Inimigo intimo

Da série Inimigo Íntimo
Um conto erótico de Regard
Categoria: Gay
Contém 1417 palavras
Data: 21/06/2025 20:14:02
Última revisão: 22/06/2025 09:23:37

Inimigo Íntimo

A tempestade não pedia licença. Varria São Paulo com a fúria de um deus contrariado, e as gotas de chuva, grossas e pesadas, riscavam a imensa janela panorâmica da cobertura do hotel Aurora. Não eram meras gotas; pareciam projéteis de vidro líquido, disparados contra a cidade para distorcer seu mar de luzes num borrão impressionista. Lá embaixo, o evento corporativo da Omnia Corp havia terminado horas atrás, mas seus ecos ainda reverberavam no ar rarefeito do 35º andar. Eram os destroços emocionais e políticos de uma noite de alianças forjadas no fogo e facadas sutis, desferidas com sorrisos corteses.

Rafael, de pé diante daquela vista caótica, servia dois dedos de um uísque escocês de dezoito anos em copos de cristal pesados. O gelo, perfeitamente cúbico, tilintava como pequenas provocações sonoras no silêncio opressor da suíte. Ele ajustou o nó da gravata de seda, ainda impecável mesmo depois de horas de discursos vazios e apertos de mão calculados. Cada gesto seu era uma declaração de controle, uma coreografia de poder ensaiada à exaustão. Ele era o arquiteto, o estrategista. Aparentemente calmo, mas por dentro, uma fornalha de ambição e ressentimento ardia em fogo baixo e constante.

A porta da suíte se abriu sem a cerimônia de uma batida. Bruno não pedia permissão; ele tomava. Alto, com ombros largos que o terno italiano de corte impecável lutava para conter, ele era um monumento à autoconfiança. Seu corpo jamais perdera completamente a memória do passado atlético nas quadras de vôlei, e sua presença preenchia o ambiente, deslocando o ar com um magnetismo agressivo. Um perfume amadeirado e caro, assinatura de sua marca pessoal, misturava-se ao cheiro metálico e ozonizado da chuva que se infiltrava pelas frestas.

— Uma última bebida para selar a noite, Rafa? — A voz era grave, com uma ressonância que parecia vibrar no peito de quem ouvia. Cada sílaba arrastada carregava a mesma dose de insinuação e afronta.

Rafael não se virou de imediato. Apenas um sorriso de canto, quase imperceptível, espelhado no vidro escuro da janela. Ele estendeu um dos copos para trás, sem olhar.

— Para o vencedor... ou para o perdedor. A essa altura, a diferença é mínima.

Bruno pegou o copo, seus dedos roçando os de Rafael por um instante deliberado. O primeiro gole de uísque desceu queimando, aquecendo o estômago, mas não foi capaz de derreter a camada de gelo que se formara entre eles. O silêncio era uma arena. As frases sobre a reunião do conselho de administração vinham com espinhos invisíveis, projetados para perfurar a armadura um do outro.

— Os velhos do conselho te adoram, Rafa. Te veem como um filho. Uma pena que admiração não fecha negócios bilionários.

— E nem tudo se resolve com peito estufado e um sorriso de predador, Bruno. Alguns de nós precisam de estratégia, não de força bruta.

A tensão tornou-se tão densa quanto a noite lá fora. Um trovão distante retumbou, e a luz da cidade piscou por um segundo. Foi o sinal. As gravatas foram afrouxadas, os paletós caros, jogados sem cuidado sobre as poltronas de couro. A tempestade, antes um pano de fundo, agora parecia o maestro daquela ópera de poder e desejo.

Bruno se aproximou, lento, um predador estudando sua presa. O cheiro quente de álcool em sua respiração e o odor de pele úmida pela chuva atravessaram a última linha de defesa de Rafael. O segundo copo mal havia sido esvaziado quando Bruno o encurralou, prensando-o contra a janela fria. O choque térmico do vidro nas costas de Rafael foi um prelúdio do que viria. A respiração deles se misturou, condensando no vidro, criando uma pequena névoa que os isolava do mundo.

— Você sempre se achou melhor do que eu, não é? — Bruno rosnou, a voz um sussurro perigoso. Sua mão, grande e firme, agarrou a lapela do terno de Rafael, puxando-o para mais perto. — O intelectual. O refinado. Mas no fundo, você é tão faminto quanto eu.

