Segredos do Coração - Superando o Passado. Parte 31.

Um conto erótico de Ménage Literário
Categoria: Heterossexual
Contém 9219 palavras
Data: 14/06/2025 13:14:01

Ela se aproximou devagar, como se temesse confirmar o óbvio. E então, veio a voz. Aquela voz inconfundível. Reconfortante. Familiar. Que fazia seu coração disparar, pular uma batida.

— Diego? — Chamou a voz do fundo da casa. — Já voltou? Tô aqui nos fundos.

Mari congelou. E o mundo, naquele instante, pareceu dar meia-volta dentro dela.

Caminhou com passos pesados, a perna se movendo sozinha em direção a voz.

— Aqui nos fundos, moleque. Vem cá me ajudar. Tô montando nossas varas, dando uma geral.

Mari atravessou a sala, a cozinha e saiu para o quintal dos fundos. Era mesmo ele. A surpresa no olhar dos dois era quase alegria.

Feliz, mas confuso, Celo falou primeiro.

— Acho que fomos enganados …

Mari, com um pequeno sorriso surgindo nos lábios, respondeu:

— Aqueles dois … — Era impossível conter o sorriso que se formava na boca.

Continuando:

Parte 31: “ Ter Um Sonho Todo Azul, Azul Da Cor Do Mar”.

O silêncio que se formou entre eles era quase visível . Não era desconfortável ... era denso. Carregado de memórias, de mágoas, de saudade. Carregado de tudo que nunca foi dito, de tudo que ficou atravessado no peito dos dois.

Por alguns segundos, nenhum dos dois se moveu. Apenas se olharam. Naquele olhar estava vinte anos de vida. De amor. De erros. De acertos. E de feridas abertas.

Celo respirou fundo. Deu um passo à frente, tentando encontrar palavras.

— Mari, eu ...

Ela levantou a mão, interrompendo antes que ele terminasse. A voz saiu mais baixa, mais firme do que ele imaginava.

— Me responde uma coisa, Celo … você tá feliz? — Ela manteve o olhar no dele. — Encontrou o que você precisava ... depois que saiu de casa?

A pergunta veio como uma facada precisa. Direta. Sem rodeios. Celo sentiu o peito apertar. Aquilo o desarmou por completo. Por um instante, pensou em jogar uma desculpa qualquer, algo que amenizasse o impacto ... mas aquele homem que fugia, que se escondia, que se acovardava atrás do orgulho … não cabia mais ali. Não cabia mais nele.

Ele respirou fundo e criou coragem. Com um sorriso triste de quem se enxerga, finalmente, sem máscara.

— Sabe, Mari … — A voz saiu grave, mais rouca que o normal. — Por um tempo ... eu até achei que era possível. Achei que era aquilo que eu queria. Que eu precisava … me reencontrar, viver, experimentar o que eu achava que a vida estava me devendo. — Ele deu dois passos, parando de frente para ela, olhando nos olhos. — Mas sabe o que eu descobri? Que a realidade é uma senhora cruel. Que a fantasia é bonita ... só na nossa cabeça. — Ele deu uma risada amarga. — E que a vida ... Mari, a vida não espera a gente aprender. Ela simplesmente … nos atropela.

Ele se virou para o mar, respirando fundo, abrindo o coração, antes de continuar.

— Tudo aquilo que eu achava que ia me preencher ... que ia me curar, que ia me fazer entender quem eu era … — Ele balançou a cabeça. — … Nada disso serviu. Nada! Só me fez perceber o quanto eu fui idiota. O quanto eu fugi. O quanto eu me acovardei.

Celo fechou os olhos por um segundo, segurando a própria emoção.

— Fugi de mim ... de você ... da nossa história. Fugi porque era mais fácil culpar qualquer coisa ... do que encarar que talvez o problema estava aqui. — Ele levou a mão ao peito, batendo de leve. — Dentro de mim.

Mari apertou os lábios. Queria falar. Tinha mil coisas atravessadas. Mas deixou ele continuar.

— E sabe ... só depois que a gente se arrebenta, que quebra a cara, que percebe ... que o que tem valor de verdade, o que é real, o que importa ... — Ele respirou fundo, desviando o olhar do mar que brilhava lá no fundo, além da cerca do quintal, se voltando para Mari — … é o que a gente construiu. É quem tava do nosso lado. É quem segurou a nossa mão ... até quando a gente não merecia.

O olhar dele voltou para o dela. Um olhar carregado de sinceridade. Sem máscaras. Sem escudos.

— Eu achei que precisava encontrar respostas lá fora, Mari ... — Ele sorriu desanimado, triste. — … e eu até encontrei algumas respostas, mas também encontrei outras perguntas. E agora ... agora eu não sei nem se tenho direito de te dizer isso. Mas ... eu precisava que você soubesse.

O peito de Mari subia e descia com força, a respiração pesada. Ela lutava contra as lágrimas. A voz, quando saiu, veio baixa. Quase um sussurro.

— E você ... percebeu isso quando, Celo?

Ele não hesitou.

— Quando eu percebi? Isso não é relevante. Tudo o que eu queria … era estar exatamente aqui. No lugar de onde eu nunca devia ter saído.

Mari estava surpresa. Antes, queria tanto ouvir aquelas palavras. Ela andava de um lado para o outro, apertando as próprias mãos, como se tentasse esmagar a raiva, a dor, a confusão ... tudo junto. Ela não sabia se gritava, se chorava, se explodia ... ou se simplesmente fugia dali.

Celo acompanhava aquele movimento em silêncio. Sabia que qualquer palavra, naquele instante, poderia ser gasolina no fogo. Aprendeu, da pior forma que, às vezes, dar espaço, diferente de fugir, era mais sábio do que tentar consertar tudo de imediato.

Ele respirou fundo, coçando a barba, e quebrou o silêncio com aquela voz calma, que ela conhecia tão bem.

— Sei que tá calor … — Disse, olhando pra ela, sem forçar o olhar. — Mas … aceita um café?

Mari parou. O encarou, meio incrédula, meio desconcertada. Até soltou uma risada curta, amarga, quase irônica.

— Você … — Ela balançou a cabeça. — Até nessa hora, né? Você sempre pensa melhor com uma xícara de café na mão … — Mari cruzou os braços, olhando para o chão, depois pra ele. — Mas a Dani foi no mercado. Não tem nada aqui, Celo.

Ele abriu aquele sorrisinho pequeno, meio malandro, meio cúmplice. O mesmo sorriso que tinha o poder de desarmá-la.

— Eu trouxe a cafeteira de cápsulas que você me deu, lembra? — Celo respondeu, já se abaixando para abrir a mochila. — Não viajo sem ela. É pequena e cabe direitinho em qualquer mala.

De dentro da mochila, puxou a pequena cafeteira, toda preta com detalhes cromados e uma sacola cheia de cápsulas organizadas como se fossem pequenos tesouros. Ele levantou o olhar para ela, com aquele tom caloroso que parecia um abraço silencioso.

— Capuccino de avelã, né? — Celo sorriu. — Sempre foi o seu preferido.

Mari não respondeu de imediato. Apenas ficou olhando pra ele, segurando aquele sorriso que tentava, em vão, não se formar. A muralha dela trincou, mas não caiu. Ela respirou fundo, desviou o olhar e soltou:

— Poder ser.

Celo se levantou, ajeitou a cafeteira na mesinha de plástico e plugou na tomada da varanda, começando a preparar os cafés, do jeito que ela sempre gostou. Enquanto a máquina fazia aquele barulho reconfortante, uma mistura de água e vapor, Mari o observava em silêncio. Era inevitável. O jeito dele, os gestos automáticos, a forma como ele separava a cápsula certa, como batia levemente na mesa pra encaixar melhor ... tudo aquilo era tão ... ele.

Ele puxou uma das cadeira de plástico que estava encostada no canto da varanda, limpou com a mão e colocou perto da mesinha improvisada.

— Senta, Mari. — Pediu, de forma calma, sem impor. — Vamos ... sei lá. Vamos tomar esse café.

Ela olhou para ele, depois para o mar a frente, respirou fundo e, sem dizer nada, se sentou. Celo entregou o capuccino para ela e preparou com um café forte para si.

Os dois ficaram ali, olhando o mar. Sem dizer nenhuma palavra por alguns minutos. Só o som das ondas, do vento, da cafeteira desligando ... e dos próprios pensamentos gritando dentro da cabeça de cada um.

