O tempo passou. Segui em frente com a minha escolha, ou pelo menos achei que tinha. Um dia voltando de um cliente avistei Clara.
Ela sorriu quando me viu do outro lado da rua, com Thiago ao seu lado. Havia um brilho novo no olhar dela. Tranquilidade. Talvez paz. Thiago a abraçava com leveza, com um toque seguro de quem sabe que é amado — e sabe retribuir.
E eu… senti algo. Um leve ciúme, talvez. Não pelo que ainda existia entre nós, mas pelo que nunca conseguimos ser apesar da intimidade compartilhada.
Ela me acenou. Retribuí, e nossos olhares se cruzaram por um instante. E naquele instante, soubemos. Havia gratidão. E um passado. Mas nenhum retorno.
Nunca soube com certeza quem era o pai daquela criança. Clara nunca insistiu no assunto, e eu nunca tive coragem de perguntar de novo. A menina nasceu com olhos puxados e feições suaves. Não era parecida com Thiago. Mas ele a tratava como filha. E aquilo bastava para eles.
Priscila era tudo que sempre foi: caos, fogo, tempestade. O sexo era selvagem. E amor. Um amor estranho, por vezes instável, mas real. O tipo de amor que pulsa mais na pele do que nas palavras. Vivíamos em uma dança entre a paixão e o descontrole, entre noites que pareciam filmes e manhãs de silêncios intensos.
Às vezes, eu a observava deitada ao meu lado, os cabelos espalhados no travesseiro como brasas escuras, e pensava: "Foi por isso que eu escolhi ela." E mesmo nas vezes em que não era fácil — especialmente quando a sombra de Gabriel surgia — eu apenas... aceitava.
Sim, Gabriel ainda aparecia. Apenas como coadjuvante agora, uma mera participação especial que se tornava cada vez mais rara. Ainda sim, me incomodava um pouco. Eu não precisava perguntar. Eu sentia. Havia marcas que não eram minhas, cheiros que não eram meus. Vestígios de sexo que não eram comigo.
Mas eu não cobrava.
Ela voltava pra mim. Sempre voltava. E quando estava comigo, era inteira. Em suas palavras, em seu corpo, em seu olhar.
Às vezes pensava em Clara. Em suas carícias, em sua boca macia me chupando. Em como teria sido viver uma vida com menos sobressaltos, com mais certeza. Com mais exclusividade? Mas bastava vê-la rindo ao lado de Thiago, brincando com a filha no parque, para entender: aquele mundo já não era meu.
Minha escolha tinha sido feita.
E toda vez que Priscila me puxava pela camisa no meio da sala, me empurrava contra a parede e me beijava com aquela fome quase selvagem, quando transavamos na sacada, ou no carro, como dois jovens descobrindo os prazeres da vida, eu lembrava por que.
Eu amava aquela mulher como se ama um vício. Sabendo dos riscos. Aceitando as cicatrizes. Alimentando a chama.
No fim, era isso.
Eu não queria paz.
Eu queria o fogo.
Ainda que depois de queimar só sobrassem as cinzas.
Fim.