A manhã estava serena. O sol atravessava as persianas do consultório com uma calma quase irônica, como se soubesse o que estava por vir. Gabriela chegou cedo, como havíamos combinado. Precisava atender um chamado no trabalho depois, então ajustamos o horário.
Ela entrou fardada. Aquele uniforme colado no corpo acendia algo que eu ainda não queria nomear. O colete marcava os seios, e o coldre vazio contrastava com o perigo que ela sempre carregava no olhar.
— Bom dia, doutor. — disse com aquele sorriso que só ela tem, sentando-se na poltrona com um leve roçar de coxa no estofado.
— Dormiu bem?
— Mais do que nos últimos meses. — ela riu. — E vou te contar por quê.
Gabriela cruzou as pernas lentamente, ajeitou o cabelo e começou a falar do marido. Disse que, desde que ele participou da sessão, algo mudou. Não era perfeito ainda. “Mas ele já está ali, nos 90%”, ela disse. “Quase do jeito que eu sempre quis”.
— Eu fico excitada só de lembrar do jeito que ele me olhou ontem. Te juro… parecia outro homem. Ele está me ouvindo mais. Me pegando com mais vontade. Com mais presença. E isso me deixa… — ela fechou os olhos — completamente acesa.
Os olhos brilharam. As bochechas coraram. A respiração já dava sinais do que viria. E ela não pediu permissão.
Gabriela se recostou na poltrona, ainda com a farda. Levantou o colete, desabotoou dois botões da camisa e deslizou a mão por dentro. Apalpou os próprios seios, gemendo baixinho.
— Posso?
Assenti com o olhar.
Ela então escorregou a mão por dentro da calça. As pernas se abriram devagar. O cheiro da excitação começou a se misturar com o ambiente. A outra mão seguia nos seios, apertando com força.
— Ele me pegou na cozinha… e depois no carro… mas ainda falta algo. Falta liberdade. Falta intensidade. Falta… isso aqui. — disse, arqueando o corpo.
— Então deixa vir. Fecha os olhos. Sente tudo. Agora é seu. Só seu.
Ela começou a se tocar mais fundo. O som dos dedos molhados ecoava pelo consultório. Os gemidos ficaram altos. A farda aberta revelava o sutiã meio desajeitado, e o colete caiu no chão sem que ela percebesse.
— Eu quero ele. Quero ela. Quero tudo. Me guia, doutor.
— Você está no meio. Ele te fode com força. Ela suga teus mamilos. E eu te observo… mandando gozar.
Gabriela tremeu. Gemeu forte. O gozo veio como um raio, rasgando o silêncio com um som abafado de prazer e fúria. Ela se contorceu, arfou, caiu sobre si mesma. Um gozo verdadeiro, quente, incontrolável.
— Pronto? — perguntei, com um sorriso de canto.
Ela riu, ajeitando o uniforme, ainda ofegante.
— Mais pronta do que nunca.
Ela saiu do consultório com a farda desarrumada, mas a alma em ordem. E mal sabíamos o que aquela tarde nos reservaria.
Já era fim de tarde quando tudo aconteceu. Eu estava encerrando a última sessão do dia quando ouvi o grito.
— NÃO! ME SOLTA! — era a voz da Ana.
Ana, ainda caída, pegou o celular e ligou para a única pessoa que poderia lidar comigo naquele estado:
— Gabriela. Por favor, venha. Agora. É o William.
Saí correndo do consultório. Ela estava caída, com a boca sangrando, tentando levantar. Um homem fugia pela recepção com uma arma na mão.
Nem pensei. Corri atrás dele.
Ele disparou pela rua, e eu atrás. Correndo com raiva, instinto, desespero.
Na praça em frente, gramada, alcancei o desgraçado. Saltei com uma voadora certeira. Caímos rolando no chão. Ninguém entendia quem era quem. Não gritei “ladrão”, não expliquei nada. Só batia. E apanhava. Luta feia, sem freio. Ele chutou meu rosto. Eu revidei. Sangue, suor, gritos.
Em um momento, a arma escapou da mão dele. Rolei por cima e a peguei. Levantei. Apontando direto para o rosto dele.
Pessoas começaram a se aglomerar. Gritos. Câmeras de celular. E eu, de pé, com a arma apontada. Encharcado de ódio. Com o dedo no gatilho.
Uma viatura da polícia local chegou. Armas foram erguidas contra mim. Eu tremia. A mente estava nublada.
Dentro da viatura, alguém acionou reforço.
Minutos depois, chegou uma nova viatura. Era Gabriela. Desceu rápido. A farda ainda no corpo. Sem arma em punho.
— Deixem. Ele é meu terapeuta. Eu conheço ele.
Os policiais hesitaram. Ela passou por eles. Se aproximou de mim.
Gabriela passou pelos policiais como se o mundo estivesse em silêncio. Ela se aproximou de mim com passos firmes, mas sem pressa. Seus olhos não vacilaram um instante. O som dos seus coturnos sobre o asfalto parecia marcar o ritmo da minha respiração.
Quando ela parou bem na minha frente, o cheiro da sua pele me invadiu como uma lembrança antiga. Era o mesmo perfume amadeirado que ela usava nas primeiras sessões. O suor da corrida realçava o aroma e despertava algo primal em mim.
Sua voz foi baixa, mas firme.
— Olha pra mim, William.
Eu obedeci. Meus olhos encontraram os dela, e ali estava tudo: coragem, ternura, firmeza e algo a mais... algo que me desarmou por dentro.
Ela encostou os dedos de leve no meu braço trêmulo, sem pressa, como se pedisse permissão à minha dor.
— Eu tô aqui. Já passou. Você não precisa segurar isso sozinho.
A arma escorregou da minha mão como se nunca tivesse pertencido a mim.
— Você me viu? — sussurrei, com a voz embargada.
Ela assentiu, com um sorriso suave.
— Eu sempre vi.
E então me segurou com firmeza, impedindo que eu desabasse de vez.
As palmas ainda ecoavam na praça quando a ambulância chegou. Eu já sentia o corpo pesado, dolorido, quente. A adrenalina cedia espaço à carne ferida.
Ana chorava ao meu lado, mas sem poder se aproximar — os paramédicos me cercavam.
Gabriela continuava ali, parada. O olhar dela não era mais o de antes. Tinha algo novo… profundo… um brilho que me atravessou.
E naquele instante, entre o sangue e o suor, entre o povo gritando “herói” e o ruído dos celulares… eu senti um grilo diferente no meu peito.
Como se uma nova história estivesse prestes a nascer.
Foram dois dias de internação.
Fratura no braço, costela trincada, rosto inchado, alma em ebulição.
Mas lá no fundo, entre um soro e outro, eu só conseguia pensar:
Ela me viu. De um jeito que nunca tinha visto antes.