Depois do ensaio, o Sr. Fujiwara saiu rapidamente, dizendo que precisava ir direto para a empresa encontrar um cliente importante — o mesmo cliente que, segundo ele, era o motivo pelo qual eu estava sozinha agora. Antes de sair, ele olhou para mim e disse:
— Kaori-san, eu trouxe bastante comida e bebida. Coma, alimente-se bem. Infelizmente, não posso acompanhá-la. Tenho um compromisso urgente. Bruno está me esperando.
Assenti, sem conseguir dizer muita coisa. O fotógrafo também já havia deixado o estúdio. Quem ficou ali organizando os figurinos foi Seika, que apenas me cumprimentou brevemente antes de se ocupar com as roupas espalhadas. Eu permaneci ali, em silêncio, abrindo uma lata de cerveja e comendo alguns petiscos sobre a mesa. Mas não era fome o que me dominava. Era confusão.
O beijo… o toque dele por trás de mim… As mãos firmes segurando minha cintura, o calor do corpo dele. Eu devia estar horrorizada. Mas havia algo dentro de mim que se remexia com aquilo. Um desejo, uma carência que eu fingia não ter. Mas aquilo estava errado. Eu era casada. Ele era o patrão do meu marido — agora também meu patrão. Eu sabia que tinha ultrapassado uma linha, e o pior era que uma parte de mim não se arrependia completamente.
Voltei para casa com passos lentos. O céu já estava escurecendo. Quando abri a porta, liguei a televisão, fiquei assistindo qualquer coisa, mas pensando no que havia acabado de acontecer, e como poderia contar ao Bruno.
Ele chegou meia hora depois, me surpreendi por aparecer tão cedo. Imaginei que demoraria mais seu negócio com o Brasileiro.
— Como foi o ensaio? — ele perguntou.
Naquele instante, a imagem do beijo invadiu minha mente. Senti minhas bochechas corarem, e desviei o olhar.
— Ah... foi normal. Proveitoso. O fotógrafo era muito profissional.
— Você tá bem?
— Tô. Só... cansada. Acho que vou tomar um banho.
Ele me olhou por um tempo, como se tentasse ler algo nas entrelinhas, mas não disse mais nada. Fui tomar banho, e assim, no chuveiro, eu me lavei. E fiquei pensando em como poderia contar pro Bruno, sem causar grandes estragos, eu tinha muito medo de que Bruno fosse tirar satisfação com o chefe, e acabasse sendo prejudicado.
Sai do chuveiro, e fui direto ao meu marido, que parecia estar me esperando ali. Resolvi sondar para ver o que ele falava.
— Bruno...
— Oi? Fala, amor.
— Se acontecesse alguma coisa estranha com você... algo que você achasse que eu devia saber... você me contaria?
Ele para e pensa alguns segundos, enquanto estes pareciam horas pra mim. Logo ele me responde.
— Eu... acho que sim. Procuraria o melhor jeito de te dizer... mas contaria.
Eu pensei naquela resposta, e ele tinha razão. Precisava dizer a ele, mas esperar um melhor momento para dizer. Logo, ele me questiona:
— Por quê essa pergunta?
— Nada. Curiosidade boba.
Em seguida, eu me aproximei dele. Fiquei de frente a ele. Podia olhar seus olhos, tão inocentes e meus. Eu era apaixonada nesse homem. Mas ele por algum motivo não me queria mais, ou ao menos eu não parecia ser mais interessante a ele. — Ou talvez, era só impressão minha mesmo.
— Eu te amo. — Eu disse.
— Também te amo.
— Vou fazer o jantar. Deve estar com fome.
Fomos jantar. A conversa foi trivial. Nada além de frases soltas. Ainda assim, algo mudou naquela noite. Eu estava estranhamente cheia de vontade. De toque. De conexão. E esse toque não veio. E isso me frustrava.
Acordamos no dia seguinte.
— Bom dia...
Eu sorri para ele, e respondi.
— Bom dia, dorminhoco.
Nos sentamos e tomamos nosso café, depois de um beijo que dei a ele. Mas era mais um beijo automático, vindo dele. Vindo de mim.
— Hoje tem expediente completo? — Perguntei, enquanto me servi.
