**Parte 3 – Entre o Riso e a Solidão**
Henrique estava deitado no tapete da sala, ainda com o figurino ridículo da noite anterior: saia rodada, gargantilha brilhante, rosto cansado. A madrugada havia se tornado silenciosa, e Vanessa, agora sem maquiagem e com um robe largo de algodão, sentou-se ao lado dele com uma taça de vinho na mão.
Ela ficou em silêncio por alguns minutos, girando o líquido na taça, observando as luzes do apartamento refletidas no chão. Henrique, de cabeça baixa, esperava instruções. Mas o que veio foi outra coisa.
— Você sabe, bonequinha… eu rio de você porque, às vezes, quero rir de mim. — Ela falou devagar. — Ver você nesse estado, me lembrando do que eu poderia ter feito com o homem que eu casei… me alivia. De algum modo estranho.
Henrique ergueu os olhos. Havia algo diferente no tom dela — menos comando, mais verdade.
— Meu marido... é aquele tipo de homem que nunca diz "não", mas também nunca diz "sim". Sempre concorda, sempre cede, mas nunca toma atitude. Ele nunca foi violento, nunca foi infiel. Nunca me impediu de nada. Mas também... nunca me fez sentir escolhida. Desejada. Marcada.
Ela tomou um gole, sem pressa.
— No começo, eu achava isso ótimo. Ele era educado, gentil, respeitoso. Enquanto todas as minhas amigas reclamavam dos ciúmes ou do ego dos seus maridos, eu dizia: "o meu é calmo, deixa eu ser livre". — Ela riu, mas o riso não chegou aos olhos. — Hoje eu vejo que ele não me deixava livre... ele me deixava sozinha.
Vanessa cruzou as pernas e virou-se um pouco, de frente para Henrique.
— Você tem ideia do que é estar com um homem que nunca ousa? Que nunca puxa seu cabelo no meio de um beijo? Que nunca arrisca um elogio fora de hora, uma provocação, um gesto que diga "você é minha"? Ele fazia amor como quem cumpre um protocolo. Beijo na testa depois. Como se eu fosse um bom jantar.
Henrique respirou fundo. Queria falar, mas não ousou.
— E sabe o que é pior? Eu permiti. Fingi que isso era maturidade. Que era melhor do que brigar. Que o amor calmo era mais duradouro. — Ela levantou-se e caminhou até a janela, olhando para a cidade. — Mas era um amor silencioso. Como uma biblioteca vazia.
Ela encostou a testa no vidro por um instante.
— Quando Laura me falou o que estava fazendo com você, eu senti inveja. Não pelas roupas. Nem pelas humilhações. Mas pelo fogo. Pela coragem de tomar as rédeas. De quebrar e reconstruir. De dizer: "você vai me servir porque você me pertence". — Ela se virou. — Eu nunca tive isso. E comecei a desejar.
Vanessa voltou até Henrique e agachou-se.
— Por isso brinco com você. Por isso te coloco em saias, salto, batom. Não é só pra te testar. É pra ver se eu sou capaz de comandar. De inverter o jogo. De finalmente dizer "basta" pro silêncio que foi meu casamento.
Ela passou os dedos no rosto de Henrique, limpando um borrado imaginário do batom.
— E você, minha bonequinha... me escuta. Você me obedece. Você treme por mim. Isso é mais do que ele jamais fez. Isso é mais do que qualquer flor que ele me deu. Porque você me vê. E responde.
Henrique segurou a mão dela. Devagar. Sem palavras.
— Amanhã será Bianca. Mas antes que você vá... eu precisava dizer isso. — A voz dela suavizou. — Você é ridículo, patético, uma caricatura... mas, paradoxalmente, me devolveu algo. A certeza de que, se eu quiser, eu ainda posso ser desejada. Temida. Respeitada. E... adorada.
Ela se levantou e o puxou com ela. Abraçou-o de leve. Um abraço sem luxúria. Sem riso. Só silêncio.
— Durma, bonequinha. Você foi meu espelho essa noite. E eu... me vi inteira nele.
O quarto se apagou, mas Vanessa ficou mais um tempo sentada na beirada da cama. Sozinha. De olhos abertos.
Como quem, pela primeira vez em anos, havia conseguido se ouvir.