Benjamin
Quando se acha que conhece alguém algo acontece e você percebe que na verdade nunca conheceu realmente. Ando muito pensativo sobre o Rubens desde que descobri sobre sua sexualidade. Tive um estranho em casa por uma semana, só que esse estranho foi meu cunhado por sete anos, o Mariano chegou a ser noivo do meu irmão, não importa o quanto pense sobre isso ainda é um choque para mim que meu irmão quase tenha se casado e eu nem conhecia o noivo.
Mariano teve problemas com seu ex, mas conseguimos resolver isso. Essa confusão toda até serviu para aproximar um pouco mais minha família, por isso que pensei que as coisas finalmente começaram a melhorar, mas como dizem sempre vem uma calmaria antes da tempestade, só que essa tempestade chegou bem cedo. Estava no quartel de plantão quando Julia me mandou mensagem, depois de anos o segredo do Rubens foi exposto da maneira mais covarde e improvável possível. A ex do Antônio ligou para minha vó e daí para frente foi um caos atrás do outro. Rubens e meus avós deslocaram de casa de uma forma quase involuntária, Dona Tereza expulsou o Antonio de casa — fato esse que Rubens não ficou sabendo, para todos os efeitos foi o Antônio quem quis sair — minha mãe está fingindo que nada aconteceu e por conta disso Júlia se mudou para a casa do namorado.
Julia e nossa mãe estão em um pé de guerra, mamãe acha que se não falar nada sobre as coisas vão voltar a ser como antes e Julia odeio esse plano, as duas não conseguem mais ficar no mesmo lugar sem uma confusão, por isso ela saiu de casa — só espero que isso dê a Júlia a oportunidade de colocar sua vida nos trilhos. No meio dessa história toda Rubens é quem mais está sofrendo, entretanto ele me surpreendeu. Pensei que meu irmão iria aproveitar a chance da mamãe está ignorando essa história e só ia deixar por isso mesmo, porém ele tem tentado conversar com ele desde que tudo começou. Já a vovó está irredutível, ela não fala mais com Júlia e nem com Rubens e quase parou de falar comigo também quando tentei lhe dar um pouco de juízo. O Vovô disse para sermos pacientes, mas conheço a Dona Teresa, ela não vai ceder.
Ofereci meu apartamento para o Rubens, mas ele acha que sair da casa da mamãe só vai piorar as coisas no fim e ele tem razão, ela só vai ficar mais irritada com tudo, sei bem como é. Pelo menos ele está topando sair de casa com a gente de vez em quando, Zé Filho e eu estamos nos esforçando para não deixá-lo preso no quarto trabalhando e sofrendo. Inclusive hoje combinamos de ver um jogo de basquete em um bar perto da casa do Zé. Como estou saindo um pouco mais tarde do quartel hoje, Zé Filho ficou de buscar o Rubens e me encontrar no bar, só deu tempo de passar em casa para tomar um banho rápido e trocar de roupa — não posso beber e me divertir estando fardado, isso pode me dar muito problema no quartel.
— Boa noite — assim que entro já vejo o Zé Filho e Rubens em uma mesa perto da tela projetada.
— E ai Ben — Zé Filho me cumprimenta de volta e ergue o braço para pedir outro copo para o garçom.
— Boa noite Ben — Rubens por outro lado não parece muito animado.
— Como está a mãe? — Pergunto.
— Ela tá na mesma, o António quer vir me ver, mas não quero que ela trate ele mal, já basta minha vó infernizando ele e a Tia Marli lá no Tiangua.
— Rubens entendo que você não queria mais confusão do que já deu, mas irmão para quem tá passando por uma relação a distância que nem você pela primeira vez eu to ficando maluco, imagina você — Zé entra na conversa.
— Você está mesmo apaixonado por essa mulher, né? — Pergunto admirado, pois nunca o vi namorando sério com ninguém.
— Vou me casar com ela irmão, inclusive já falei com meu chefe, peguei uma semana do meu banco de horas para ir ver minha mulher, viajo amanhã.
— Você deveria ir com ele, Rubens — digo.
— Não posso, tô quase convencendo a mamãe e a Julia a se entenderem e esse fim de semana vamos almoçar só nos três.
— Irmão quando você vai parar de priorizar os outros? — Zé Filho tenta argumentar, mas conheço o Rubens, ele está com medo de que Antônio faça como Mariano e pule fora por conta das dificuldades.
— O Andrey vem também? — Rubens mudou de assunto.
— Não, ele disse que a mãe do Mariano convidou ele para jantar lá na casa deles como forma de agradecer a ajuda que ele deu — Zé Filho explica.
— Eles ficaram tão amigos assim? — Rubens pergunta, não sei se ele ficou com ciúmes ou só curioso mesmo.