O beijo não foi uma pergunta, foi uma afirmação. Brutal, possessivo, uma colisão de dentes e línguas, um conflito físico que era tão inevitável quanto a chuva que castigava São Paulo. Não havia ternura ali, apenas a urgência de anos de rivalidade, de olhares carregados e de uma tensão sexual tão profunda que se disfarçava de ódio. Rafael reagiu com a mesma fome selvagem, uma faceta que ele mantinha trancada a sete chaves. Suas mãos agarraram os cabelos de Bruno, as unhas arranhando a pele quente sob a camisa de linho semiaberta.

Com um movimento fluido, Bruno o virou contra o vidro, a cidade testemunhando a cena através de um filtro de chuva e desejo. A boca de Bruno deslizou pelo pescoço de Rafael, mordendo o lóbulo da orelha, enquanto suas mãos, urgentes e habilidosas, arrancavam a camisa cara. Botões voaram como estilhaços. A mão grande deslizou até a cintura, abrindo o cinto de couro como quem desfaz uma armadilha há muito tempo armada.

Rafael gemeu baixo, um som que era a fusão perfeita de ódio e excitação.

Bruno ajoelhou-se, a respiração quente contra a pele exposta do abdômen de Rafael. O sexo oral foi cruel e possessivo, uma subjugação deliberada, uma humilhação que, para Rafael, ardeu mais em seu orgulho do que em seu corpo. Mas o prazer... o prazer era uma faca de dois gumes, afiada e traiçoeira, que desmantelava cada barreira de seu autocontrole.

Quando o limite foi atingido, Rafael o empurrou para trás, os olhos febris, a máscara de civilidade completamente estilhaçada.

— Quer jogar, animal? — sussurrou, a voz rouca. — Vamos jogar.

No tapete felpudo e caro, a dinâmica virou. Rafael, o estrategista, usou sua inteligência de forma visceral. Ele mapeou o corpo de Bruno com dedos e dentes, preciso e letal, encontrando pontos de sensibilidade que o próprio Bruno talvez desconhecesse. Arrancou gemidos abafados e surpresos. A voz antes segura e dominante de Bruno se fragmentava sob toques cruéis e palavras sórdidas sussurradas ao pé do ouvido.

O sexo foi duro, desesperado, uma batalha sem vencedores claros. O som da pele contra a pele se misturava aos trovões, cada investida um desafio, cada gemido abafado um território conquistado. Eles não estavam fazendo amor; estavam travando a guerra que vinham adiando por uma década, usando os corpos como armas e o prazer como munição.

O clímax veio simultâneo, uma explosão inevitável que os deixou sem ar. Corpos suados, mãos agarradas em tecidos e pele, um grito abafado no ombro do outro. Por um instante, o mundo parou de girar.

Ficaram ali, no chão, entre os destroços de suas roupas e de suas armaduras. Ofegantes. A luz azulada e intermitente da cidade iluminava os corpos marcados, os arranhões e as manchas vermelhas. O silêncio que se seguiu era mais ruidoso que a tempestade.

Rafael sentia o peito subir e descer, não pela corrida ao cargo de CEO, mas pelo vazio vertiginoso deixado pelo orgasmo, pela intimidade crua e não planejada que agora os conectava. Bruno, com o braço sob a nuca, encarava o teto, a mente, pela primeira vez em muito tempo, em branco. Ele não sabia se havia vencido ou se acabara de perder de vez. O orgulho era a primeira barreira. Nenhum dos dois jamais admitiria que queria aquilo há anos, que cada provocação no escritório era um prelúdio para aquele momento.

E depois, vinha o mundo lá fora. A decisão do conselho seria anunciada em poucas horas. Um deles seria o chefe do outro. Ou, na pior das hipóteses, seriam condenados a conviver com aquele segredo, com a lembrança de corpos colidindo e o gosto indelével de desejo reprimido.

A chuva parou. O amanhecer trouxe consigo uma luz fria e impiedosa, pintando as roupas pelo chão e a marca de corpos na janela embaçada com as cores cruas da realidade.

Rafael foi o primeiro a se mover. Levantou-se com uma fluidez calculada, pegou sua gravata do chão como um soldado recuperando sua bandeira.

Bruno permaneceu deitado, o corpo poderoso agora vulnerável sobre o tapete, olhando para Rafael de um jeito que nunca tinha ousado antes.

— Se você disser uma palavra sobre isso... — começou Bruno, a ameaça morrendo no ar.

— Não precisa — Rafael cortou, a voz firme enquanto ajustava o nó da gravata com a elegância de sempre.

Ele estava de volta ao seu personagem. Mas algo nos olhos dele, um brilho sombrio e triunfante, dizia que aquela guerra, a verdadeira guerra, estava longe de acabar.

Porque certas rivalidades são apenas a desculpa perfeita para continuar jogando. E o jogo, agora, tinha acabado de ficar infinitamente mais interessante.

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