Eles sabiam que aquele café não era só um “café”. Era uma pausa antes do próximo round. E, de certa forma, um símbolo de que ... talvez, ainda existisse um jeito.

Celo segurou a xícara entre as mãos, girando devagar, olhando o café como se tentasse encontrar ali as palavras certas. Mas elas não vinham fáceis. Nunca vieram. Respirou fundo e falou:

— Você disse … — A voz saiu mais baixa que o normal, entrecortada. Ele pigarreou, ajeitou-se na cadeira e olhou direto nos olhos dela. — Você disse que me viu com a Cora …

Ele fez uma pausa, apertou os olhos, quase sorrindo, mas aquele sorriso desconfortável, de quem tá incomodado com a própria ironia.

— Quer dizer então … — Apontou com a mão, meio perdido no gesto — ... que você … foi atrás de mim?

Mari apertou a xícara com força. O olhar mudo. Veio uma mistura de surpresa, vergonha e raiva.

— Acha mesmo que eu te segui, Celo? — Mari rebateu na hora, jogando o corpo para a frente, a voz mais aguda. — Mais uma vez, Celo ... mais uma vez, eu fui tentar. Fui entender. Fui, quem sabe, achar alguma explicação para tudo o que aconteceu. Eu queria …

Mari soltou uma risada amarga, nervosa, irritada consigo mesma.

— … E mais uma vez … — Ela respirou fundo, olhando para o horizonte, para não chorar — … você só me provou que seguiu em frente. E, pelo jeito, sem nem olhar pra trás.

Celo respirou fundo também, largou a xícara na mesinha com mais força do que pretendia. O barulho ecoou na varanda. E então, soltou um riso. Alto, mas nervoso, meio sem acreditar no que estava ouvindo.

— Você pode até não acreditar. Mas eu também fiquei surpreso, Mari. Eu juro. Eu fiquei tão surpreso quanto você. Não entendi porque ela apareceu lá. Como ela sabia …

Ela não respondeu. Só cruzou os braços, encarando ele com aquele olhar que, por anos, ele conheceu tão bem. Aquele olhar que sabia exatamente quando ela estava magoada ... e disfarçando.

Celo respirou fundo de novo.

— Depois que eu fiz a minha apresentação … — Ele ajeitou o corpo na cadeira, encarando o chão, como se isso aliviasse a vergonha que ainda sentia — … quando desci do palco, ela praticamente me emboscou. Apareceu do nada, se insinuando, sorrindo ... aquele sorriso que hoje eu sei que não tem nada de sincero.

Celo levantou o olhar, encarando Mari.

— E ela me mostrou fotos, Mari …

— Fotos? — Mari arregalou os olhos. — Que tipo de fotos, Celo? Como …

Ele levantou as mãos, como se tentasse acalmar o fogo que acabava de acender.

— Como, eu não sei, mas não … não era nada explícito, se é isso que você pensou. — Ele sorriu, fazendo questão de frisar cada palavra. — Eram só ... vocês dois. Você e aquele cara. O tal Jonas.

Mari ficou muda. O nome bateu no peito dela como um soco. Celo continuou:

— Fotos de você e ele num café … — Ele suspirou — … passeando no parque. — outro suspiro. — … almoçando. Jantando. Sorrindo. De mãos dadas ...

Ele apertou os olhos, quase como se ainda doesse lembrar.

— E olha, Mari … eu não vou mentir. E mesmo que eu não tenha o direito de me sentir assim, aquilo me abalou. Machucou muito.

Ela apertou a boca, segurando as palavras, tentando não explodir. Mas não conseguiu.

— Celo, você … — Mari começou, querendo justificar, mas ele levantou a mão, interrompendo.

— Não, Mari. — balançou a cabeça. — Não. Você não me deve nada. E eu sei disso. Eu que fui embora. Eu que destruí tudo. Eu que gerei essa situação toda.

Ele apoiou os cotovelos nos joelhos, olhando para o chão.

— E sobre a Cora ... — Celo balançou a cabeça em sinal de negativo, com raiva de si mesmo. — No início ... sei lá. Por um segundo ... — Ele franziu a testa, apertou os olhos — … por um segundo, eu quase entrei na dela.

Celo levantou o olhar, mirando Mari.

— Mas eu caí na real. E rápido. Eu a empurrei, disse pra ficar longe de mim. Que aquilo não era certo. Que eu não ia ... — Celo apertou o maxilar, segurando o peso das palavras — … eu não ia me afundar mais do que já estava.

O silêncio voltou. Só o som do mar quebrando lá na frente. Mari apertava a xícara, encarando o líquido como se buscasse respostas. Celo respirou, mais calmo, olhando pra ela, tentando entender o que se passava naquela cabeça.

— É, Mari … — Ele abaixou a cabeça, triste. — Parece que somos dois idiotas ... tentando juntar cacos de um vaso que a gente mesmo quebrou.

Ela não respondeu. Só abaixou a cabeça também. O nó na garganta apertando.

Mari apertou a xícara com tanta força que chegou a tremer. O silêncio parecia sufocá-la. Até que ela largou tudo. Levantou de súbito, cruzando os braços, com os olhos marejando, mas segurando, ainda, as lágrimas.

— Você ... — Ela apontou para ele, a voz já falhando, trêmula — … você não faz ideia do que fez comigo, Celo.

Ele ergueu o olhar, meio surpreso, meio constrangido.

— Você não faz ideia do que foi acordar um dia achando que ... que as coisas ... — Ela gaguejou, respirando fundo, batendo no peito, tentando se segurar — … achando que a gente tava se reencontrando.

Mari fechou os olhos, apertando os punhos.

— A gente tava tentando, Celo! — Sua voz subiu, mais aguda, mais carregada de dor. — A gente tava indo à terapia, a gente ... a gente ria, a gente conversava ... Eu ... eu achei que a gente tava encontrando um caminho, que ... que ainda dava pra consertar.

Mari se virou para ele, os olhos marejados, mas ainda firme.

— E do nada ... DO NADA! — Gritou, batendo a mão na própria perna, como se quisesse jogar pra fora aquela dor — Você diz que precisa ir embora. Que precisa de espaço. Que ... — Ela respirou forte, apertando as mãos — que precisava ficar longe de mim.

Celo abaixou a cabeça, fechando os olhos, respirando pesado, como se cada palavra dela batesse nele como uma martelada.

— Você me destruiu, Celo. — A voz dela quebrou, falhou, mas ela se manteve de pé, dura. — Você simplesmente ... foi. Sumiu. Desapareceu da minha vida como se ... — Ela piscou forte, segurando o choro — … como se eu não significasse nada para você.

Mari deu um passo para trás, cruzou os braços, apertando-os contra o peito, como quem tenta se proteger de um soco invisível.

— E sabe como eu sabia que você estava vivo? — Ela riu, mas foi um riso amargo, pesado, quase cruel. — Pelos nossos filhos, Celo. Pelo Diego e pela Dani. Porque você ... você ... — Ela apontou para ele, a mão trêmula — … não teve nem a decência de fazer uma ligação. Só uma. Era pedir demais?

Mari soltou o ar com força, andando de novo de um lado pro outro, nervosa, agitada, passando a mão no cabelo, no rosto, no pescoço, como quem tentava encontrar ar para respirar.

— E depois … depois vieram as fofocas. As malditas fofocas.

Mari virou-se pra ele de novo, os olhos faiscando.

— A Cora ... — cuspiu o nome como se queimasse na boca — ... fazia questão de me manter "informada". Fazia questão de me contar, com todos os detalhes, que você estava ... — Ela riu, debochada. — … vivendo a vida. Que você estava ... curtindo. Que era uma mulher diferente por noite. Que você estava feliz, Celo.

Mari suspirou. Um suspiro longo, pesado. Fechou os olhos, mordeu o lábio inferior, tentando não desabar.

— E eu aqui. — Ela bateu no próprio peito. — Tentando entender o que diabos aconteceu. Tentando juntar os pedaços do que sobrou da gente. De mim.

Mari abriu os braços, como quem tenta afastar a dor.

— Você não imagina o que é acordar todo dia ... olhando pro lado da cama ... — A voz falhou de novo — … e ele estar vazio. E saber que não foi a vida ... não foi um acidente ... não foi o destino que levou você de mim. Foi você que quis ir embora, Celo.

Ela encarou ele, olhos marejados, rosto vermelho, respiração pesada.

