Capítulo 12 - Manchas de vinho no tapete
Bernardo
Gostaria de dizer que tive uma boa noite de sono naquele dia, mas eu estaria mentindo. Eu até tentei, mas a ligação do Daniel me abalou bastante. Jantei com meus pais e tentei ignorá-los, mas naquela noite minha mãe parecia estar me observando com atenção demais.
– O que tu tens, bebê? – minha mãe indagou, enquanto tomava sua taça de vinho costumeira das sextas à noite.
– Nada – respondi, tentando fingir que não havia sido estuprado pelo meu primo e que o garoto por quem eu era apaixonado tinha dito que viria me ver no dia seguinte. – Só estou entediado.
– Se tu não tivesse arrumado confusão na escola, não estaria entediado agora – ela debochou.
– Tu não sabe o que aconteceu – falei, cerrando os punhos de raiva.
Ela deu um longo gole, esvaziando a taça.
– Então me conta por que tu e aquela guria brigaram? – disse, gesticulando bastante.
– Se eu fosse a senhora, estaria mais preocupada com a porra do banheiro que tu vai vomitar todo depois de encher a cara de vinho e brigar com o papai por alguma bobagem qualquer – soltei, surpreso comigo mesmo, com o quanto eu estava irritado.
Ela se levantou e me deu um tapa na cara que fez meu rosto virar e arder feito fogo. Virei-me lentamente para ela e vi uma fúria em seu rosto que eu nunca tinha visto antes.
– Nunca mais fale assim comigo! – disse, tentando controlar o tom de voz para não gritar.
Me levantei para encará-la e acabei ficando maior que ela. Eu estava com raiva e assustado. Em toda a minha vida, ela nunca tinha levantado a mão para mim. Tudo bem que eu a desrespeitei, e sinceramente nem sei o porquê, mas nunca, nunca ela tinha me tocado com violência.
– Nunca mais encosta a mão em mim – falei, no mesmo tom de voz que ela.
– Ou o quê? – ela desdenhou.
– Tu vai ver – respondi, sem saber o que dizer de verdade.
– Vai pro teu quarto agora, Bernardo! – ela ordenou, apontando para a escada. – E não sai de lá até amanhã.
Olhei para o meu pai, que encarava o prato, mas não comia. Ele geralmente não se metia quando minha mãe brigava comigo, mesmo quando ela estava errada. Acreditava que intervir a desautorizaria e me faria perder o respeito por ela. Até que fazia sentido, embora fosse frustrante às vezes, como estava sendo agora. Por algum motivo, minha mãe não estava normal. Ela agia estranho comigo. No início, achei que fosse o período de adaptação por eu ser gay, mas pensando bem, ela sempre arrumava alguma desculpa pra implicar comigo ou me provocar, nem que fosse por bobagens. Ela nunca foi de jogar as coisas na minha cara, nem quando eu errava. Agora fazia isso quase todo dia. Ela sempre me elogiava, mesmo quando eu estava feio – porque queria que eu me sentisse bem. Mas ontem, quando desci pra jantar, ela disse que eu estava horrível. Ela costumava me abraçar e me encher de beijos quando chegava do trabalho, agora só passava reto por mim.
Quando cheguei no andar de cima, ouvi a voz do meu pai dizendo:
– Tu podia pegar leve com ele – falou num tom firme. – Se tá difícil pra ti, imagina pra ele!
– Eu não quero falar disso agora, Miguel! – ela respondeu, e ouvi o som da garrafa de vinho sendo colocada com força sobre a mesa de vidro.
Uma cadeira foi arrastada, e meu pai apareceu na sala. Me viu no topo da escada. Seu olhar era de tristeza com uma pitada de raiva. Apontou pra cima e subiu comigo. Fui pro meu quarto e sentei na cama. Meu pai fechou a porta ao entrar. Passou a mão no meu rosto, que ainda ardia e devia estar vermelho pelo tapa.
– Não posso dizer que apoio ela, mas tu provocou – falou com a voz séria, mas com um toque de compreensão.
– Não disse nenhuma mentira – retruquei, afastando sua mão do meu rosto.
