O carro do Dom não fez barulho ao estacionar. O motor elétrico desligou-se com um click quase imperceptível, mas Júlia e Rafaela já sabiam. Tinham desenvolvido uma sensibilidade animal para sua presença — os músculos tensionavam, a respiração ficava superficial, as mãos buscavam automaticamente a posição correta: palmas para cima, joelhos afastados, coluna arqueada.
A casa escureceu antes mesmo de ele tocar a campainha. As luzes se apagaram em sequência, do térreo ao andar superior, como se obedecessem a um interruptor invisível. Elas já estavam posicionadas no centro da sala, nuas, os cabelos presos em coques apertados — "para não interferir na avaliação", como ele dissera na última visita.
A porta abriu-se sem aviso. O Dom entrou trazendo consigo o cheiro de chuva e tabaco caro. Desta vez, não carregava sua pasta de couro com os relatórios de comportamento. Apenas um estojo fino, do tamanho de um livro de bolso, preso por uma fivela de prata.
Júlia baixou os olhos, mas não antes de ver o objeto. Seu estômago contraiu-se.
Ele não falou imediatamente. Caminhou até a mesa de centro e colocou o estojo sobre a superfície de mármore, deliberadamente lento. A fivela foi aberta com um snap que fez Rafaela estremecer.
Dentro, repousavam dois frascos de vidro âmbar, cheios de comprimidos brancos.
— "Vitaminas pré-natais", ele disse, como se estivesse comentando o tempo. "Uma por dia, com água morna. Aumentam a fertilidade."
Rafaela engoliu em seco. Júlia sentiu um suor frio escorrer entre seus seios.
O Dom pegou um dos frascos e leu o rótulo em voz alta, como um médico fazendo uma prescrição:
— *"Ácido fólico. Ferro. Ômega-3. Para garantir que o útero de vocês esteja... receptivo."*
Ele olhou para elas, esperando.
Nenhuma das duas ousou perguntar "receptivo a quê?".
— "Hoje não vim para avaliar tarefas", ele continuou, fechando o estojo. "Vim para redefinir o que vocês são."
A vara de bambu que ele carregava — normalmente usada para correções posturais — deslizou pelas costas de Júlia, depois de Rafaela, como uma serpente explorando seu território.
— "Vocês pertencem a mim. Isso já está claro. Mas ainda há uma parte de vocês que resiste." A vara parou na nuca de Rafaela, pressionando levemente. "Um espaço que foi blindado por anos de crenças... e desejos entre vocês."
Júlia sentiu um nó se formar na garganta. Desejos. A palavra soava como um insulto agora.
O Dom agachou-se entre elas, segurando seus queixos com os dedos polegar e indicador, forçando-as a olhar uma para a outra.
— "Vocês ainda se amam?"
— "Sim, Senhor", responderam em uníssono, automáticas.
— "Então aprenderão a amar minha semente como extensão disso."
Ele soltou-as e caminhou até a janela, observando a chuva que começava a cair.
— "A gravidez não será uma punição. Será um selo."
As vitaminas foram colocadas sobre a mesa, ao lado de dois copos de água já preparados. O Dom não ordenou que as tomassem. Apenas cruzou os braços e esperou.
Júlia moveu-se primeiro. Seus dedos tremiam ao abrir o frasco, derrubando dois comprimidos no chão. Ela apanhou-os rapidamente, limpando-os no próprio corpo antes de engolir.
Rafaela seguiu, mais lenta, mastigando o comprimido sem água — um ato pequeno de resistência que não passou despercebido.
O Dom sorriu.
— "Hoje, a penetração não será física. Será mental."
Ele aproximou-se de Rafaela, passando os dedos por seu ventre liso.
— "Engravidarei suas mentes antes dos corpos."
E então, sem outra palavra, saiu.
Na sala, as duas permaneceram imóveis, ouvindo o carro afastar-se. O silêncio era espesso, carregado de uma nova verdade:
A casa agora não era só um símbolo de dívida. Era uma extensão uterina do seu domínio.