— Você escolheu ir. E me deixou sozinha. Perdida.

Mari desabou na cadeira, o pranto tomando conta dela, incapaz de ser contido. O silêncio caiu pesado, cortado pelo som dos soluços e do mar ao fundo.

Celo ficou sem reação. Paralisado. Porque, finalmente, ele estava ouvindo, na lata, tudo o que ela guardou aquele tempo inteiro. E aquilo doía. E muito. Mas também, era como um despertador. Ele precisava ouvir toda a verdade, nua e crua, mesmo que, lá no fundo, não fosse nenhuma surpresa.

Celo apertou os punhos, respirou fundo, mas não adiantou. A raiva subiu. O peito arfava, os dentes cerrados, e, de repente, ele deu um soco forte na parede da varanda — PÁ! — o som seco do impacto fez Mari até se assustar.

— Eu nunca vou me perdoar! — Celo rugiu, com a voz carregada, descontrolada, as veias do pescoço saltando. — Nunca, Mari!

Ela arregalou os olhos, surpresa, quase assustada, engolindo o choro.

— Você acha que eu não sofri? — Ele gritou, apontando pra si, com os olhos marejando, vermelhos. — Você acha que eu não me culpei? Que eu não me destruí todos os dias depois que fui embora?

Foi a vez dele. Celo começou a andar de um lado pro outro, como uma fera enjaulada, puxando os cabelos, cerrando os dentes, respirando pesado.

— Eu ... — Ele parou, respirando com dificuldade — … eu só entendi ... — Bateu no próprio peito — … eu só entendi o tamanho da merda que eu fiz, quando eu soube do que aquele desgraçado te fez no passado.

Ele olhou pra ela, olhos cheios de lágrimas, mas transbordando raiva.

— Eu te joguei de volta naquilo, Mari. EU FIZ ISSO COM VOCÊ! — Berrou, socando a parede de novo, com tanta força que a mão ficou vermelha. — Com esse meu desejo idiota ... com essa minha necessidade imbecil!

Celo puxou o ar, trêmulo, descontrolado.

— Eu achei que tava te libertando ... — A voz tremeu, ficou rouca, quase quebrada — … quando, na verdade, eu te empurrei de volta pro inferno.

Ele olhou ela, desesperado, sem conseguir se conter.

— E quer saber? — Apontou para ela, quase sem força, os olhos marejados — Você tinha todo o direito de fazer o que fez com o Paul. Todo. Eu mereci! Eu merecia te perder. Eu merecia ficar somente com o sentimento … sentimento, não, somente a constatação da minha insuficiência. Porque fui eu quem te colocou de volta nessa merda. Fui eu quem abri a porta. Quem destruiu tudo.

Celo tremia. O corpo inteiro vibrava, uma mistura de raiva, culpa, dor, desespero. Ela tentou interromper, dizer que ele nunca tinha sido insuficiente para ela, mas ele não deixou:

— E você acha que eu ... que eu tava feliz? — Ele riu, um riso amargo, debochado, quase insano. — Eu estava destruído, Mari. Destruído! Você não tem ideia do que era acordar e perceber que eu destruí a única coisa que fazia sentido na minha vida. A minha família. Tudo o que você ficou sabendo pelas “fofocas”, não era felicidade, era fuga. Fuga da minha vergonha. Fuga da minha fraqueza.

Celo baixou a cabeça novamente, fechou os olhos com força, levou as mãos ao rosto.

— Eu me odeio. Eu me odeio todos os dias. Porque eu ... — Ele respirou fundo, engolindo em seco — … porque eu te amei. Eu te amo, Mari. E eu ... — Balançou a cabeça, apertando as têmporas — … eu só percebi o tamanho do meu amor por você quando te perdi.

Mari, que até então estava paralisada, tremendo, com os olhos arregalados, não aguentou mais. As lágrimas transbordaram outra vez. Ela deu dois passos para a frente, sem pensar e, simplesmente o abraçou. Forte. Apertado. Como se quisesse segurar aquele homem em pedaços, antes que ele desmoronasse de vez.

— NÃO! — Ela gritou, segurando ele pela nuca, apertando o rosto dele contra seu ombro. — Não, Celo ... NÃO! Você tá errado ... você tá tão errado... você nunca esteve tão errado, na vida …

Ele, trêmulo, não sabia se chorava, se a empurrava, se a segurava. Mas, naquele instante, cedeu. Soltou tudo. Se deixou afundar naquele abraço, com o peito arfando, os olhos marejando, as mãos apertando as costas dela com força, como se não quisesse soltar nunca mais.

Mari apertou ele mais forte, a voz falhando.

— Não foi culpa sua ... não foi, Celo. — Ela chorava. — A gente errou, sim ... os dois. Eu mais do que você. Mas você não me jogou em lugar nenhum. Você não me fez voltar para nada. Eu escolhi. Também me perdi ... também tentei fugir ...

O som do mar parecia sumir. Era só o som da respiração descompassada dos dois, do choro preso na garganta, do abraço apertado de quem não sabe mais se briga, se foge, ou se só se rende.

Naquele abraço, eles perceberam: talvez ... só talvez ... ainda existisse salvação.

Ainda abraçada a ele, Mari apertou um pouco mais, segurando a nuca de Celo, como quem segura um pedaço da própria vida. Respirou fundo, tremendo, e então o afastou devagar, segurando o rosto dele com as duas mãos.

— Celo ... — A voz dela era um sussurro rouco, atrapalhada pelo choro. — … você não tem culpa. Você nunca teve.

Ele a olhou, surpreso, perdido, sem saber se acreditava ou não.

— Por vinte anos ... — Continuou ela, com a voz embargada — … eu te mantive preso. Refém de um casamento frustrante. Emocional e sexualmente frustrante. Sem perspectiva.

Celo tentou negar, balançando a cabeça, mas ela colocou um dedo sobre os lábios dele, pedindo silêncio.

— É a verdade ... — os olhos dela ainda lacrimejavam, mas agora sem fugir, sem se esconder. — Eu ... eu te amarrei numa prisão invisível, Celo. E tudo por causa dos meus traumas.

Ela respirou fundo, olhou pro mar a frente, apertou os olhos como quem busca coragem nas ondas que quebravam.

— Durante muito tempo, eu achei … ou melhor, eu acreditei que o problema era aquele mundo — Ela apertou as mãos, nervosa — ... aquele universo paralelo, de sexo, de desejo, de troca ...

Ela olhou fundo nos olhos dele de novo.

— Mas não era. Nunca foi. O problema era com quem eu vivi aquilo.

As mãos dela tremeram quando seguraram o rosto de Celo outra vez..

— Aquele desgraçado ... aquele maldito ... — A voz falhou, quase um soluço — … ele nunca me amou. Eu era só um brinquedo. Uma moeda. Um objeto pra ele usar, oferecer, trocar. Me colocava em situações que hoje eu nem sei como sobrevivi. E tudo para que ele tivesse vantagens. Negócios. Status.

As lágrimas escorreram, mas ela não desviou o olhar.

— Quando eu te contei a verdade, no consultório da Luciana, quando aceitei descrever aquilo tudo de novo ... — Ela respirou fundo, tremendo — … eu jurei pra mim mesma que ia ser diferente. Porque com você ... eu confiei. De verdade. Pela primeira vez na vida, eu acreditei que dava pra viver aquilo de forma limpa. Saudável. Sem dor. Sem vergonha. Sem abuso.

A mão dela desceu, apertou o peito dele.

— Eu não voltei para aquele mundo por causa do desejo. Eu voltei porque eu te amava. E eu acreditei ... eu juro, Celo ... eu acreditei que o nosso amor era forte o bastante para transformar tudo aquilo em algo bom.

Celo chorava em silêncio, sem conseguir reagir, sem saber se respirava, se falava, se só ouvia.

— O problema nunca foi o estilo de vida. Nunca. — A voz dela agora vinha mais firme, mais segura. — O problema sempre foi com quem você escolhe viver isso.

Ela apertou as mãos nos braços dele.

— E eu te escolhi, Celo. Escolhi porque confiava em você como nunca confiei em outro alguém. Porque era você.

