Cornélio Quaresma

Um conto erótico de Mark da Nanda
Categoria: Heterossexual
Contém 2363 palavras
Data: 04/06/2025 13:20:41

Amigos,

Hoje trarei um conto diferente de tudo que já escrevi.

Criei este após reler Dom Casmurro para discutir a obra com minha filha mais velha, prestes a prestar o vestibular.

Pensei e ainda penso em expandir essa história e transformá-la em um livro apesar da dificuldade em se escrever numa linguagem mais arcaica. Quem sabe?

De qualquer forma, espero que aproveitem.

Forte abraço,

Do Mark

CORNÉLIO QUARESMA

Na aprazível vila de Borda do Campo Lindo, onde o sol acaricia os telhados de barro e o vento murmura segredos entre os jequitibás, habitava Cornélio Quaresma, homem de nome singular e figura digna de crônica, melhor de uma comédia, uma trágica comédia. Não sendo doutor em leis ou letras, trajava-se com a gravidade de um fidalgo, envergando ternos de linho e gravatas de seda, como se quisesse encobrir a magreza de sua silhueta esguia. Seu guarda-chuva, qual lança de cavaleiro andante, era seu estandarte, e até um fiel escudeiro possuía, um mancebo baixo e rotundo, que atendia pelo nome singelo de Cacau.

Cornélio nascera sob o signo da honra, herdeiro de uma boa gleba de terra que, arrendada, garantia-lhe sustento farto. Foras-lhe legada por um avô, Dom Eusébio, velho fazendeiro de olhos severos que, em seus últimos dias, o fez jurar nunca ceder ao ócio:

- A preguiça é o portal do inferno, meu rapaz. Labore com honra e serás honrado. – Dissera no leito de morte, com a voz rouca e fraca de quem enfrentara secas e safras sem fraquejar.

Cornélio, então menino, gravara tais palavras no coração, e assim, mesmo com riquezas que lhe permitiam sombra e água fresca, laborava como pintor de meio-fio na prefeitura, um ofício protocolar, mas que executava com o zelo de quem teme os fogos eternos. Cacau, seu companheiro, seguia-o com um misto de lealdade e inconformismo, este que quase beirada inveja, sempre pronto a oferecer conselhos ou gracejos, enquanto carregava os baldes de tinta sob o sol escaldante, tudo pelo singelo pagamento de um relés prato de comida.

Não havia alma em Borda do Campo Lindo que não conhecesse Cornélio, cuja fama de honradez ecoava pelas ruelas empoeiradas de pedras milenares. Até a formosa Clara Maria Vergão, nome que, em verdade, era apenas alcunha, pois seu verdadeiro apelido, Ferreira, fora eclipsado por fofocas que a pintavam como moça de temperamento ardente, cruzara caminhos com ele. Clara, de olhos faiscantes e cabelos negros que caíam em cascata, era a flor mais cobiçada da vila. Sua beleza, diziam os vilões mais audazes, fazia os homens tropeçarem nas próprias intenções, e as mulheres, invejosas, sussurrarem nas sombras.

Certa tarde, quando as nuvens de verão despejavam suas águas sobre a vila, Cornélio, com seu guarda-chuva em riste, avistou Clara correndo, o vestido colado ao corpo pelas gotas tombadas:

- Ó, donzela, permiti-me vos socorrer! - Exclamou, oferecendo-lhe abrigo.

Com galanteria, escoltou-a até sua morada, não tão distante, e enquanto sob o véu da chuva, trocaram palavras. Cornélio, qual Quixote enfeitiçado por sua Dulcineia, enamorou-se da bela morena, cujos olhos prometiam mistérios. Ela, porém, viu apenas cortesia onde ele sonhava paixão, e agradeceu-o com um sorriso que escondia, na realidade, uma indiferença com aquela pitoresca figura.

No dia seguinte, Cornélio, com o coração em brasas, prostrou-se à porta da casa de Clara, um singelo buquê de rosas numa mão e o fiel guarda-chuva na outra, como se aguardasse a saída de uma princesa de seu castelo. A donzela, ao avistá-lo, pensou em fugir para os confins da morada, mas sua mãe, Dona Dorotéia, mulher de olhos astutos e coração pragmático, sabedora das posses de Cornélio, exortou-a:

- É homem de bem e de posses, filha. Não sejas tola em desprezá-lo.

Clara, relutante, cedeu à pressão materna, e a cortesia tornou-se insistência; a insistência em repetição; e, a repetição em um namoro que, embora não inflamasse seu coração, seguiu seu curso a contento, haja vista que Cornélio não perdia a oportunidade de mimá-la com presentes e lembranças mil.

