alternativo. À noite, de vez em quando, respondia às mensagens de Anna ou de Paul, que se tornaram um casal próximo, ainda que à distância. Foram eles, inclusive, que lhe trouxeram notícias que mexeram com seu coração: Mari e o tal Jonas.
Segundo Anna, não havia paixão, nem toques íntimos, pelo menos até onde se sabia. A relação dos dois parecia caminhar mais pelo lado da amizade. Paul foi mais direto, dizendo que Jonas parecia respeitoso, mas tímido demais para qualquer coisa além disso. Celo não sabia se ficava aliviado ou frustrado.
Ainda pensava nela. Muito. Mais do que gostaria de admitir. Mas não seria hipócrita. Ele viveu. Saiu, se permitiu, se testou. E se Mari agora parecia sair da concha, descobrindo novas possibilidades, seria injusto arrastá-la de volta por puro egoísmo. Por mais que doesse, aceitava aquilo como um passo necessário para ambos.
Cora, por outro lado, continuava insistente. Suas mensagens tinham evoluído de elogios genéricos para propostas veladas e, eventualmente, convites diretos. Celo respondia com educação, tentando ser firme sem humilhar. Sabia que qualquer palavra mal colocada poderia transformar aquele vínculo em algo desconfortável. E ele preferia evitar mais turbulências.
Teve mais dois encontros com Raíssa, apenas sexo casual. Foi direto com ela, e ela com ele. Era apenas diversão, sem envolvimento, sem compromisso. Ela era nova demais para se amarrar e ficou grata pela honestidade direta de Celo. Tinha uma química incrível na cama, mas nada que os ligasse, nenhuma paixão em comum fora dela.
Num fim de tarde, olhando para o céu alaranjado da varanda, sentiu que era hora. Precisava voltar. Respirar outros ares. Lembrar quem ele era de verdade, longe das luzes, das provocações e dos desencontros da cidade grande.
Pegou o carro e dirigiu por horas rumo ao seu refúgio: a cidadezinha bucólica no interior, onde o tempo parecia correr mais devagar. Onde a simplicidade tinha valor. Onde seu Zé, com sua sabedoria rude e coração generoso, o aguardava com bons conselhos e um palco para ele extravasar a alma através da música.
Ao chegar, o cheiro de terra molhada e o som dos grilos o acolheram como um velho amigo. Seu Zé, de chapéu surrado e sorriso largo, já o esperava na calçada da frente do bar.
— Achei que tinha esquecido da gente, cabra da peste! — Disse, abrindo os braços.
Celo desceu do carro com um sorriso leve.
— Tô de volta, meu amigo. — Celo o cumprimentou com um abraço caloroso.
— Então entra. Acabei de passar um café.
E Celo entrou. Ainda era cedo E Seu Zé estava inquieto, o que não era comum. Mal Celo se acomodou com um café na mão, ele deu a notícia com um sorriso entusiasmado:
— Hoje tem coisa nova, rapaz. Uma moça aqui da cidade vai cantar pela primeira vez no bar. Primeira apresentação da vida dela. E adivinha quem foi a inspiração?
Celo estava curioso, e brincou
— Eu?
Para a surpresa dele, seu Zé confirmou:
— Você mesmo, danado! Desde que viu você tocar aqui, ela ficou doida. Pediu uma chance. Ensaiou, preparou o repertório … Tá nervosa que só. Mas corajosa também.
Celo sorriu, surpreso e lisonjeado.
— Fico feliz demais em ouvir isso, seu Zé.
— E eu faço mais: vou ligar pra ela agora. Aposto que ela vem voando te conhecer.
Em menos de vinte minutos, o som de uma moto na porta do bar anunciou a chegada dela. Nem devia ter dezoito anos, cabelos presos num coque bagunçado, vestida de forma simples, mas com olhos brilhando de emoção. Aproximou-se tímida, com as mãos trêmulas, segurando um fichário cheio de letras.
— Sr. Celo? Eu … Nossa, nem acredito. Meu nome é Isadora. Eu te vi tocar aqui … todas as vezes. Foi como se tudo tivesse feito sentido. Tive coragem de pedir ao seu Zé pra cantar aqui por sua causa.
Celo, ainda mais surpreso, abriu um sorriso gentil.
— Poxa, Isadora … Que honra. Fico muito feliz em saber disso. E hoje é sua estreia? Ah, e não precisa chamar de “senhor”.
— É. Mas eu tô nervosa demais. Pra piorar … tentei achar alguém pra tocar comigo, mas ninguém topou. Acho que vou ter que cantar com playback …
Celo nem deixou a tristeza crescer nos olhos dela.
— Esquece o playback. Se você quiser, eu toco com você. Vai ser um prazer dividir o palco com alguém tão corajosa.
Isadora arregalou os olhos, emocionada.
— Sério? Ai, Sr. Celo … você não faz ideia do quanto isso significa pra mim.
Celo a corrigiu:
— Só Celo, nada de senhor. Agora somos parceiros, somos iguais.