— Tem. Inclusive, com carga extra. Alguns relatórios para revisar e sistemas para validar. O Sr. Fujiwara... é exigente.
Ouço o que ele dizia, e no fundo, lamentei. Estava com saudades do meu amor.
— Entendo, amor...
— Mas eu terei alguns intervalos, podemos ir nos falando. E talvez, a noite, tenha uma novidade pra você. — Ele comentou. Fiquei curiosa, mas não quis incomodar.
— Não quero te atrapalhar, meu amor.
— Na verdade... — Ele disse. — Tudo que eu faço, é por você.
Aquilo me fez remoer o beijo que por, segundos, eu cedi com o senhor Fujiwara. Que mulher é essa que demora para reagir a um beijo roubado de alguém?
— E você? Algum plano pra hoje? — Ele perguntou.
— Nada demais... talvez ir ao mercado à tarde. Estamos com falta de algumas coisas.
— Tudo bem.
Depois do café, nos despedimos. O beijo de novo... ausente. Estranho.
— Até mais, amor. — Desejei assim um bom dia a ele.
Após limpar toda a casa, decidi sair à tarde para fazer compras. Bruno ainda estava no trabalho. Fui caminhando até o mercado, e enquanto empurrava o carrinho entre as prateleiras, meu celular tocou. Era Fujiwara.
— Kaori-san — disse ele, com a voz carregada de entusiasmo. — Boas notícias. As fotos ficaram incríveis, e eu as enviei para a empresa francesa de lingerie. Eles adoraram. Estão encantados com você. Querem você como modelo.
Fiquei sem palavras por alguns segundos.
— Você está brincando…
— Estou falando muito sério. Eles já mandaram a confirmação. Querem que você participe da nova campanha. Inclusive, as novas peças chegarão até sábado. Teremos outra sessão.
— Você… você falou com o Bruno sobre isso?
— Ainda não deu tempo. As coisas têm sido corridas. Mas seria bom que você mesma contasse a ele. Com calma. Hoje mesmo, se possível.
A ligação terminou. Fiquei ali parada, em frente à seção de legumes, com o coração disparado. Eu estava animada, claro. Era uma oportunidade grande. Mas ao mesmo tempo, uma onda de culpa me invadiu.
Como eu iria contar isso para o Bruno… depois de tudo?
Quando cheguei em casa, Bruno já estava lá. Me surpreendi — não esperava encontrá-lo tão cedo. Ele estava no sofá, largado, com uma expressão cansada no rosto. Assim que me viu, se levantou e veio até mim.
— Oh, oi! — Disse a ele, quando o ví se aproximar. — Não imaginava que chegaria depois de você.
— Sim, amor. Cheguei sim. Estava no mercado? — Ele perguntou pra mim, enquanto eu cheguei com as sacolas em mãos, mostrando pra ele.
— Estava sim. Fila enorme, acabei me distraindo olhando umas coisas.
Ele então veio me ajudar a carregar as sacolas e as colocou para mim na mesa. Eu olhava para ele.
— Irei guardar essas coisas, já conversamos amor, aliás, quer alguma coisa?
— Não, amor. — Ele me disse.
Ele assentiu, e fui direto guardar as sacolas. Coloquei as verduras na geladeira, os pacotes de algas na prateleira de secos, o leite de soja na porta da geladeira. A cozinha estava um pouco quente, então abri a janela para deixar o ar circular.
Depois de tudo guardado, fui para a sala e me joguei no sofá. Peguei o celular e comecei a rolar o feed, sem prestar muita atenção. Notícias, fotos de conhecidos, nada me prendia. Meu corpo estava ali, mas minha cabeça ainda estava no estúdio, com aquelas lembranças recentes me assombrando.
— Você está bem? — Ele veio do nada, e perguntou.
— Estou sim, amor. — Disse, tentando dizer para mim mesma que estava tudo bem.
— Eu estava pensando em uma coisa. — Ele em seguida me disse, enquanto estava do outro lado do sofá.
— O que? — Perguntei.
— Acho que já está na hora de seguir minhas próprias pernas nesse país. Estou pensando em sair da empresa e começar a ser independente.
