Segredos do Coração - Superando o Passado. Parte 33.

Um conto erótico de Ménage Literário
Categoria: Heterossexual
Contém 10939 palavras
Data: 24/06/2025 15:14:34

Parte 33: “Deus me Proteja de Mim e da Maldade de Gente Boa. Da Bondade da Pessoa Ruim”. *

Mari saiu do hotel com as mãos tremendo no volante, a adrenalina ainda zumbindo em suas veias. Entrou no carro, jogou a bolsa no banco do passageiro com um baque surdo e respirou fundo, tentando conter a fúria crescente. Estava irritada, frustrada, um ódio gélido começava a se instalar no seu peito.

— Idiota patético! — Murmurou sozinha, apertando o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. O rosto de Jonas, distorcido pelo ciúme e pela possessividade, ainda queimava em sua memória. Ele havia passado de todos os limites. Forçou a barra, ameaçou, invadiu seu espaço, desrespeitou-a de uma forma inaceitável. A sensação de ter sido encurralada, a humilhação de vê-lo perder o controle daquele jeito, borbulhava dentro dela.

Mari balançou a cabeça com veemência, os lábios apertados em uma linha fina e obstinada. Não havia desculpa para o que ele fez. Não importava se ele se sentia traído, enganado ou humilhado pelas fotos. Nada, absolutamente nada, dava a ele o direito de agir daquela forma.

— Nada ... absolutamente nada ... — Sussurrou, a voz carregada de raiva contida, enquanto arrancava com o carro, deixando o hotel para trás como se estivesse fugindo de um pesadelo recém-vivido.

O caminho até em casa passou num piscar de olhos. Enquanto esperava o portão abrir, avistou algo diferente na garagem. Um Hatch preto, novíssimo, com detalhes em grafite, chamava atenção, logo de cara. Mari franziu a testa, confusa, até ver Daniela e Diego em volta do carro, admirando cada detalhe, como duas crianças em manhã de Natal.

Assim que estacionou, Diego correu até ela, empolgado, com um sorriso que parecia não caber no rosto.

— Mãe! Olha isso, olha! O papai me deu! — Ele apontava animado. — Ele falou que não é presente, é reconhecimento! Pelo trabalho, pela dedicação ... Você acredita?

Mari respirou fundo. Engoliu tudo que estava atravessado na garganta, vestiu sua armadura de mãe e a máscara de normalidade. Sorriu, como se nada tivesse acontecido momentos antes. Como se não carregasse nas costas um turbilhão de sentimentos.

— Que lindo, meu filho! — Respondeu, genuinamente feliz pela conquista dele, mesmo com o peito apertado. — Você merece.

Daniela cruzou os braços, rindo e resmungando, daquele jeito bem típico dela:

— Poxa ... e eu, hein? Eu não mereço um presente também, não?

Mari riu. Era provocação, ela sabia. Mas as palavras da filha ficaram em sua mente, ecoando, batendo, cutucando. E, sem perceber, aquela sementinha começava a germinar dentro dela.

Mari subiu para o quarto ainda com o peito apertado. Cada degrau parecia carregar o peso da noite que ela tinha acabado de enfrentar. O cheiro do perfume que vinha da sala, misturado ao cheiro de carro novo, contrastava com o cheiro de álcool que ainda parecia impregnado na sua memória.

Sentou-se na beirada da cama, tirou os sapatos, respirou fundo, olhando para o vazio. A cena do hotel se repetia na sua cabeça como um filme: o olhar transtornado de Jonas, a voz alterada, o riso cínico, a tentativa de ultrapassar um limite ... e a forma como ela, mesmo acuada, se defendeu. Mari sabia que precisava processar aquilo, mas não naquele momento.

Olhou pela janela e viu Diego ainda ajeitando algumas coisas no porta-malas do carro, radiante. Daniela, ao lado, conversava, cruzando os braços, mas com aquele sorriso maroto no rosto, típico de quem está só esperando uma deixa para fazer uma provocação.

"Poxa ... e eu?". A frase da filha ecoou de novo na cabeça dela. E ali, olhando pela janela, Mari entendeu, de forma muito clara: Daniela estava certa. Não era sobre bens, sobre presentes. Era sobre reconhecimento. Sobre se fazer presente, se fazer vista. Daniela colocou a própria vida em pausa para ser apoio, ombro, companhia, alicerce, e aquilo não podia, não deveria passar batido.

Mari pegou o celular e abriu o navegador, já começando a pesquisar ideias. Não queria qualquer coisa. Precisava ser algo que dissesse: “Eu te vejo. Eu reconheço tudo que você fez por mim. Eu sou grata”.

Roupas, celulares, sapatos ... nada parecia suficiente. Até que, rolando sem muita expectativa, uma ideia brilhou. Um projeto antigo, que a filha sempre desejou viver, mas que só poderia ser feito na vida adulta, após a conclusão da faculdade. O maior sonho de Daniela: um período sabático, viajando pelo mundo, conhecendo lugares e culturas diferentes.

— É isso! — Disse baixinho, com um sorriso crescendo no rosto. — É isso que eu vou te dar, minha filha.

O coração apertado pela confusão da noite começou a aliviar. Afinal, havia muito mais luz do que sombra na vida dela, naquele momento. Ela só precisava focar no que importava: no amor que ela tinha, na família que estava renascendo e no homem que, mais uma vez, mostrava que estava disposto a fazer diferente.

No entanto, a manhã seguinte chegou mais pesada do que ela gostaria. A noite tinha sido péssima. O sono veio picado, perturbado por pesadelos e por uma sensação incômoda, no peito, que teimava em não ir embora. Mari virou-se na cama, a mente agitada.

Toda a admiração que sentiu por Jonas, todo carinho, toda a paciência que ele demonstrou nos últimos tempos ... tudo parecia ter evaporado. Sumido como fumaça diante de uma única escolha, uma atitude canalha, covarde. E, ainda assim, enquanto a escuridão ainda preenchia o quarto, a mente de Mari revisitava cada segundo daquele confronto no hotel. Por mais que a raiva borbulhasse, uma parte dela não conseguia ignorar um fato incômodo: apesar de todo o descontrole, de toda a invasão e da ameaça latente, Jonas não havia cruzado a linha final. Ele a assustou, sim, a desrespeitou profundamente. Mas não a tocou de forma violenta, não a machucou fisicamente, não a levou ao ponto irreversível. No limite, ele se conteve.

Não! Não era justificativa para a atitude dele, jamais seria, mas era uma constatação que, por mais contraditória que parecesse, pairava em sua mente conturbada. Aquela percepção, embora mínima, era quase tão perturbadora quanto a própria raiva, adicionando uma camada extra de complexidade ao seu tormento.

Sem querer se alongar muito nos próprios pensamentos, Mari se levantou, abriu as cortinas e a janela, respirando lentamente o ar fresco da manhã. Fez sua higiene matinal, prendeu o cabelo de qualquer jeito e desceu. E ali, bem no meio da sala, estava o vaso de girassóis, reluzindo sobre a mesa de centro. Quase como um lembrete silencioso de que, apesar de tudo, havia um caminho, havia luz. Havia esperança.

Ela sorriu sozinha, passando os dedos delicadamente nas pétalas amarelas. “O futuro que eu desejo tá aqui ... tá nisso ... não naquele quarto de hotel”.

Preparou o café da manhã como sempre fazia. Diego foi o primeiro a descer, sempre em cima da hora, seguido de Daniela, que nunca abria mão da rotina na academia logo cedo. Tomaram café da manhã juntos, conversando sobre suas agendas do dia. Logo os filhos se foram.

Quando se viu sozinha, Mari deixou o corpo cair no sofá. Pegou o celular, abriu as redes sociais, assistiu uns vídeos bobos, leu as notícias, rolou as fotos do fim de semana ... Fotos lindas, sorrindo com os filhos, na praia, ao lado de Celo e suspirou: “Que loucura tudo isso ...”.

Mas seus devaneios foram interrompidos por uma notificação que ela não esperava. Na tela, o nome de Jonas.

"Oi ... Eu sei que provavelmente você não quer me ouvir, e eu entendo. Eu tô envergonhado, Mari. Muito. Não é fácil pra mim digitar essa mensagem, mas eu precisava. Eu ... ontem eu passei dos limites. Eu bebi demais, perdi o controle. Falei e fiz coisas que jamais deveria. Você não merecia aquilo. De verdade, me desculpa. Sei que errei. Sei que te assustei. Só queria que você soubesse que, mesmo depois de tudo que fiz, e não existe desculpa para minha atitude, eu ainda me importo com você. E te peço desculpas. De coração".

Mari ficou olhando para a tela por alguns segundos, imóvel, segurando o celular no colo, sem saber se sentia raiva, pena, ou simplesmente indiferença. O sentimento inicial, extremo e momentâneo, havia diminuído.

Mas ela não respondeu. Não, naquele momento.

Ainda olhando para a tela do celular, refletindo sobre a mensagem de Jonas, Mari foi surpreendida por uma nova notificação. Agora, o nome que aparecia era outro: Anna.

"Está ocupada?". Dizia a mensagem.

Mari respirou fundo antes de responder, digitando com os polegares:

"Não. pode falar”.

A resposta mal tinha sido entregue e a tela já acendeu com uma chamada de vídeo. Mari ajeitou o cabelo, respirou fundo e atendeu, forçando um sorriso.