Seu Zé, de longe, sorriu vendo a cena. E foi cuidar da arrumação do bar, enquanto os funcionários ajeitavam as mesas e testavam a iluminação.
Celo e Isadora improvisaram um pequeno ensaio, ali mesmo, entre acordes e risadas. Ele ficou impressionado com a escolha do repertório: um desfile de divas, grandes clássicos internacionais. Músicas difíceis de se cantar, feitas para vozes poderosas.
— Gosto do desafio, hein! Que vozeirão você tem, Isa. Vai brilhar.
O show começou poucas horas depois, quando o sol ainda se punha, pintando de dourado o interior do bar. A plateia ainda era modesta, pois o show começou mais cedo, mas carinhosa: pais, tios, irmãos, amigas da escola. Todos aplaudiam a cada nota com olhos marejados de orgulho.
Isadora abriu com “Hero”, da Mariah Carey. A voz ainda trêmula no início, mas ganhando força no refrão. Celo acompanhava com precisão, deixando os acordes fluírem com sensibilidade.
Depois veio “All By Myself”, na versão poderosa de Celine Dion. Isadora se entregou. Celo transformava cada nota numa conversa silenciosa com ela.
Na sequência, “I Will Always Love You”, de Whitney Houston. Aquela nota alta arrepiou até os quadros da parede. O bar inteiro silenciou.
Quando a quarta música terminou, houve um momento de silêncio. Em seguida, aplausos calorosos tomaram o ambiente. Gritos de “bravo”, “maravilhosa”, “arrasou” encheram os olhos da jovem de lágrimas.
Celo, ao seu lado, sorriu como um pai orgulhoso. Ela era mais nova do que Daniela, sua filha, e ele não conseguiu evitar aquele sentimento, o de saudade da família.
Mas então, entre os rostos da plateia, algo o fez travar por um instante. Sentada no fundo, cruzando as pernas com elegância, estava Cora. Vestido justo, boca vermelha, olhos fixos nele com intensidade. Ardentes. Famintos.
Mas aquela noite era de Isadora. Era sobre música. Superação. Novos começos. Ele não deu importância. Não, naquele momento. Celo respirou fundo e voltou o olhar para o palco. Depois ele lidaria com Cora.
O show se estendeu por mais algumas músicas. Isadora, agora mais confiante, entregava canções como “Bleeding Love”, de Leona Lewis, e uma versão intimista de “Someone Like You”, de Adele. Celo, no violão, dava alma a cada acorde, conduzindo com suavidade e paixão. Quando a última nota soou, os aplausos foram ainda mais calorosos do que antes.
Ele agradeceu discretamente, levantou-se do palco, deu um abraço orgulhoso na garota, cumprimentou seus pais e foi até o balcão. Pediu uma cerveja e se recostou no banco alto, com a alma leve. Ao menos por alguns instantes.
Não demorou. O salto alto de Cora cortou o bar como um sussurro insistente. Ela surgiu ao lado dele com aquele sorriso traiçoeiro, metade desejo, metade provocação.
— É sério, Cora? — Disse ele antes que ela pudesse falar qualquer coisa. — O que você veio fazer aqui? Ou melhor… quem te contou que eu estava aqui?
— Resolvi ser mais ousada. Arriscar. Vai que …
Celo riu. Mas foi aquele riso curto, nervoso, amargo.
— Cora … Você não vai desistir, né?
Ela se sentou ao lado dele, como quem já sabia que aquele era o seu lugar. Chamou seu Zé e pediu uma taça de vinho branco. Assim que a bebida chegou, girou o líquido na taça com elegância.
— Me diz uma coisa, Celo … — Ela começou, a voz mais baixa, mais insinuante. — Depois que você e a Mari se separaram, ficou com outras mulheres, certo?
Ele ficou em silêncio.
— Certo. — Ela mesma respondeu. — Então por que não eu? Sou tão diferente assim do que você gosta? Sou feia? Não sou gostosa?
Ele a olhou por alguns segundos, avaliando se devia ou não entrar naquela conversa.
— Você é linda, Cora. E sabe que é. Mas ... é complicado. E você sabe disso. Eu jamais ficaria com alguém que tenha qualquer ligação com a Mari.
Ela sorriu, um sorriso que escondia veneno entre os dentes.
— A Mari também já seguiu em frente. Ou você acha que ela ainda vive à sua sombra? Ela está saindo com outro homem. Aliás … você sabe disso. Anna te contou os detalhes, não foi?
Celo sentiu o golpe.
— Não é bem assim. Eu sei do Jonas. Sei que eles têm saído. Mas não é nada demais. Não aconteceu nada de verdade. Só amizade.
Cora, então, sacou o celular. Passou alguns segundos navegando na galeria e, como quem lança uma isca, pousou o aparelho lentamente sobre o balcão, deslizando-o até ele.
— Dá uma olhada.