— Como assim? — Curiosa, eu perguntei a Bruno. Ele passou a me olhar, veio até mim, juntou sua mão na minha, e respondeu:
— Eu já trabalhei tempo demais para o Fujiwara-san. Eu já consigo falar fluentemente japonês, e até mesmo já tenho um ou outro contato para começar meu próprio negócio. Conversei com um amigo hoje, e ele está disposto a ser meu sócio em uma nova empresa. Eu consegui um Capital Inicial para os equipamentos e também alugar um salão, já tenho 3 clientes em potencial para trabalhar. Eu só preciso agora de tempo para vencer o meu contrato com o senhor Fujiwara, e depois comunicar que não irei renovar.
— Você.... Acha que isso vai dar certo? — Eu perguntei, ainda tentando entender o que ele de fato queria.
— Eu acho sim. Inclusive, isso é uma boa oportunidade pra voltarmos a deixar tudo isso pra lá e sermos somente nós dois de novo. O que acha?
Foi então que caí na realidade, onde Bruno estava visivelmente desejando sair de uma vez de todas da empresa e também das mãos do senhor fujiwara. Enquanto isso, eu estava ali praticamente virando uma modelo de sua agência de publicidade. Já era tarde demais talvez para desistir, e como o próprio senhor Fujiwara já disse, precisava contar ao Bruno ao menos para que ele me desse uma opinião a respeito.
— Recebi uma proposta. Do Fujiwara-san.
Olhava para Bruno, que ficou sem reação com o que eu acabei de falar. Na verdade, percebi que fui muito vaga nas palavras, e antes de explicar melhor, ele me perguntou:
— Que tipo de proposta?
Respondi logo em seguida:
— Bom... Ele me disse que um patrocinador internacional adorou as minhas fotos, e...
— Como é? Mas as fotos não seriam apenas nossas? — Ele perguntou.
— Então... — Eu respondi, visivelmente corada. — Seriam, mas ele me disse que me achava "bonita demais" pra me esconder em simples fotos caseiras, e que poderia virar uma modelo internacional.
— E depois? O que ele falou?
— Ele quer me convidar para uma campanha de lingeries. De uma marca francesa. Disse que as fotos do ensaio anterior chamaram atenção.
— Eu... Não sei o que pensar sobre isso. E você? — Dizia Bruno.
— Eu? Não sei, oras... — Porém, na verdade, eu sabia bem o que pensar. Uma oportunidade única dessas, de ser famosa e ser mais independente.
— E você quer fazer?
Hesitei em falar no começo, mas eu respondi:
— Bom, eu não sei, sabe? Não sei. Mas quis te contar.
Silêncio.
— Eu não acho isso certo. Eu vou falar com ele. — Disse Bruno. E temendo alguma coisa, como o Senhor Fujiwara ficar aborrecido com ele, e também por uma vontade de posar para a campanha, eu respondi:
— Mas eu tenho vontade de fazer! — Olhei em seguida para ele, tímida, corada, mas decidida.
Depois daquilo jantamos. Ou ao menos tentamos jantar, onde Bruno mal tocava na comida, e por consequência eu também não. Tentei comer um pouco e ele também, porém logo ele se deu por satisfeito que se levantou para ir para a sala. Guardei o restante da comida e aproveitei para lavar a louça. E enquanto a água caía sobre a pia, enquanto eu ensaboava os pratos fiquei pensando em nosso casamento na vontade que eu estava de fazer amor com Bruno, e principalmente do beijo que não deveria ter acontecido. decidi afastar de vez tudo isso e fui até ele.
— Você sabe que eu sou sua, né?
Ele respirou fundo e assentiu.
— Eu sei.
O beijo veio depois disso. Calmo no início, depois intenso. Como se tudo que estava engasgado entre nós finalmente explodisse. As mãos dele seguraram minha cintura, as minhas foram para o pescoço dele. Nos tocamos como se estivéssemos reaprendendo o corpo um do outro.
Fomos para o quarto. Ele me jogou na cama, me chupou, me fodeu. Fizemos amor, e dessa vez, eu senti, ele parecia mais viril que antes. Será que era o ciúme? O tesão? Fizemos amor com fome, com desejo, com saudade. Foi como se, por algumas horas, nada mais existisse. Nenhum contrato, nenhuma foto, nenhuma dúvida.