— Mari, querida, bom dia! — Disse Anna, sorridente, do outro lado da tela. — Tá ocupada agora, não, né?

— Não ... — Mari respondeu, simpática, mas um pouco desconfiada do tom animado. — Tudo bem, Anna?

— Tudo ótimo! Na verdade, liguei pra saber se você tá livre pra almoçar hoje. — Anna ajeitou o celular, parecendo se acomodar melhor no sofá. — A gente não se vê desde aquela festa lá em casa. Faz semanas! Tô querendo reunir as meninas, jogar conversa fora, sabe? Botar a vida em dia.

Mari respirou fundo, apertou os lábios, olhando pela janela por um segundo antes de responder:

— Anna, me desculpe, de verdade, mas ... não tô com a mínima vontade de estar no mesmo ambiente que a Cora.

Do outro lado da tela, Anna franziu a testa na mesma hora, visivelmente surpresa.

— Cora? — Perguntou, claramente intrigada. — Mas por quê? O que aconteceu?

Anna parou por um instante, pensativa, e antes que Mari respondesse, completou, meio desconfiada:

— Engraçado ... A Fabi comentou umas coisas, umas ... impressões. E agora você. Tá, espera. Me explica isso direito. — Anna ajeitou-se novamente, mais atenta. — De qualquer forma, Cora não vai, pode ficar tranquila. A ideia é só eu, você e Fabi. A gente se vê, conversa, ri um pouco ... Desestressa, amiga. Faz tempo que não conversamos. Eu quero te ver, Mari.

Mari ficou em silêncio. Pensativa. As palavras de Anna ficaram ali, ecoando na cabeça.

Então, Anna pressionou um pouco mais, num tom carinhoso, mas também curioso:

— Vem, por favor ... E me conta direito essa história com a Cora. De verdade. Você não é a primeira pessoa que reclama dela. Eu preciso entender o que está acontecendo.

Mari respirou fundo mais uma vez, e se rendeu:

— Tá bom ... eu vou. Mas posso levar a Luciana? — Perguntou, incerta, querendo a companhia da amiga terapeuta como um suporte emocional.

Anna abriu um sorriso largo, balançando a cabeça afirmativamente:

— Claro que pode! Quanto mais, melhor! Assim fica ainda mais divertido. — Piscou. — Combinado então. Te envio o endereço do restaurante por mensagem, em seguida.

— Combinado. — Mari respondeu, sorrindo um pouco mais relaxada.

As duas se despediram e desligaram. Mari largou o celular no colo, olhando para o nada por alguns segundos, sentindo que aquele almoço tinha tudo pra ser muito mais do que um simples encontro de amigas. Como Anna havia prometido, o endereço do restaurante chegou.

Depois da chamada de vídeo com Anna, Mari não pensou duas vezes. Pegou o celular e ligou para Luciana.

— Claro que eu vou com você, amiga — Respondeu a terapeuta, sem hesitar. — Já estou por aqui, no consultório. É pertinho do restaurante. Avisa a hora que estiver chegando.

Animada com o apoio da amiga, Mari levantou-se do sofá, dirigiu-se ao quarto, escolheu uma roupa leve, confortável, mas ainda assim elegante. Uma calça de linho clara, uma blusa soltinha e sandálias. Cabelos soltos, uma maquiagem suave e um perfume delicado. Nada demais, nada de menos. Na medida.

No horário combinado, ela partiu. O restaurante escolhido era charmoso, com mesas ao ar livre, rodeadas de plantas, criando um clima acolhedor e descontraído. Luciana já estava lá, sentada, tomando uma água com gás e olhando o cardápio quando viu Mari se aproximando. Ela acenou, sorrindo.

— Que bom que veio, Lu! — disse Mari, abraçando a amiga com carinho.

Poucos minutos depois, Anna chegou, seguida de Fabi. As quatro se cumprimentaram calorosamente, rindo, trocando elogios, comentando amenidades, fofocando sobre coisas leves.

Por um tempo, enquanto esperavam os pedidos, o clima foi leve, agradável e descontraído. Mas era claro que havia um elefante na sala. E não demorou muito para ele ser devidamente trazido para a mesa.

Entre um gole e outro de suco, Anna olhou diretamente para Mari.

— Bom ... acho que a gente precisa falar sobre a Cora, né? — Soltou, olhando de Mari para Fabi, que já tamborilava os dedos na mesa, ansiosa.

— Exato. — Completou Fabi, olhando firme para Mari. — A Anna até achou que eu tava exagerando, mas eu sinto que tem coisa ali, e não é de hoje. Mari, o que foi que aconteceu entre vocês, afinal?

Luciana olhou para Mari com um sorriso sereno, mas firme, passando aquele olhar de "vai, amiga, eu tô aqui com você". E foi esse olhar que deu força para Mari respirar fundo e começar.

— Tá ... — Mari disse, ajeitando-se na cadeira. — Vamos lá. Acho que vocês lembram bem daquela noite, na casa da Anna, quando eu falei que ia atrás do Celo … que ia dar uma chance para o nosso casamento, tentar resolver as coisas, certo?

Anna e Fabi assentiram, prestando atenção.

— Pois bem. — Continuou Mari, determinada. — Quando eu cheguei na cidadezinha onde ele ia tocar ... — respirou fundo, fechando os olhos por um segundo. — Eu encontrei ele e a Cora. Aos beijos, no balcão do bar.

O choque foi instantâneo.

— O quê??? — Espantou-se Anna, levando a mão à boca.

— Meu Deus! — Fabi arregalou os olhos, se inclinando na mesa. — Cora? A nossa Cora? Você tá brincando!

— Não tô, não. — Mari confirmou, balançando a cabeça, amarga. — E sabe o que é pior? Foi premeditado, pois Cora estava com a gente, na sua casa, Anna, quando eu disse que ia atrás do Celo. Todo mundo ouviu. Todo mundo sabia.

Anna estava boquiaberta. Fabi estava com os olhos arregalados, olhando para Anna, praticamente dizendo com o olhar: “Eu não te falei?”.

— A questão é que ... — Mari apertou os lábios — O Celo me contou que rejeitou a Cora. Que ela se insinuou, que tentou, mas ele recusou. E sabe o que ela fez depois?

As duas se inclinaram, atentas.

— Mostrou para ele fotos minhas e do Jonas. — Mari fez uma pausa, respirando pesado. — Como se eu estivesse vivendo um relacionamento sério, compartilhando a vida, como se ... como se eu estivesse apaixonada por outro.

Fabi soltou um suspiro indignado, bateu a mão na mesa, olhando diretamente pra Anna, vitoriosa:

— Eu não te disse, amiga? — Falou, indignada. — Eu te falei! A Cora tá estranha. E não é de hoje. Alguma coisa não bate. Tá aí a prova.

Anna estava estática, olhando para o nada, visivelmente processando tudo aquilo. Luciana, calma, colocou a mão sobre a de Mari, como quem diz: “Mandou bem. Fala tudo. Solta. Você não tá sozinha.”

E o clima no almoço, que começou leve e descontraído, agora pegava fogo.

Fabi não se conteve. Cruzou os braços, respirou fundo e disparou, olhando diretamente para Anna, com aquele tom de quem segura aquilo há muito tempo.

— Sabe qual é o problema, Anna? — Começou, firme. — Você não consegue enxergar quem a Cora realmente é, porque tem uma dívida de gratidão com ela. Desde a época da escola. Desde aquela vez em que ela te defendeu daquela menina nojenta, que te infernizava.

Anna franziu a testa, encarando Fabi, meio desconfortável, meio surpresa.

— Você sempre se sentiu em dívida, Anna. — Fabi prosseguiu, sem dó. — E eu entendo, de verdade. Só que isso ... isso lhe deixou cega para muita coisa. Você nunca percebeu, ou fingiu que não percebia. Mas eu sempre vi a verdadeira face da Cora.

Mari ficou em silêncio, apenas observando. Luciana também, com aquela expressão neutra, mas muito atenta.

— Fabi ... — Anna tentou interromper, mas Fabi levantou uma mão, pedindo para ela esperar.

— Deixa eu terminar, amiga. — Respirou fundo, organizando os pensamentos. — Nos últimos anos, a Cora se tornou ... — Fez uma pausa, buscando a palavra certa — … invejosa. É isso. Invejosa. E mimada. Ela sempre precisa estar no centro, ser o destaque, ser a que brilha, a que comanda. E quando não é assim, ela dá chilique.

Anna suspirou, desviando o olhar, visivelmente desconfortável.

— Quantas vezes ... — Fabi continuou. — … quantas vezes ela ficou dias, às vezes semanas, sem te mandar uma mensagem, sem aparecer, simplesmente porque alguém discordou dela? Porque você, eu, ou qualquer uma não atendeu uma vontade dela? É o famoso tratamento de silêncio. Passivo-agressiva. E você sabe disso.

Anna abaixou a cabeça, ficou passando o dedo na borda do copo, inquieta. Fabi balançou a cabeça, indignada. Não tinha terminado.

— Ela é assim. E o pior ... — olhou pra Mari — … foi ter se metido no meio da sua vida, no pior momento. Isso não se faz.

Anna, enfim, levantou o olhar, encarando Mari, com os olhos marejados, sinceros.

