A noite descia como véu grosso sobre o interior de Minas. No quarto abafado, a brisa entrava tímida pela janela, carregando o cheiro de terra molhada e despedida. A casa estava em silêncio, e no ar pairava uma tensão densa, densa como o calor dos dias que haviam se passado ali.
Antonio estava deitado na cama, pernas estendidas, torso nu. Os olhos fixos no teto, como quem espera por algo inevitável.
Lucas entrou sem dizer nada. Usava apenas uma camiseta larga e a coleira oculta sob o tecido. Trazia no olhar uma urgência muda, aquela mistura de gratidão e necessidade que só nasce quando se tem certeza de que algo vai acabar — mesmo que continue para sempre, por dentro.
— Tira — disse Antonio, com a voz calma, apontando para a camiseta.
Lucas obedeceu. Ficou nu, sem cerimônia. Não havia mais vergonha entre eles, apenas rituais.
Antonio levantou um dos pés e repousou no peito de Lucas.
— Vai. Do jeito certo. Pela última vez aqui.
Lucas caiu de joelhos.
Segurou aquele pé como se fosse algo sagrado. Começou com um beijo demorado nos dedos, um por um. Depois, com a língua, traçou cada linha da sola, com movimentos lentos, quase devocionais. O suor leve, o calor da pele, o cheiro — tudo era parte do que ele agora reconhecia como identidade.
Antonio soltou um suspiro grave e deixou os olhos se fecharem, entregando-se ao toque. Mas manteve o controle — como sempre.
— Usa a boca direito. Faz valer.
Lucas intensificou. Beijava, lambia, adorava. O segundo pé se juntou ao primeiro. Era um altar, e ele o sacerdote da entrega. O corpo inteiro de Lucas tremia, mas não de medo — era pura adoração.
A tensão entre os dois era quase visível no quarto, como vapor. O calor da pele de Antonio, o cheiro da noite, o som abafado das respirações e dos estalos da madeira velha. Tudo conspirava.
Depois de longos minutos de silêncio carnal, Antonio puxou Lucas pelo queixo.
— Agora vem aqui — disse, com a voz mais baixa. — Dorme comigo. Mas dorme no meu peito. Como o que você é.
Lucas subiu lentamente, ainda ofegante, e deitou com a cabeça encostada no ombro de Antonio. O corpo colado ao do primo, pele contra pele. A coleira, quente, marcava o limite entre liberdade e devoção.
— Isso aqui é nosso, entende? — murmurou Antonio. — Mesmo quando acabar.
— Nunca vai acabar — respondeu Lucas. — Eu sou seu.
E então dormiram assim: entrelaçados, silenciosos, marcados.
Na manhã seguinte, as malas estavam prontas. A avó falava alto, empolgada com a partida. O ônibus já esperava na praça.
A despedida foi breve. Um abraço rápido, um sorriso forçado.
Mas, dentro da mochila de Lucas, havia mais do que roupas. Havia a coleira. O pingente. A marca. E o gosto daquela última noite ainda grudado na boca.
Antonio apenas observou, de longe. Um aceno discreto. Um olhar que dizia:
Você ainda é meu. E sempre será.
Lucas entrou no ônibus sem olhar para trás.
Mas por dentro, ainda ajoelhado.
E satisfeito.
FIM