Mari respirou fundo, buscando o ar e a coragem para continuar. Ela fechou os olhos, e quando abriu, a voz veio mais baixa, dolorida:

— E se existe algum culpado, sou eu. Porque fui eu quem quebrou as regras. Fui eu quem cruzou a linha. Eu quem descumpriu tudo o que a gente combinou. Eu quem fiz a escolha errada. E o pior, eu só fui me dar conta do que EU tinha feito, durante a terapia, quando você contou o que aconteceu com você, na juventude. Se eu soubesse, talvez tivesse feito outras escolhas.

Ela baixou a cabeça, apertando as mãos.

— Se você errou ... — A voz dela quase falhou — … foi só depois. Quando você sumiu. Quando me deixou ali ... cheia de esperança, achando que a gente ia se ajeitar. Que íamos superar. Mas você ... você virou as costas. E foi embora. Sem olhar pra trás.

Ela levantou o olhar, os olhos marejados novamente, e completou, com a voz trêmula, mas cheia de verdade:

— E isso, Celo ... foi a pior dor de todas.

O silêncio que se fez depois parecia mais pesado que o próprio mar. Só se ouvia a respiração descompassada dos dois e o som distante das ondas quebrando, como, se até o oceano soubesse que aquele momento era sagrado.

Celo pensava diferente, mas estava comovido pela honestidade brutal, por ver Mari aceitando a própria responsabilidade. A respiração dele acelerava, quase ofegante, como quem luta contra o próprio peito.

— Não! Não, Mari ... — Ele apertou os olhos, como quem tenta acordar de um pesadelo — Você pode falar o que quiser, pode me inocentar, pode tentar aliviar. Mas não. Eu sou o causador disso. Eu. Mesmo sem saber, eu joguei a gente nesse abismo.

Mari cruzou os braços, firme. Trêmula, sim, mas não disposta a baixar a guarda.

— Não. Você não é o causador. — Ela sentiu as lágrimas ameaçarem desabar, mas segurou — Tudo isso começa lá atrás, Celo. Começa naquela bendita despedida de solteira da Fabi.

Ele parou, encarando ela, confuso.

— Você ... — Mari respirou fundo — … você não trouxe isso pra casa, Celo. Quem trouxe fui eu. Eu! Sem saber, sem imaginar, sem nem sonhar que você tinha ... que você carregava esse desejo dentro de você. Eu cheguei em casa e comecei aquela conversa. Eu que contei o que aconteceu, eu que desencadeei tudo.

Celo respirou fundo, passou as mãos no rosto, como quem tenta se acalmar, mas a voz dele veio carregada, rouca, pesada:

— E sabe por que eu entrei naquela conversa, Mari? — ele apertou o maxilar, olhando nos olhos dela, como se aquilo fosse mais difícil que qualquer coisa na vida. Precisava ser honesto. — Porque ... porque lá no fundo, era um desejo egoísta.

Celo sentiu a pressão da própria confissão. Se sentia murchando.

— Depois de vinte anos, Mari, eu já não acreditava mais que você pudesse mudar. Que a gente pudesse ... sei lá, se reencontrar em relação a vida sexual. Eu já tinha aceitado que você era daquele jeito mesmo.

Celo apontou para ela, sem raiva, mas com a dor de quem carrega um fardo enorme.

— Você era fechada, travada, fria. Sempre colocando limites, sempre impondo barreiras. Eu achava que era eu o errado. Afinal, quem era eu pra questionar ... uma psicanalista?

A voz falhou, embargou. Ele passou a mão no rosto de novo, enxugando lágrimas que não conseguiu segurar.

— Como eu poderia ir contra você, Mari? Você sempre jogava na minha cara ... seus livros, seus estudos, sua formação. Sempre me fazendo acreditar que eu era louco por querer mais, que eu era errado por exigir mais …

O peito apertou, Celo tentava conter a dor que vinha com a lembrança.

— E sabe ... quando tudo começou a fazer sentido? — A voz dele ficou mais baixa, mais pesada — Quando eu descobri o que você viveu com aquele desgraçado. Quando eu soube ... o que aquele maldito te fez passar.

Ele bateu na mesa com força, fazendo as xícaras balançarem.

— Foi aí, só aí, que eu percebi. Que você nunca foi fria, nunca foi puritana, nunca foi ... travada. Você foi quebrada. Você foi despedaçada, Mari. E eu ... cego. — A mão tremia quando ele passou no rosto — Eu não vi. Eu não vi por vinte anos.

Mari tremia, apertando os braços contra o peito, os olhos cheios, a boca trêmula.

— Celo ... — Ela tentou falar, mas ele levantou a mão, pedindo mais um segundo, mais uma chance de colocar aquilo para fora.

— Eu deveria ... — ele travou, quase engasgando nas próprias palavras — … eu deveria ter insistido. Eu deveria ter percebido que aquele seu jeito ... não era você. Era defesa. Era trauma. Mas eu ... eu aceitei.

Não tinha mais jeito, precisava colocar tudo para fora. Então, continuou:

— Porque você sempre jogava o "eu sou psicanalista" na minha cara. E eu? Eu não era nada. Eu só abaixava a cabeça. Só aceitava. Só me calava.

Ele respirou fundo mais uma vez, a tensão muscular cedendo.

— Eu aceitei, não por ser fraco. Mas por te amar. Porque eu achava que era melhor te ter daquele jeito, do que não te ter de jeito nenhum. — A voz dele quebrou. As lágrimas escorreram.

Mari segurou a vontade de correr, de abraçar, de chutar, de gritar … precisava dizer alguma coisa.

— Me perdoa, Celo. — A voz dela saiu rouca, falhada, cheia de dor — Eu usei isso como um escudo. Eu me escondi atrás da minha profissão, dos meus argumentos, das minhas análises … da minha vergonha. Porque ... era mais fácil. Mais fácil do que olhar pra mim mesma. Mais fácil do que encarar a verdade.

Ela passou a mão nos olhos, enxugando as lágrimas.

— Eu tive medo. — Confessou, olhando nos olhos dele — Muito medo. Medo de encarar os meus próprios fantasmas. Medo de me despir, não só do corpo, mas da alma. E sabe ... — Ela buscou as mãos dele. — … sabe o que é mais fácil pra uma mulher cheia de traumas como eu? Fingir que não sente. Fingir que não quer. Fingir que não precisa.

Mari deu um passo na direção dele, colando os corpos, com a voz mais baixa, mas firme.

— Era mais fácil ... me esconder atrás da psicanálise. Atrás dos livros. Atrás do discurso bonito. Era mais fácil... do que admitir que eu estava quebrada. Que eu nunca consegui juntar todos os pedaços.

O silêncio que veio depois parecia mais pesado que qualquer grito. Eles se olharam. Dois cacos de gente. Duas metades partidas. Duas almas que, mesmo rasgadas, ainda sabiam exatamente onde moravam: uma dentro da outra.

Celo apertou as mãos dela, acariciando levemente.

— Você me perguntou se eu tô feliz, Mari … — A voz dele veio pesada, rouca, carregada de amargura — … a verdade é que, depois de ouvir o Diego falar que você tá namorando ... que outro homem entrou na sua vida ... que tem alguém te fazendo sorrir...

Ele não conseguiu terminar. A garganta travou. As palavras ficaram presas, doídas, pesadas. Mas nem teve tempo de concluir. Mari levantou a mão, atropelando tudo, como um caminhão desgovernado, com os olhos marejados e a boca trêmula.

— Não! — ela interrompeu, tão rápido que até Celo se assustou — Não, Celo! Não faz isso! Não vem me jogar isso na cara! Você não ... você não tem esse direito!

Ela apertou o peito com uma das mãos, como se tentasse conter um coração prestes a se despedaçar.

— Aquilo ... — Ela respirou fundo, engolindo seco — … aquilo foi impulso. Foi dor. Foi revolta. Foi ... — Mari passou as mãos nervosamente no cabelo — … foi desespero. Eu te vi com a Cora, Celo! Você nem imagina o que foi aquilo pra mim!

Os olhos estavam cheio de lágrimas, mas também de fúria.

— E não foi só ela. Teve aquela mulher no bar ... — A voz travou, mas ela continuou, engolindo o choro — … sim, eu sei que a Dani te contou. E sabe-se lá quantas mais passaram pela sua cama nesses meses.

Celo abaixou a cabeça, fechou os olhos, apertou os punhos, como quem leva um soco no estômago. Não tentou negar. Não tentou se defender. Porque, no fundo ... sabia que não era mentira.

Mari se acalmou, os olhos queimando, a boca trêmula.

