Vi Gustavo ir embora, depois de me falar tudo aquilo. Agora, meus olhos finalmente tinham percebido a realidade.
Eu poderia te-lo deixado ir embora, e me resolver com Lúcia? Poderia, possbilidades existem. Mas esta, não existe pra mim. Que tipo de homem eu seria, se eu simplesmente aceitasse que a minha esposa tivesse transado com outro, simplesmente por algum tipo de curiosidade, capricho, ou até mesmo falta de assistência a minha, o que sinceramente nunca teve.
Eu não queria deixar como exemplo um homem fraco e omisso que simplesmente acha bonito vira esposa que tanto lhe jurou fidelidade se deixar levar e ter a pica de outro homem lhe desfrutando, já vi casos de amigos que inclusive sentem tesão por isso mas eu acho repulsivo e não conseguia ter tesão naquilo, principalmente pela forma como aconteceu. Eu não tinha sangue de barata a esse ponto.
Eu poderia simplesmente ter deixado o Gustavo ir embora, enquanto eu pensava no que fazer, afinal de contas sempre fui contra fazer justiça com as próprias mãos. Mas a situação pedia isso.
— Gustavo... espera. — disse, antes que ele cruzasse o portão com a mochila nas costas.
Ele parou. Se virou devagar. O olhar curioso, talvez até um pouco confiante, como se ainda acreditasse que eu era o idiota que ele manipulava com palavras doces.
— Volta aqui. Só um minuto. Quero te falar uma coisa.
Ele hesitou por um instante, mas voltou. Entramos novamente. A casa estava escura, silenciosa. Os mesmos móveis, as mesmas paredes, mas agora tudo parecia mais sujo. O lar virou palco. A confiança virou cinza.
Me aproximei dele e coloquei as duas mãos sobre seus ombros. Pressionei levemente. Ele franziu o cenho, sem entender.
— Quando a gente chegou aqui, seu avô foi muito legal com a gente. Ele era um homem de caráter.
— Era sim... — ele respondeu, num tom quase emocionado.
— Esse homem, com certeza, te deu uma boa educação. Eu tenho certeza disso. — continuei, fixando meu olhar dentro dos olhos dele.
— Deu... ele fez o melhor que pôde.
Nesse instante, minhas mãos subiram do ombro para o pescoço. Num impulso seco, o empurrei com força contra a parede. O som do baque ecoou no silêncio da casa. O quadro da sala chegou a tremer.
— Henrique, o que...? — Ele disse, assustado.
— Você acha que eu sou idiota, é isso? — minha voz saiu como um rosnado abafado, cheio de ódio. — Acha que eu não percebi? Acha que eu não senti o cheiro dela em você?
Ele arregalou os olhos. Foi pego de surpresa, desarmado. Não sabia claramente o que fazer. Ele tentou argumentar, em vão:
— Que… que cheiro?
— VOCÊ E A MINHA MULHER! — gritei, apertando o pescoço dele, enquanto descarregava a minha fúria ali em meus braços, usando uma força que eu nem mesmo sabia que tinha. — Você era o desgraçado das mensagens. Você seduziu a Lúcia, fingiu ser outra pessoa… e levou ela pro motel. E ainda teve a cara de pau de vir aqui me aconselhar como se fosse meu amigo?
— Henrique, você tá… confundindo as coi... — Disse Gustavo, com dificuldade, tentando se livrar de mim.
— SEU DESGRAÇADO! — Gritei logo em seguida.
O soco foi direto na boca. Não pensei. Não hesitei. Ele cambaleou, acabou caindo no chão. colocou a mão no rosto, e tentou recuar.
— Calma, calma! Por Favor Henrique, eu posso... —
— Você manipulou a mulher que eu amo! Usou do nosso luto, da nossa dor, pra se infiltrar! Você morava aqui, maldito! A gente confiou em você!
Gustavo se viu sem escolha. A verdade estava sendo jogada ali para ele. Ele então se levantou, e me encarou diretamente.
— Quer saber? — ele cuspiu um pouco de sangue, então passou a mão no lábio cortado — Sim, fui eu. EU fiz dela mulher! Coisa que você deixou de fazer há muito tempo!
Aquelas palavras. Aquelas malditas palavras. Foram como óleo em uma fogueira que já ardia por dentro.
— Maldito pivete! —
Avancei sobre ele. O empurrei contra a parede outra vez, e naquele momento, minha visão ficou turva. Eu não era mais eu, um cara pacato, que resolvia as coisas na calma, dialogo. Ele tentou reagir, mas era apenas um garoto, e eu, um homem mais alto, com um físico melhor, graças aos treinos de academia em dias aleatórios — e a minha condição de lutador de jyu-jitsu, antes do casamento.