Clara Maria, em verdade, não era moça de se contentar com galanteios castos. Em sua juventude, contavam as más-línguas, fora uma criança travessa, sempre a desafiar as freiras do catecismo com perguntas impertinentes. Certa feita, aos quinze anos, fora vista nos arredores do rio com um jovem tropeiro, trocando olhares, mais do que isso, toques que escandalizaram as beatas. O padre Bastião, então recém-chegado à vila, repreendera-a com severidade, mas dizem que seus olhos, mesmo sob a batina, brilhavam com algo além de zelo pastoral. Clara crescera com um fogo interior que nem a vila, nem Cornélio, pareciam capazes de apagar.

Cornélio, homem de virtudes monásticas, resistia aos ardores da donzela, que, qual fogueira em noite fria, ansiava por um amor que lhe queimasse as entranhas. Numa noite de lua cheia, no pomar atrás da casa de Clara, ela tentou seduzi-lo. Com os cabelos soltos e o vestido entreaberto, revelando a curva de seus seios, puxou-o para si, os lábios entreabertos prometendo êxtase:

- Cornélio, meu amor, não sentes o fogo que me consome? Tomai-me, e que o céu nos perdoe! – Sussurrou com a voz rouca de desejo, roçando os quadris contra ele.

Cornélio, enrubescido, deixou o guarda-chuva tombar e, pela primeira vez na vida, recuou atordoado, exclamando, melhor dizer, gaguejando:

- Hein!? Nã-Não... Não, Clara! Meu... Meu coração é vosso, mas meu corpo só o será após o altar! – Dito isso fugiu, como se o próprio demônio o tentasse, deixando Clara a praguejar sozinha sob as estrelas.

Semanas passaram, e Clara, frustrada, insistia em provocar Cornélio, roçando-se contra ele em momentos furtivos, sussurrando promessas de delícias proibidas. Ele, porém, mantinha-se firme, agora também levantando um terço quando a tentação parecia quase sucumbi-lo, jurando que seu afeto era puro demais para ceder antes das bênçãos do padre Bastião, cuja batina rota era tão conhecida quanto as fofocas da vila:

- Ó minha amada, aguardemos a bênção divina, pois nosso enlace será abençoado por Deus e pelo padre. - Dizia, com a gravidade de um profeta, enquanto fugia dos braços de sua jovem e quente amada.

Certa feita, durante a festa anual da vila, quando os lampiões tremulavam e o vinho quente caseiro corria solto, Clara dançou com Cornélio sob os olhares invejosos dos homens. Seu vestido leve girava, revelando as tornozelos torneados, e ela, num momento de ousadia, apertou-se contra ele, sussurrando:

- Tens certeza de que não quereis provar o fruto que vos ofereço, Cornélio?

Ele, suando bicas, desviou o olhar como se fiscalizasse as intenções alheias e respondeu:

- Clara, minha clara... Meu amor é casto, e só o altar nos unirá em carne.

A vila, alheia ao drama pessoal da moçoila, aplaudia o casal, enquanto Cacau, no canto da praça, ria com um copo na mão, trocando, pela primeira vez, olhares suspeitos com Clara.

Cacau, em verdade, não era o simples escudeiro que aparentava. Filho de um taberneiro falido, crescera nas sombras de Cornélio, invejando-lhe a herança, mas servindo-o com um misto de lealdade e oportunismo. Nos últimos meses, por consequência do enlace certo, tornara-se mais próximo de Clara, acompanhando-a em recados ou visitas à igreja, sempre com um sorriso matreiro. Certa tarde, enquanto Cornélio pintava os meios-fios, Cacau confidenciou-lhe:

- Ó amigo, Clara é moça de fogo, mas tu és sábio em esperar. O padre Bastião abençoará vossa união e tudo será como deve.

Cornélio, inocente e confiando no vínculo que os unia, não notou o brilho astuto nos olhos do companheiro.

Num dia qualquer, sem prévio aviso, Clara aquietou-se. O fogo do desejo sumiu e Cornélio, intrigado, perguntou:

- Ó minha amada, que ventura vos fez abandonar vossas intenções ardentes?

- Apenas me conformei, meu amor. - Respondeu ela, com um suspiro que escondia segredos: - Aguardarei nosso enlace, como convém e como te satisfaz.

Cornélio, o Quixote da vila, sorriu aliviado, mas, ainda desconfiado, buscou o conselho de Cacau enquanto pintavam os meios-fios sob o sol escaldante:

- Ó Cacau, dizei-me: crês que Clara verdadeiramente se aquietou?