— Mari ... — respirou fundo. — Eu não sabia. Juro. Eu nunca imaginei que ... que ela pudesse fazer isso. — Anna estava abatida. — Eu sinto muito. De verdade.

Mari segurou a mão dela, apertando de forma carinhosa.

— Você não tem culpa de nada, Anna. — Disse, com toda a honestidade. — Desde que eu te conheci, você e a Fabi só me trouxeram coisas boas, só me fizeram bem. Sempre me acolheram, me ouviram, me apoiaram. Você não tem culpa do que ela fez, nem do que ela é.

Anna respirou fundo, apertando os lábios, visivelmente tocada pelas palavras.

Enquanto as três conversavam, Luciana observava tudo, calada, mas não indiferente. E Anna ficou mais quieta. Diferente do seu jeito expansivo, agora ela estava introspectiva. Refletindo. Ouvindo. Remexendo as próprias lembranças, repassando anos de amizade com Cora. Questionando se sua visão sobre aquela amizade sempre esteve nublada.

Fabi ajeitou a postura, cruzando as pernas, e olhou diretamente para Mari, com aquele olhar maroto, meio cúmplice, meio curioso.

— Tá ... — Começou sorrindo. — E o Celo? — Perguntou, arqueando uma sobrancelha. — Vocês ... decidiram voltar?

Mari não conseguiu segurar o sorriso. Por mais que tentasse disfarçar, seus olhos brilhavam, o rosto inteiro suavizava, traindo qualquer tentativa de negação. Ela abaixou a cabeça, um pouco tímida, mordendo de leve o lábio.

— Hummm … — Fabi riu, batendo de leve na mesa. — Eu sabia! Sabia que esse negócio de "vou ver, vou pensar, vou analisar"... era só charme!

Anna, mesmo ainda pensativa, não conteve um sorriso ao ver a reação da amiga.

— Mas ... — Fabi inclinou o corpo, apoiando os cotovelos na mesa. — E o Jonas? Achei que vocês estavam ... sei lá …

A pergunta nem terminou direito. No mesmo instante, o sorriso de Mari se desfez. O semblante leve se fechou. Os olhos perderam o brilho, e ela respirou fundo, olhando para o lado.

— E tem mais essa ... — Mari se calou por um segundo para pensar no que dizer. — Vocês já viram as fotos do meu final de semana, né? As fotos que a minha filha postou, marcando nossa “família feliz”.

Anna e Fabi confirmaram, já começando a entender onde aquilo ia dar.

— Pois então ... — Mari continuou. — Tudo foi uma armação dos meus filhos. Eles combinaram de me colocar no mesmo lugar que o Celo, para forçar um reencontro, uma aproximação.

— Mulher ... — Fabi levou a mão à boca, chocada. — Isso virou uma novela!

Luciana percebeu que algo estava estranho. Sua expressão mudou, ficando séria, alerta.

— Que foi? — Perguntou, preocupada. — Aconteceu alguma coisa?

Mari balançou a cabeça, apertando os lábios, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado.

— Aconteceu, sim. — Respondeu, seca. — E olha ... nem sei dizer se fiquei mais decepcionada ou aliviada. — Respirou fundo. — Ele ficou sabendo do final de semana, das fotos, dos vídeos ... e ... — Fez uma pausa, escolhendo o que contar. — ficou diferente. Me cobrou, questionou. Meio ... — Mari buscou a palavra que queria usar. — possessivo, ciumento.

Fabi arregalou os olhos.

— Sério?

— Muito. — Mari confirmou, olhando para as três. — E aí eu percebi que ele talvez não fosse a pessoa que eu achava …

Luciana segurou a mão de Mari, apertando de forma carinhosa.

— Você tá bem?

Mari assentiu.

— Tô. — sorriu nervosa, um sorriso amargo. — Foi até bom. A vida, às vezes, dá as respostas ... meio duras, meio atravessadas, mas que são necessárias.

Todas ficaram em silêncio por alguns segundos, assimilando aquilo. Fabi balançou a cabeça, indignada.

— Sabe ... às vezes a gente idealiza as pessoas, né? — Comentou. — E quando elas mostram quem realmente são ... dói.

Mari apenas assentiu, olhando para a mãos, pensativa. Anna, ainda digerindo tudo, respirou fundo e comentou, baixo, quase pra si mesma:

— Acho que tá na hora da gente começar a enxergar as pessoas como elas realmente são, não como a gente quer que elas sejam.

Luciana apertou mais uma vez a mão de Mari, solidária.

— E que bom que você tenha percebido isso agora, antes que fosse tarde.

Mari respirou fundo, ajeitou-se na cadeira, e sorriu, mais leve. Sabia que, apesar dos tropeços, estava no caminho certo.

Luciana pegou o guardanapo, limpou os cantos da boca e comentou, balançando a cabeça:

— Lembra o que eu falei sobre o André? — Olhou para Mari, que prontamente assentiu. — Pois é, foi meio parecido comigo. Ficamos duas vezes! DUAS! — Enfatizou com os dedos — E o cara já tava se achando meu dono. Controlando aonde eu ia, com quem falava ... querendo administrar minha vida! — Luciana revirou os olhos. — Acho que escapamos de uma bomba, amiga.

Mari deu uma risada curta, meio amarga, meio divertida.

— Verdade. Tem gente que não sabe viver as coisas no tempo certo. É oito ou oitenta. E, geralmente, pesa pro lado errado.

Fabi gargalhou.

— Amiga, é aquilo, né? Antes só do que mal acompanhada. Mas no seu caso, acho que o mal acompanhada não vai durar muito …

— E bem acompanhada de amigas sensatas. — Completou Anna, sorrindo.

O clima leve voltou. Entre piadas, confidências e risadas, o almoço seguiu com assuntos mais amenos. Conversaram sobre trabalho, viagens que gostariam de fazer, os perrengues da vida adulta ... Até que, uma a uma, começaram a olhar o relógio.

Anna foi a primeira a se levantar.

— Meninas, preciso ir. Cliente me esperando.

Fabi ajeitou a bolsa.

— Eu também. Bora, que a vida chama.

Todas se despediram com abraços demorados, daqueles que aquecem a alma. E cada uma seguiu seu caminho. Luciana, porém, chamou Mari, discretamente:

— Vem no meu carro um instante, por favor. — Pediu com aquele tom que só as melhores amigas sabem usar, quando percebem que algo ficou pendente.

Mari entrou, fechou a porta e Luciana segurou sua mão, olhando séria:

— Agora me conta direito. O que realmente aconteceu com o Jonas, Mari? Eu senti que você escondeu algo lá no almoço.

Mari respirou fundo, olhou para frente e depois encarou a amiga:

— Eu escondi, sim … — Confessou, apertando levemente a mão de Luciana. — Mas não foi para esconder de você. Eu iria contar quando estivéssemos a sós.

Luciana apertou ainda mais a mão dela, os olhos ansiosos.

— Fala, pelo amor de Deus. Você tá bem? Ele te fez algum mal?

— Não, Lu ... fisicamente não. Mas ele me encurralou, tentou me beijar à força, pegou pesado. — Mari disse de forma firme, mas tranquila. — Só que ... não chegou a me machucar de verdade. Ele tava transtornado, bêbado, se sentindo traído, humilhado, sei lá. Mas eu reagi, coloquei ele no lugar dele. Você me conhece, né?

Luciana respirou aliviada, mas ainda com um semblante tenso.

— Mari, pelo amor de Deus, isso é muito sério. Não minimize, não ...

— Eu não tô minimizando, Lu. Você me conhece, sabe que eu jamais trataria uma situação dessas de forma leviana. — Mari afirmou com convicção. — Mas eu também aprendi a ler as pessoas. Eu vi nos olhos dele ... aquilo foi frustração, desespero. Não foi uma atitude certa, jamais. Mas eu não senti que ele realmente queria me ferir, não foi um ataque no sentido mais grave ... Foi uma explosão de tudo que estava engasgado nele após investir tanto em mim.

Luciana soltou um suspiro pesado, balançando a cabeça.

— Tá ... se você tá dizendo ... Só me promete uma coisa: não deixa isso passar batido no seu coração. Processa, digere, entende ... para não carregar esse peso escondido aí dentro.

Mari sorriu, emocionada, segurando o braço da amiga.

— Pode deixar. E obrigado por estar comigo, sempre.

Luciana apertou sua mão uma última vez.

— Sempre, minha irmã.

Mari se despediu da amiga, saiu do carro de Luciana e entrou no dela. Respirou fundo e, olhando para frente, sabia exatamente qual seria sua próxima parada. Programou o GPS, mesmo sabendo o caminho. Não era um destino qualquer, não era um compromisso comum ... era quase um ritual de encerramento de ciclos.

Chegou na empresa funerária pouco tempo depois. Era hora de cuidar do descanso eterno da falecida mãe.

{…}

Mais tarde naquele mesmo dia:

Celo sabia que cada passo, por menor que fosse, era crucial. Havia semanas, talvez meses, que sua vida parecia uma estrada de terra lamacenta. Agora, as rodas estavam finalmente encontrando um terreno mais firme. Aquele último encontro com Mari, a honestidade dela sobre Jonas, e a lista, na verdade, um roteiro, um mapa para o caminho de volta.