Eram fotos. Mari e Jonas em um parque. Rindo. Sentados próximos demais. Em outra, Jonas tocava o rosto dela com delicadeza, talvez limpando algo, talvez só um gesto espontâneo. Havia também uma imagem dentro de um carro, Mari dormindo com a cabeça quase encostada no ombro dele. E uma última, em um café, onde os dois se olhavam com uma intimidade difícil de explicar.
Tecnicamente, nada explícito. Mas a linguagem corporal, os ângulos, os momentos capturados ... tudo sugeria algo além da amizade. As fotos foram tiradas por um profissional, para parecerem ser mais do que são.
O peito de Celo apertou. A garganta secou. Sentiu-se traído por algo que, racionalmente, não deveria sentir.
— Celo ... — Sussurrou Cora, mais perto. — Você não precisa mais fingir que não sente. Ela seguiu. Você pode também.
Ele virou a cerveja de um gole. Pediu outra. Depois mais uma. Cora não o apressava. Apenas deixava o tempo fazer o trabalho sujo. Deixou que Celo bebesse além da conta.
— Você merece alguém que te queira de verdade. Alguém que esteja aqui. Agora.
E então o beijo aconteceu. Celo não resistiu. Ou talvez tenha se rendido. Era difícil dizer. O álcool queimava, mas não mais que as imagens rodando em sua mente. As mãos de Cora o envolviam com fome e promessa.
E ele ... apenas deixou acontecer.
{…}
Algumas horas antes:
Mari saiu de casa como quem finalmente entende o próprio coração. Estava decidida. Não dava mais para continuar entre o silêncio e o orgulho. Era hora de ir atrás do Celo. De resolver tudo — para bem ou para mal. Mas com verdade. Com coragem.
A estrada parecia mais longa que o habitual. Os quilômetros passavam, mas as músicas do rádio, como um golpe do destino, tristes e melancólicas, insistiam em sufocar o ânimo dela. Primeira canção: “All I Want” da Kodaline. Mari mudou a estação. Segunda: “Let Her Go”, do Passenger. Outra estação: “Fix You”, do Coldplay. Parecia o universo tentando avisá-la. Ou testando sua fé.
— Chega! — Gritou, desligando o rádio e deixando apenas o ronco do motor acompanhá-la.
Durante as três horas de viagem, sua mente oscilava entre memórias e projeções. Imaginava chegar e ver Celo no palco, aquele sorriso meio torto ao vê-la entre o público, os olhos brilhando de surpresa. Ela se via subindo no palco com ele, dizendo alguma frase clichê, e depois os dois se abraçando como se o tempo nunca tivesse passado. Queria que fosse como nos filmes. Queria acreditar que ainda dava tempo.
Ela chegou com o coração aos pulos. Estacionou o carro na rua de paralelepípedo, reconhecendo o som abafado do bar do seu Zé. As luzes aqueciam o ambiente com aquele charme rústico, familiar. O cheiro de madeira, de vinho, de noite viva.
Mari abriu a porta com pressa e esperança. E então, parou. Ali, diretamente na linha de visão, como se o mundo tivesse feito questão de não poupá-la, estava a cena que dilaceraria qualquer vestígio de otimismo: Celo e Cora. No balcão. Atracados. Beijando-se sem vergonha, sem hesitação. Como se o resto do mundo não existisse.
Ela não soube se respirou. Só sentiu o ar sumir. Seus pés congelaram no chão de pedra. O corpo inteiro paralisou. O impacto foi tão repentino e violento que parecia físico, como um soco no estômago, um atropelamento de emoções. As mãos tremeram. Os olhos se encheram, mas ela piscou rápido, como quem não quer cair. Não ali.
Cora estava com uma das mãos no pescoço dele, a outra apoiada no balcão, inclinada como quem já conhecia bem o caminho. E Celo ... ele não parecia resistir. Ele não parecia pensar em nada, apenas se deixava levar. E talvez fosse isso o que mais doía.
Mari deu um passo para trás, sem fazer barulho. Depois outro. Ainda encarando a cena. A dor latejava. Ela sentia o calor subir pelo rosto, e não sabia se era raiva, humilhação ou decepção. Talvez tudo junto. Talvez mais.
Ela pensou em entrar. Em gritar. Em perguntar “por quê?”. Mas a vergonha gritou mais alto. A sensação de ter acreditado em algo que não existia mais, ou que existia só para ela, foi devastadora.
Virou-se devagar, sem que ninguém a notasse. Voltou para o carro. As mãos mal encontravam as chaves. Os olhos ardiam.
Quando enfim entrou e bateu a porta, o silêncio foi ensurdecedor. O choro veio seco. Um soluço preso na garganta. Ligou o carro, e saiu dali sem olhar para trás.
No banco do passageiro, havia um envelope. Dentro dele, a carta que ela escrevera no dia anterior. Nela, dizia tudo: Que o amava. Que o queria de volta. Que queria tentar de novo.
Agora, aquele envelope parecia ridículo. Um bilhete sem destino.
Continua …
*Trecho da música, “All by Myself”, da Celine Dion.
Tradução: “completamente sozinha, eu não quero estar.”
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