Naquele instante, suspenso no tempo e no aroma doce da cozinha, o arrepio que percorreu minha espinha foi mais do que um frio passageiro; foi gelo puro se espalhando sob a pele. O nervosismo não explodiu; ele irrompeu com a força de um vulcão em erupção dentro do meu peito, cada batida do coração martelando a certeza terrível e inegável: ela sabia. Ela sabia sobre o meu segredo. Sabia sobre “aquilo”. Sabia sobre Charles. Não havia como esconder nada dela, nunca houve. O sentimento de ser completamente exposto paralisou-me.
Então, veio o suspiro. Não um suspiro de decepção, mas um suspiro longo, talvez de cansaço ou de alívio próprio, e sua voz continuou, a tensão diminuindo perceptivelmente, como uma corda que afrouxa. “O xerife andou tagarelando outra vez, não foi?”, ela presumiu, voltando-se para os biscoitos, mas com um tom mais leve agora. “Contando aquelas velhas histórias assustadoras, não é? Sobre os perigos que espreitam no coração da mata, só para deixar você com medo e longe de lá.”
O alívio. Ah, o alívio que me inundou foi uma onda morna e avassaladora, tão potente quanto o medo que acabara de sentir, lavando a certeza horrível e deixando somente um eco distante da minha transgressão. Era como se uma rocha gigantesca tivesse sido removida do meu peito, permitindo que eu respirasse fundo pela primeira vez em horas. Assenti, talvez com um pouco de demasiada presteza, a ansiedade recém-aliviada me impulsionando a selar a nova narrativa. “Isso mesmo, vovó”, consegui murmurar, tentando soar convencido demais. “Aquelas histórias… elas realmente me… me prenderam a atenção.”
Ela parou de decorar por um momento, a espátula de glacê suspensa no ar enquanto olhava para a travessa de biscoitos, mas sua voz… sua voz ao falar novamente ecoou uma seriedade que eu raramente ouvia. Uma seriedade que gelou o alívio que ainda me aquecia. “Não se esqueça de que não são somente histórias”, ela disse, cada palavra carregada de peso e finalidade. “É bom que você nunca, jamais, ponha os pés naquela floresta sorrateira. Entendeu bem? Nunca. Aquela mata é repleta de criaturas demoníacas.” O eco da sua voz ficou pairando no ar, uma nova sombra substituindo a antiga, o aroma doce dos biscoitos agora tingido com o frio da sua advertência.
Ainda sentindo a estranha mistura de torpor e leveza, disse para Dona Adelaide que precisava ir ao banheiro, uma desculpa conveniente que aproveitei ao máximo para me trancar no pequeno cômodo por alguns instantes preciosos. A água fria que espirrei no rosto com certa urgência e a escovação vigorosa dos dentes serviram como uma tentativa desesperada, quase ritualística, de me recompor. O objetivo era afastar não somente a sensação de desassossego que ainda persistia, mas também o cheiro residual, sutil, mas inconfundível, de sexo, que parecia impregnado não só na minha pele, mas no ar ao meu redor.
Respirei fundo, sentindo o frescor da menta, e então voltei para a cozinha. A atmosfera ali era um contraste bem-vindo: agora leve, aquecida pelo cheiro doce de chocolate e açúcar derretido, iluminada pela luz suave da manhã que entrava pela janela. Sem hesitar, me juntei a ela na produção dos docinhos. Minhas mãos, ainda um pouco trêmulas, rapidamente encontraram o ritmo familiar, ajudando a enrolar as bolinhas brilhantes de brigadeiro naquela cobertura granulada colorida, a textura pegajosa e o calor terno da massa, que grudava um pouco nos dedos antes de se transformar em esferas perfeitas, incrivelmente reconfortantes.
Estávamos imersos nessa tarefa simples e repetitiva, o silêncio na cozinha pontuado somente pelo tilintar dos confeitos caindo na forma e o murmúrio baixo e constante de minha vozinha, quase uma canção de ninar cochichada. Foi nesse momento de concentração pacífica que um chamado distinto e forte ecoou do portão da frente, rompendo a quietude com uma urgência inesperada. Era uma voz que parecia familiar, despertando uma lembrança instantânea e, ao mesmo tempo, completamente inesperada naquele horário. Senti um sobressalto. Avisei-a, que mal pareceu notar, que iria atender.
Limpando o chocolate das pontas dos dedos no avental, sujo de farinha e calda, segui para o portão, meus passos mais rápidos do que o normal. Meu coração começou a bater num ritmo diferente, mais acelerado, uma estranha mistura de curiosidade e... algo mais. Ao chegar, meus olhos logo encontraram a figura imponente de James. Era ele, o lenhador que morava na clareira próxima à floresta, conhecido por sua força silenciosa e sua ligação com a natureza selvagem. Aquele homem era, sem o menor exagero, deslumbrante, parecendo esculpido pelo próprio Michelangelo; a pele tinha o tom dourado, rico e saudável, do sol que passava horas filtrando-se pelo dossel das árvores, revelando músculos definidos que se insinuavam sob a roupa com uma promessa de força bruta.