Seu dia já estava sendo tranquilo e logo no final da tarde, o telefone tocou. Era do escritório do serviço funerário.

— Sr. Marcelo? Bom dia. É da Funerária Paz Celestial. Só para confirmar que a senhora Marilena esteve por aqui. Ela já deu todas as orientações para a reforma do jazigo. Queríamos saber se há algo mais que o senhor gostaria de adicionar. — A voz do outro lado era profissional e solícita.

Um sorriso genuíno se abriu no rosto de Celo. Mari havia dado o passo.

— Não, está perfeito. Ela tem total autonomia para todas as decisões. Muito obrigado por me avisar.

Ele desligou, o coração mais leve. Não era apenas o serviço, era o gesto de Mari, a confiança implícita. E, como se para coroar o dia, seu celular vibrou com uma mensagem. Era dela.

"Celo, já me reuni com o pessoal do plano funerário. Obrigada por ter se lembrado. Por ter se importado. Significou muito".

Alguns minutos depois, outra mensagem:

“O que acha de vir almoçar com a gente no final de semana? Acho que as crianças irão adorar”.

Celo sentiu um calor se espalhar pelo peito. Não era uma declaração de amor, mas era um reconhecimento, um sinal de que a semente que ele estava plantando começava a germinar. Digitou a resposta com cuidado, querendo transmitir a sinceridade de seus sentimentos:

"Desculpa por ter demorado tanto. Já deixei avisado que você tem total autonomia nas decisões. Tenha um ótimo dia. E eu aceito o convite. Mas … crianças?”.

A mensagem era simples e honesta, com um toque de diversão, sem pretensões ocultas.

Ele bloqueou o celular. A sensação de dever cumprido, de estar no caminho certo, era revigorante. Contudo, Celo era um homem que já olhava para si mesmo com uma honestidade brutal. Ele sabia que pequenos passos em direção a Mari não curavam as feridas mais profundas.

Havia uma bagagem dentro dele, traumas mal resolvidos, sentimentos confusos. Não mais sobre Mari, mas sobre si mesmo, sobre o que o levou a tantas escolhas erradas. A forma como se sentia culpado, a necessidade de ser "útil", de associar seu valor à sua capacidade de prover. Era hora de encarar aquilo de frente.

Abriu o notebook e, quase sem pretensão, começou a pesquisar: "terapeuta especializado", "terapia para lidar com culpa". Navegava por sites e perfis, sentindo-se estranho, mas determinado. Estava em meio a uma página sobre abordagens cognitivo-comportamentais quando seu telefone tocou novamente. Era Paul.

Celo atendeu, com sua habitual cordialidade profissional.

— Paul? Que surpresa. Tudo bem?

— Celo! Que bom que atendeu. Tudo bem, sim, e por aqui as coisas estão a mil! — A voz de Paul era carregada de uma energia contagiante. — Velho, eu preciso da sua expertise, e preciso para ontem. Estou montando a nova empresa, e quando se fala em segurança digital, você é o cara, o melhor do mercado.

Celo sorriu, lisonjeado.

— Fico feliz em ouvir isso. Em que posso ajudar?

— Olha, o papo é longo e complexo. Precisamos nos sentar, conversa franca, olho no olho. Mas ... tem outra coisa. A Anna quer marcar um jantar. Nada muito formal, só nós. Conversar, relaxar. E pensei: por que não juntamos o útil ao agradável? Você está livre essa noite? A gente pode jantar e já discutimos as necessidades da nova empresa.

Um calafrio percorreu a espinha de Celo. Um jantar de "amigos". E a "nova empresa" de Paul. Ele sabia que Jonas era um dos parceiros. A relutância em aceitar a proposta foi quase instantânea. Era arriscado, incômodo. Mas, então, a outra parte de seu cérebro, a estratégica, tomou o controle.

Era uma oportunidade. Uma forma de se informar sobre Jonas, de entender melhor o "rival". Não como um competidor por Mari, mas como uma peça em um tabuleiro maior que ele precisava compreender para proteger sua família.

— Humm ... — Celo hesitou apenas o tempo suficiente para demonstrar que estava pensando. — Deixe-me ver minha agenda ... — Ele olhou para a tela do notebook, sem realmente ver. — Sim, estou livre. Onde, e a que horas?

Paul sorriu, satisfeito.

— Ótimo! Te mando os detalhes por mensagem. Vai ser bom te ver, Celo. E obrigado por aceitar.

— Por nada, Paul. Até mais tarde.

Celo desligou, o sorriso de antes se transformando em uma linha tensa. O jantar não seria apenas um encontro de amigos. Seria uma observação. Um jogo. Ao menos para ele. E ele estava mais do que preparado para jogar.

Celo fechou o notebook com um clique seco e encerrou o expediente. Diego e os poucos funcionários já tinham saído. Paul já havia enviado a mensagem com a hora: jantar na casa dele e de Anna. Celo respondeu com um simples "Ok, Paul! Estarei lá!", ajeitou a pasta na mesa e se levantou.

De volta ao seu apartamento, ele seguiu para o quarto. Nada de terno e gravata, nada muito pomposo. Apesar de ser uma reunião de negócios, era casual, entre amigos. Optou por uma calça jeans escura bem cortada, uma camisa de linho azul marinho que realçava seus ombros e um par de sapatos casuais de camurça. Um banho rápido para tirar o peso do dia, se arrumou rapidamente, um toque de seu perfume favorito e ele estava pronto. Olhou-se no espelho e viu a imagem de um novo homem mais confiante, com uma nova camada de propósito nos olhos.

No horário combinado, Celo estacionou seu carro em frente à imponente casa de Paul e Anna. O gramado frontal era impecável, pontuado por arbustos bem aparados e luzes discretas que já acesas. Ele mal desligou o motor quando a voz de Paul soou pelo interfone, um tom familiar de alegria:

— Pode entrar, amigo! A porta está aberta!

Celo sorriu. Saiu do carro, trancou-o e atravessou o gramado com passos firmes. Ao se aproximar da porta principal, ela se abriu. Anna o recebeu com um sorriso radiante no rosto e um vestido de verão esvoaçante que complementava sua aura vibrante. Ela o abraçou apertado, um gesto caloroso que se estendeu um pouco mais do que um cumprimento casual. Celo sentiu o perfume dela, uma mistura floral com um toque cítrico e, por um instante, a familiar atração que Anna sempre despertava nele aflorou, rapidamente controlada.

— Celo, que bom que você veio! — Ela disse, afastando-se minimamente, mas mantendo as mãos nos braços dele. Seus olhos verdes brilhavam com um misto de carinho e uma curiosidade sutil, quase um convite silencioso. — Paul está lá dentro, terminando de abrir um vinho.

Celo retribuiu o sorriso, notando a intensidade do olhar dela.

— É um prazer estar aqui, Anna. Agradeço o convite. A casa está linda, como sempre.

— Ah, obrigada! É bom ter um pouco de vida aqui, sabe? — Ela riu, um som melodioso, e então seu olhar suavizou, um lampejo de compreensão. — E fico feliz que você esteja se permitindo sair, Celo. Sei que as coisas têm sido ... complicadas. Mas é importante seguir em frente, mesmo que seja um passo de cada vez.

Ele assentiu, assimilando a subentendida referência a Mari. Anna era esperta, e ele sabia que ela não estava alheia aos seus esforços.

— Complicadas é um eufemismo. Mas sim, Anna, um passo de cada vez. É o objetivo.

— E um jantar com bons amigos é sempre um bom começo, não acha? — Ela apertou levemente seu braço antes de soltá-lo e gesticular para que ele entrasse. — Vem, vamos entrar.

Celo a seguiu para dentro, sentindo o ambiente descontraído da casa. A música ambiente suave, um jazz instrumental, convidava à calma. O aroma de temperos frescos pairava no ar, prometendo um jantar delicioso.

— O Paul está lá na cozinha, terminando de abrir um vinho que ele faz mistério sobre o rótulo — Anna comentou, com um sorriso divertido, enquanto o guiava pelo corredor iluminado. Ao chegarem na ampla cozinha, com sua ilha central e bancadas de quartzo, Paul estava de costas para eles, concentrado em uma garrafa. Ele se virou ao ouvir os passos, um sorriso largo iluminando seu rosto.

— Celo! Que bom que chegou! — Paul o cumprimentou com um aperto de mão firme e um tapa amigável nas costas.

Anna riu, soltando o braço de Celo. — Ele está se sentindo um sommelier hoje, Celo. Diz que é um vinho especial para uma noite especial.

— E é! — Paul retrucou, erguendo a garrafa em um brinde imaginário. — Para brindarmos a nossa parceria, meu caro, e para falarmos de negócios.

Anna, que já se dirigia ao fogão, parou por um instante e se virou para Celo, os olhos verdes brilhando com uma sinceridade quase cúmplice.

— E para brindarmos o seu retorno à Mari, também. — Ela piscou, maliciosamente, e completou com um sussurro audível apenas para ele: — Almocei com ela hoje. Sabe, Celo ... estou torcendo muito por vocês dois. De verdade.

Um sorriso tímido, quase um rubor, coloriu as maçãs do rosto de Celo. Ele assentiu, um pouco sem graça, mas grato pela franqueza de Anna.

— Obrigado, Anna. Significa muito.