— Rapaz, pelo que o Andrey me contou a viagem dos dois foi bem legal, o Mariano ajudou bastante e até dirigiu o caminhão também — dá para ver a surpresa nos olhos do meu irmão ao ouvir o Zé.
— Que bom que deu tudo certo no fim — digo — Rubens, tudo bem por você o Andrey ficar amigo dele?
— E por que não ficaria? — Rubens responde meio evasivo — quer dizer é estranho que agora meus irmãos falam com meu ex, mas isso é bom, o Mariano precisa de amigos.
— Não se preocupa Rubens, meu irmão nunca pegou homem e olhe que muitos já se jogaram para cima dele, mas até onde sei ele só comem mulher — Zé Filho diz rindo da situação.
— Eu sei, tipo o Andrey e o Mariano seria muito loucura — até Rubens ri com a possibilidade.
— E você Ben? — Rubens lança o foco da conversa para mim.
— Eu o que?
— Ele quer saber das suas namoradas — Zé Filho diz enchendo o copo que o garçom acabou de deixar na mesa com a cerveja que estão bebendo.
— Nada sério, sai com uma vizinha umas duas vezes, mas a última coisa que eu quero agora é namorar.
— Por que irmão, namorar é a melhor coisa do mundo — não consigo mais reconhecer o Zé Filho, não sei o que essa Gessika fez, mas deu certo.
— A Gessika também não fala outra coisa, ela sempre me pareceu tão durona, mas ta toda derretida por esse ai — Rubens finalmente abre um sorriso.
— Ela provou e viciou o que eu posso fazer, é o mel dos Domingos — Zé é muito brega mesmo sendo o caçula ele parece o mais velho.
— Ai não Zé Filho, nem começa — Rubens cai na risada — vou no banheiro e pedir outra para gente — ele diz se referindo a cerveja.
Rubens não está muito bem, consigo perceber isso agora que sei de tudo. Meu irmão é forte e ele carrega o peso do mundo nas costas a muito tempo, tanto que ficou muito bom em disfarçar suas preocupações, mas já tem mais de um mês que ele e o Antonio estão separados, isso deve está deixando ele maluco e se eu conheço meu amigo, não deve está nem um pouco diferente disso, preciso fazer alguma coisa para ajudar esses dois, se não essa historia vai se estender ainda mais do que deveria.
— Zé Filho você vai de carro por Tianguá? — Pergunto aproveitando que estamos sozinhos.
— Não, lá na casa dela não tem espaço para guardar o meu carro e ela quer que fiquemos lá para conhecer melhor sua família, então resolvi ir de ônibus e lá a gente usa o carro dela mesmo.
— Certo, que horas você vai, olha ai se ainda tem vaga para mim — digo, não posso pensar muito nisso, só vou seguir minha intuição, que é algo que não faço muito, pelo menos não fazia até agora.
— O que você vai fazer lá? — Zé Filho me pergunta confuso.
— Não vou deixar o Rubens sofrer com o Antonio tudo que ele sofreu com o Mariano, não conta nada para ele, só faz o que eu to te mandando — sem perguntar mais nada Zé Filho saca o celular do bolso e faz o que eu pedi, compra uma passagem para mim no mesmo ônibus dele.
No dia seguinte fui trabalhar só pela manhã e já deixei avisado que iria precisar de uma semana de folga, para minha sorte trabalho tanto que nas raras vezes que preciso de folga meus superiores costumam me liberar. Para Rubens digo que vou precisar viajar em uma missão — não deixa de ser uma verdade — assim na hora combinada Zé Filho passa aqui em casa e juntos seguimos para a rodoviária. Depois de um dia viajando chegamos no início da noite. Zé Filho me disse que o Antônio é quem vai nos buscar na rodoviária o que facilita muito as coisas para mim, não quero o Rubens saiba que estou indo ver o seu namorado.
— Ben? — Ele ficou surpreso em me ver.
— E ai Antonio — o puxo para um abraço que ele retribui me apertando.
— Cara que surpresa, você não me falou que vinha.
— Pois é, decidi meio que de última hora, mas é que preciso muito conversar com você.
— Beleza, e ai Zé Filho tudo bem? — Antonio o cumprimenta — vou te levar para casa da Gessika, depois a gente pode ir comer alguma coisa e conversar Ben, pode ser?
— Perfeito — confirmo.
— Por mim tá ótimo também, só quero ver minha mulher logo — Zé Filho está morrendo de saudades pelo visto.
Logo após deixarmos minha irmã na casa da namorada seguimos para um restaurante para jantarmos e enfim pôr a conversa em dias. Há um tempo que não conversamos, andei tão ocupado esses dias e também com toda a situação acabei mandando uma mensagem de apoio. No restaurante que ele escolheu pegamos uma mesa e fazemos o pedido, enquanto não chega ele começa a falar sobre seu novo trabalho.