– Não – ele concordou. – Mas não precisava ter dito.
– Eu sei – murmurei, olhando pros meus pés. – Me desculpa.
– Quem devia te pedir desculpas é ela – ele falou, tentando ser compreensivo como nunca foi. – Foi ela quem...
– Por que ela tá fazendo isso? – interrompi, indo direto ao ponto que mais me incomodava. – Por que ela tá tão estranha?
Meu pai respirou fundo e passou a mão de leve na minha perna.
– Tua mãe tá passando por uma fase complicada de aceitação. Ela tá tentando de verdade, mas não consegue tirar da cabeça aqueles planos que fazia pra ti.
– Mas ela pareceu aceitar tão bem no dia em que contei – falei, lembrando do abraço dela.
– Porque quando o diretor te ligou, ele não ligou pra mim, ligou pra ela – contou. – Disse que tu e aquela guria brigaram por causa de um guri. Foi quando ela me ligou. Vim pra casa, conversamos muito, e eu disse que já sabia, mas que tu não sabia que eu sabia. Falei que ela precisava respeitar teu tempo, esperar tu contar.
– Então ela encenou toda aquela compreensão – acusei.
– Não diria que encenou. Diria que tentou te mostrar que tava tudo bem – explicou. – Entende o lado dela também, Bernardo. Tu é o único filho dela.
– Ela chorou naquela noite? – perguntei, com a imagem dela encolhida na cama, em lágrimas, vívida na minha mente.
Meu pai hesitou antes de me responder, e aquilo já foi resposta suficiente.
– Ela te ama mais que tudo nesse mundo – ele disse, tentando amenizar a situação. – Mas...
– Mas eu sou uma decepção pra ela – completei.
– Tu não é decepção pra ninguém, guri – ele disse com firmeza, como quando tentava sustentar uma verdade difícil. – Tua mãe e eu temos muito orgulho de ti.
– Mas se pudessem mudar uma coisa em mim, seria isso – afirmei.
– Confesso que não era o que imaginamos quando soubemos que íamos ser pais – admitiu, sem jeito. – Mas eu não mudaria nada em ti, porque eu te amo do jeito que tu é. Tenho certeza de que tua mãe vai perceber isso também. Só dá um tempo pra ela.
Confesso que isso me fez abrir um sorriso. Naquele momento, soube com quem eu podia contar dentro da minha casa.
– Obrigado, pai – falei, abraçando-o. – Eu te amo.
– Também te amo – disse ele, segurando o choro como sempre. – Sei que ela disse que tu só pode sair do quarto amanhã de manhã, mas se sentir fome no meio da noite, pode fazer um sanduíche ou comer uns biscoitos.
Essa foi a primeira vez na vida que vi ele contrariar uma ordem dela. E, sinceramente, fiquei feliz por isso.
– Pode deixar.
– Boa noite – ele disse, me deixando sozinho.
Apaguei a luz e me deitei na cama. Tentei dormir, mas, com os olhos fechados, tudo o que eu conseguia ver era o olhar de raiva da minha mãe. Nunca a tinha visto daquele jeito. Era... sei lá... estranho. Claro que não se comparava ao que Théo sofreu, mas agora, de certo modo, eu entendia melhor o medo de Daniel. Passar por essa rejeição era horrível e fazia com que eu me sentisse menos amado do que nunca.
Como será para ele quando disser aos pais? Será que levaria uma surra como o irmão menor? Será que seria expulso de casa? Será que ouviria coisas horríveis no calor do momento? Acho que fui sortudo por, ao menos, minha mãe tentar me passar alguma segurança quando me assumi. Isso me deu uma paz maior do que ser rejeitado de cara. Tudo bem que agora ela estava estranha, mas, como meu pai disse, era apenas uma fase — e provavelmente ele passou pelo mesmo.
Acho que, quando nos tornamos pais, fazemos milhares de planos para os filhos — desde a escola em que vão estudar até quantos filhos terão. Idealizam uma vida inteira para aquele filho e, quando descobrem que ele é gay, é como se o "filho perfeito" morresse e sobrasse apenas o irmão mais novo, que nunca vai ser tão bom quanto o mais velho. Acho que eles passam por um sentimento de perda semelhante ao da morte.