— E sabe ... — A voz saiu mais baixa, mais amargurada, como quem entrega uma confissão arrancada da alma — … sabe por que eu o chamei do “namorado”, o trouxe para apresentar aos nossos filhos?

Ela encarou o ainda marido. Já que tinha começado a falar, precisava ir até o final.

— Porque eu só queria saber se você ainda se importava. — A voz quebrou de vez, e uma lágrima grossa escorreu pelo rosto — Eu ... só queria fazer você sentir, nem que fosse um décimo do que eu senti, quando soube que você estava com outra. Quando vi aquela cena. Você e ela no bar. Você sorrindo para ela. Você ... olhando para ela... como não olhava mais para mim. Saindo de mãos dadas …

As palavras vinham do coração, do lado negro, do que praticamente necrosou nos último nos meses.

— E depois, teve a Cora … de novo a mesma cena: um bar, você com outra mulher.

A mão dela tremia, apertando o peito, como se tentasse segurar o próprio coração para não despedaçar de vez.

— Foi mesquinho. Foi cruel. Eu sei. — A voz saiu fraca, mas sincera, cortante — Eu usei outro homem, Celo. E pra quê? Pra te atingir. Para ... para te machucar. Para te provocar. Para te arrancar dessa sua bolha fria, desse seu silêncio que me matava um pouco mais a cada dia. Para fazer você olhar novamente para mim.

Ela respirou fundo, encarando ele com os olhos marejados, mas firmes.

— Mas a verdade... — A voz dela tremeu — … a verdade é que não adiantou. Porque, mesmo tentando, mesmo querendo acreditar que aquilo era sobre mim, no fim, ainda era sobre você.

Ela abaixou a cabeça, mordendo os lábios, segurando o choro.

— Eu só queria ... — Olhou para ele de novo, com uma dor tão exposta que quase era física — … eu só queria saber se, em algum lugar aí dentro, você ainda me amava, Celo. Se você ainda sentia, nem que só um pouco, a falta que você faz para mim.

O silêncio que veio depois parecia ensurdecedor. Apenas o som das ondas, quebrando lá no fundo, e das respirações ofegantes dos dois, perdidos no meio dos próprios destroços.

Celo não respondeu. Nem precisava. Em vez de palavras, ele deixou que o corpo falasse. Avançou, segurou Mari pela nuca com uma das mãos e pela cintura com a outra e a puxou pra si com tanta força que parecia querer colar os dois, para nunca mais se soltarem.

O beijo aconteceu. Explosivo, avassalador. Forte, intenso. Urgente. Cheio de raiva, de saudade, de amor não resolvido, de desejo guardado por meses. Era beijo de quem se perdeu. De quem se machucou. Mas, acima de tudo, de quem nunca deixou de se amar.

Mari não resistiu. Não havia espaço para resistência. Ela se entregou inteira. As mãos subiram, segurando o rosto dele, os dedos deslizando pelos cabelos. O corpo dela, que antes tremia de raiva, agora tremia de desejo, de alívio, de saudade.

O mundo desapareceu. Só existiam os dois. O gosto do outro, o cheiro, a pele, o toque. A ausência que doeu tanto, explodia em presença. Uma presença desesperada, faminta, viva.

O beijo parecia não ter fim. Mas, quando os lábios se separaram, os dois ainda estavam com as testas coladas, respirando ofegantes, olhos fechados, como se tivessem voltado de um mergulho profundo, quase sem ar.

Mari quebrou o clima primeiro, meio rindo, meio sem saber se ria ou se chorava.

— Você sabe ... que eu tenho um namorado, né? — a voz saiu divertida, trêmula, mas carregada de provocação, daquele humor que só quem se conhece há décadas sabe usar.

Celo abriu um sorriso torto, aquele meio cínico, meio apaixonado, que ela conhecia tão bem.

— Tecnicamente ... — Ele passou o polegar pela boca dela, como se quisesse gravar aquele momento na pele — … eu ainda sou seu marido. Então acho que tenho prioridade na fila.

Eles se olharam. E, por alguns segundos, aquele olhar dizia tudo o que palavras jamais dariam conta. Se abraçaram. Forte. Apertado. Como quem tenta costurar, com aquele abraço, todos os pedaços que ficaram pelo caminho.

Mais um beijo aconteceu, inevitável. Mais calmo, mais doce, mas ainda carregado de promessas silenciosas. Até que, respirando fundo, Celo afrouxou o abraço, segurou o rosto dela entre as mãos e, olhando em seus olhos, disse:

— Acho que a gente precisa de uma trégua. E, principalmente, entender de onde veio essa ideia maluca. Tá bem na cara que isso foi armação daqueles dois.

Mari riu, mordeu os lábios e balançou a cabeça.

— É … nossos filhos. Eles puxaram a gente mais do que imaginam.

De mãos dadas, caminharam até a sala. Mari pegou o celular, abriu o contato da filha no aplicativo de mensagens, digitou e, sem pensar muito, apertou enviar:

“Vou dar vinte minutos pra vocês voltarem. Sei que está com seu irmão. Quero os dois aqui. Agora!”.

Celo, lendo por cima do ombro dela, brincou, rindo levemente:

— Eita … pegou pesado, hein? — Ele balançou a cabeça, divertido. — A intenção deles foi boa. E, sejamos sinceros … a gente precisava mesmo conversar. Eu fui covarde, você tava magoada … Se dependesse da gente, essa conversa ia demorar mais uns seis meses … fácil.

Mari virou de lado, cruzando os braços, e soltou, meio ofendida:

— Eu fui atrás de você! — Rebateu, séria. — E te encontrei nos braços da ... — Ela parou, respirou fundo. — … Deixa pra lá.

Celo não deixou passar.

— Eu te peço perdão quantas vezes forem necessárias. — Disse, firme, olhando nos olhos dela. — Mas eu te garanto, Mari … não aconteceu nada além daquele beijo forçado.

Mari respirou fundo novamente, se acalmando. Para ela, Celo era tudo, menos mentiroso.

— Eu acredito em você. — Respondeu, baixando a guarda, mais doce. — É que … escapou. Desculpa também. — Ela fez uma careta, rindo em seguida. — Imagina a Dani agora … roendo as unhas, surtando, se perguntando se a gente se matou ou se se acertou.

Mari voltou a encará-lo, agora mais séria, o tom mais maduro.

— E o que a gente vai fazer agora, Celo? — Perguntou, sincera. — Eu … eu ainda tô muito confusa. Essa conversa era necessária, sim. Mas foi exaustiva. E … — Ela baixou o olhar, receosa. — Eu preciso resolver as coisas com o … você sabe. Preciso ser honesta com ele. Me desculpar. Antes da gente tomar qualquer decisão sobre … sobre nós.

Celo ficou em silêncio por alguns segundos. Pensativo. No fundo, sabia que uma única conversa não apagaria as mágoas, desencontros e erros. Ainda tinha muita roupa suja pra lavar, muita coisa pra ser dita, cicatrizada … Mas também sabia que, além deles dois, existiam Diego e Daniela. E tudo o que aconteceu também feriu os dois.

Ele então ergueu o olhar, decidido.

— A casa tá aqui, alugada. — Ele abriu um sorriso honesto. — Minhas tralhas de pesca tão aí, o violão também … Por que a gente não fica? Curte esse fim de semana. Em família. Eles precisam disso, Mari. Precisam ver que, apesar de tudo, nem tudo está perdido. Que eu e você os amamos. Incondicionalmente.

Celo fez uma pausa e segurou as mãos dela com delicadeza.

— Se você topar … a gente dá esse tempo. Só isso. Sem pressão, sem cobranças. Só … ficar aqui. Relaxar, espairecer, curtir esse mar, essa paz, esse descanso. E deixar que o tempo mostre para onde a gente deve ir.

Mari concordou, relaxando a postura, se livrando da tensão. O som dos carros estacionando quebrou o silêncio da sala. Não tinha passado nem cinco minutos. Eles estavam por perto.

Celo e Mari se entreolharam, um sorriso malicioso se desenhando no rosto dela

— Vamos dar o troco? Eu vou começar a te xingar, brigar, e você faz o mesmo. — Mari sorriu diabólica. — Eles merecem.

— Bora. — Celo concordou, arqueando a sobrancelha, segurando o riso.

Mari segurou a vontade de rir, respirou fundo, cruzou os braços e respondeu no mesmo tom:

— Bora, então.