- Mas como não, Cornélio!? Não confiais em tua amada? Se ela diz, dito está. - Respondeu o escudeiro, com um sorriso matreiro: - Ela é moça de bem, ainda que de ideias díspares, e jamais vos faria um vil corno!

- Corno? - Bradou Cornélio, atônito: - Tal pensamento nunca me ocorreu! Donde tiraste tal disparate?

- Eu disseste corno? Não, não! Quis dizer que ela nunca vos tiraria um conto! Peço perdão, mas o sol escaldante confundiu-me a língua. - retrucou Cacau, rindo, enquanto limpava o suor da testa.

A vida prosseguiu, e o namoro floresceu, com Clara cada vez mais radiante. Por coincidência ou não, Cacau também se mostrava mais jovial, sempre pronto a ajudar Cornélio em seu labor. A vila fervilhava de fofocas. Dona Dorotéia, orgulhosa, espalhava que sua filha conquistara um homem de posses e que nunca nada mais lhes faltaria. Os homens, invejosos, murmuravam que Clara merecia um cavalheiro mais ardente, um cavaleiro talvez que lhe domasse a índole. E o padre Bastião, com sua batina esfarrapada, observava tudo ao longe, com um sorriso enigmático.

O namoro tornou-se noivado, e a vila preparava-se para o matrimônio mais aguardado de Borda do Campo Lindo. Cornélio e Clara cumpriram o cursinho de noivos, como manda a Santa Madre Igreja. Durante um dos encontros, o padre Bastião, com um tom que misturava gracejo e advertência, disse:

- Espero que a senhorita sossegue esse facho de vez, Dona Clara.

Cornélio, intrigado, questionou-a ao saírem da sacristia:

- Não compreendi as palavras do padre, minha amada. De que falava?

Clara, surpresa, engoliu em seco, mas respondeu com leveza:

- Nada de grave, meu amor. Fui apenas uma criança travessa, e no catecismo, por vezes, levava repreensões. Só isso.

A explicação bastou, e a desconfiança dissipou-se. O casório aproximava-se, e a vila enfeitava-se com flores e fitas. Nos quinze dias que o precederam, Cacau sumia, curiosamente, nos mesmos horários em que Clara tinha compromissos assumidos para o enlace. Cornélio, absorto em suas obrigações e preparativos, não notava as coincidências.

Na véspera do casamento, a vila reuniu-se num jantar comunitário, pago de muito bom gosto pelo Cornélio, é claro. Clara, radiante em um vestido que abraçava suas curvas, dançou com Cornélio, mas seus olhos vagavam pelas vizinhas, inclusive para Cacau, que, num canto, brindava com o padre Bastião. Cornélio, cego pelo amor, não via os sinais. Dona Dorotéia, porém, sussurrou à filha:

- Cuida-te, Clara. Não jogues fora um futuro seguro por caprichos do teu desejo.

Clara apenas sorriu, com um brilho rebelde nos olhos.

Chegou o grande dia. Cornélio, paramentado com um fraque impecável, aguardava ao pé do altar, o guarda-chuva enfim repousado num canto. Clara, nos aposentos da sacristia, dava os últimos retoques ao vestido nupcial, uma cascata de rendas que realçava sua beleza pecaminosa nunca visto naquelas vizinhanças. O tempo corria e nada da noiva entrar. O povo já cochichava e o noivo, suando, passou da tensão ao temor, e do temor ao pavor. Notou, então, a ausência de Cacau e, enfim, uma sombra de dúvida cruzou-lhe a mente.

Vencido pela desconfiança, Cornélio, apossou-se de seu fiel guarda-chuva e marchou rumo à sacristia, quase tropeçando, praticamente aos trotes, qual cavaleiro em sua montaria. Ao aproximar-se, deparou-se com Cacau, ante a porta, ajustando a braguilha com um sorriso despreocupado. A dúvida tornou-se certeza. Cornélio, como corcel indomado, foi para cima dele que correu covardemente. Cornélio, agora possuído pela alma de Ulisses, arremeteu-se contra a porta de madeira frágil que não era tão frágil assim... Na primeira investida, a porta resistiu; na segunda, Cornélio cambaleou; na terceira, ela cedeu e ainda bem porque ele cederia. Lá dentro, o espetáculo que se revelou fez seu coração despedaçar-se.

