Antônia e Geraldo estavam casados há muito tempo. Tempo demais para contar. No início fingiam se amar — e até nisso havia alguma ternura. Mas a verdade era mais resignada do que romântica.
Geraldo queria cumprir o roteiro: formatura, casamento, filhos e aparência de sucesso. Antônia não queria ficar sozinha. Solteirona era palavrão. Aceitou o que a vida empurrou.
Nenhum dos dois era um colosso. Nem feios, nem belos. Apenas médios. Médios de alma, de corpo, de ambição. Ninguém os disputou. Casaram por falta de guerra.
No começo faziam amor com disciplina: três vezes por semana, como quem toma vitamina. Depois uma vez por mês. Agora, nem isso.
Antônia vivia cansada. E Geraldo, de fato, estava cansado — de tudo.
Antônia era dona de casa. Ou melhor: fora. Ultimamente, saía bastante. Ia à feira, à igreja, ao médico — e às vezes não dizia aonde.
Geraldo não se incomodava. Não se sentia ameaçado. Tinha uma confiança que não vinha do amor — mas da inércia. Confiava não em Antônia, mas na falta de ambição dela. Achava que, se não sonhava, não traía.
Saía cedo para o escritório. Voltava tarde. Às vezes fingia que dormia no sofá, para não ouvir o silêncio da cama. Dizia a si mesmo que era viciado em trabalho. Mentia com gosto.
Na verdade, odiava o emprego, a função, os relatórios, os clientes e sobretudo as oportunidades que deixara passar. Tinha raiva dos colegas — mais jovens, mais ousados, mais vivos. Tinha raiva de si. Mas calava. Como um condenado que já cumpriu metade da pena.
Numa manhã qualquer, Geraldo tomava o último gole de café. O sol entrava sem força pela janela da cozinha. O telefone tocou. Número estranho.
Era Antônia. Tinha saído antes dele — e ele nem notara. Esquecera o celular. Ligava de um aparelho emprestado, aflita. Queria saber se havia perdido ou deixado em casa.
Geraldo olhou em volta. O aparelho estava lá, caído entre as almofadas do sofá, como um gato preguiçoso. Disse que o levaria até ela, no Centro, no caminho para o escritório.
No carro, enquanto esperava o sinal abrir, várias mensagens chegaram. Vibravam baixinho, como sussurros de travesseiro. Geraldo nem se importou. Não havia por quê.
Entregou o aparelho nas mãos dela e seguiu seu rumo. Como sempre. Como se nada estivesse prestes a acontecer.
Mas, na calada da noite — quando os demônios saem dos armários e andam descalços pela casa — algo se infiltrou na mente de Geraldo. Uma coceira. Uma dúvida. Um “e se?”
“Bobagem”, pensou. “Antônia não é disso. Nunca foi.”
Mas o pensamento, uma vez dentro, não sai. E então, com a cumplicidade da noite, Geraldo levantou-se em silêncio, apanhou o celular dela como um ladrão, e seguiu para a sala, onde só o abajur fazia sombra.
Desbloquear o aparelho foi fácil. Ela confiava demais. Ou ele era mesmo um homem invisível.
Havia muitas mensagens. Nenhuma escandalosa, à primeira vista. Mas um contato chamava atenção: Carmem.
Conversas diárias. Dezenas.
Rolou o dedo. E leu.
"E aí, como foi?"
"Maravilhoso. Fomos pra casa dele. Transamos a tarde toda."
Geraldo parou de respirar.
"Quando o verás de novo?"
"Amanhã. A gente se encontra quase todo dia. Ele é um colosso. Incansável."
As palavras pesavam mais do que gritos. Mais do que chifres. Mais do que socos.
Geraldo ficou ali, sentado no sofá, com o celular na mão e o mundo escorrendo pelas têmporas.
Não sentiu raiva. Ainda. Sentiu vergonha. De si. De Antônia. Da casa, das paredes, do casamento de mentira.
O que faria? Gritaria? Bateria na esposa? Jogaria os vestidos dela pela janela como nos dramalhões?
Não. Não podia. Era velho demais pra recomeçar. Não sabia mais dormir em cama de solteiro. Estavam acostumados. Um ao outro. Às manias, aos silêncios, às xícaras no lugar certo e aos cochilos depois do almoço.
Havia ali um tesouro — gasto, é verdade, mas ainda deles. E ele sabia disso. Não ia desperdiçar.
Mas não foi só resignação. Foi outra coisa.
A raiva passou. O ciúme calou. E, pela primeira vez em anos, sentiu um orgulho estranho de Antônia.