Depois que fizemos amor, senti uma paz que há tempos não experimentava. O toque de Bruno, seu corpo junto ao meu, me trouxe de volta a um lugar de segurança e amor que parecia distante. Mas, mesmo envolta nesse sentimento, algo dentro de mim continuava inquieto.
Acordei no meio da madrugada. Olhei para o lado e vi Bruno dormindo profundamente, os cabelos um pouco bagunçados, a respiração calma. Me levantei com cuidado para não acordá-lo e fui até a cozinha beber um pouco de água.
Enquanto a água descia pela minha garganta, os pensamentos começaram a me invadir. Lembrei dos nossos primeiros momentos ainda no Brasil. Tínhamos tantos sonhos... tantas promessas. A viagem para o Japão foi uma loucura, mas também uma escolha que fizemos juntos. Queríamos construir algo aqui. Uma vida nova. E, de certa forma, estávamos conseguindo. Tínhamos dificuldades, claro, mas ainda estávamos lado a lado. Ou pelo menos eu queria acreditar que sim.
O que aconteceu no estúdio ainda me corroía. O beijo. O toque. O arrepio que senti mesmo tentando resistir. Eu precisava contar para ele. Não podia mais carregar esse peso. A culpa já começava a corroer o pouco de paz que restava em mim. Mas como fazer isso sem destruí-lo? Sem destruir tudo?
E os próximos ensaios? E se Fujiwara tentasse algo de novo? Eu não podia permitir que aquilo se repetisse. Pensei em comprar algo que pudesse me proteger. Eu precisava mostrar a ele que não era frágil. Que tinha limites.
Voltei para o quarto ainda com esses pensamentos martelando na cabeça. Quando me deitei, Bruno se mexeu e abriu os olhos, meio sonolento.
— Onde você foi? — ele perguntou, a voz baixa.
— Só fui beber água — respondi, tentando sorrir.
Ele apenas assentiu e voltou a dormir. Eu fiquei ali por alguns minutos, observando o teto, tentando silenciar minha mente. Finalmente, consegui fechar os olhos.
Na manhã seguinte, me levantei mais cedo. Vesti uma camiseta larga e fui até a cozinha preparar o café da manhã. Queria algo especial. Fiz arroz fresquinho, ovos mexidos com um toque de shoyu e grelhei fatias finas de frango temperado com gengibre. Separei as tigelas e os hashis na mesa, e preparei também uma porção de chá verde para acompanhar.
Enquanto terminava de arrumar tudo, olhei em direção ao quarto. Estava disposta a aproveitar aquele dia como se fosse o começo de um novo capítulo para nós dois. Mas no fundo... eu sabia que a verdade ainda precisava ser dita.
Sinto, de repente, um abraço por trás.
— Bom dia — Ele me disse, todo dengoso.
Virei o rosto, e dei um beijo no canto da boca dele.
— Bom dia, dorminhoco. Tá com fome?
— De você... — Ouço e dou risada, mas fico com meu coração quentinho. Esse era o meu Bruno.
— Vai, senta. Hoje o café tá mais leve. Só arroz, franguinho e ovos. Achei melhor assim depois da nossa... noite intensa.
Nos sentamos e começamos a tomar o café. Bruno passou a me falar as etapas sobre abrir uma empresa nova. Fiquei feliz em ver sua empolgação, eu acredito que isso o fez ficar mais viril ontem, como se algo tivesse saído de suas costas. Até que veio a pergunta dele:
— E sobre as fotos? Você ainda quer fazer?
Eu precisava ser sincera com Bruno, pelo menos sobre isso, por enquanto. Eu decidi que, sobre o beijo, eu iria deixar pra falar quando ele não tivesse mais vínculo com Fujiwara.
— Eu preciso ser bem sincera com você quanto a isso.
— Pois seja. — Ele pediu.
— Quero sim. Fiquei pensando nisso desde o primeiro ensaio. Nunca imaginei que seria algo que me atrairia, mas... me senti confiante. Me senti bonita. Quero ver se é algo que eu gosto de verdade.
— Certeza?
— Sim. Eu não quero só depender de você, Bruno. Você sabe, que apesar de estarmos no japão, eu fui criada no Brasil. Não gosto de ser sempre assim tão dependente, eu não estudei pra isso.
Ele assentiu com a cabeça, mas sinto que se incomodou um pouco. Mas entendeu minha situação.
