O sol das cinco derretia sobre o quintal enquanto Mariza estendia as últimas camisas no varal. Seus quadris balançavam no ritmo do pagode que escapava pela janela da cozinha. A lapiseira amarelada segurava seu coque improvisado — a mesma que usou no concurso público, vinte e três verões atrás.
Thomaz surgiu na porta dos fundos, carregando a cesta de roupas. Alto, magro, ombros largos, músculos definidos sem esforço. O corpo parecia ter desabrochado de um menino franzino para um homem feito, sem transição.
— A máquina comeu seu sutiã — anunciou, erguendo o tecido rendado com os dedos longos, ainda com vestígios de infância nas juntas.
Ela ergueu os olhos por cima dos óculos. Não era um sutiã qualquer. Era o preto. Aquele comprado por impulso depois de ver o ex-marido com a amante no shopping. Como tinha ido parar ali?
— Joga fora — disse, ajustando os óculos com o dedo médio, gesto que fazia sem pensar. Os olhos foram ao pulso: o relógio parado ainda marcava 4:47 PM.
Thomaz não se moveu. A luz âmbar da tarde recortava seu torso através da camisa molhada. Os olhos verdes — herdados do pai — deslizaram pela silhueta da mãe, o vestido colado ao corpo.
— Tem um rasgo aqui — murmurou, roçando o polegar num ponto intacto da renda.
O ventilador da varanda parou de girar. Sempre fazia isso quando ficavam sozinhos. Mariza puxou a lapiseira do coque num gesto seco. Os fios castanhos caíram como cortinas.
— Vai chover — disse, encarando o céu limpo.
Thomaz sorriu, devolvendo o sutiã à cesta. Espreguiçou-se devagar. Os músculos dos braços se desenharam sob a pele morena.
— Sei.
— Tá esquecendo as meias — disse ela, arremessando o pacote de prendedores contra o peito dele.
Ele pegou no ar com facilidade. Aquele corpo que ela havia alimentado com mingaus e sopas se movia agora com a graça natural de um homem.
— Tá nervosa? — perguntou, estalando as meias no varal.
Ela ajeitou os óculos com o mesmo dedo médio — gesto que ele imitava desde os cinco anos.
— Cansaço. O RH tá me enchendo com os novos formulários.
Mentira. A verdade estava na gaveta debaixo da pia: três ingressos para o show de Arlindo Cruz. Comprados na semana em que Thomaz fizera aniversário.
O vento ergueu a barra do vestido. Thomaz desviou os olhos rápido demais.
— Vou buscar o resto das roupas — disse, virando-se devagar, como se soubesse que ela o observava. As costas largas, a cintura fina, a curva dos músculos que desapareciam sob a bermuda.
Mariza mordeu o lábio. No varal, o sutiã preto balançava como uma bandeira encharcada de lembranças. A lapiseira rolou pelo chão de cimento, deixando um risco de grafite como a cicatriz no quadril de Thomaz — a mesma da queda de bicicleta que ela insistira em comprar contra a vontade do pai.
Na cozinha, o rádio mudou de música. Um samba antigo. Daqueles que se dançavam colados.
Thomaz parou na porta.
— Lembra quando me ensinou a dançar? — perguntou. A voz soava mais grave do que deveria.
Ela lembrava. Ele, ainda jovem. Pisava nos pés dela desajeitado. Agora os pés eram grandes. Firmes. Decididos.
O primeiro trovão caiu quando suas mãos se encontraram no cabo da vassoura. A tempestade viria mais cedo.
A vassoura caiu no chão com um baque surdo. Nenhum dos dois se abaixou.
Thomaz estava perto demais. O cheiro dele — sabonete e algo mais denso — invadia o espaço entre eles.
— Mãe... — disse, num sussurro.
Ela não respondeu. Os dedos tremiam ao segurar a bainha da toalha. Queria puxá-la, cobrir-se, mas não se moveu.
Um pingo de chuva caiu em seu ombro. Ele tocou a gota com o polegar, como se apagasse algo.
— Tá molhada — murmurou.
Ela engoliu em seco. A chuva engrossava. Batia no cimento, no varal, no sutiã preto. Escorria pelo rosto dele, pelos ombros, pelo peito. E ela não desviava o olhar.
— A gente devia entrar — disse. Mas os pés continuaram no mesmo lugar.
Thomaz nada respondeu. O olhar dele preso em sua boca. No batom desbotado da manhã. No desejo não dito.
Um raio iluminou o quintal. Tudo ficou branco por um instante. Depois, silêncio.
Ela recuou um passo.
— Vai trocar essa roupa. Vai pegar uma gripe.
O latido do cachorro do vizinho rompeu o ar como um tiro. Thomaz piscou, como se acordasse. Recuou também — pisou na vassoura caída. O barulho os fez pular.
Mariza apertou os olhos. Não de medo. Mas de raiva. Do cachorro, da chuva, do ex-marido, da vida inteira que a trouxera até ali.
— Entra. — Virou as costas antes que ele visse o rosto desmoronar. — Antes que pegue pneumonia.