Levamos a briga para fora de casa, quando eu o joguei no chão, com o olho visivelmente roxo, com o nariz quebrado, sangrando. Eu, quase sem nenhum arranhão, era um massacre que estava sendo iniciado ali.
Ele tentou fugir, mas eu puxei a camiseta dele, rasgando parte da gola. Lá fora, no jardim da frente, a gritaria já chamava atenção dos vizinhos.
— PARA HENRIQUE, VOCÊ VAI MATAR ELE! — Disse o senhor Teobaldo, um outro vizinho nosso.
— EU QUERO MATAR ELE SIM! — eu berrava, fora de mim. — ESSE FILHO DA PUTA COMEU MINHA MULHER!
Os moradores começaram a sair. Alguns homens correram para separar a briga. Mulheres gritavam, crianças choravam. Um dos vizinhos me segurou com força enquanto outros separavam Gustavo.
— ELE É UM LIXO! — gritei. — UM LIXO QUE SEDUZIU MINHA MULHER!
Gustavo acabou sendo segurado por um dos vizinhos, enquanto Henrique exigiu o celular dele desbloqueado para mostrar a prova da traição para todos. Gustavo era tão cara de pau que não tinha apagado as conversas que havia tido com Lúcia por um WhatsApp clonado. Mas a maior surpresa veio ali: não era apenas Lúcia que mantinha conversas com ele, tinha mais outras 4 mulheres do mesmo condomínio que haviam tido não só conversas com Gustavo, mas também troca de carícia, e promessas de sexo em um motel.
Foi aí que a verdade começou a se espalhar por todo o condomínio como um rastilho de pólvora em papel seco. Uma das nossas vizinhas acabou comentando que fez aquilo mesmo.
— Isso… isso aconteceu comigo também… — disse, com a voz trêmula.
Outra a seguiu.
— Eu também… ele mandava mensagens. Me chamava de "estrela da noite".
Quatro mulheres. Quatro confirmações. E nenhuma parecia surpresa com a revelação.
Os maridos começaram a se agitar. Um deles tentou partir pra cima de Gustavo, mas foi contido por dois vizinhos mais fortes. O caos tomou conta. Gritos. Acusações. A verdade se desdobrando em dezenas de versões. O nome dele virou maldição.
E então ele fugiu. Aproveitando o caos que havia se formado, acabou indo embora sem que ninguém percebesse.
Com o rosto inchado e o ego ferido, Gustavo agarrou a mochila e correu para fora do condomínio. Sumiu no escuro. Como um rato.
A polícia foi chamada por um dos vizinhos. Mas a essa altura, ninguém queria mais boletim — queriam vingança.
Foi então que o nome dele ficou jurado no condomínio, e caso ele aparecesse de novo, todos ali iriam querer vingança.
Quando a noite caiu de vez, o condomínio era só um campo de ruínas emocionais.
Voltei pra casa. O lugar parecia ainda mais frio. Mais vazio. Eu entrei no quarto onde eu vivia com Lúcia e ele parecia ser o lugar mais doloroso para se ficar naquele momento.
Sentei no sofá. As mãos sujas de sangue. Os nós dos dedos inchados. O corpo doía, mas a alma... a alma era um buraco. Um silêncio sufocante.
E ela não estava ali.
Lúcia… não havia voltado.
Talvez ainda estivesse no motel. Talvez em algum lugar se sentindo culpada. Ou talvez… nem isso.
Fiquei ali, ouvindo os ecos da vizinhança em colapso, os gritos de maridos revoltados, de mulheres tentando explicar o inexplicável. O mundo parecia queimar, mas eu só conseguia olhar para o chão e me perguntar...
— Onde foi que eu errei?
Mas aí passei a perceber, que não importa onde eu errei. Por mais que algumas vezes eu estivesse cansado demais para dar carinho a ela, como esposa ela deveria entender minha situação.
Nem todos os casais conseguem ser 100% fogoso o tempo todo, infelizmente existem momentos em que a única coisa que queremos é apenas chegar em casa, ter uma boa refeição e dormir abraçado com a sua esposa.
Talvez eu tivesse errado em não ser tão carinhoso com as palavras com ela, já que percebi que ela andava carente demais por carinho e palavras doces, surpresas no meio do dia. Mas isso não importava, ela errou em não ter me procurado e comentar o que sentia falta, ao invés disso ficou aceitando carinhas de um qualquer.