Assim que ouviram as portas dos carros batendo, Mari, com uma mão na cintura, começou a falar alto:

— Celo, chega! CHEGA! Eu não vou mais aceitar esse tipo de coisa! Você é um filho da puta, que não sabe o que quer.

Celo entrou no jogo na hora, elevando a voz, fingindo indignação:

— Ah, não! Quem não aceita mais isso sou eu! Cansei! Já deu! É sempre a mesma coisa! Você não pode me tratar assim.

Celo bateu as mãos, simulando um tapa estalado. Mari queria rir, mas manteve o personagem.

— Ai ... Você tá maluco? Quem é você para levantar a mão para mim?

Do lado de fora, Diego e Daniela praticamente se atropelaram para entrar na casa, correndo até a porta. Diego entrou primeiro, segurando o pai, o afastando da mãe. Dani, desesperada, se colocou entre os dois, de braços abertos.

— MÃE! PAI! — Ela gritou, com os olhos arregalados. — Pelo amor de Deus, não! O que vocês estão fazendo?

Diego, com a cara mais pálida que nunca, escaneava o rosto da mãe, procurando a marca da mão do pai.

— Calma, calma! Pelo amor de Deus, sem briga, gente!

Quando os dois estavam completamente desesperados, Mari e Celo caíram na gargalhada.

— Vingança! — Os dois disseram juntos, se dobrando de tanto rir.

Mari segurava o estômago, sem conseguir parar.

— Ahhh, mas vocês mereceram! — Ela apontou, quase chorando de rir. — Olha a cara de vocês, meu Deus! Isso não tem preço!

Dani se jogou no sofá, segurando o peito.

— Meu Deus do céu! Eu quase tive um infarto! — Ela apertava o peito com a mão espalmada, rindo, sentindo os batimentos cardíacos acelerados, tentando recuperar a dignidade. — Isso não se faz, mãe! Não se faz!

Diego balançou a cabeça, segurando o riso também, e se juntou aos pais.

— Tá … tá … — Ele levantou as mãos, se rendendo. — É justo. Eu assumo. A gente merece. Mas foi por uma boa causa, vai …

Só que, no reflexo, já se defendeu:

— Aliás, que fique bem claro: a ideia foi dela! — Ele apontou diretamente para a irmã. — Eu só concordei. E paguei pela casa.

— Seu canalha! — Daniela gritou, pulando do sofá e partindo para cima dele, dando tapas de brincadeira no ombro do irmão. — Vai jogar na minha conta, é? Você não vale nada, Di!

Diego tentava se proteger, rindo, enquanto Dani o socava de leve.

— Ai, ai! Para! Foi cinquenta por cento de culpa, tá? Cinquenta! — Ele se defendia, escapando dela.

Celo e Mari ainda gargalhavam

— Vocês são fogo … Mas, olha, a gente entendeu a mensagem. — Ele fez uma pausa, olhando para os filhos. — E vocês podem acreditar: vocês ajudaram mais do que imaginam.

Dani respirou fundo, cruzou os braços e, fingindo estar muito brava, respondeu:

— Tá. Mas nunca mais façam isso com meu coração. Eu tenho só vinte e poucos anos, não tô preparada pra esse tipo de susto.

Mari segurou o rosto da filha, sorrindo.

— Então não apronta, mocinha. — Ela piscou. — Porque aqui é dois contra dois. E agora vocês sabem como é, né?

Todos riram juntos, e, por alguns instantes, parecia que nenhuma dor, nenhuma mágoa, nenhuma cicatriz existia. Ali, só existiam quatro pessoas que se amavam mais do que tudo.

Com o clima mais leve, Dani foi buscar as compras no carro e abriu as sacolas do mercado, puxando mantimentos e organizando sobre a bancada da cozinha.

Diego também fez suas compras. Ele mostrou ao pai.

— Churrasquinho para iniciar o final de semana? Eu trouxe carne, linguiça, asinha, coração e pão de alho. E achei cerveja gelada.

Celo apoiou as mãos no ombro dele:

— Aprendeu, né? Então vai acender a churrasqueira enquanto eu preparo a carne.

Mari e Daniela começaram a separar as coisas para a farofa, salada e acompanhamentos. Mari pegou a tábua e começou a picar cebola, enquanto Dani separava os temperos. Do lado de fora, Diego se ajeitava para acender a churrasqueira, enquanto Celo, já acertando os cortes, incentivava o filho.

— Bora, moleque — Ele disse, sorrindo, jogando uma linguiça pro lado. — Você cresceu, mas continua fugindo da fumaça da churrasqueira, hein?

Diego riu.

— Tá achando que não sei? — Respondeu, segurando o saco de carvão. — Você só me chamou pra isso porque não quer se sujar, né?

— E quem te ensinou a ser ligeiro desse jeito? — Celo piscou.

Diego gargalhou, colocou o carvão, jogou o álcool, deixou o carvão chupar o líquido, riscou o fósforo e … fogo! A chama subiu, Diego até deu um pulo pra trás.

— Eita! — Ele exclamou. — Tá acesa, velho!

— Isso aí! — Celo deu um tapinha nas costas do filho. — Agora só controlar.

Enquanto isso, Mari mexia a frigideira, dourando a cebola e o alho, e Dani picava cheiro-verde.

— Mãe, lembra daquele dia que a gente resolveu fazer um piquenique na praia e o Diego atropelou o carrinho de milho verde? — Dani começou, segurando o riso.

Mari quase deixou cair a colher de pau.

— Meu Deus, como esquecer? — Ela riu divertida. — Ele tava com aquela suguinha azul ridícula, que eu detestava … seu pai teve que pagar toda a cota diária do vendedor. Entrou areia em tudo.

Dani se dobrava de rir.

— Eu nunca entendi até hoje ... Como ele conseguiu aquela façanha?

Diego ouviu lá de fora e gritou, sem nem virar:

— Tinha uma pipa avoada, caindo. Eu queria pegar. Eu só olhava para cima, nem vi o vendedor vindo com o carrinho.

Celo ria, colocando as carnes na grelha.

— Vocês eram terríveis, viu ... — Comentou, abanando o fogo. — Eu e sua mãe tínhamos que ter uns três pares de olhos para dar conta de vocês dois.

Mari enxugava uma lágrima de riso.

— Nem me fale … E aquela vez que ele resolveu fazer uma “piscina” na sala?

Dani chorava de rir:

— Com saco de lixo e fita adesiva! — Completou. — Ele queria ser Youtuber. Alagou a sala inteira.

— A água escorreu até para a garagem... — Diego balançava a cabeça, rindo. — E a mãe desesperada, gritando “Vocês vão me matar!”.

Celo, segurando a pinça, virou a carne, olhando para os três:

— E eu, segurando a risada, fingindo que tava bravo ... — Sorriu, olhando para Mari. — Mas na verdade, pensando: "Esses dois são a melhor coisa que a gente já fez na vida."

O ambiente estava cheio de amor, de gratidão, de memórias. Mari olhou para os filhos e depois para Celo. E, mesmo que ainda houvesse feridas, mágoas e incertezas, naquele momento, nada parecia mais importante do que estar ali, juntos.

— Sabe ... — Mari quebrou o silêncio. — Eu sei que ainda temos muito o que resolver. Mas ... Obrigada, meus amores. Por serem quem são. Por nos lembrarem do que realmente importa.

Dani largou o que fazia e foi abraçar a mãe.

— A gente ama vocês, mãe.

Diego se aproximou, segurando uma latinha de cerveja, e apertou o ombro do pai.

— E a gente só quer ver vocês bem. Juntos ou separados ... mas bem.

Celo abraçou o filho, olhando em seus olhos.

— Você se tornou um baita homem, moleque. — E logo completou, em tom de brincadeira, olhando para Dani: — E você, mocinha, é muito mais arteira do que parece, hein?

Dani riu, levantando as mãos.

— Culpa da genética. Não posso fazer nada.

E, com cheiro de carne assando, farofa no fogo e gargalhadas no ar, aquela família, mesmo ainda um pouco quebrada, mostrava que o amor era muito mais forte do que qualquer cicatriz.

O almoço foi daqueles de deixar qualquer um feliz. Dani, claro, não perdeu a oportunidade de registrar cada momento. Tirava foto do pai assando a picanha, da mãe mexendo na farofa, dela mesma segurando uma latinha, e até do Diego tentando, sem sucesso, cortar a carne com uma faca sem fio.