Talvez eu esteja apenas fantasiando demais, ou sei lá... Tudo o que eu conheço é o sentimento de ser gay. Ser gay é crescer sabendo que tem algo diferente em você, sem ter ideia do que se trata. É fazer ou falar certas coisas inocentemente e ser recriminado por isso, e ficar com aquela pergunta na cabeça: “Mas o que eu fiz de errado?”. É ver os amigos começarem a olhar as garotas de forma diferente, enquanto você começa a olhar seus próprios amigos de forma diferente.
É ter nove anos e olhar para aquele menino da sua sala e achá-lo lindo. É querer estar com ele o tempo todo. É se importar com o que ele acha de você e corar quando ele diz algo bom ao seu respeito. É sentir raiva quando ele está perto de uma garota. É sentir que ele é mais especial que os outros. É se decepcionar ao perceber que ele não sente o mesmo.
Ser gay é chegar aos onze anos sentindo-se confuso porque os meninos o atraem e as meninas, não. É, nas brincadeiras de mostrar o pênis e a bunda, sentir um formigamento no pau. É querer ver o pau dos coleguinhas o tempo inteiro — e ser zoado por isso. É se irritar quando te chamam de viado, mesmo que seja de brincadeira, porque você começa a achar que estão desconfiando de algo. É negar a si mesmo quem você é, até encontrar alguém igual a você e perceber que não é um alienígena.
Ser gay é ter medo de ser rejeitado por todos que ama, só porque a sociedade tem uma ideia errada do que é isso — e que até você tinha, até aprender a se aceitar.
Ser gay é difícil. Mas, quando você supera todas as batalhas, consegue respirar e viver sua vida sem medo e sem vergonha. É como nadar em um mar turbulento: você não pode parar de lutar, ou vai se afogar. Continue nadando e, um dia, vai chegar à praia — e curtir a vida que lutou para manter.
Isso é ser gay.
Meu estômago reclamou de fome, já que eu só tinha dado duas garfadas na lasanha. Me levantei e desci as escadas na escuridão da noite.
– Achei que tivesse dito para você só sair do quarto pela manhã – aquela voz embriagada cortou o silêncio absoluto da casa.
Me virei, e minha mãe estava sentada no sofá da sala, com duas garrafas de vinho viradas sobre o tapete — manchando-o — e uma terceira em sua mão.
– Estou com fome – murmurei.
– “Estou com fome” – ela debochou, imitando minha voz. – Quer saber de uma coisa, garoto? Estou cansada de te alimentar e pagar tudo pra você, quando você só me desaponta! – Ela deu uma golada no vinho, que escorreu pelo canto da boca. – Tô cansada!
– Sinto saber disso – respondi, tentando fazer com que aquilo não me afetasse. Mas era difícil. Quando estamos bêbados, falamos e fazemos o que temos vontade.
– E tem que sentir mesmo! – ela disse. – Eu te amei, e você só me desagrada! Essa sua última agora foi demais! Se estapear com uma garota por causa de homem? Você tem noção do quão humilhada eu fiquei? Tem amigas minhas cujos filhos estudam lá! Elas já me contaram a história... só não sabem ainda que o “viadinho” é o meu filho!
– Me desculpa, mãe – disse, com uma lágrima escorrendo pelo canto do olho.
– Agora é tarde pra isso – ela disse, se levantando. – O estrago já foi feito. Sem falar também do seu Tio Jorge sabendo que você já deu a bunda pro Gregório! Sabe o tamanho da humilhação?
– Para com isso, mãe – pedi, chorando.
– Para de chorar e age como homem, porra! – ela gritou e tropeçou nos próprios pés. Eu a segurei antes que ela batesse a cabeça na mesa de centro.
– Me larga! – obedecei, e ela caiu no tapete, derramando o resto do vinho e manchando tudo.
– Só o que eu pedi a Deus foi um filho do qual eu pudesse me orgulhar, e ele me mandou você! – ela gritava tão alto que tenho certeza de que o vizinho da frente podia ouvi-la.