Ela devolveu o sorriso, voltando a atenção para a panela que borbulhava suavemente no fogão. Paul, que parecia ter perdido o final da conversa ou optou por ignorá-la, estendeu uma taça de vinho para Celo, uma para a esposa e outra para si.

— Sente-se aqui, Celo! — Paul indicou uma das elegantes banquetas altas em torno da ilha. — Quer mais alguma coisa? Algo para beliscar?

— Só o vinho está ótimo, obrigado — Celo respondeu, sentando-se.

Os dois se acomodaram na ilha da cozinha, enquanto o aroma da comida de Anna começava a se intensificar. A princípio, a conversa fluiu calma, uma quebra de gelo natural.

— Então, Celo, como tem andado a vida fora do circuito corporativo frenético? — Paul perguntou, tomando um gole de vinho. — Imagino que esteja desfrutando um pouco mais de paz.

Celo deu de ombros.

— Paz relativa, Paul. Mas sim, tenho tido mais tempo para mim, para pensar em algumas coisas ... e para correr atrás de alguns prejuízos, digamos assim.

— Entendo. É importante, não é? A gente se perde um pouco no turbilhão do trabalho. — Paul assentiu, compreensivo. — Mas fico feliz que esteja se reajustando. E que tenha aceitado nosso convite. Anna estava animadíssima com a ideia de te ter por aqui hoje.

— E eu, Paul. É sempre bom estar com vocês — Celo respondeu, um olhar rápido para Anna, que ainda estava de costas no fogão, mas parecia estar prestando atenção. — Seu novo projeto parece promissor. Fiquei curioso.

— Ah, cara, está demais! — Paul se animou, pronto para mergulhar no assunto, mas se conteve por um instante. — Mas calma lá, vamos dar tempo ao tempo. Primeiro, o vinho, o jantar. Depois a gente coloca a cabeça pra funcionar.

Eles riram, e a conversa seguiu em um ritmo mais leve, sobre as novidades do mercado, algumas viagens recentes, e a expectativa pela comida que Anna preparava. O clima era realmente de amigos, e Celo se permitiu relaxar um pouco, embora a sombra da expectativa do "negócio" e da menção a Jonas pairasse no ar.

O aroma de especiarias e molho de tomate fresco guiou Celo até a sala de jantar. A mesa de madeira rústica, mas elegante, já estava posta com louças claras e taças de vinho cintilantes sob a luz suave. Paul indicou a cadeira ao lado da sua, enquanto Anna, radiante e com um avental de chef, terminava de arrumar os pratos.

— À mesa, pessoal! — Anna chamou, surgindo com uma travessa fumegante. O cardápio, Celo percebeu, era uma ode à culinária italiana: um delicioso Espaguete Carbonara cremoso, com azeite trufado e pancetta crocante, acompanhado de uma salada caprese fresca com muçarela de búfala e folhas de manjericão. Para harmonizar, Paul já tinha decantado um Chianti robusto, cujo aroma já preenchia o ambiente.

Os três se sentaram, e a atmosfera de camaradagem era palpável. A conversa fluiu de amenidades para o motivo do encontro.

— Então, Celo, sobre o projeto … — Paul começou limpando a boca com o guardanapo. — É uma marca nova, vinda da Europa. Um investimento pesado, mas com potencial gigantesco. O ramo é alimentício, produtos gourmet, receitas que são ... segredos de família. Pense em algo tipo a fórmula da Coca-Cola, só que para molhos e massas artesanais.

Celo assentiu, dando uma garfada no Carbonara.

— Interessante. E a segurança digital entra onde? O que você precisa?

— Aí que está o ponto crucial — Paul explicou, com a voz baixando um tom, tornando-se mais séria. — As receitas, os processos de fabricação, as listas de fornecedores … tudo isso é a alma do negócio. Precisamos de uma blindagem digital que seja absolutamente impenetrável. Controle total sobre dados, servidores, comunicação interna. Não podemos ter vazamentos, nem mesmo uma mínima chance.

Celo sorriu, confiante.

— Paul, tenho o produto perfeito para você. Uma solução de segurança de ponta a ponta, que inclusive já é utilizada por uma das maiores empresas do setor de alimentos, no Brasil. Com alguns ajustes, personalizando para as necessidades específicas dessa nova marca, desde a proteção da propriedade intelectual até a segurança das transações comerciais, teremos uma fortaleza digital. Podemos agendar uma reunião mais técnica para eu apresentar os módulos e como faremos a integração.

— Fantástico! — Paul exclamou, satisfeito. — Exatamente o que eu esperava de você. Podemos marcar para a semana que vem.

Enquanto a conversa sobre negócios se estabelecia, Celo aproveitou a informalidade do momento para tentar obter informações.

— Paul, você mencionou que o projeto tem outros parceiros, certo? Como está essa equipe?

Paul estava calmo, enrolando o macarrão no garfo.

— Ah, sim! Além de mim, tem o Jonas e o André. Equipe boa, gente com cabeça, cada um trazendo uma expertise diferente. O Jonas é um cara muito bom em marketing, um investidor com uma visão de mercado que me impressiona.

Celo assentiu, observando as reações de Paul e Anna. Paul falava de Jonas com respeito profissional, sem desviar o olhar. Anna, do seu lado, observava Celo com um brilho sutil nos olhos, como se o encorajasse.

— Sim, o Jonas parece ser bem conhecido no meio. Um cara com experiência internacional. — Celo comentou sem realmente ter certeza, apenas para deixar Paul mais disposto a falar. — E o André, esse eu conheço, e até me surpreendi ao saber que ele estava incluído no projeto.

Paul fez uma pausa, pensativo.

— O André é mais do lado financeiro, um administrador. Muito inteligente. Aliás, engraçado ... ele comentou mesmo que vocês estudaram na mesma universidade. Você, ele e a Mari.

A menção de André e Mari juntos fez um ligeiro desconforto se instalar em Celo. Ele lembrou-se de um tempo que preferiria esquecer.

Anna, percebendo a leve mudança na expressão de Celo, trocou um olhar rápido com Paul. Ele, no entanto, decidiu ser direto, como Paul havia sido com ele.

— Sim, Paul. É verdade. Estudamos na mesma universidade, mas não somos amigos. E, para ser bem honesto, minhas lembranças do André não são das melhores.

Paul e Anna olharam para ele, curiosos.

— Naquela época, ele não era exatamente conhecido por ser uma pessoa confiável. — Celo escolheu as palavras com cuidado. — É uma opinião pessoal, claro, e, isso era de conhecimento geral, André tentou se aproximar da Mari na época, demonstrou interesse, de forma insistente ... insistente até demais. E foi prontamente repreendido pela própria Mari. Depois disso, ele e Mari só estudaram juntos por um ano, pois ele mudou de curso e de campus. Então, nossa convivência foi bem limitada. Acho que nos encontrávamos apenas em festas da faculdade.

O silêncio momentâneo pairou sobre a mesa enquanto Paul e Anna absorviam a informação sobre André. O clima de amigos, que antes era leve, agora tinha uma camada quase imperceptível de cautela. Celo percebeu, mas estava determinado a usar aquele jantar para sua "observação". Mesmo sentindo um leve desconforto por estar sendo invasivo na vida de Paul, ele precisava seguir seu instinto.

Celo tomou um gole do Chianti, aprofundando o olhar em Paul.

— Paul ... você parece confiar muito nesse tal de Jonas, não é? — A pergunta, dita num tom casual, era carregada de um subtexto que Celo tentava disfarçar.

Paul o interrompeu, visivelmente surpreso pela mudança brusca de assunto e pelo tom direto. Ele colocou a taça na mesa, a expressão um pouco mais séria.

— Celo, eu sei que existe uma certa tensão entre você e o Jonas, já que ... bom ... — Paul hesitou, evitando mencionar Mari diretamente, mas a referência era clara. — Entendo suas preocupações. Mas eu não entro em parcerias, especialmente uma dessa magnitude, sem investigar a fundo meus sócios. Não encontrei nada que me faça duvidar das intenções do Jonas ou da integridade dele.

Celo percebeu o leve fechamento de Paul, mas não recuou. Precisava plantar a semente.

— Eu me desculpo, Paul, se pareci intrometido. — Celo levantou as mãos em um gesto de pacificação, mas seu olhar continuava fixo e determinado. — Mas não posso deixar de completar. Eu também fiz minhas próprias pesquisas, lógico, e não só por causa da Mari. Como pai, preciso saber quem está próximo aos meus filhos, quem se aproxima do círculo da minha família, ainda mais em um ambiente profissional que pode nos conectar.

Ele fez uma breve pausa, deixando as palavras assentarem.

— E, honestamente, Paul, Jonas me parece ... correto demais. Incrível demais. — Celo notou a pulga atrás da orelha de Paul, a leve contração em sua testa. — Um investidor que surgiu no mercado italiano como um furacão, acumulou uma grande soma de dinheiro em tempo recorde e, de repente, largou tudo para voltar ao Brasil, investir aqui ... É um perfil, no mínimo, intrigante.

Anna, que observava a troca de olhares intensos entre os dois, parecia reter a respiração, ciente da seriedade do que estava sendo dito.

Paul, por sua vez, tentou reafirmar sua convicção, talvez mais para si mesmo do que para Celo.