— Você tem razão. Estamos aqui, mas nossa real natureza não é aqui.
— Obrigada por entender, amor.
Ele se ofereceu para ir sábado, e eu pensei bem, e disse que, se ele não tivesse compromissos, poderia ir sim, mas caso contrário, eu sabia me virar. Ou ao menos eu tentaria me virar. Fujiwara não iria tirar vantagem dessa vez...
Naquela manhã, depois do café com Bruno, minha rotina seguiu como de costume. Lavei as louças do café, pendurei as roupas que havia deixado na máquina de lavar na noite anterior, organizei os armários da cozinha e depois passei o aspirador por toda a casa. Também coloquei um incenso de chá verde para que a casa ficasse mais acolhedora. Ser dona de casa no Japão me fazia sentir, de certo modo, enraizada na cultura local. Pequenos gestos, pequenas rotinas que me lembravam do quanto estávamos, aos poucos, construindo um lar.
Mais tarde, já perto do entardecer, ouvi a chave girando na porta. Era Bruno. Vi nos olhos dele o cansaço, mas algo mais também estava ali. Um incômodo, talvez. Um incômodo que ele tentava esconder sob a mesma expressão de sempre.
— Oi amor, tudo bem? — perguntei, tentando manter o tom leve.
Ele assentiu com a cabeça, tirando os sapatos com pressa.
— A comida tá pronta. Preparei karaage com salada de repolho e arroz — anunciei, sorrindo.
Sentamos à mesa em silêncio por alguns minutos. Eu o observava de relance, notando a maneira como ele mastigava devagar, como seus olhos ficavam fixos num ponto qualquer da mesa. Ainda assim, decidi não perguntar. Se fosse algo importante, ele me contaria.
— Ah, sabia que abriram um restaurante novo naquela rua da estação? — comentei, tentando puxar assunto.
Ele levantou os olhos e pareceu sair do transe.
— É mesmo? Que tipo de comida?
— Italiana. Achei interessante... Pensei que a gente podia ir lá no mês que vem. Que tal fazermos uma viagem? Nem que seja um final de semana num ryokan, só nós dois.
Bruno sorriu com leveza.
— Acho uma ótima ideia.
O clima pareceu melhorar naquele instante. Conversamos sobre trabalho, sobre as lojas novas que estavam abrindo no bairro, e até rimos de uma propaganda estranha que tínhamos visto na TV. Foi um jantar simples, mas gostoso.
Passaram-se dois dias.
O sábado chegou. Acordei cedo, tomei um banho demorado e preparei um café leve. Bruno estava se arrumando para sair — ele tinha sido encarregado de representar a empresa em uma reunião com um cliente, já que Fujiwara estaria ausente.
— Não vai poder ir comigo hoje, né? — perguntei, tentando esconder minha apreensão.
— Queria muito, mas não posso faltar nessa reunião. — respondeu ele, colocando o relógio no pulso. — Vai dar tudo certo. Depois me conta como foi, tá?
Assenti com um sorriso e nos despedimos com um beijo rápido. Como sempre, ele me deixou na porta do prédio do estúdio antes de seguir para a empresa.
Fiquei alguns segundos olhando para a fachada de vidro refletindo o céu nublado daquele início de outono. Subi as escadas devagar, sentindo um frio estranho no estômago. Havia algo diferente naquela manhã. Um pressentimento, talvez. Ou apenas o nervosismo por saber que seria mais um dia intenso e silenciosamente complicado.
Subi as escadas do prédio com o coração batendo mais forte do que o normal. Assim que entrei no estúdio, fui recepcionada por Seika, sempre tão simpática e gentil.
— Está animada para hoje? — ela perguntou com um sorriso.
— Sim... um pouco nervosa, mas animada — respondi.
— Vamos então, senhorita. Já estão todos lá, o fotógrafo, Fujiwara-sama, e os assistentes.
— Ele está aqui? — Perguntei. — Ele não perde tempo...
— Natural, senhorita. — Ela respondeu. — Ele sempre gosta de acompanhar as novas modelos no início de carreira.
Seika me conduziu para o espaço de maquiagem, mas antes que eu pudesse me sentar, a presença firme do Sr. Fujiwara se fez notar.