– O que está acontecendo aqui? – meu pai vinha descendo a escada, correndo. – O que você disse pra ele?! – ele gritou ao ver que eu chorava.
– Só falei a verdade – minha mãe respondeu, tentando se levantar, mas sem sucesso.
– O que foi, Seu Miguel? – Mirian surgiu na sala, vinda do quarto de empregada nos fundos do apartamento.
– Não foi nada, Mirian. Eu e Bernardo estamos de saída.
– Quer que eu limpe essa bagunça? – ela indagou, querendo se aproximar.
– Agora não, Mirian – meu pai disse, me guiando até a porta. – Vá dormir. Amanhã, se ela estiver melhor, aí sim peço que jogue o tapete fora e limpe a bagunça. Agora, deixe que ela se recomponha.
– Vai embora e não volte tão cedo – minha mãe disse, exclusivamente para mim. – É um favor que você me faz.
– Não escute ela – meu pai disse, pegando a chave do carro. – Essa não é sua mãe.De certa forma ele tinha razão, mas eu também acreditava que os bêbados diziam aquilo que tinham vontade, mas não tinham coragem quando sóbrios.
Entramos no carro em um silêncio mortal. Eu não fazia ideia de para onde ele me levava — e, sinceramente, não me importava. Tudo o que ele havia me dito mais cedo havia caído por terra naquela noite. Minha mãe me via como uma decepção. Tinha vergonha de mim. Talvez até me odiasse naquele momento.
As palavras dela, misturadas ao cheiro do vinho e à embriaguez evidente, giravam na minha cabeça como lâminas, fazendo-me chorar em silêncio.
Meu pai parecia querer dizer algo, mas percebi que ele também não sabia o que dizer. Estava abalado demais para isso.
— Está sem chinelos, não é? — ele perguntou, rompendo o silêncio.
Olhei para os pés, um pouco surpreso, e confirmei com um aceno. Meu pai estacionou em frente a uma farmácia e pediu que eu esperasse no carro. Voltou cerca de cinco minutos depois com um par de Havaianas brancas. Calcei em silêncio. Seguimos caminho.
Dez minutos depois, estávamos no centro da cidade. Ele parou em frente a um hotel à beira do Guaíba. O manobrista abriu a porta para nós, e meu pai lhe entregou a chave.
Subimos para o décimo quarto andar, acompanhados por um funcionário do hotel que nos deixou diante de uma ampla suíte com duas camas de solteiro e uma varanda generosa com vista para o lago.
— Você deve estar com fome — meu pai comentou, sentando-se na outra cama. — Foi por isso que desceu.
Na verdade, eu havia esquecido completamente da fome com tudo o que acontecera. Mas, só de ele mencionar, meu estômago roncou alto.
— Que tal pizza? — sugeri.
— Pode ser — ele disse, pegando o telefone. — Metade calabresa, metade portuguesa. Suas preferidas.
Sorri. Meu pai conhecia meus sabores de pizza favoritos mesmo tendo passado tanto tempo distante de mim. Era bom saber que, apesar de tudo, ele se esforçava para me conhecer.
Acho que cochilei, porque num piscar de olhos ele já estava abrindo a porta para receber a pizza. Sentamos à mesa. Peguei um pedaço de cada sabor, uma Coca-Cola do frigobar e fui até a sacada. Sentei no chão e comecei a comer com as mãos, bebendo direto da lata.
Meu pai se acomodou numa espreguiçadeira ao meu lado. Ficamos ali, em silêncio. Compartilhávamos um momento raro entre pai e filho, sem precisar de palavras.
O mais curioso era que, por toda a vida, eu achei que minha conexão mais forte era com minha mãe. Mas ali, com ele, a conversa se dava no silêncio. Eu sentia, sem que ele dissesse, que tudo ficaria bem. Que o que aconteceu naquela noite não deveria ser levado tão a sério. Que minha mãe estava bêbada, machucada, mas um dia se arrependeria de tudo aquilo.
Sentia que ele queria me dizer que me amava. Que estaria ao meu lado. Que fugiria comigo sempre que eu precisasse.