— Cara o ONG ficou perfeita você tem que ver, estamos atendendo bem mais que antes e tudo está indo bem graças a Deus e ao Rubens que fez isso ser possível.
— Você merece Antonio, trabalhar na ONG sempre foi algo que você amou, para isso que você se formou não foi.
— Foi, mas sem o Rubens isso nunca teria acontecido.
— Você sente muita falta dele, né? — Pergunto.
— Nossa mano você não faz ideia, eu durmo agarrado com travesseiro, até comprei um tablet para fazer facetime com ele e poder vê-lo melhor acredita? — Meu amigo me parece tão mal quanto meu irmão.
— Cara, o Rubens não anda diferente de você, vocês precisam passar por isso, tem que enfrentar o mundo se for preciso para ficarem juntos.
— Eu quero Ben, mas preciso dar o espaço e o tempo que ele precisa, por mais doloroso que seja já sabíamos que levaria tempo — ele parece até o Rubens falando.
— Antonio minha família é um porre, Julia ama o Rubens, mas a verdade é que ela é uma aproveitadora, minha mãe ainda pensa que o Rubens é uma garotinho e quer mandar em todos os aspectos da vida dele, eu tenho sido um péssimo irmão e mesmo assim ele continuar pisando em ovos para não me desagradar — Antonio me lança um olhar espantado, acho que não esperava tanta franqueza — nos amamos, mas a verdade é que Rubens vai continuar sendo nosso irmão morando ou não na mesma cidade que a gente, só que ele não vai conseguir fazer isso sozinho, ele precisa de você para quebrar esse elo que ele acha que tem com a gente.
— Não quero que ele abra mão de nada por minha causa Ben, o Rubens já perdeu tanto — Antônio o ama tanto que está disposto a se martirizar junto com meu irmão.
— Antonio vou te perguntar uma coisa e quero que me fale com sinceridade — ele me encara com os olhos firmes — você ama o Rubens?
— Mais do que tudo no mundo Ben — ele me responde sem titubear.
— Então vai buscar seu namorado — digo com toda a firmeza que é possível — ele está esperando que você vá.
— Você é o melhor irmão do mundo, sabia — ele diz com os olhos marejados — eu prometo que vou fazer do Rubens o homem mais feliz do mundo.
— Você já faz e é por isso que eu estou aqui Antônio, para garantir que o meu irmão não perca mais um dia da sua felicidade por nossa causa.
Passando o jantar vamos encontrar com Gessika e Zé Filho, temos umas coisas para planejar e vamos precisar da ajuda deles. Ver o Zé Filho com a namorada é algo inédito para mim, ele não desgruda dela um minuto, ambos parecem dois moleques apaixonados, ele chega a ficar bobo do lado dela, isso me lembra um pouco o Rubens quando o vi com o Antônio na vez em que eles foram me visitar.
— Oi Ben, Gessika esse é o meu irmão mais velho Benjamin.
— Prazer — digo a cumprimentando.
— Antonio quem diria que um dia seríamos todos da mesma família — ela diz toda animada.
— Entendeu o recado, né Zé Filho? — Antonio diz rindo e completa — minha amiga quer um anel.
— Ela sabe que já está sendo providenciado — ele diz me pegando de surpresa.
— Vocês estão juntos a um mês e já estão falando de casamento? — Pergunto.
— Ben a gente já sabe até o nome que vamos dar para as crianças — Zé Filho está mudado mesmo.
— Nossa, melhor eu não ficar muito tempo por aqui, já que pelo visto meus parentes tendem a encontrar seus amores verdadeiros nesta cidade e ainda tenho muito para viver na minha solteirice.
— Pelo visto o Benjamin solteiro além de galinha é comediante também — Antônio fala me zuando.
— Então qual é o plano? — Gessika pergunta.
— Bem, temos dois dias para deixar tudo pronto, preciso encontrar uma casa, afinal não posso ir buscar meu namorado para morar na casa da nossa tia — Antônio está feliz como pinto no lixo.
— Deixa isso com a gente — Gessika se prontifica — eu e meu engenheiro vamos te ajudar a encontrar uma casa perfeita para vocês.
— A gente bem que podia ir procurar uma pra gente também né? — Zé Filhos diz em um tom de brincadeira, mas sinto um pouco de verdade.
— Eu faço questão de comprar umas coisas para vocês como presente de casa nova — digo.
— Entendi o que você está tentando fazer, viu Ben — Zé Filho diz rindo — você quer ser o padrinho, então vamos ver quem dará o presente melhor de casa nova.
— Estou começando a gostar da ideia do meu namorado ter um milhão de irmãos — Antônio não consegue parar de sorrir, estou louco para ver a cara que o Rubens vai fazer quando ver o que estamos fazendo.