Thomaz ficou parado. A respiração pesada. Olhou para o sutiã, agora encharcado. Depois, para as costas da mãe — coluna ereta, ombros tensos, cabelo escorrendo água como lágrimas que ela nunca deixaria cair.
— Mãe... — tentou.
Mas a porta da cozinha já batia.
Dentro de casa, Mariza trancou o banheiro. E encarou o espelho.
Mariza arrancou o vestido com pressa, como se o tecido queimasse sua pele. O sutiã preto caiu no piso frio com um som molhado, encharcado como as lembranças que trazia. Envolveu-se numa toalha áspera, que raspou seus mamilos duros — dor e prazer misturados, como sempre foram, desde que aprendeu a resistir sentindo.
Seus dedos tremeram ao tocar o elástico da calcinha. Estava úmida.
— Não pode ser... não pode... — sussurrou, mas a frase morreu na boca.
Um toque breve bastou. O corpo respondeu. Sem hesitar. Sem pudor.
Mariza havia se molhado de desejo.
Levantou os olhos para o espelho — e viu.
A boca vermelha.
Os seios pesados.
A mão, ainda trêmula.
A vulva. Aquela que dera à luz.
Todas essas partes — a que embalava cantigas, que amamentava, que acalentava febres — agora traíam.
Eram dela, sim. Mas não mais para os fins com que foram moldadas.
Mariza enrolou-se numa toalha curta demais. Cobrindo os seios, mas deixando visíveis as curvas das coxas, parte dos glúteos, a pele úmida ainda em brasa.
Abriu a porta do banheiro.
Thomaz estava no corredor.
Molhado. Sem camisa. De cueca branca, encharcada da chuva, colada ao corpo.
Os olhos se encontraram por um segundo que pareceu um incêndio. Ela congelou.
A toalha escorregou um pouco. Ele não desviou o olhar. Nem ela.
Então, como se acordasse de um transe, Mariza fechou-se no quarto. A maçaneta quase quebrou em sua mão.
Thomaz permaneceu parado por instantes, o som da porta reverberando em sua pele como um tapa.
Entrou no banheiro em silêncio. A toalha dela ainda pendia do gancho, morna. No cesto de roupa suja, uma peça se destacava — a calcinha de algodão clara, dobrada de forma descuidada.
Ele não ia tocar.
Ele lembrava das mãos dela cuidando dos machucados da infância. Agora queria sujar os dedos no cheiro que ela deixara ali. Desejo e confusão se embaralhavam como o vapor no espelho.
Mas tocou.
O tecido úmido colou entre seus dedos. Primeiro, hesitou. Chuva, pensou. Talvez só chuva.
Mas então veio o cheiro. Quente, doce, inconfundível. Não era da água do céu.
O coração disparou. Ela se excitou.
Ou talvez não. Talvez fosse só imaginação. Mas era tarde.
Levou a peça ao rosto. Respirou fundo. O perfume ácido e íntimo da mãe se misturou à lembrança do corredor, da toalha, do olhar. O desejo subiu como um fogo súbito.
A mão livre deslizou para dentro da cueca molhada. O outro punho apertava a calcinha.
O movimento era contido, preciso, silencioso.
Quando chegou ao fim, o jato quente encontrou o tecido que ainda guardava o calor da pele dela.
Depositou-se ali. No fundo da peça. Onde o corpo da mãe pulsara antes.
Ficou imóvel por alguns segundos. O silêncio só era quebrado pelo gotejar da torneira.
Depois, com um cuidado quase reverente, recolocou a calcinha no cesto. E lavou as mãos.
Duas vezes.
Encostada na porta, Mariza tentava respirar.
A toalha apertada colava ao corpo. Um calor estranho subia pelas pernas. Pulsava.
Sentou-se na cama. Abriu as pernas. O toque foi leve. Um susto.
Estava molhada.
Muito.
Fechou os olhos. Um roçar no clitóris e o corpo se curvou. Um arrepio atravessou a espinha.
O quadril se mexia sozinho. A mão insistia. O rosto dele invadia sua mente — a água escorrendo pelo peito, a cueca colada, os olhos fixos.
O som que escapou de sua boca foi baixo. Quente.
O clímax veio como uma onda silenciosa. Um terremoto interno.
Caiu de lado, ofegante. Suada. Desfeita.
Estava ainda de óculos.
Tirou-os. E fechou os olhos.
Mariza havia se recomposto. Tomou um banho rápido, vestiu um vestido largo, prendeu o cabelo ainda úmido num coque frouxo. Passou batom, sem pensar. A cor era a mesma de mais cedo.
A noite caíra de vez. Era hora do jantar.
Na cozinha, o arroz fumegava. A carne grelhava na frigideira, mas nenhum dos dois comentava o cheiro. Thomaz surgiu calado, com outra camisa — limpa, seca — e o cabelo ainda molhado, desalinhado como os pensamentos.
Sentaram-se à mesa sem se olharem.
Comeram devagar.
O som dos talheres batendo nos pratos era o único ruído na cozinha.
Mariza mexia no arroz como se cada grão fosse um obstáculo.
Thomaz manteve os olhos fixos no prato, mas sua perna balançava de leve debaixo da mesa — um nervosismo involuntário, quase infantil.
