Complexo da Rocinha — 04:26 da manhã
O céu tava sem lua, mas o morro tava aceso. Cintilando de sirene, rádio estourando nos becos, rádio dos cria zumbindo no ouvido, e os fogos estalando como prenúncio de morte.
Jeff subiu até o portão principal da entrada da favela, sem camisa, de corrente no pescoço, uma Glock na mão e a alma carregada de raiva. Atrás dele, Sandro e Rato, os dois armados até os dentes, olhar afiado e dedo nervoso no gatilho.
— Tio dele já tá na descida — avisou Rato pelo rádio, limpando o suor da testa com as costas da mão enquanto ajeitava o fuzil no ombro. — Três caveirão e helicóptero. É hoje.
Jeff sorriu. Não de alegria. De vício. Ele amava aquilo. O cheiro de pólvora prestes a vir, a dança da morte começando antes do sol nascer. Estalou o pescoço pro lado e respirou fundo, sentindo o peito inflar com adrenalina.
Do outro lado, Major Carlos desceu do camburão com a farda ajustada, óculos escuros mesmo no breu, e uma PT100 engatilhada no coldre. Tava bonito, sim. Como sempre. Mas a beleza dele vinha com veneno. Vinha com cheiro de pólvora e sangue no punho da manga. Os olhos frios varreram a entrada da favela como quem fareja bicho acuado.
— JEFFERSON! — gritou o major, a voz cortando o ar como navalha, amplificada pelo megafone do blindado que vibrava em eco nas paredes de concreto.
Jeff andou até o centro da rua, entre a favela e a cidade. Um pé no morro, outro no asfalto. A guerra representada por um corpo só. O chão quente estalava sob as Havaianas. O suor escorria pelas costas.
— Tá pronto pra morrer, Carlos? — perguntou ele, parando de frente com o inimigo, os dedos firmes no cabo da Glock, os olhos cravados nos dele.
— Só se tu vier comigo, cria — respondeu Carlos, com um meio-sorriso torto e cruel, enquanto levantava o colete tático levemente, pronto pra sacar.
— Tu me tirou tudo. Até o amor do Paulão — cuspiu Jeff, com a voz embargada, os olhos acesos de raiva e dor.
— Tu nunca teve amor. Só usava ele de escudo, seu bosta — retrucou Carlos, já com a mão na arma, o maxilar travado e a respiração pesada.
A troca de olhares foi o primeiro disparo. E em seguida o inferno começou.
TRÁ TRÁ TRÁ TRÁ TRÁ!
Os tiros pipocaram em rajada, rasgando o silêncio com barulho de fim do mundo. Rato caiu com um tiro no ombro, largando o fuzil e se arrastando como verme até a viela mais próxima, grunhindo de dor.
Sandro revidava como um cão solto do inferno, subido numa laje, o rosto sujo de barro e fúria, atirando em rajadas curtas com o olho colado na mira.
Jeff girava no meio da rua, desviando dos tiros como se dançasse, o suor misturado com sangue, gritando de volta com a arma cuspindo fogo a cada disparo.
Carlos, atrás do carro da PM com dois agentes, gritava ordens enquanto recarregava com precisão militar:
— FLANQUEIA A LATERAL! PEGA PELA DIREITA! NÃO DEIXA ELE VOLTAR PRO MORRO! — esbravejava, com a voz rasgando a garganta, o dedo firme no gatilho e o olhar fixo em Jeff.
O helicóptero varria os becos com holofote, mas a favela engolia luz como se fosse sombra viva. As crianças choravam nas casas, os cachorro latiam enlouquecidos, e o chão tremia com cada disparo como se o próprio morro fosse respirar.
Jeff avançou, cuspindo sangue, cambaleando mas firme. Sem colete, sem medo. Só com o ódio pulsando na ponta do dedo, a Glock firme na mão trincada de raiva.
— TU NUNCA MAIS ENCOSTA NO PAULÃO, SEU FILHO DA PUTA! — ele gritou, os olhos vermelhos, cuspindo entre os dentes enquanto apontava direto pro peito do major.
Carlos levantou do escudo, com as botas avançando no asfalto rachado, sem tempo pra conversa. Atirou com frieza.
PÁ!