Ele entrou com aquele olhar intenso, autoritário, que parecia atravessar qualquer fachada de segurança que eu tentasse manter. Seu olhar pousou em mim com familiaridade e intensidade.
— Kaori-san — disse ele, parando diante de mim —, está absolutamente deslumbrante, como sempre.
— Obrigada — murmurei, tentando disfarçar meu desconforto.
— Eu estou ansioso para ve-la em mais uma de nossas lingeries, vislumbrar suas curvas é como uma porta no paraíso se abrindo.
— Ah sim... — Comentei.
— O anunciante francês que encomendou esse ensaio queria acompanhar tudo pessoalmente hoje, mas infelizmente não pôde vir. Então, farei as fotos com você e depois encaminharei por e-mail para que ele aprove as melhores. Está bem?
Assenti, tentando manter a compostura.
Ele então retirou um envelope da pasta que carregava.
— Este é o contrato com os termos da proposta. Dez milhões de ienes iniciais mais 10 milhões de luvas, podendo até mesmo dobrar, mais comissões. Naturalmente, há cláusulas padrão de exclusividade e multa por rescisão antecipada.
Meu coração disparou ao ouvir aquele valor. Era muito dinheiro. Um valor que poderia mudar completamente minha vida e a de Bruno. Peguei o contrato em mãos, li alguns trechos por cima, mas disse:
— Eu quero ler tudo com calma antes de assinar... posso levar para casa?
— Claro, claro. Sem pressa. Hoje vamos apenas trabalhar.
Seika então me levou para o camarim. Ela já havia separado as lingeries que eu usaria. A primeira era preta, delicada, quase transparente. Senti minhas bochechas esquentarem só de olhar para ela. Respirei fundo, vesti a peça e me olhei no espelho. A maquiagem estava impecável, e meu cabelo tinha sido cuidadosamente arrumado por Seika. Eu estava bonita... talvez até demais.
Quando voltei ao estúdio, Fujiwara estava me esperando ao lado do fotógrafo. Seu olhar percorreu cada detalhe do meu corpo com uma calma intensa.
— Inacreditável... — ele murmurou, como se tivesse perdido o fôlego. — Você é uma visão.
Eu apenas abaixei o olhar e fui para o fundo branco onde as fotos seriam tiradas. Estava na hora de começar mais um ensaio. E, no fundo, eu sabia que aquele dia não terminaria como os outros.
— Você está perfeita, Kaori-san. — Comentou o fotógrafo ali.
Vi Fujiwara ali, no fundo, sentado, me observando. Me comia com o olhar.
Os flashes se repetiam um após o outro, e o som do obturador da câmera se tornou quase hipnótico. Eu estava ali, parada, posando, sentindo minha pele arrepiar a cada clique. As luzes do estúdio criavam sombras suaves que destacavam as curvas do meu corpo. Vesti a primeira lingerie, uma peça rendada vinho, elegante e provocante na medida certa. O fotógrafo me orientava com firmeza e paciência:
— Vire um pouco o quadril, isso... agora olhe para a luz. Ótimo.
Eu obedecia, sentindo-me estranhamente bem. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, estivesse me redescobrindo. Me sentia bonita. Desejada. Livre. Ainda que Fujiwara, ali no fundo do estúdio, me olhasse com aquele mesmo olhar insistente, intenso. Ele não poupava elogios:
— Que corpo, Kaori... você nasceu para ser musa. — E então, mais baixo, quase sussurrando, mesmo a distância: — Difícil me concentrar com você assim.
E os elogios não paravam. Dessa vez, com um tom obsceno.
— Eu não consigo deixar de sentir tesão por essa bunda, meu Deus.
Fingi não ouvir. Mantive o foco na câmera, nas poses, na voz do fotógrafo. Sorri com os olhos. Fiz poses mais recatadas, outras mais ousadas, uma das mãos apoiadas na cintura, outra na nuca, os cabelos soltos caindo sobre os ombros. O calor do estúdio misturado ao frio interno do nervosismo me deixava suando discretamente.
Depois de algumas sequências, fui chamada para trocar de lingerie. Seika me esperava no camarim com uma nova peça: preta, fina, quase translúcida.
— Essa é francesa. A preferida do patrocinador. — disse ela com um sorriso cúmplice.