— Celo, eu também tenho meus contatos no velho mundo. Nossas equipes de advogados e analistas fizeram um pente-fino. Jonas é legítimo. E essa parceria me beneficia demais, financeiramente e estrategicamente. Não posso me dar ao luxo de ter dúvidas baseadas em sensações.

Sentindo a tensão aumentar na mesa e a conversa se aproximando de um ponto de desconforto crítico, Celo decidiu recuar, por enquanto. A semente estava plantada. Paul pensaria.

— Entendo, Paul. E confio no seu discernimento. — Celo disse, com um sorriso leve, mudando de assunto com habilidade. — Mas vamos falar de coisas mais leves. Aquele seu projeto de barco, Paul, você finalmente tirou do papel? Lembro que você estava animadíssimo com ele.

Paul pareceu aliviado com a mudança no rumo da conversa. Anna soltou o ar que parecia prender, e o clima começou a se dissipar, voltando para um terreno mais confortável para todos. Enquanto Paul divagava sobre os detalhes de seu barco dos sonhos, Anna, terminando de servir o vinho nas taças, os olhos verdes fixos em Celo, disse:

— Mudando um pouco de assunto, já que Paul não pergunta as coisas importantes ... — Anna começou, com um sorriso cúmplice que só Celo entenderia.

Ela girou lentamente a taça entre os dedos, respirou fundo e lançou um olhar rápido para Paul, que percebeu o desconforto, mas não interferiu. Então, virou-se para Celo, séria.

— Celo … me desculpa, mas preciso perguntar uma coisa. Talvez não seja o melhor momento, mas … no nosso almoço, a Mari contou … — Ela fez uma pausa, ajeitou-se na cadeira, claramente desconfortável — sobre aquela noite lá na cidadezinha … você e a Cora.

O sorriso de Celo desapareceu na mesma hora. Ele respirou fundo, apoiou os braços na mesa e respondeu sem desviar o olhar.

— Eu imaginei que esse assunto uma hora ia chegar até aqui.

— Olha … — Anna suspirou. — A Mari foi muito clara sobre tudo o que viu. E ... eu só ... eu preciso ouvir de você. O que realmente aconteceu?

Paul apenas cruzou os braços, em silêncio, deixando que a esposa conduzisse. Celo encarou os dois, depois abaixou os olhos por um segundo, organizando as palavras.

— Anna, eu te respeito demais pra florear qualquer coisa. Sim, aconteceu. Sim, a Cora apareceu lá, do nada. E sim, ela foi bem direta. Me pegou de surpresa. — Ele se ajeitou na cadeira. — Ela apareceu, se insinuou, e mais: levou fotos. Fotos da Mari com o Jonas. Só que … — Ele balançou a cabeça negativamente, indignado só de lembrar — ... fotos feitas para criar uma narrativa que não condizia com a realidade. Eram imagens deles em um parque, num restaurante, ângulos escolhidos a dedo, só pra fazer parecer que eram um casal apaixonado.

Paul fez um som baixo, quase uma risada irônica.

— Jogada suja …

— E funcionou. Por alguns minutos ao menos. — Celo confessou, sem rodeios. — Mexeu comigo. Me deixou mal. E aí, sim, ela tentou. Veio pra cima. Chegou no meu espaço, se insinuou, tentou me beijar… E, tá … não vou ser hipócrita, houve um beijo, mas ... — Celo levantou a mão, gesticulando — durou segundos. Assim que a ficha caiu, eu a empurrei, pedi pra parar, deixei muito claro que aquilo não tinha a menor chance de acontecer. Que era errado, que não fazia sentido nenhum.

Anna levou a mão à boca, respirando pesado, chocada.

— Meu Deus … A Mari não entrou em detalhes, assim. Ela só contou que te viu … que te flagrou com a Cora … — Anna apertou os olhos, balançando a cabeça. — E eu achei … achei que talvez ela estivesse interpretando errado. Mas ouvir você agora ... tá me deixando ... — ela não completou.

— Anna, olha … — Celo ajeitou-se novamente na cadeira, gesticulando. — Eu não tô aqui pra te colocar contra a Cora. Não é isso. Mas é fato. Ela tentou. E isso não é só sobre mim ou sobre a Mari. É sobre caráter. Sobre respeito. Porque ... — Ele olhou diretamente para ela — Eu podia estar vulnerável, fragilizado, magoado, mas eu ainda tenho limite. E eu disse, não. E não é não, até mesmo para mulheres. — Disse, firme.

Paul apoiou a mão no ombro da esposa.

— Amor, você precisa aceitar. Isso já passou do ponto faz tempo. Eu também sou culpado, pois percebi, mas nunca disse nada.

Anna abaixou o olhar, visivelmente abalada, e concordou com um aceno de cabeça, quase sem forças.

— É … eu tô começando a enxergar coisas que, talvez, eu não queria ver.

Era preciso mudar o clima desagradável que ficou. Mesmo magoada, finalmente enxergando a verdade, Anna rapidamente se recuperou e disse:

— A Mari também me contou sobre o fim de semana na praia. Achei a ideia dos seus filhos hilária. Como foi? Deu certo mesmo a armação deles?

Celo, pego de surpresa pela franqueza de Anna, riu, um riso genuíno que desarmou qualquer resquício de tensão.

— Deu mais do que certo, Anna. — Ele sorriu, um brilho nos olhos ao recordar os momentos com Mari. — Foi ... surpreendente, na verdade.

— Surpreendente em que sentido? — Anna indagou, a curiosidade vibrando em sua voz. Paul, ao lado, se mantinha atento à conversa.

— Foi bom. Muito bom. — Celo respondeu, sua voz mais suave. — A gente conseguiu conversar de verdade. De coração aberto, sabe? Sem as defesas, sem os fantasmas do passado nos assombrando a cada palavra. Nos fez entender ...

Anna balançou a cabeça, incentivando-o.

— Diz, o que você entendeu?

Celo suspirou, disposto a ser totalmente honesto.

— Entendi que a Mari está ferida. Que ela tem os próprios medos. E que, por mais que eu tenha estragado tudo antes, e que ela dívida comigo essa culpa, ela ainda ... ainda existe uma chance.

— Uma chance. — Anna repetiu, o sorriso se alargando. Seus olhos se encontraram com os de Paul, que assentiu levemente, aprovando a abertura de Celo. — Celo, eu fico muito feliz em ouvir isso. De verdade. Eu e Paul torcemos muito por vocês dois. Vocês têm uma história linda.

Celo sorriu timidamente, o rubor suave voltando às suas bochechas. Era um alívio poder falar abertamente sobre seus sentimentos com amigos que realmente se importavam.

— E por falar em abrir o coração ... — Celo continuou aproveitando o momento de confiança. Ele tomou um gole de vinho, a decisão firme em sua mente. — Eu percebi que talvez esteja na hora de parar de aguentar tudo sozinho. Talvez seja hora de buscar ajuda. Ajuda especializada.

Paul e Anna trocaram um olhar surpreso, mas de admiração.

— Que ótimo, Celo! — Anna exclamou, com uma energia contagiante. — Essa é uma atitude e tanto!

— Mas a Mari é psicanalista, e a Luciana é da mesma área ... — Paul ponderou, um pouco confuso. — Por que você não pede uma indicação a elas? Tenho certeza de que elas saberiam a pessoa perfeita para isso.

Celo balançou a cabeça.

— Isso é pessoal, Paul. Muito pessoal. Não quero que a Mari veja isso como uma forma de manipulação, que ache que eu estou fazendo para agradá-la ou para me aproximar. Estou fazendo por mim. Pela minha própria saúde mental, para resolver minhas próprias questões. Preciso estar bem, inteiro, para ser o homem que ela e meus filhos merecem.

Anna e Paul ficaram em silêncio por um instante, processando a profundidade da resposta de Celo. Anna foi a primeira a reagir.

— Celo ... Que maturidade! — Anna disse, genuinamente impressionada. — Essa é uma das coisas mais nobres que já ouvi você dizer. É uma atitude de um homem que realmente está disposto a melhorar, de verdade.

Paul assentiu vigorosamente, erguendo a taça.

— Sem dúvida. Brindo a isso, meu amigo. À sua coragem.

Celo sentiu o calor de um verdadeiro apoio. O restante do jantar transcorreu em um clima leve e agradável, com conversas despretensiosas, e a honestidade de Celo havia adicionado uma nova camada de respeito à amizade deles.

Ao final da noite, Celo se despediu de Paul com um aperto de mão firme. Anna, antes que ele pudesse sair, aproximou-se, com um sorriso carinhoso no rosto.

— Celo, espere. — Ela estendeu a mão, revelando um cartão de visitas. — Este é o cartão da minha terapeuta. Ela é excelente. Quem sabe, ela não te ajuda? Ou pelo menos, pode te indicar a melhor pessoa para te ajudar. É um ótimo começo.

— Obrigado, Anna. De verdade. — Celo aceitou o cartão, o papel liso entre seus dedos, e sorriu para ela.

— De nada. Fico feliz que tenhamos conversado tanto hoje. — Anna deu um abraço carinhoso e demorado nele. — Boa noite, Celo.

— Boa noite.

Celo deixou a casa de Paul e Anna e voltou para seu apartamento. A noite havia sido reveladora e cheia de novas perspectivas. O peso em seu peito, antes esmagador, havia diminuído consideravelmente. Com o cartão de visitas em mãos, ele sentiu uma sensação boa, a esperança acesa de que tudo se ajeitaria. Que a vida, finalmente, estava no rumo certo.