Jeff foi atingido no ombro, o impacto fazendo ele girar no ar e cair de lado, batendo a cara no chão, rosnando de dor como bicho ferido, mas sem largar a arma. Apertava os dentes como se fosse morrer de raiva antes da bala.
Sandro, com o coração saindo pela boca, pulou da laje e correu até ele. Puxou Jeff pelo braço, arrastando ele pela viela estreita cheia de lixo, chamas e latas furadas.
— NÃO! — gritou Jeff, cuspindo sangue e ódio. — DEIXA EU MATAR ESSE CORNO!
— Tu vai morrer, porra! Entra! — retrucou Sandro, puxando ele com o ombro colado na parede, desviando das fagulhas que vinham do alto.
Carlos não seguiu. Ficou parado no meio da fumaça e da sirene, com a arma em riste, os olhos fixos na trilha de sangue que serpenteava até a viela como pista de caça.
— EU VOU SUBIR PRA TE PEGAR, JEFFERSON! — berrou o major, com a veia do pescoço saltando e o suor escorrendo até o colarinho. — E DA PRÓXIMA, EU MATO!
Lá de cima, Jeff respondeu, apoiado numa parede, com a respiração arfante, cuspindo no chão entre os dentes cerrados:
— ENTÃO SOBE! SOBE E VEM TOMAR O MESMO CU QUE TU COMEU E PERDEU, SEU MERDA! — gritou com a alma, fazendo a viela vibrar de ódio.
O silêncio depois disso foi pior que os tiros. Um silêncio sujo, amargo, carregado de tudo que já foi dito e feito.
A guerra agora tinha nome, sangue e endereço fixo.
E Paulão... era o coração partido dos dois lados do front.
Base Avançada da PM – 07:04 da manhã
Léo batia o coldre da pistola com a mão direita enquanto olhava o quadro branco cheio de anotações. O rosto suado, a farda molhada de tensão. O rádio tilintava informações sobre o tiroteio na Rocinha.
Carlos entrou na sala com os olhos em chamas.
— Confirma pra mim se foi ele que levou o tiro.
Léo já sabia a resposta, mas fez questão de entregar com gosto:
— Foi ele sim, Major. Jeff levou no ombro, caiu, mas não morreu. Tão escondendo o desgraçado lá dentro.
Carlos bufou, tirando o boné da cabeça e jogando sobre a mesa.
— A porra da Rocinha virou um bunker. Mas eu vou entrar lá. Nem que seja pra sair com a cabeça dele numa sacola preta.
Léo deu um meio sorriso de canto, aquele jeito frio que só assassino controlado sabe dar.
— Eu já montei uma equipe. Vão entrar pelo beco dos ciganos. Vai dar certo. Só preciso da tua ordem.
Carlos parou, encarou ele por uns segundos.
— Tu faria o que eu mandar, né, Léo?
— Qualquer coisa, senhor. Tu sabe disso.
Um silêncio denso pairou. Era mais que respeito. Era devoção. Carlos se aproximou, botou a mão no ombro do Léo e falou baixo:
— Hoje tu vira meu cão de caça. Quero sangue. Quero ele na minha mesa... ou morto.
Léo assentiu, olhando o mapa da favela. Os olhos dele não tremiam. Não piscavam. Era sede de guerra. Era fome de resolver. Era lealdade até a morte.
❖ Hospital Salgado Filho – Enfermaria, 07:11 da manhã
Rodrigo mexia nas unhas com uma lixa enquanto olhava de rabo de olho pro celular. Uma mensagem sem nome no topo da tela: “Tô chegando aí. Só quero tua boca. Não fala nada.”
Ele sorriu. Mordeu o lábio. Sabia de quem era. Só tinha uma pessoa que falava daquele jeito, sempre mandando, sempre no sigilo, sempre saindo pela porta dos fundos sem olhar pra trás.
Era Léo.
O mesmo que fazia o inferno na favela, que atirava sem pensar, que matava com frieza... era também o que socava ele no depósito de materiais, calando com beijo, fodendo com raiva, saindo com a farda suja de luxúria e silêncio.
Rodrigo sorriu mais largo:
— Ai, meu pitbullzinho vem morder hoje...
❖ Rocinha – 07:23 da manhã
No esconderijo, Jeff ardia em febre. O ferimento no ombro era fundo. Sangue seco grudado na pele, e o pano improvisado começava a cheirar ferro e mofo. Dinho tava do lado, segurando o rifle.