Me vesti em silêncio, ajeitei os cabelos e, enquanto me olhava no espelho, a porta do camarim se abriu. Fujiwara entrou sem bater.
— O que você tá fazendo aqui? — perguntei, surpresa e irritada.
Ele fechou a porta atrás de si e caminhou até mim devagar.
— Eu precisava ver você de perto... assim. Está ainda mais linda do que imaginei.
— Fujiwara-san, isso não é apropriado.
— Não precisa se assustar. Só quero conversar. — Ele se aproximou, ergueu uma mecha do meu cabelo e a deslizou entre os dedos. — Desde aquele beijo... não consegui mais parar de pensar em você. Preciso sentir de novo.
— Eu não quero. — afirmei, me afastando.
Mas ele não parou. Veio para cima, me beijou de repente.
— Kaori-san.
Acabei sentindo suas mãos invadindo minha calcinha. Seus dedos foram diretos em minha buceta. Comecei a sentir seus dedos se movimentarem, enquanto ele me beijava. Por reflexo, minhas mãos tocaram seu peito, hesitantes, mas logo o empurrei.
— Está molhadinha. Eu sabia.
— Pare com isso! Eu vou embora se continuar!
Fujiwara ergueu as mãos, rendido.
— Desculpa. Foi impulso. Eu não devia. Você está certa. Só... vamos terminar o ensaio, ok?
Saí do camarim sem dizer mais nada. Fingi que nada tinha acontecido. O fotógrafo já estava de volta, e o trabalho seguiu. Mais cliques. Mais poses. Mais sorrisos falsos e olhos confusos. Eu queria ir embora logo.
Toda aquela empolgação que eu tinha de posar, acabou indo embora depois daquilo. Eu confesso que me molhei sim, eu fiquei excitada. Mas, eu sei me controlar, aquele não era meu homem!
Ao fim, voltei para o camarim para trocar de roupa, e dessa vez tranquei a porta. Me vesti devagar, tentando respirar fundo. Quando ouvi passos do lado de fora, soube que era ele.
— Kaori... — disse do outro lado. — Não vai me deixar me despedir?
— Vai embora, Fujiwara-san.
— Ora, não faz assim. Eu só quero conversar.
— Mas eu não. — Disparei.
— É rápido. Tem algo que precisa saber.
— Eu vou sair, mas não vou abrir enquanto você estiver aí.
— Tá bem. Eu espero. — Ele falou.
Abri a porta minutos depois. Ele ainda estava lá, me esperando encostado na parede. Sua expressão agora era mais branda, talvez até arrependida.
— Me desculpe mais uma vez. — disse, baixando o tom.
—Fujiwara-san, se eu for sua modelo, quero que saiba que teremos um trato somente profissional. Eu sou casada! Meu marido é seu funcionário, acho que devemos mais respeito a ele.
— Respeito? — Ele comentou. — Será mesmo que ele sabe o que é respeito?
— Sabe sim. Bruno é um homem íntegro. Não acho justo o que vem acontecendo aqui.
— Kaori-san. Olha. — Ele então disse. — Eu só não acho justo... você aqui se contendo, enquanto seu marido se diverte pelas costas.
Minha testa franziu.
— Do que está falando?
— Ele não te contou ainda, né?
— Contar o que, Fujiwara?
Ele se aproximou devagar. Colocou uma das mãos no meu ombro. Antes que eu pudesse afastá-lo, ele tirou o celular do bolso e virou a tela para mim.
— Ele não te contou que ele chegou tarde da noite aquele dia porque ele comeu uma de minhas modelos daqui? Ficou quase uma hora inteira com ela no quarto.
Ali, fotos. Meu coração disparou. Uma cama. Bruno deitado, enquanto estava rolando uma festa de luzes, de pessoas. Uma mulher ao lado dele, por cima, com sua bunda muito bem encaixada em seu pau.
— Tenho mais.
Logo, Fujiwara me mostrou outra foto. Era a mesma mulher, abaixada, chupando o pau do meu marido, enquanto ele a abraçava, e chupava ali sua buceta, fazendo um 69. E tinha mais fotos, e até mesmo um vídeo curto de 12 segundos.
— Ele também não é tão santo assim, Kaori. Enquanto você está se segurando, mantendo seu casamento, ele fez questão de destruir.