{…}

Jonas passou o dia inteiro com a cabeça fervendo. Andava de um lado pro outro no quarto do hotel, mãos na cabeça, expressão pesada. A ressaca física nem chegava perto da ressaca moral que o corroía por dentro. “Mas que merda eu fiz?”, repetia mentalmente, incontáveis vezes.

Por mais que tentasse, não conseguia entender como permitiu que os sentimentos tomassem conta. Sempre foi racional, frio nos negócios, calculista. Mas bastou se envolver, se entregar, numa hora totalmente errada e, pior, se ver dominado por um sentimento que nunca achou que sentiria de verdade, a ponto de perder completamente o controle.

O problema não era só o arrependimento, era o pavor. Sabia muito bem do caráter, da integridade, da força de Mari. Coisas que até ela mesmo duvidava. Se ela quisesse, poderia acabar com ele. Bastava procurar a polícia, relatar o que aconteceu naquele quarto de hotel e, pronto. Sua imagem, seus negócios, sua liberdade ... tudo poderia ir pelos ares.

E o pior? Ela teria razão.

Jonas respirou fundo, passou as mãos no rosto, se sentou no sofá … se levantou, caminhou de novo. Um ciclo de culpa e desespero. O homem seguro, sedutor, aquele mesmo que dominava negociações milionárias, estava agora completamente perdido.

Mas não podia deixar as coisas daquele jeito. Precisava tentar, precisava se redimir. Não só pelo medo, mas porque, lá no fundo, mesmo ferido no ego, sabia que Mari não merecia aquilo. E, se houvesse algum resquício de respeito, ele precisava demonstrar.

Pegou o celular, abriu o aplicativo de mensagens, o dedo tremendo no botão da conversa com ela. Ficou encarando a tela por alguns segundos, travado. Respirou fundo, criou coragem, e começou a digitar:

"Oi ... Eu sei que provavelmente você não quer me ouvir, e eu entendo. Eu tô envergonhado, Mari. Muito. Não é fácil nem pra mim digitar isso agora, mas eu precisava. Eu ... eu passei dos limites ontem. Eu bebi demais, perdi o controle ... falei e fiz coisas que jamais deveria. Você não merecia aquilo. De verdade ... me desculpa. Sei que errei. Sei que te assustei. Só ... só queria que você soubesse que ... mesmo depois de tudo, eu ainda me importo com você. E te peço desculpas ... de coração".

Ficou olhando o texto, hesitante. Por alguns segundos, pensou em apagar tudo. Afinal, admitir fraqueza nunca foi seu estilo. Mas percebeu que não tinha mais controle da situação, que, se quisesse ao menos sair com dignidade, precisava ser humilde.

Respirou fundo, e apertou “enviar”.

Ficou encarando a tela, esperando, como se aquele ícone de "digitando ..." pudesse, de alguma forma, consertar não só a noite passada, mas também, quem sabe, o próprio caminho que ele tinha tomado.

Jonas esperou por mais de duas horas, mas a resposta não veio. Sabia que ela tinha lido, mas entendia, ou tentava entender, a falta de resposta.

Para não enlouquecer, precisava ocupar a mente. Parar de pensar bobagem, de sofrer de véspera. Se jogou no trabalho. Puxou a cadeira da escrivaninha, abriu o notebook e começou a revisitar sua lista de contatos na Europa, organizando as pendências com a equipe que estava ajudando a estruturar a parceria com Paul no Brasil.

Por dois dias, mergulhou nos números, nas projeções, como se aquilo fosse capaz de anestesiar o peso que ainda sentia no peito. E, por algum tempo, até que funcionou.

Já eram quase duas da tarde quando o estômago roncou. Estava cansado de ficar trancado no quarto, sozinho. André, com certeza, estava ocupado, provavelmente visitando clientes ou cuidando das burocracias do projeto.

Pensou em pedir algo no serviço de quarto, estava até dando uma olhada no cardápio do hotel, quando o telefone do quarto tocou.

— Sr. Jonas, tem uma mulher aqui pedindo para vê-lo. Seu nome é Cora, ela disse que é amiga do Sr. Paul e da Sra. Anna.

Jonas Estava trancado ali há dois dias, apenas respondendo ao mundo por mensagem. Não queria mais aquele clima de solidão sufocando. Decidiu então descer, ver o que a mulher queria, e aproveitar para almoçar no restaurante do hotel, ver gente, respirar outros ares.

— Diga que desço em alguns minutos. Obrigado.

Tomou um banho rápido, se vestiu e desceu. Enquanto atravessava a recepção, ajeitando a gola da camisa, uma voz feminina, inconfundível, invadiu seus ouvidos como um alerta:

— Jonas, aqui ... — A voz estava carregada de malícia. — Podemos conversar? Garanto que é do seu interesse.

Ele se virou imediatamente e, claro ... era ela. Aquela preta alta de presença forte, sorriso largo, olhar sagaz, corpo de fazer qualquer um perder o rumo: Cora. Elegante, provocante, impecável. Vestido justo, salto alto, maquiagem no ponto e um perfume que parecia feito pra deixar rastro.

Ele cruzou os braços, desconfiado, e apertou os olhos:

— Cora ... não é? — Seu tom foi seco. — E o que você quer comigo?

Ela sorriu, jogando o quadril para o lado, numa pose que transbordava autoconfiança.

— Uma conversa em particular. — Respondeu, abaixando levemente a voz. — Acredito, sinceramente, que podemos nos ajudar.

Jonas respirou fundo, apertou os olhos, analisando cada gesto dela.

— Isso tá cheirando a problema … — Ele resmungou.

— Ao contrário, Jonas. — Ela sorriu, divertida. — Tá cheirando a solução.

— Solução pra quê, exatamente? — Ele arqueou a sobrancelha, visivelmente desconfiado.

Cora jogou o cabelo para o lado, aproximou-se mais um pouco, e apontou discretamente para o bar do hotel. Mais reservado, com meia luz e longe de ouvidos curiosos.

— Que tal conversarmos ali? Prometo ser bem ... objetiva.

Ele olhou para ela, depois para o bar, e para ela de novo. Suspirou, balançou a cabeça, ajeitou a camisa, ciente que estava prestes a se enfiar num jogo perigoso.

— Tá bom, Cora. Vamos ver qual é a sua.

Ela virou sem dizer mais nada, rebolando como quem sabe exatamente o poder que tem. E ele, sem muitas opções, e talvez movido também por um pouco de curiosidade, a seguiu. Sabia que aquele papo tinha tudo pra ser uma bomba. E, ainda assim, foi.

Cora não perdeu tempo. Assim que se sentaram à mesa no bar, pediu um drink, que Jonas recusou, e antes que o garçom se afastasse, disparou, direta como prometeu:

— Celo e Mari estão se reaproximando. — Disse, segurando o olhar dele, como se aquilo fosse suficiente pra gerar algum impacto. — Achei que você deveria saber.

Jonas não era nenhum idiota. A postura de Cora, a voz doce, o tom meio meloso, soaram como um roteiro ensaiado. Ele sorriu debochado, cruzou os braços e a cortou sem dó:

— Sério? É isso? Veio aqui fingir que tá preocupada comigo? — Ele riu, balançando a cabeça. — Corta essa, Cora. Isso não combina com você. Na real ... — Olhou bem nos olhos dela, inclinando-se para frente. — Você tem interesse nele, não tem? Você tá mordida, é isso. Só não tem coragem de assumir.

Por um segundo, Cora manteve aquele teatrinho de quem fingia estar ofendida. Mas percebeu, rápido, que Jonas não era homem de cair em conversa mole. Ela suspirou, cruzou as pernas de forma provocante, passando a mão lentamente pela própria coxa, até ajeitar o vestido curto.

— Tá ... — Ela sorriu, mordendo o lábio inferior. — Você tem razão. Na verdade, agora ... virou questão de orgulho. — Ela se ajeitou na cadeira, inclinando-se sensualmente. — De ego, sabe? — Passou a mão pelo próprio corpo, dos seios até o quadril, sem qualquer pudor. — Você acredita que ele me rejeitou? Logo eu ... Ele só pode ser cego.

Jonas balançou a cabeça, soltou uma risada seca, de saco cheio daquele monólogo egocêntrico.

— Ok! — Disse, seco. — E onde eu entro nisso, hein? Me explica. No que isso me interessa? — Jogou as costas no encosto da cadeira, descrente, encarando Cora de cima a baixo, analisando cada detalhe daquele corpo escultural.

Ele deu um sorriso torto, sacana e provocou:

— Olha, realmente, esse corpo não é de se jogar fora. — Passou a língua pelos lábios, encarando-a descaradamente. — Vai ver ... sei lá ... talvez o tal de Celo não goste muito da “coisa”.

Cora, surpresa, quase querendo rir, não se deixou abalar. Ela percebeu, na hora, o que ele estava sugerindo. E, manipuladora como era, entendeu que seus “encantos” talvez tivessem encontrado outro alvo mais receptivo.