— Vai ficar de boa, chefe. Já chamei o Bico, o enfermeiro dos cara da Penha. Vai te costurar rapidinho.
Jeff tossiu. A voz falha:
— O Paulão... ele viu?
— Deve ter visto. Tava passando até no Globo. Ele deve tá puto, doido, chorando igual viado abandonado.
Jeff fechou os olhos. A dor rasgava ele por dentro, mas era a saudade que doía mais. Queria ver o rosto do Paulão. Sentir a mão dele segurando firme. Nem que fosse pra gritar.
❖ Enfermaria – 07:24 da manhã
Paulão olhava fixo pro telefone. Mandou outra mensagem.
"Me diz que ele tá vivo, caralho. Só isso."
O rádio estalou.
— Atualização... tiroteio cessou temporariamente... traficante conhecido como Jeff ainda está foragido... estado de saúde desconhecido...
Paulão chorava em silêncio. E lá fora, a guerra só começava.
Hospital Municipal Salgado Filho – 12:08 da tarde
O sol batia seco nas janelas sujas da enfermaria. Eu já não sentia meu corpo. Tava ali por fora, mas minha alma já tinha subido o morro faz tempo. Cada paciente que passava era só mais um barulho. Mais uma voz longe. Mais uma porra de vida que não era a dele.
— Paulão! — Rodrigo apareceu na porta, com a cara suada e o jaleco torto — Ó a ficha da 213, fraturou o braço na briga de bar, tá vomitando sangue agora.
— Foda-se. — eu disse sem olhar, já amarrando meu tênis. — Foda-se ela, foda-se tudo.
— Ô, mana?! — Rodrigo correu atrás de mim no corredor — Vai largar o plantão?
— Vou. — falei, já rasgando o crachá e jogando no chão. — E se me demitirem, melhor ainda. Já trabalhei demais pra salvar quem não vale um caralho.
— Ai, drama... — ele bufou, mas o olhar tava molhado. Sabia. Ele sabia. — Tu vai atrás dele, né?
— Vou. — respondi, sem olhar pra trás, abrindo a porta de emergência com força. — Se ele tiver morrido e eu não estiver lá... eu morro também.
❖ Entrada da Favela – 12:34 da tarde
O morro tava diferente. Era silêncio armado. Cada viela parecia respirar fumaça e ameaça. As crianças não tavam na rua. As velhas calavam no portão. Era sinal. Sinal que o sangue ainda escorria entre os becos.
— Paulão? — um moleque gritou do alto da laje. — É tu mesmo, enfermeiro?
— É. — respondi, ofegante, subindo as escadas da ladeira — Me leva onde o Jeff tá. Agora.
— Caralho... — o moleque sumiu da laje e surgiu minutos depois do meu lado, suado, com uma Glock na cintura — Cê é doido, mano. O bagulho tá fervendo, e tu subindo sem colete?
— Se fosse pra me proteger, eu trazia minha fé. Mas ela morreu junto com ele, se ele tiver morto.
❖ Esconderijo no Alto da Favela – 12:49 da tarde
A porta do barraco se abriu com rangido seco. O cheiro de sangue, álcool e pólvora invadiu minhas narinas. Era o cheiro dele. Jeff tava jogado num colchão velho, sem camisa, com o ombro enfaixado e o rosto suado. Sandro tava ajoelhado ao lado, trocando o pano da ferida com cuidado.
— Sai. — eu disse, jogando minha mochila no chão — Agora é comigo.
— Paulão? — a voz do Jeff veio baixa, arranhada — Tu tá aqui mesmo?
— Cala a boca, porra. — fui até ele, ajoelhei no chão e segurei sua cara com as duas mãos — Tu quase morreu. Quase me matou junto.
— Eu não morro fácil. — ele sorriu torto, gemendo de dor — Ainda tenho uns tiros pra dar.
— Tu não vai dar é porra nenhuma, Jeff. — falei enquanto abria o zíper da mochila e puxava o kit de sutura — Tu vai ficar quieto. Vai respirar. Vai deixar eu salvar tua vida de novo.
— Ainda ama eu, Paulão? — ele murmurou, os olhos cheios d’água — Mesmo depois de tudo?