— Dá um sorriso, pai! — Dani pediu, apontando o celular.

Celo, segurando a pinça, fez uma cara de “chef de cozinha”, levantando um pedaço de carne suculenta.

— Posta aí, hein. “Churrasco do pai: aprovado!” — Ele brincou.

— Pode deixar — Ela respondeu, já digitando uma legenda divertida.

Mari observava, entre sorrisos e olhares carinhosos, aquele retrato vivo da família. E, por alguns instantes, quase parecia que nada de ruim jamais tivesse acontecido.

— Nossa, como é bom ver vocês assim ... — Ela comentou, mais para si mesma, enquanto ajeitava a mesa.

Depois do almoço, sem pensar duas vezes, decidiram aproveitar o restante da tarde na praia. Era praticamente atravessar o quintal e colocar o pé na areia.

Celo foi buscar a caixa térmica, Diego pegou a bola, Mari arrumou as cangas, e Dani, obviamente, com o celular na mão, já fazia stories:

— E aí, galera ... Fala se não é a melhor decisão que meus pais tomaram? Família reunida! — Ela piscou para o vídeo e virou a câmera para os pais e irmão. — Olha eles ali ... felizes, plenos. — Depois, baixou a voz, rindo. — Por enquanto, né.

A tarde foi só alegria. Diego e Celo começaram uma disputa de altinha, que virou quase guerra, já que nenhum dos dois queria deixar a bola cair. Dani e Mari, deitadas na areia, se divertiam assistindo os dois, e, claro, fazendo vídeos.

— Dani, para de filmar! — Diego gritou, fingindo estar bravo, quando levou um tombo tentando alcançar a bola.

— Isso vai pro TikTok, pode ter certeza! — Ela respondeu, gargalhando.

Depois teve banho de mar, guerra de água, Dani jogando um balde inteiro no irmão, que revidou correndo atrás dela na areia.

— Parece que os adultos sumiram e vocês voltaram a ter dez anos! — Mari comentou, rindo, enquanto ajeitava o chapéu.

— E você acha que eles puxaram a quem? — Celo rebateu, piscando para ela.

O clima, leve e gostoso, permaneceu até o pôr do sol, que foi devidamente registrado por Dani em umas cinquenta fotos, com direito a poses e legendas: “Pôr do sol perfeito, família perfeita (às vezes, rsrs)”.

Celo e Diego ainda pescaram por quase uma hora, sem fisgadas, até o anoitecer.

De volta à casa, tomaram banho, descansaram um pouco e, lá pelas oito da noite, resolveram sair para jantar. Escolheram um restaurante famoso na região, com varanda de frente para o mar, luzes baixas, música ambiente e aquele cheirinho irresistível de comida litorânea.

— Moqueca pra mim — Mari disse, fechando o cardápio. — Daquele jeito, bem caprichada.

— Eu vou de camarão na moranga. — Dani avisou, já tirando uma selfie com a mãe.

Diego olhou o cardápio, coçando o queixo.

— Eu vou querer uma tábua de frutos do mar. Tá com a cara boa.

Celo fechou o cardápio, decidido:

— Eu vou de peixe na brasa. Simples, mas certeiro. E chopp pra todo mundo.

A conversa durante o jantar foi leve, cheia de lembranças, piadas internas, histórias da infância dos gêmeos e dos tempos de faculdade de Mari e Celo, e também de Diego e Daniela. Celo perguntou à filha quando ela iria voltar para terminar o último semestre, ficando sem resposta. Mas não insistiu, sabia que ela era regrada, responsável, e que só estava preocupada, cuidando da mãe. Por algumas horas, parecia que o mundo lá fora, e os problemas familiares, não existiam.

Na volta, Dani bocejou no carro, segurando o celular, mas sem forças para mexer mais.

— Acho que eu tô morta — Disse, rindo, escorando no ombro do irmão. — Praia, comida ... acabou comigo.

— Também tô no limite — Diego respondeu, esticando as pernas.

Assim que chegaram, os dois foram direto para o quarto dos fundos, que tinha duas camas de solteiro.

— Boa noite, velhos! — Diego disse, já jogando o tênis no canto.

— Durmam bem, viu? — Dani falou, soprando um beijo para os pais. — E, ó ... sem brigar hoje, hein. — Ela piscou, marota.

Quando a porta do quarto dos filhos se fechou, sobrou só um quarto. Celo olhou para Mari. Mari olhou para Celo.

— É ... acho que eles estão de armação novamente. — Celo comentou, arqueando a sobrancelha.

Mari cruzou os braços, fingindo uma expressão séria.

— E você sabe que isso não é uma boa ideia, né? Não no momento. Ainda tem muita coisa que a gente precisa …

Celo soltou aquele sorriso meio torto, meio safado, meio nervoso, a interrompendo.

— Definitivamente, não é. — Disse, andando até a bancada da cozinha e puxando uma garrafa de vinho. — Mas ... quem disse que a gente sempre faz boas escolhas?

Ele pegou duas taças, serviu o vinho e, entregando uma pra ela, completou, olhando nos olhos de Mari:

— A gente tem uma última conversa para ter ... antes de qualquer coisa.

Mari respirou fundo, segurou a taça, e respondeu, quase num sussurro:

— Então, bora lá ... Porque se não resolvermos isso agora, eu sei muito bem como essa noite vai terminar.

Eles se sentaram na varanda dos fundos, de frente pro mar, só com o som das ondas, o cheiro de sal e ... aquele desejo incontrolável, ainda segurando as rédeas. Por enquanto.

Celo ligou o rádio, baixinho, e a música envolveu os dois. Aquela música também era especial, pois era o cantor preferido do Celo: Tim Maia. Que, naquela música, “Azul da cor do mar”, inspirada em um pôster de praia que o cantor viu em um quarto onde estava hospedado, a letra expressava um desejo de escapismo e a busca por um paraíso idealizado, representado pela cor azul do mar. Justamente o que Celo procurou, ao se afastar da Mari.

“Ah!

Se o mundo inteiro me pudesse ouvir

Tenho muito pra contar

Dizer que aprendi

Na vida a gente tem que entender

Que um nasce pra sofrer

Enquanto o outro ri

Mas quem sofre sempre tem que procurar

Pelo menos vir achar

Razão para viver

Ver na vida algum motivo pra sonhar

Ter um sonho todo azul

Azul da cor do mar

Mas quem sofre sempre tem que procurar

Pelo menos vir achar

Razão para viver

Ver na vida algum motivo pra sonhar

Ter um sonho todo azul

Azul da cor do mar”.

Naquele momento, nada precisava ser dito, apenas admirado. O céu noturno, as estrelas brilhando, a lua refletindo um tom prateado nas águas do mar, a música que falava direto ao coração …

Palavras eram desnecessárias.

{…}

Enquanto a família desfrutava da noite leve, do vinho na varanda e das risadas no jantar, em outro lugar, a duas horas de distância, a cena era bem diferente.

No quarto de um hotel luxuoso, Jonas estava largado na poltrona, camisa aberta, cabelo bagunçado, olhar perdido e olhos vermelhos. Estava bêbado já, cansado, com raiva. Na mesinha ao seu lado, uma garrafa de whisky quase vazia. No celular, ele rolava, sem parar, os stories que Daniela havia postado durante todo o dia.

Vídeos dos quatro rindo na praia, jogando bola, se molhando, correndo na areia ... fotos dos pratos no restaurante, dos brindes, das caretas que faziam uns para os outros. E no fundo, em quase todas as imagens ... lá estavam eles: Mari e Celo. Sempre juntos. Sempre conectados. Com olhar apaixonado, de quem pertence um ao outro.

Jonas apertou os olhos, levou o copo à boca, virou o restante do whisky de uma vez e jogou o celular no colo, soltando um suspiro pesado, carregado de frustração.

— Isso não ... não pode ser... — Resmungou, balançando a cabeça, como se quisesse negar o que via.

André, sentado no sofá ao lado, observava tudo com cara de poucos amigos. Ele puxou um cigarro, acendeu, e soltou a fumaça, irritado.

— Na moral, Jonas ... — Começou, incapaz de se segurar. — … olha aí. Olha bem. Tá se destruindo ... E pra quê, cara? Você acha mesmo que tinha alguma chance? Eu já te vi passar por isso outras vezes. Você e outras mulheres. O que mudou?