Clara, debruçada sobre uma mesa, as saias do vestido nupcial erguidas até a cintura, entregava-se a um êxtase profano. Suas coxas, alvas como o leite, tremiam sob o domínio do padre Bastião que, com a batina erguida, fincava uma tora de proporções descomunais nas carnes ardentes da donzela. O clérigo, com o rosto rubro da lascívia, movia-se com vigor, cada estocada arrancando gemidos de Clara, que, possessa, cravava as unhas na madeira, arranhando-a e gritando:

- Mais, Bastião! Sacrifica-me com teu fogo, que ainda não purguei meus pecados! Arde-me, homem, até que o céu me consuma!

- Clara! - Bradou Cornélio, atônito, o coração partido como a porta: - Como é que pode? Pensei que me traías com Cacau!

- Nunca! - Gritou Cacau, ao fundo, retornando com um riso nervoso: - Apenas me fizeste uns favores manuais, Cornélio! Ela jamais me concedeu o que implorei, embora eu tenha suplicado. Hoje, apenas hoje, ganhei um... descuido da sua doce boca, um beijo quente em minhas partes baixas que me fez tremer!

- Talarico vil! - Rugiu Cornélio: - Contigo acertarei contas depois! Mas... Padre!? Até tu?

Bastião, que já dera por perdida a batalha por sua alma, ousava continuar seus arremates nas carnes da jovem Clara e, pior, ainda respondeu com cinismo:

- Ó Cornélio, não é o que parece! Clara confessou-me seus pensamentos pecaminosos e, para salvá-la, sacrifiquei-me, tomando para mim os seus pecados com este ato de penitência!

- Isso, Bastião! - Gritou Clara, com os olhos em chamas, o corpo arqueado em êxtase, sem se dar conta da dor que causava ao noivo: - Sacrifica! Sacrifica mais, que ainda ardo em tentações! Vai, homem, não pares, que teu vigor é minha salvação!

Cornélio, petrificado, viu sua Dulcineia perdida num mar de lascívia, enquanto a vila, alheia, aguardava o casório que nunca se cumpriria. O guarda-chuva, agora tombado no chão, parecia chorar por seu amo, cuja honra, como sua lança, jazia quebrada.

A notícia do escândalo espalhou-se como fogo na palha. Dona Dorotéia, envergonhada, trancou-se em casa. Cacau, temendo que Cornélio pudesse desejar um duelo final, fugiu para uma vila tão, tão distante dali. O padre Bastião, expulso pela diocese, sumiu sem deixar rastros. Dizem que se converteram ao protestantismo, fazendo curandeirismo em outras searas. Clara, dizem, partiu para a cidade grande, onde sua beleza encontrou outros altares num puteiro da pior qualidade. E Cornélio? Nosso devotado herói retirou-se para sua gleba, abandonando os meios-fios e o guarda-chuva, passando a viver seus dias em silêncio, com o coração marcado pela traição.

OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, E OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL SÃO MERA COINCIDÊNCIA.

FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DOS AUTORES, SOB AS PENAS DA LEI.

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Foto de perfil de Mark da NandaMark da NandaContos: 288Seguidores: 675Seguindo: 26Mensagem Apenas alguém fascinado pela arte literária e apaixonado pela vida, suas possibilidades e surpresas. Liberal ou não, seja bem vindo. Comentários? Tragam! Mas o respeito deverá pautar sempre a conduta de todos, leitores, autores, comentaristas e visitantes. Forte abraço.

Comentários

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Interessante, linguagem rebuscada, mas com uma dinâmica que me remeteu a Literatura de Cordel, proporcionando um ritmo agradável de leitura, proposta inusitada e corajosa, saiu da zona de conforto e na minha opinião, deu certo.

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Muito bom Mark! Machado de Assis é foda, depois de ler seus romances e contos nossa perspectiva como leitor muda. Dom Casmurro não é meu favorito mas tenho grande apreço pelas divagações de Bentinho, principalmente quanto ao relacionamento de sua mãe com seu finado pai. Por sinal, a história que estou publicando ( A boceta de Pandora), tem seu título "roubado" das páginas de Dom Casmurro.

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sensacional ficou divino diferente de tudo que ja li

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Isso é literatura erótica de boa qualidade. Parabéns/

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Grande Mark, mais um excelente conto, meu amigo!

Parabéns, vc é Phóda!

👏🏼👏🏼👏🏼👊🏼👊🏼👊🏼👊🏼👊🏼

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Belo conto! Embora me apraza mais o falar desabrido nas letras de volúpia, foi leitura de muito agrado. Com algum esmero, creio que daria em excelente romance.

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