— Cala essa boca antes que eu meta gaze dentro dela. — respondi, com os olhos ardendo — Eu vim pra te salvar, não pra ouvir declaração de bandido.
Jeff sorriu. Um sorriso fraco, mas real. Sandro observava de longe, encostado na parede, braço cruzado, fumando um cigarro artesanal.
— Cuida bem dele, Paulão. — ele disse, soprando a fumaça — Se ele morrer, eu mato meia cidade.
— Se ele morrer, eu morro antes. — respondi, já limpando a ferida com soro.
❖ Base da PM – Escritório do Major Carlos – 13:02 da tarde
O celular vibrou. Era a mensagem que ainda queimava na tela:
"Carlos, se tu matou ele... eu te mato. Juro pela minha vida."
Carlos tava sentado com a pistola desmontada na mesa. Parou tudo. Leu de novo. Apertou os olhos.
— Filho da puta ainda se preocupa com ele. — ele disse, pra ninguém — Mesmo depois de eu ter dado tudo.
Pegou o celular. Respondeu com dedos trêmulos:
"Se ele tiver vivo, agradece a mim. Eu errei o tiro de propósito."
Mas não apertou enviar.
Apagou.
Levantou. Olhou pela janela da base pro horizonte da favela. O ódio que sentia por Jeff agora se confundia com inveja. Porque, no fim, era ele quem Paulão escolhia.
E Carlos... Carlos era só o resto. O erro com farda.
❖ Alto da Favela – Barraco Escondido – 13:25 da tarde
Jeff dormia. O rosto mais calmo. A respiração ainda fraca, mas viva.
Eu tava sentado no chão, com a cabeça encostada na parede, olhando pra ele. O pano cheio de sangue ainda molhado na minha mão.
— Por que tu sempre me puxa de volta, Jeff? — falei baixinho, pra mim mesmo — Tu é minha cruz... e eu carrego sorrindo.
Sandro se aproximou devagar, largou um copo de água do meu lado.
— Dinho tá resolvendo com os colombianos. Vai dar merda. Mas vai dar dinheiro também.
— E tu? — perguntei, virando pra ele — Vai dar merda ou vai dar amor?
— Já dei os dois, né? — ele sorriu de canto, com cinismo — Mas agora... agora só quero sobreviver.
Olhei de novo pro Jeff.
Sabia que aquele descanso era curto.
A guerra ainda tava acesa.
E todo mundo ali já tava queimado demais pra apagar qualquer incêndio.
❖ Região de Fronteira Brasil-Colômbia – 19h48
A mata engolia o céu, e o ar era quente como o inferno debaixo da pele. Dinho desceu do jato fretado com dois dos seus — Carlinhos e Tadeu — cada um com o dedo coçando em pistolas G2C escondidas sob o colete.
Do outro lado da pista improvisada de terra, três colombianos esperavam. Um mais velho, camisa social aberta no peito, uma cicatriz no queixo e sotaque seco. Os outros dois pareciam capangas — armados até os dentes.
— Você é o tal do Dinho? — o mais velho perguntou, em portunhol arrastado.
— Sou o que vocês vão chamar de patrão agora.
O colombiano sorriu amarelo. Dinho caminhou até a caçamba da caminhonete parada, puxou a lona e revelou três fardos brancos prensados — crack refinado, puríssimo, seco que nem farinha seca no sol.
— Isso aqui, patrão, vale mais que ouro. Só que aqui no Brasil, quem vai distribuir sou eu. E se quiser que essa porra ande, vai ter que aceitar meu jogo.
O colombiano riu.
— Você não tem rota. O exército come seu cu na primeira curva.
Dinho deu um assobio baixo. Tadeu abriu a outra caçamba e puxou uma caixa de papelão.
— Olha bem.
Dentro, estavam várias embalagens de frango congelado, lacradas a vácuo, com selo da vigilância sanitária.
— Cada caixa dessa carrega, entre os peitos de frango, meia tonelada de pedra. Já ensacada, vácuo no esquema, embalada com cheiro químico e papel chumbo.
O colombiano estreitou os olhos.
— E como você passa isso?