Nenhum dos dois sabia o que dizer. Ou o que o outro lembrava. Ou quanto havia sido real. Ou sonho.
Mariza olhou para ele uma vez, de relance. Pegou o perfil do rosto, o maxilar, os olhos baixos. A mesma expressão que ele fazia quando pequeno, ao ser repreendido. Mas agora era outra coisa. Era silêncio com peso de desejo. E de medo.
Ela levou o copo de água à boca. As mãos tremiam.
Thomaz tossiu de leve. Depois pigarreou. Mas não falou.
A tensão à mesa era densa como o vapor que saía do arroz. Quase se podia cortar com a faca.
Quando terminaram, Thomaz se levantou primeiro, pegou o próprio prato e o dela, levou à pia. Mariza não protestou.
Ela o observou pelas costas. O modo como os ombros se moviam. A familiaridade do corpo — tão conhecido — e, agora, tão carregado de outro significado.
— Boa noite — ele disse, sem olhar para trás.
— Boa noite — ela respondeu, num fio de voz.
O som dos passos dele desaparecendo no corredor foi mais ensurdecedor do que qualquer palavra.
Ela ficou sentada mais um tempo, com a mão sobre a mesa, como se esperasse que alguém a segurasse.
Mas nada aconteceu.
Só o tique-taque do relógio de parede. E o eco daquilo que nunca seria dito.
O tique-taque do relógio de parede martelava o vazio. Cada segundo ecoava como a ponta de um lápis batendo nervosamente na mesa - aquele mesmo som que Thomaz fazia quando criança, esperando ela terminar de corrigir as tarefas.
Então veio o relâmpago.
Por um instante branco e cruel, a luz revelou as memorias dele brincando na sala enquanto ela preparava o jantar
Quando a escuridão chegou, era densa demais.
Mariza ergueu-se, os dedos encontrando o celular ao lado do saleiro - o mesmo lugar onde sempre deixava. A luz azulada do aparelho cortou a escuridão como uma faca:
Ele estava lá.
No corredor, imóvel.
A silhueta dele - tão familiar e tão estranha agora - parecia ter sido desenhada a carvão.
O celular tremeu em sua mão. A luz oscilou.
Por um segundo, ela viu os olhos dele brilhando no escuro.
Verdes. Famintos. Adultos.
Então, deliberadamente, Mariza deixou o celular apagar.
— Deve ter sido um poste — disse a voz dele no escuro, mais próxima do que deveria estar.
Mariza sentiu o arrepio antes mesmo de sentir seus batimentos acelerando dentro do peito.
Outro relâmpago iluminou a sala de jantar.
Thomaz estava agora a meio passo de distância, o pulso pendurado no ar como se tivesse interrompido um gesto.
— Vou ver o disjuntor — ele mentiu, os olhos fixos no pescoço dela onde um fio de suor escorria.
— Não precisa. — O celular tremeu em sua mão. — Já deve estar voltando.
Na escuridão sagrada, algo escorregou entre eles - um dedo? Um fio de cabelo? O fio de vergonha que ainda os separava?
A luz voltou com um estalo seco.
Ele já estava com as mãos na cintura dela.
E ela, como se o tempo tivesse apagado todos os limites, com os braços enroscados no pescoço dele, os dedos cravados como raízes.
Tão natural quanto imperdoável.
Thomaz soltou um som abafado — meio gemido, meio maldição.
O hálito quente dele encostou no rosto de Mariza.
E então ela soube, com aquele velho arrepio entre os ossos: ele ia beijá-la.
O beijo não veio de imediato.
Veio o silêncio primeiro.
Pesado, cúmplice, cruel.
Os olhos dele varreram o rosto dela como se procurassem vestígios — de dúvida, de recusa, de qualquer sinal de que aquilo não deveria acontecer.
Não encontraram nada.
Só o reflexo de uma mulher cansada demais para resistir e jovem demais para esquecer.
Os dedos dele subiram pela espinha dela, reconhecendo o caminho como quem tateia uma lembrança.
Ela fechou os olhos.
Se o mundo ia ruir, que ruísse de olhos fechados.
— Mãe... — ele murmurou, mas não era um pedido. Era um aviso. Ou talvez fosse apenas o nome dito como uma maldição. Ou como um perdão.
Ela encostou a testa na dele.
As respirações se misturaram como duas notas desafinadas tentando formar um acorde.
— Não — ela sussurrou.
A voz não tinha força, nem convicção.
Era apenas uma constatação jogada no abismo entre eles.
A mão dele apertou levemente sua cintura, como se quisesse guardar a sensação antes que desaparecesse.
Um trovão estalou ao longe.
Nada além da natureza ecoando o que já estava dentro deles: a explosão inevitável.
E então ele a beijou.
O primeiro beijo foi quente.
O segundo, ardente.
A casa inteira pareceu conter o fôlego.
O mundo lá fora já não existia.
Os dedos apertando demais.
A respiração presa na garganta.
Mariza fechou os olhos, não para fugir — mas para esquecer que havia um amanhã.
E então, entre um toque e outro, o tempo sumiu.
O resto…nem o relógio ousou contar.