Foram segundos que pareceram horas.
Os olhares dos dois se cruzavam intensamente, como se o tempo tivesse parado. Depois de um instante em silêncio, Léo puxou Ricardo pelo braço, convidando-o a se sentar ao seu lado.
— Tá viajando, cara? — perguntou Léo, ao notar a expressão distante de Ricardo.
— Não... — respondeu ele, desviando o olhar — Tava só olhando a sala.
Léo seguiu o olhar do amigo, mas logo sorriu com malícia e apontou para um grupo de meninas.
— Olha só as novas gatinhas desse ano...
Ricardo assentiu, tentando parecer envolvido.
— Realmente... são espetaculares — disse, embora sua mente ainda estivesse focada no garoto que vira mais cedo.
Carol se intrometeu na conversa com uma risadinha animada.
— E os homens? Tudo de bom também!
Marilian então apontou discretamente.
— Olha aquele ali, no cantinho da sala...
Ricardo e Léo olharam na direção indicada.
— Cara esquisito — comentou Léo, franzindo a testa.
— Esquisito como? — perguntou Ricardo, interessado.
— Quando cheguei, ele já estava aí. Falei com ele e o cara nem respondeu. Pô, vem pra uma escola nova e já começa se isolando... — explicou Léo — É difícil fazer amizade assim.
Marilian tentou defender.
— Talvez ele só seja tímido. Igual a mim.
— No intervalo vou falar com ele — disse Ricardo. — Vai que consigo puxar um papo.
Carol deu uma risadinha provocadora.
— Aproveita e já dá meu número pra ele.
Léo riu.
— Oferecida!
— Tem que ser — devolveu Carol, bem-humorada. — Os homens tão tudo recuando.
Todos riram juntos, quebrando o gelo da manhã. Logo depois, o diretor entrou na sala para dar as boas-vindas. Informou que naquele dia teriam aulas de Química, Português e Geografia. Os dois últimos horários seriam vagos, então estariam liberados mais cedo.
As aulas se sucederam, até que o sinal da última aula tocou. A sala se esvaziou rapidamente. Todos saíram, exceto Ricardo, que propositalmente permaneceu, e o garoto estranho, que ainda escrevia algo no caderno.
Ricardo se aproximou com cuidado e falou:
— Oi.
O garoto ergueu os olhos.
— Oi.
— Você é novo aqui, né? Qual é o seu nome?
— Tonny — respondeu ele, simples. — Sou novo na cidade mesmo.
— Legal. Veio de onde?
— São Paulo.
Ricardo franziu a testa, surpreso.
— Saiu de São Paulo pra vir pra essa cidadezinha do interior da Bahia?
Tonny baixou os olhos.
— Cara, não quero falar sobre isso... é segredo de família.
Ricardo ficou sem graça. Sentiu o rosto corar.
— Tudo bem, eu entendo...
Houve um breve silêncio antes de Ricardo tentar mudar o rumo da conversa.
— Vai ter uma festa hoje... Tá a fim de ir? É uma boa chance pra se enturmar.
Tonny assentiu.
— Vou sim. Já me chamaram.
— Beleza. Te vejo lá então.
Ricardo se afastou, mas não conseguiu tirar o rosto de Tonny da cabeça. Ele era muito bonito, e aquilo o mexia com seus sentimentos. Tentou afastar esses pensamentos enquanto caminhava para casa.
Assim que chegou, foi direto ao diário. Escreveu tudo sobre o dia, o menino novo e a expectativa para a festa. Depois almoçou e tentou descansar, mas dormiu pouco. Foi acordado pelo irmão mais novo, André.
— Acorda, rapaz! Vamos jogar um pouco — insistiu o garoto.
— Eu não acredito que você me acordou pra isso, seu idiota — resmungou Ricardo, mas sem raiva. Levantou-se da cama, resmungando ainda um pouco, e começou a brincar com o irmão. No fundo, tudo não passava de uma brincadeira entre os dois.
Depois de se ajeitar, Ricardo resolveu sair com André para jogar na rua. Ao passar pela praça, viu Tonny sentado em um banco. O que chamou sua atenção foram os olhos do garoto — havia lágrimas neles.
Aquilo o comoveu profundamente. Sentiu um aperto no peito, mas decidiu não se aproximar. Não queria invadir um momento que parecia tão íntimo.
Foi então que tudo aconteceu muito rápido. Um caminhão se aproximava pela rua. Ricardo, mesmo à distância, sentiu que algo estava prestes a dar errado. Teve um pressentimento forte, quase como uma premonição.
Tonny se levantou abruptamente do banco, correu e, antes que qualquer um pudesse reagir, se lançou à frente do caminhão.
Continua...