“Então ela era capaz”, pensou. “Ela podia arrumar outro. Ainda era desejável.”
E naquele instante miserável — com o coração amassado e a mão tremendo — Geraldo se deu conta: ainda a desejava também.
Arrependeu-se. De não ter tocado nela, de não ter olhado, de não ter dito nada por anos. Arrependeu-se da omissão, do costume, da covardia de amar em silêncio.
No dia seguinte, Geraldo estava no automático. Tomou banho, vestiu-se, beijou a esposa na testa com um gesto antigo e saiu.
No escritório, não reclamou de nada. Sorriu. Tomou café com os colegas. Até fez uma piada sobre o chefe. Riram. E ele riu também.
Mas, por dentro, pensava nela. Em Antônia. Na mulher de antes, que usava vestidos leves e ria de qualquer bobagem. Sentiu falta dela. Não da esposa atual — mas da outra. Da mulher que um dia, talvez por engano, o amou.
E então veio a dúvida. Onde estaria agora? Em casa, bordando ou assistindo novela? Ou estirada numa alcova suburbana, num colchão gasto, gemendo com outro homem?
Seria tratada com carinho ou seviciada com brutalidade? Estaria nua num apartamento de luxo ou encostada num beco sujo, com as pernas abertas e os olhos fechados?
E foi aí que se surpreendeu. Não só com o interesse repentino por Antônia — como se redescobrisse uma mulher que nunca vira por completo —, mas com algo ainda mais inquietante:
Estava excitado.
Sim. O peito queimava. O sangue corria.
A imagem de Antônia em outras camas, em outros braços, sendo desejada, tomada, possuída — tudo aquilo que deveria humilhá-lo — o excitava. Como um afrodisíaco. Como um castigo doce.
Livrou-se das obrigações daquela tarde. Pediu dispensa ao chefe. Saiu mais cedo.
Ligou pra ela no caminho.
— Onde estás?
— Na feira.
Ela mentiu. Ele soube no mesmo instante. O tom era outro. Um tom ensaiado. Frágil.
— Vou te buscar?
— Por quê?
— Porque te quero.
Encontrou-a no Centro. Não falaram muito. Mas no caminho pra casa, ele falou — e ela ouviu.
Perguntou se tinha vontade de estudar. Trabalhar. Viajar com ele. Ir ao salão. Fazer uma lipo, uma plástica, um corte novo.
Ela não entendeu. Ele parecia outro. Gentil, presente, vivo. No banco de trás, uma garrafa de vinho. Uma caixa de bombons.
Em casa, mal a porta se fechou, ele a abraçou e a beijou. Como nunca. Com a fome de quem desperta. Com a ternura de quem quer engolir.
Levantou-lhe o vestido. Seus dedos encontraram, por cima da calcinha rendada, a umidade quente que escorria entre suas pernas. Não era o mel lento da excitação conjugal, mas o suor grosso, salgado, de uma foda recente. Aquele líquido estranho grudou em sua pele, e ele levou os dedos ao nariz, inalando fundo—o aroma acre de sexo alheio, o almíscar de um desconhecido que havia estado ali, dentro dela, minutos antes.
Despiu-se com movimentos brutais, arrancando a própria roupa como se ela o sufocasse. Antônia mudou, assentiu o caso, tirou o vestido, arranccou a calcinha com um puxão seco.
Ele ajoelhou-se entre suas pernas e mergulhou o rosto ali, lambendo, bebendo daquela fonte ainda palpitante. Sabia o pecado. Sabia a traição. E ele adorou.
Quando finalmente a penetrou, sentiu o corpo dela ainda aberto, ainda macio da violação consentida. O líquido espesso do amante misturou-se a ele, lubrificando cada embate, cada socada que ele dava com uma fúria que não era raiva, mas êxtase.
Ela gemeu—não os gritos teatrais de outras noites, mas sons roucos, guturais, que ele nunca ouvira antes. Então era assim que ela ficava quando realmente sentia prazer? Quando era comida por um homem que não fosse ele?
E a amou. Como nunca. Como quem ama a mulher que finalmente existe.
Decidiu ali, naquele instante, que nunca revelaria o segredo. Jamais.
Ia disputá-la. Ia cortejá-la. Ia merecê-la.
Ou, quem sabe, dividiria. Afinal, agora sabia: Antônia era suficiente para dois.
#####
Se você gostou, comente por favor, se não gostou, diga, queremos melhorar. Se convir, deixe 3 estrelas, ficaremos gratos.