Jonas não respondeu. Só apertava a tela, revendo os vídeos. Num deles, Dani filmava Mari olhando para Celo, o olhar apaixonado, de admiração. Os dois brindando, rindo, e ela legendava:

“Depois de mais de vinte anos, eles ainda são meu casal favorito”.

André bufou, descrente.

— Irmão ... acorda. A Mari tá te usando. Tá mais do que na cara. Sempre foi o Celo. Sempre! — André levantou, gesticulando. — E outra ... a gente não veio pra cá brincar de “romancezinho”. A gente tá aqui pra ganhar dinheiro, Jonas! Dinheiro, porra! Foca, caralho! Nós precisamos disso.

Jonas apertou os olhos, apertou a mandíbula, a respiração ficando pesada, descompassada. A mão tremeu segurando o copo.

André tentou mais uma vez:

— Esquece essa mulher. Olha aí a prova, tá escancarado, irmão! Ela não é sua. Nunca foi. Nunca vai ser. — André apontou para o celular. — Esquece a Mari, porra! Bora focar no que viemos fazer.

— Vai tomar no cu, André! — Jonas explodiu, jogando o copo com tanta força que ele se espatifou na parede, o som seco do vidro quebrando ecoando pelo quarto.

André recuou, levantando as mãos, surpreso, mas sem medo.

— Tá maluco, cara? — Rebateu, irritado. — Vai se destruir por mulher casada? Tá de sacanagem? Acorda, caralho!

Jonas nem respondeu. Só fechou os olhos, jogou a cabeça para trás e respirou fundo, tentando conter o turbilhão na mente.

Mas não conseguiu. Seus pensamentos ficaram pesados, escuros e perigosos. A frustração virou raiva. A rejeição virou obsessão. E naquele exato momento, alguma coisa dentro dele quebrou. O olhar mudou. Era frio, obscuro. Quase sombrio.

Continua …

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Foto de perfil de Ménage LiterárioMénage LiterárioContos: 67Seguidores: 342Seguindo: 37Mensagem Três autoras apaixonadas por literatura erótica. Duas liberais, e uma mente aberta, que adora ver o parquinho pegando fogo.

Comentários

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Muito bom meninas!!! Finalmente uma conversa, uma reflexão, uma mea culpa.

Fazendo uma brincadeira, eu acho que vcs vão receber um joinha p baixo heim...pq a Mari deixou claro o que aconteceu no último capítulo, o pq fez o que fez e aínda com um parte bem cinzenta, que é o que o Lukinha tinha opinado e que nem eu achei que fosse possível...ela fez tudo aquilo pra dar uma chacoada no Celo...E não de importou em "usar" o Jonas. Sem falar nos próprios filhos.

Está conversa TB serviu p pelo menos aliviar do cara toda aquele culpa que jogaram em cima dele. única coisa é deixar o cara se sentir tão culpado e destruído todo esse tempo...ela TB provavelmente ouviu e sentiu "verdades" que podem ter machucado mas feito ela refletir...os dois só perdoarao a si mesmo em primeiro lugar se tiverem consciência dos seus erros e eles próprios se perdoarem antes de perdoar o outro...

Muito bom meninas, um episódio tenso, pesado mas que vcs conseguiram escrever com uma leveza digna de grandes escritores...era isso que eu e muitas pessoas esperávamos...que houvesse uma reflexão DOS DOIS e que muitas mea -verdades fosse desmentidas...agora se vao continuar juntos ou não ou como o Jonas vai causar...ou a cora... é uma outra história...Agora sim, fez sentido RELEVAR o que aconteceu anteriormente.

E esse capítulo mostra exatamente o que eu comecei a falar....o problema não é a opinião (crítica) mas sim o modo como a recebe...e até acho que quem faz essas críticas.

Não houve uma parte da conversa deles que não foi apontada e debatida por mim...e sempre contestado, minimizado, muitas vezes menosprezado...mas enfim...sigo acompanhando e acertei em manter as esperanças...

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Quantas vezes eu te disse que gostávamos do Celo, que ele iria crescer, que não era um bobo?

Agora que já está no texto, posso falar: imagina a culpa, ao descobrir o que a esposa passou e saber que a levou de volta para o ambiente que a traumatizou? Esse trauma já era maior do que o anterior, do que o que a ex-namorada fez com ele, pois é a Mari o verdadeiro amor da vida dele, não aquela outra, que apenas passou.

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Amei esse capítulo e espero que realmente saubam se defender de tudo que ainda vem por ai, pois agora são dois trabalhando para separar eles.

3 estrelas facil.

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Lindo! Lindo! Lindo! Lindo! Lindo!

É disso que eu tô falando!

Final feliz!

O Jonas vai vir? Vai. A Cora vai vir? Vai. Vão atrapalhar? Vão.

Mas o bobalhão aqui acredita no bem e no amor.

É nós contra rapa!

Parabéns, meninas! Nota mil milhões de trilhões!

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Obrigado por postarem em tão pouco tempo entre um capítulo e outro. Esse capítulo valeu pela.roupa suja lavada, cada um assumindo sua culpa. Mas ainda tá faltando aquela trepada na pressão, sem amorzinho, aquela com pegada. A Mari já se soltou com outros 2 homens, mas acho que ainda falta o casal se entregar sem neuras... vamos ver quando as autoras darão

ou não essa foda ao casal.

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Alexandre, não se esqueça que a Mari tem namorado !!!

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Mas o marido não tem prioridade? 🤣🤣🤣

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Segundo o Celo, sim. Segundo a Mari … eu não sei !!!

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Ou dois ligo de uma vez, Jonas e Cora, fogo duplo, chumbo em dobro.

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Agora sim, parece que teremos o vilão clássico que todo grande drama romanceado necessita,

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Excelente capitulo! Até que enfim o casa colocou os pingos nos os,lavaram a roupa suja e estão entrando nos eixos novamente. Agora esse Jonas aí ,sei não 🤔⛈️⛈️⛈️⛈️⚡⚡

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Desta vez foi, tudo foi dito, conforme deveria ser dito, agora resta cuidar delicadamente das feridas para que restem somente leves cicatrizes. Até a confissão da Mari ter tomado a atitude idiota de tentar atingir ao Celo, usando o Jonas, bola fora total, mas mostra que uma mulher apaixonada e se sentindo desprezada é pior que bala perdida.

Minha unica ressalva, seria a minha decepção, como eu voltei a acreditar na possibilidade deles ficarem juntos, eu fiquei na torcida por uma transa épica entre o casal, antes mesmo de chamar os filhos, aproveitando o calor da reconciliação, jogando combustível na chama que havia acabado de reacender,sendo melhor e mais ardente do que a com o Paul, com direito a canguru perneta invertido e mais um pouco, aí sim eles estariam prontos para o mundão, mas eu tive a impressão, principalmente com esse final inesperado, que muita água ainda vai passar por baixo da ponte.

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👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼🥹🥹🥹🥹

Olha o Jonas fazendo besteira!

Mais Drama!

Parabéns meninas

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Eita. Que final de capítulo foi esse? Eu não esperava isso. Mais um ótimo capítulo. Roupa suja lavada... As coisas se endireitando...

Uma observação. Esse Jonas é stalker. Nem conhece a filha direito e foi seguir ne rede social. Será que ela fez isso tudo, sabendo que ele iria ver e quis afastar logo o cara de vez?

Abraços menin@s!!! Vou dar 3 capuccinos. Deu até vontade de tomar um agora. Bjs

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Meninas, com vocês a coisa nunca é fácil, aguardando próximos capítulos.

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Muito bom!! Deviam fazer uma playlist no Spotify com as músicas deste conto

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Ainda não li este capítulo, mas estou comemorando a publicação dele hoje.....vamos ver o que ele nos reserva.

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Tô bom de voltar pras sombras, não gostei nada desse final e tive até um pressentimento ruim.

Parabéns meninas!

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O cara vai dar trabalho. A Cora coral também. Mas acho que "Os Incríveis" dão conta deles... Vai ter sofrimento. Mas eles vão superará o mal.

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Foi mais ou menos o que pensei! Esse Jonas junto com a Cora vão realmente por a prova o amor da Mari e do Celo

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Adorei, mas pelo visto além da cobra da Cora termos mais uma víbora o Jonas. Troço para que Mari e Celo tenham aprendido a se defender.

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⭐⭐⭐

🤩🤩🤩

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Segue o jogo !!

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Simbora!

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