— Caminhão frigorífico. Carga liberada com nota fria, empresa de fachada. Quem faz a triagem é um frigorífico em Rondônia, que pertence ao meu irmão. De lá, passa por um trâmite no Acre e vem descendo até chegar nas favelas do Rio, em rota espelhada por aplicativo de entrega fake. Um motorista cego, outro mudo, e o último surdo. E todos com GPS offline. Só eu tenho os códigos de destino.
O colombiano tossiu uma risada.
— E quanto tu quer por esse serviço?
— Cinquenta por cento do que entrar. Mas eu garanto que não vai ter um pó parado, uma pedra encalhada. E mais: eu elimino qualquer atravessador que ousar mexer no caminho.
O colombiano se calou. Acendeu um cigarro. Olhou pros homens. Depois se aproximou de Dinho e apertou a mão dele.
— Feito.
— Feito. Agora tu vai ver o Brasil se afogar em fumaça branca.
Dinho sorriu de lado, o ouro branco no bolso, a guerra já vencida antes de começar.
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❖ Motéis “Doce Vida” – Zona Norte do Rio – 23h03
O quarto era fedido. Cigarro, esperma velho e desinfetante vencido. Mas Carlos nem notava. O major da PM, uniforme ainda pela metade, tava sentado numa cadeira de plástico, peito nu, com a pistola apoiada na pia quebrada.
Na frente dele, de joelhos, uma ruiva com peitos gigantes, boca lambuzada e a língua batendo no pau dele como se fosse picolé no verão.
— Isso... isso, vagabunda... mete a língua na cabeça...
Carlos rosnava, os olhos apertados de tesão. A ruiva, chamada “Cris”, chupava com gana. Boca funda, sem nojo. Ele enfiava até a garganta travar, depois puxava o cabelo dela com força e metia com violência.
— Te pago pra engolir minha porra, não pra enfeitar essa boca, porra!
A puta engasgou, tossiu, mas não parou. Era acostumada. Carlos enfiava com raiva. O pau dele grosso, latejando de stress, comando e raiva de bandido.
Ela sentou na cama e empinou.
— Quer meter, major?
— Quero rasgar tua alma.
Ele botou camisinha de qualquer jeito, enfiou com tudo. A bunda dela tremeu com o impacto. Cada estocada era um tapa na cara da moral.
— Quem manda nessa porra toda? — ele urrava.
— Você... você, major... o dono da favela, o dono da PM... mete tudo!
O gozo veio forte. Carlos cravou os dedos nas costas dela e jorrou sem piedade.
Depois se jogou pra trás na cama, acendeu um cigarro, pelado, suado, satisfeito.
Pegou o celular.
Divisa Brasil–Colômbia – 03:12 da madrugada
Temperatura de 9 graus. Cheiro de mata molhada, pólvora velha e gelo industrial no ar.
O baque surdo da porta do caminhão frigorífico ecoou baixo. Dentro, pacotes de frango congelado escondiam os tijolos prensados de ouro branco — o crack em pó que ia banhar as ruas do Rio em fumaça e lucro.
Dinho fechou o zíper da jaqueta com os dedos sujos de carvão e farinha.
O colombiano mais velho acendeu um charuto, a sombra do gorro cobrindo metade do rosto.
— Trinta por cento agora, trinta na entrega. El resto, cuando el dinero gire en Bogotá.
Dinho passou o dedo no canto da boca, secando suor e desprezo.
— Não. Vinte agora, cinquenta no meio do caminho, trinta quando passar o túnel.
A fronteira é minha. A pista é minha. E o morro também. Quem tá de favor aqui é tu, parceiro.
O colombiano mordeu o charuto. Tentou parecer bravo. Mas aceitou.
Negócio fechado.
Dinho virou de costas, sacou o celular velho de dentro da cueca — o de uso exclusivo com Jeff. Digitou devagar, com a luz da lanterna presa na boca:
“Confirmado. Primeira carga chega pelo frango. Semana que vem. O gelo tá feito. Só falta o fogo.”
Mensagem enviada.
Ficou olhando a tela por um segundo. Nenhum emoji. Nenhuma assinatura. Só a guerra em forma de texto.
Depois cuspiu no chão, fechou a porta do caminhão com o ombro e mandou o motorista ligar o motor.
Enquanto o barulho do diesel ecoava na selva escura, Dinho pensou alto:
— Agora é matar ou faturar, Jeff...
E ele escolheu faturar.