Por anos, tive medo do meu pai. Agora, eu percebia: ele era meu melhor amigo.
Ficamos na varanda até as quatro da manhã. Depois, fomos dormir, cada um em sua cama. Ou melhor, ele dormiu. Eu apenas cochilei, revivendo o caos daquele dia. Era coisa demais para processar de uma só vez. Não sei como não surtei. Théo tinha razão: eu tinha tudo e ainda assim reclamava.
Meu pai acordou por volta das onze, com os olhos inchados e olheiras profundas. Provavelmente também dormiu picado, mas ficou quieto para não me acordar.
— Você não dormiu nada, né? — ele perguntou, esfregando o rosto.
— Estava sem sono — respondi, a voz rouca.
— Quer alguma coisa? Não precisamos ter pressa de voltar pra casa — disse.
— Na verdade... eu quero voltar — falei. — Esqueci meu celular.
— Ok. Mas vamos almoçar primeiro — ele insistiu.
Concordei. Ele pediu o almoço e foi tomar banho. Quando saiu, a comida já estava na mesa, trazida por uma senhora de olhar antipático. Mas eu mal toquei na comida. Estava ansioso. Ele já devia estar vindo da escola. Será que já estaria em casa?
— Tem certeza que quer voltar agora? Podemos passar o fim de semana aqui, se quiser — meu pai ofereceu.
— Tenho sim, pai — respondi, sacudindo a perna, impaciente. — Não posso fugir dela pra sempre. Só te peço um favor.
— Qual?
— Tem uma pessoa indo me ver... — meu rosto queimou, e senti minhas bochechas corarem. — Eu queria saber se posso sair com essa pessoa?
— Pode — ele respondeu, sem hesitar. — Vai ser bom pra você distrair a cabeça. É o garoto por quem você e aquela menina brigaram?
— É sim — confirmei, ainda mais corado.
— Depois que tudo se acalmar, quero conhecê-lo — ele disse, tentando manter a naturalidade. Mas eu percebi que ainda era estranho para ele, como também era para mim. — De qualquer forma, saia, se divirta. Precisa de dinheiro?
— É sempre bom — sorri.
Ele me deu duzentos reais e voltou a comer. Depois que terminamos, descemos e ele fechou a conta do hotel. O manobrista logo trouxe o carro.
No caminho para casa, seguimos em silêncio outra vez. Mas desta vez, ele pegou o trajeto pela orla para que eu visse o mar. Fiquei grato por isso. A praia estava cheia, como sempre naquela época do ano. O sol refletia na água agitada, e tudo o que eu conseguia pensar era nele. Em como seria vê-lo. Sentir seus braços me envolvendo. Relembrar o gosto do seu beijo, a textura dos seus lábios. O momento em que ele dissesse que estava apaixonado por mim.
Provavelmente eu desmoronaria e começaria a chorar. Mas eu não me importava. Naquele instante, eu só precisava dele.
Estávamos a uma esquina de casa quando, de repente, um motoqueiro avançou o sinal vermelho e meu pai o atingiu em cheio. Mesmo com a freada, o impacto foi forte o suficiente para arremessá-lo metros adiante.
— Puta que pariu! Que cara burro! — meu pai gritou, saindo do carro. Fiz o mesmo.
As pessoas começaram a se aglomerar em torno do corpo caído no chão, claramente inconsciente. Cochichavam, comentavam, apontavam.
Mas não foi isso que me chamou atenção. Aquela silhueta, aquele corpo... havia algo familiar. As pernas, os braços... lembranças da cabana do Zelador começaram a surgir como flashes. Eu conhecia aquele corpo. Conhecia demais.
Antes mesmo de tirar o capacete, meu coração já sabia.
— Daniel? — chamei, num sussurro quase inaudível.
— Não se aproxime dele, Bernardo — meu pai disse ao celular, ligando para a emergência.
Mas eu o ignorei. Eu precisava saber. Precisava ver com meus próprios olhos.
Me aproximei lentamente. Meu coração martelava no peito.
Tirei o capacete dele.
E meu mundo desabou.
Era Daniel.
Foi ele que meu pai atropelou.
Continua...