Um sorriso largo e genuíno se abriu em seu rosto, iluminando-o de uma maneira quase inacreditável. Vestia sua habitual camisa xadrez marrom, aberta e revelando a regata cinza desgastada por baixo, a calça jeans azul escura com rasgos estratégicos que pareciam contar histórias de galhos e trabalho, e as botas de couro surradas que denunciavam seu ofício árduo e sua vida ao ar livre. Ao parar à sua frente, a primeira coisa que proferiu, com aquela voz grave e ressonante que parecia vibrar no ar ao redor, foi uma confissão sincera de alívio. Ele disse que se sentia incrivelmente aliviado por finalmente me ver ali, de pé, aparentemente ileso.
Por um momento, ele admitiu, o pior passou por sua mente. Pensou que eu tivesse simplesmente desaparecido no ar, vaporizado, sem deixar o menor rastro, talvez levado subitamente, arrastado para o interior denso da mata por alguma coisa… algo desconhecido e perigoso que espreitava nas sombras. Soltei uma risada que soou estranha, forçada, uma nota fina e nervosa que parecia completamente deslocada e frágil diante daquela presença tão maciça e sólida. Eu sabia que não combinava com a atmosfera, mas era a única reação que consegui produzir. Apaguei qualquer traço de verdade no meu olhar e construí rapidamente a mentira.
Expliquei, com a voz tentando soar casual e um pouco rouca (talvez para dar mais credibilidade à história inventada), que não havia sumido; estivera doente por uns dias, menti, uma gripe boba, sim, mas que me derrubara na cama de maneira implacável. A febre alta e a fraqueza generalizada haviam sido os únicos “sequestradores” do meu tempo e da minha energia, mantendo-me cativo entre lençóis, incapaz de sequer me levantar. No entanto, a testa de James se franziu levemente, a linha sutil revelando uma dúvida momentânea, antes que um ar de mistério e uma espécie de intuição aguçada cruzassem seu semblante, substituindo a preocupação inicial.
Então, ignorando minha “explicação” sobre a gripe, ele disse, com uma certeza que me gelou e pareceu perfurar minha fachada: havia me ouvido gritando na floresta, “dias atrás”, enfatizou, com um tom que não admitia contestação. E por isso, o lenhador realmente acreditou que algo terrível e inexplicável tinha me acontecido lá fora, algo que justificara plenamente aqueles berros desesperados que ele alegava ter captado com clareza na quietude da mata. Um constrangimento súbito e abrasador me invadiu — será que ele sabe o porquê de eu ter gritado na floresta? A simples ideia me pegou desprevenido e me fez sentir exposto de uma maneira que eu não conseguia compreender totalmente naquele momento.
Neguei rapidamente, quase gaguejando na ânsia de desfazer aquela afirmação desconfortável, sentindo o rubor quente espalhar-se incontrolavelmente pelas minhas bochechas. Insisti com veemência que ele devia estar redondamente enganado, que era impossível, que eu jamais havia dado um passo sequer para o interior da mata na minha vida. O homem, então, riu alto novamente, um som agora não somente agradável, mas com um poder e uma ressonância que preencheram o pequeno espaço entre nós, diminuindo ainda mais meu senso de controle sobre a situação. Ele garantiu, com um brilho persistente e enigmático nos olhos que desmentia qualquer chance de engano ou confusão, que não se enganava facilmente quando se tratava de sons na natureza, especialmente um grito humano.
Seus ouvidos, James afirmou com um sorriso levemente desafiador, eram tão afiados e treinados quanto os de um coiote na mata, captando o menor sussurro, o mais distante grito de socorro. Para desviar decisivamente do assunto perturbador e de seus ouvidos “de coiote” que pareciam ouvir mais do que eu gostaria, e também porque uma ousadia inesperada e irresistível simplesmente emergiu em mim naquele instante, tomei a iniciativa de quebrar a tensão com um gracejo. Brinquei, com um tom que eu esperava que soasse leve e talvez um pouco sedutor, que ele deveria considerar seriamente se tornar meu guarda-costas particular dali em diante para me proteger de qualquer perigo desconhecido que espreitasse, já que era clara e inegavelmente bem forte.
Agindo por puro impulso, estendi a mão e toquei de leve em seu peitoral, a ponta dos meus dedos roçando a pele quente sob o tecido fino e elástico da regata que ele usava. Pude sentir, sob a leve pressão, a solidez impressionante do músculo, a rigidez controlada, uma sensação física que se espalhou como um arrepio sutil pelo meu braço e me deixou momentaneamente sem fôlego.