Tia Marli ficou radiante ao me ver, ela ama muito todos os sobrinhos netos e depois de ver que ela foi quem mais apoiou meu irmão com o Antônio isso só me fez amá-la ainda mais, mesmo assim achei melhor dormir na casa dos meus avós, tenho esperança de que minha vó pode me ouvir, então durmo com eles para podermos conversar. Na manhã seguinte levantei cedo sentindo o cheirinho de café da minha vó, ela e o vovô estão na cozinha e na mesa tem um verdadeiro banquete.
— Bom dia meu amor, venha, sente do lado do seu avô — ela diz toda amorosa, sempre fui seu favorito e ela nem se esforça para negar.
— Filho, você nem nos avisou que estava vindo — meu avô questiona.
— É que foi meio de última hora, vim aqui para conversar com você sobre o Rubens e o Antonio — só de ouvir os nomes minha vó fecha a cara.
— Benjamin, não vou aceitar essa pouca vergonha na minha casa! — Ela já começa a entrar na ofensiva.
— Meu amor — meu avô tenta argumentar, mas ela o lança um olhar tão feroz que ele se cala no mesmo instante.
— Vó o Rubens é seu neto, ele te ama e está sofrendo com essa situação.
— Eu oro todos os dias para que Deus cure meu filho, mas enquanto ele viver no pecado não será meu neto — ela se mantém irredutível.
— Sinto muito que pense assim vovó, mas se meu irmão não é bem vindo aqui, eu também não sou.
Ela fica calada com a cara fechada, mesmo me doendo muito levanto, beijo meu avô, depois vou até ela e a beijo na testa.
— Espero que um dia a senhora veja a besteira que está fazendo, afastando netos que te amam tanto por conta de um preconceito tolo e sem sentido, te amo vó.
Saio de lá sem terminar meu café, tinha um pouco de fé de conseguir argumentar com ela, mas em poucas palavras já percebi que ela fez sua escolha e infelizmente dona Teresa é o ser humano mais teimoso que já conheci na vida. Sigo para casa da tia Marli que não fica tão longe daqui, termino de tomar meu café com a tia e com Antônio, depois descemos para o centro, temos para passar na imobiliária que a Gessika indicou para ver umas casas.
Gessika e Zé Filho encontram-se com a gente na frente da imobiliária. Visitamos três casas ainda pela manhã, mas nenhuma parecia muito boa. Resolvemos dar uma pausa para almoçar e só depois ver mais algumas, mesmo sem ter encontrado uma casa boa ninguém desanimou. À tarde Gessika teve que ir resolver umas coisas do trabalho, mas nós três voltamos à imobiliária para encontrar com o corretor que nos levou para ver mais duas casas. No fim nenhuma parecia mesmo boa para eles, só que na volta para casa por um acaso do destino passamos em frente a uma casa com uma placa, a rua é bem familiar, tem crianças brincando na rua e a localização é boa, não teve como não parar. A nossa sorte parece sorrir para a gente já que a vizinha não só soube nos informar sobre o imovel como também tinha a chave para olharmos.
— São três quartos e tem garagem, esse quintal é todo no azulejo e cimento ou seja perfeito para vocês que não vão ter muito tempo para está limpando — Zé Filho diz dando sua opinião de engenheiro — fora que pelo que to vendo a estrutura é boa.
Por garantia achamos melhor contar que era uma para um casal de caras — vai que a vizinhança homofóbica — e para nossa total surpresa a dona da casa é lesbica, ou seja esse lugar se mostrou para gente justo por ser perfeito, a casa é grande o suficiente para os dois, tem até um quarto de hóspedes para quando vier visitá-los e fica perto da ONG outra grande vantagem ao meu ver. Antonio combinou de assinar o contrato amanhã e já pegar a chave, depois desse achado maravilhoso só nos restou ir comemorar, agora com Gessika novamente que conseguiu se livrar do cliente chato que a alugou, ela ficou meio puta por não ter visto a casa perfeita, mas acabou comemorando feliz com a gente.
— Ben, e se ele disser não? — Antonio me pergunta na volta para casa da tia.
— Conheço meu irmão Antônio, ele vai aceitar.
— Eu sei que ele quer isso, mas e se ele quiser continuar a distância por mais um tempo? — Mesmo feliz ele está com medo de perder o meu irmão, é curioso que ambos tenham o mesmo medo, mas que estão sendo bobos de não ver que essa situação é bem simples de se resolver.
— Antonio vai por mim, isso é que o Rubens mais quer na vida, ele vai amar a casa assim que por os pés nela, pode acreditar em mim.
—Ben, acho que vou me casar! — Aos poucos a ansiedade dele vai dando espaço para outro sentimento, o de amor incondicional.