A casa de Júlia e Rafaela ainda mantinha suas paredes de estuque branco, seus pisos de madeira escura e os vitrais que pintavam o chão de cores ao entardecer. Mas algo fundamental havia mudado: o ar. Agora, cada canto respirava sob as regras do Dom.
As câmeras não eram escondidas. Pelo contrário — ele as instalara em molduras douradas, como peças de arte. Uma no corredor principal, outra sobre a mesa de jantar, e uma terceira no alto da escada, capturando o vão entre os quartos. Elas piscavam em intervalos regulares, pequenos pontos vermelhos que lembravam: vocês estão sendo observadas.
Na parede da cozinha, um quadro de cortiça exibia o Cronograma de Submissão Diária:
6h30: Meditação (posição de lótus, mãos sobre as coxas, palmas para cima)
7h15: Banho frio (máximo de 5 minutos)
19h00: Relatório escrito de falhas (tinta vermelha, letra cursiva)
Rafaela, ao ler pela primeira vez, riu — um som seco, sem humor.
— "Ele até regulou a temperatura da água."
Júlia não respondeu. Estava ocupada decifrando a última linha do cronograma:
"22h00: Sono. Posição dorsal. Roupas permitidas: nenhuma."
No centro da sala de estar, onde antes havia um tapete persa, agora repousavam dois bancos de madeira baixos, sem encosto, polidos até brilhar. Eram idênticos, exceto pelas palavras gravadas a fogo nos assentos:
"Erro" (o de Júlia)
"Cúmplice" (o de Rafaela)
Todas as manhãs, antes do café, elas deveriam sentar-se ali — nuas, pernas abertas, mãos sobre os joelhos — e relatar seus deslizes em voz alta. No terceiro dia, Júlia quebrou o protocolo: tentou cobrir o sexo com as mãos.
A punição veio por mensagem no celular (o único aparelho que lhes restara, com chamadas e apps bloqueados):
"Júlia: 12 horas de mordaça de renda. Rafaela: escrever 'Eu a deixei falhar' nas coxas com batom. Ambas: sem almoço."
Naquela noite, Rafaela aplicou o batom com mãos firmes, traçando as letras em vermelho-cereja enquanto Júlia observava, a mordaça apertando seus lábios.
O Dom não precisava puni-las pessoalmente. Ele as treinara para serem carrascas uma da outra.
Quando Júlia usou o celular antes do horário permitido, foi Rafaela quem entregou o relatório:
— "Ela digitou por nove minutos. Acredito que tentou acessar o e-mail."
A recompensa por sua delação? Um banho quente. (O primeiro em uma semana.)
O castigo de Júlia? Amarração dos pulsos ao pé da cama por toda a noite.
Mas a verdadeira maestria do Dom estava na reciprocidade:
— "Se uma erra, a outra é responsável", explicara ele na primeira visita. "Punições serão em dupla. Se Rafaela esquecer uma regra, Júlia será açoitada. Se Júlia mentir, Rafaela passará um dia de joelhos. Assim, aprenderão a vigiar-se... e a temer a falha alheia mais que a própria."
Às sextas-feiras, 18h00 em ponto, o Dom chegava. Nunca batia — usava um chaveiro de prata com o símbolo de um D entrelaçado.
Naquela semana, ele entrou e sentou-se na poltrona de couro envelhecido que agora ocupava o centro da sala (uma peça que substituíra o sofá das duas). Júlia e Rafaela já o esperavam, ajoelhadas no chão de mármore, mãos atrás da nuca, cabeças baixas.
Ele não as tocou. Apenas observou.
— "Mostrem-me."
Elas se levantaram e executaram a Sequência de Submissão:
Giro lento (braços estendidos, palmas para cima)
Inclinação para frente (mãos no chão, nádegas expostas)
Pronúncia (em uníssono): "Somos suas em dívida e corpo."
O Dom aprovou com um aceno. Depois, estendeu a mão.
— "Os relatórios."
Rafaela entregou um caderno de capa vermelha. Ele leu em silêncio, ocasionalmente fazendo "tsk" com a língua.
— "Júlia... três transgressões de postura. Rafaela, você permitiu que ela se sentasse incorretamente durante o jantar."
Ambas estremeceram.
Ele fechou o caderno e sorriu.
— "Vocês já entendem que não são livres. Mas ainda não entenderam o que isso significa para o futuro de vocês."
O Dom levantou-se e circulou-as como um tubarão farejando sangue.
— "Sua dívida não é só financeira. É genética."
Júlia engoliu em seco. Rafaela manteve a respiração controlada, mas seus dedos tremiam.
Ele parou atrás delas, suas mãos pousando em seus ombros.
— "Hereditária. Se eu quiser."
Uma pausa. O som do relógio de parede parecia mais alto.
Então, ele se ajoelhou entre elas, seus lábios quase tocando as orelhas de cada uma, e sussurrou:
— "Talvez eu queira deixar algo dentro de vocês. Algo que sirva a mim. Algo que... nunca deixará vocês partirem."
Júlia sentiu um calor súbito entre as pernas — ódio? medo? — e odiou-se por isso. Rafaela cerrou os punhos, imaginando, contra sua vontade, o peso de uma barriga grávida, redonda como a lua cheia, dela.
O Dom levantou-se e foi embora sem outra palavra.
Na casa, o silêncio que se seguiu era diferente. Mais espesso. Mais perigoso.
Porque agora, além dos corpos, ele invadira o possível.
E ambas sabiam: a próxima etapa seria irreversível.