Jonas não deixou espaço para dúvidas. Levantou um pouco da cadeira, apoiou os braços na mesa, e foi direto, sem rodeios:

— Olha, sinceramente ... — Deu uma olhada descarada para o decote generoso dela. — Por que a gente não termina essa conversa lá em cima? No meu quarto. Ambiente mais reservado, sem testemunhas ... e, quem sabe, mais produtivo.

O olhar dele deixou claro que aquele “produtivo” não tinha nada a ver com negócios.

Cora, pegando o jogo no ar, sorriu cúmplice. Seu olhar brilhou, meio desafiador, meio provocante.

— Por mim, acho melhor também. — Respondeu, se levantando devagar, ajeitando o vestido, cruzando as alças da bolsa no ombro.

Os dois caminharam até o elevador, lado a lado, como cúmplices de uma conspiração silenciosa, cada um com seus próprios interesses, mas, no fundo, sabendo que estavam prestes a misturar desejo, frustração e um pouco de veneno.

Dentro do elevador, Jonas não fez questão de disfarçar. Seus olhos percorriam cada curva de Cora, sem nenhum pudor, como quem avalia algo que, muito em breve, vai possuir.

Cora, que não era de recuar, percebeu o jogo e respondeu na mesma moeda. Encostou-se na parede de vidro, cruzou as pernas lentamente, e, com aquele olhar de fêmea no cio, passou a ponta da língua pelos lábios, mordendo-os logo em seguida, provocando descaradamente.

O silêncio no elevador estava longe de ser desconfortável. Era elétrico, carregado de tensão sexual. Quando as portas se abriram no andar do quarto de Jonas, nem precisaram se olhar. Apenas seguiram, como se o roteiro já tivesse sido escrito. E os próximos minutos, ou horas, prometiam ser tão intensos, quanto perigosos.

Assim que entraram no quarto, Jonas não titubeou, agarrando Cora com desejo e frustração:

— Eu conheço seu tipo, piranha. — A voz de Jonas era áspera, carregada de uma mistura de desejo e provocação.

Ele prensou Cora contra a parede, o corpo quente e firme contra o dela. Suas mãos grandes seguravam seus pulsos, prendendo-os acima da cabeça, enquanto ele a encarava com olhos que brilhavam de intenção.

Cora não se intimidou. Pelo contrário, os lábios se curvaram em um sorriso malicioso, e ela inclinou a cabeça para o lado, como se o estivesse estudando.

— Conhece mesmo? Talvez porque sejamos iguais. — A voz dela era suave, mas cheia de desafio.

Ela livrou as mãos do aperto e deslizou o indicador lentamente pelos lábios dele, sentindo o calor de sua respiração aumentar.

Jonas soltou um grunhido baixo, os olhos escurecendo de desejo. Ele não perdeu tempo. Com um movimento brusco, virou Cora de costas, pressionando-a contra a parede. As mãos agarraram seus quadris com força, e ele puxou o vestido dela para cima, expondo a curvatura perfeita da bunda.

— Você quer isso, não é? Puta demais. — Ele sussurrou no ouvido dela, a voz rouca e cheia de promessas.

Cora não respondeu com palavras. Em vez disso, ela arqueou as costas, empinando a bunda para ele, se esfregando, sentindo a ereção que crescia, um convite claro e sem vergonha.

Jonas não precisou de mais nada. Ele desabotoou as calças rapidamente, libertando o pau já duro e pulsante e não perdeu tempo. Com uma mão firme na cintura dela, ele alinhou a ponta do pau na entrada úmida e quente da xoxota, empurrando de uma vez, entrando até o fim em um único movimento forte.

— Ah, caralho! — Cora gritou, com os dedos arranhando a parede enquanto ele a preenchia completamente.

A sensação era intensa, quase dolorosa, mas incrivelmente prazerosa.

Jonas não deu tempo para ela se acostumar, começando a estocar com força e velocidade, cada embate fazendo o corpo dela chocar contra a parede. As mãos dele apertavam seus quadris com tanta força que ela sabia que ficariam marcados depois. Mas ela não se importava.

— Ahhhhh … isso, assim mesmo. — Ela gemeu, a voz trêmula de prazer. — Me fode como se eu fosse sua puta.

Jonas riu baixinho, o som rouco e cheio de desejo.

— Você agora é minha puta. — Ele respondeu, aumentando o ritmo. Cada movimento selvagem, sem controle, tentando marcá-la por dentro e por fora.

Cora sentia o calor se espalhar pelo corpo, cada estocada a levando mais perto do limite. Ela podia sentir o suor escorrendo pelas costas, o ar pesado e quente entre eles.

— Mais forte, caralho. Ahhhh … Mete com força. — Ela implorou, a voz quase um gemido.

Jonas obedeceu, agarrando os cabelos dela com uma mão e puxando a cabeça para trás. Ele se inclinou para frente, os lábios próximos do ouvido dela.

— Piranha gostosa … vadia … Gosta de ser fodida assim?

Cora não conseguia responder. O prazer era demais, cada provocação, cada xingamento, aumentando o tesão que a dominava. Ela podia sentir o orgasmo se aproximando, uma onda de fogo que começava na base da espinha e se espalhava por todo o corpo.

Jonas parecia saber exatamente o que estava acontecendo. Ele soltou os cabelos dela e colocou as duas mãos em seu quadril, a puxando para trás com força a cada estocada.

— Toma, putinha … geme piranha … — Ele ordenou, a voz rouca e cheia de desejo.

Ela não conseguiu segurar mais. O orgasmo explodiu dentro dela, uma onda de prazer tão intensa que ela quase perdeu o equilíbrio.

— Pau gostoso … grosso … tá acabando comigo … — Ela gritou, o som ecoando pela sala enquanto seu corpo tremia com a força daquele orgasmo.

Jonas não parou. Ele continuou a se mover dentro dela, cada movimento mais rápido e mais forte. Ele podia sentir as contrações da xoxota ao redor do pau dele, e isso só aumentava seu desejo.

— Caralho, você é tão gostosa … tão puta … — Ele gemeu, os músculos das costas tensionados enquanto se aproximava do próprio limite.

Cora ainda estava tremendo com o orgasmo, mas ela conseguia sentir que ele estava perto. Ela arqueou as costas mais uma vez, empinando a bunda para ele.

— Goza dentro de mim, enche essa buceta de porra. — Ela sussurrou, a voz rouca, quase falhando.

Com uma última estocada forte, ele explodiu dentro dela, o prazer tomando conta do corpo dele completamente. Ele gemeu baixinho, os dedos afundando na carne dos quadris dela enquanto ejaculava sem se conter.

Por um momento, eles ficaram parados, os corpos ainda conectados, ambos tentando recuperar o fôlego. O ar ao redor estava pesado com o cheiro de sexo e suor, e a única coisa que se ouvia era o som da respiração ofegante dos dois.

Jonas finalmente se afastou, deixando Cora apoiada na parede. Ele olhou para ela, os olhos ainda escuros de desejo.

— Ainda não acabamos … — Ele disse, a voz rouca e cheia de promessas.

Cora sorriu. Os lábios curvados em um sorriso malicioso.

— Eu espero que não. — Ela respondeu, os olhos brilhando, em desafio.

Continua …

*Letra da música “Deus me Proteja”, de Chico César.

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Foto de perfil de Ménage LiterárioMénage LiterárioContos: 69Seguidores: 341Seguindo: 37Mensagem Três autoras apaixonadas por literatura erótica. Duas liberais, e uma mente aberta, que adora ver o parquinho pegando fogo.

Comentários

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Nossa, 11.000, nem vi a leitura passar. Acho que a Cora vai tirar uma foto da buceta gozada e enviar para Mari dizendo que foi o Celo que gozou nela. Essa mulher não é uma cobra e sim uma serpente jararaca.

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Essa Cora devia se chamar Cobra 🤣🤣. Ela não aceita perder de jeito nenhum! Mas como diz um certo ditado " Os opostos se atraem " . Quem sabe o Jonas não achou sua parceira ideal 🤔🤣.

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Li só uma parte do final por enquanto e me veio a mente uma música assim:

"Vai dar merda, vai dar merda.

Vai dar merda, vai dar merda vai.

Vai dar merda vaiiiii... 🎶🎶🎶"

Kkkkkk

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Aaaaah, acabou assim? Cadê o restante do capítulo? Minha parceir@ e suas amigas são todas malvadinhas... Em vez de 3 estrelas, vou dar ♥️♥️♥️ porque hoje estou romântico.

Um forte abraço menin@s

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Quase 11 mil palavras. Em algum momento era preciso cortar. 😂😂😂

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Sim. Foi bem grande este capítulo, mas passou rápido. Finalmente a Cora sendo desmascarada. Aleluia kkkkk abraços

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Bom, agora vamos jogar o jogo. Só resta saber quais serão as regras.

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Acho que esse jogo não tem regras. Vale tudo. Pelo menos pra Cora...

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Geral jogos sem regras são aqueles que mais cobram de seus jogadores, quero ver qual vai ser a preço que Cora e Jonas vão ter que pagar no final do jogo

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Boa observação! No caso da Cora o que ela pode perder é o Marido que já esta 🤬 com ela devido não ter ainda contado a verdade para ele . Já o Jonas eu chuto 2 possibilidades 1 amizade com Mari , embora ainda um pouco abalada com o que ele tentou fazer,mas ela ainda existe 2 Está opção é a mais indireta; O negócio que está para ser feito com o Paul e sua nova empresa.

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