Resolvi ir embora, afinal de contas se eu ficasse mais tempo por lá acabaria fazendo algo que eu poderia me arrepender, e Lúcia deveria ter um tratamento diferente do qual foi tratado Gustavo, não apenas por ela ser mulher, mas também por ainda ser a minha mulher.
Resolvi viajar, para o litoral. Para onde eu planejava passar o natal. Aproveitei que Lúcia não sabia onde era, pois seria uma surpresa, e fui. Deixei um bilhete avisando, e fui.
E agora, o foco mudando para Lúcia.
Eu ainda estava ali. No chão frio daquele quarto de motel.
De joelhos.
De alma vazia.
Meus olhos ardiam, mas eu não sabia se era pelas lágrimas ou pela vergonha.
A pergunta ecoava dentro de mim como um grito abafado:
Por que eu fiz isso?
Fechei os olhos e abracei o próprio corpo, como se pudesse esconder o que tinha acabado de acontecer. Mas não dava. Não tinha como apagar o gosto dele, o toque dele… o que fiz… o que deixei que acontecesse.
— Meu Deus… o que eu fiz com o Henrique? — Falei comigo mesma, enquanto ainda pensava em tudo que aconteceu, e principalmente, em como tinha, a poucos minutos atrás, trepado com Gustavo.
Arrastei meu corpo até o banheiro e abri o chuveiro no mais quente que consegui suportar. Entrei debaixo da água como se ela pudesse me queimar até sumir aquela sujeira.
E então comecei a me esfregar.
Com força. Com raiva.
Passei as mãos nos ombros, nos seios, entre as pernas… como se pudesse arrancar aquilo de mim.
Lavei meu cabelo, lavei cada pedaço do meu corpo mais de uma vez. E ainda assim me sentia imunda.
Imunda de arrependimento.
Imunda de prazer.
Porque foi isso o que mais me doeu: eu gostei.
Mas será que esse gostar valeu a pena? Será que vale a pena tudo isso, por conta de alguns segundos de prazer?
Senti o corpo fraquejar. Me apoiei na parede fria e deslizei até me sentar sob a água, como uma criança indefesa que fez algo terrível e só quer o colo da mãe. Mas eu não queria o colo de ninguém.
Eu queria o perdão do meu marido. Do meu Henrique.
Como ele foi bom comigo...
Sempre tão presente. Sempre tão preocupado. Tão sério com o trabalho, tão responsável, tentando dar a mim e ao nosso futuro filho uma vida estável, digna.
E eu…? Eu destruí tudo.
Tudo por quê?
Carência? Vaidade? Curiosidade?
Não.
Foi egoísmo.
Foi minha incapacidade de enxergar o amor que já estava ali, todos os dias.
O gostar, passou a ser preenchido com uma sensação de culpa e nojo de mim mesma. Arrependimento. Mas já era tarde.
Que isso servisse de lição para não ocorrer mais. Não podia deixar meu Henrique escapar de mim.
Saí do banho, me vesti devagar. Cada peça de roupa parecia pesar como um tijolo. O silêncio no quarto era ensurdecedor. Fiquei ali sentada, encarando o abajur, com a toalha ainda enrolada na cabeça, até que o telefone do quarto tocou.
— Senhora, o tempo da suíte acabou.
Respirei fundo.
— Já estou descendo.
Me lembrei de tomar o remédio para não engravidar. Não queria carregar um filho de um pecado.
Peguei minha bolsa, olhei uma última vez para a cama desfeita e, por um segundo, desejei nunca ter entrado naquele lugar. Apaguei as luzes e fechei a porta com a mesma sensação de quem tranca um caixão.
No caminho de volta, o carro parecia lento. Talvez fosse o peso da culpa.
Mas algo dentro de mim tentou se agarrar à ideia de esperança.
Eu ainda podia tentar consertar.
Assim que cheguei ao centro, entrei em uma loja. Não planejava isso, simplesmente entrei. Os olhos bateram direto em uma gravata vinho, lisa, com um brilho discreto. A cara dele.
— Essa. — falei, quase num sussurro.
Pedi também um cartão de Natal. Quando sentei para escrever ali mesmo na loja, as palavras saíram de uma vez, como um desabafo que meu coração precisava colocar no papel:
“Eu não mereço você.
Às vezes eu posso ser egoísta, mas quero que você saiba que meu amor por você é maior do que tudo.
Eu te amo.”
Dobrei com cuidado, coloquei no envelope e saí.
Na minha cabeça, os planos se organizavam em uma tentativa desesperada de redenção.
Eu faria a janta favorita dele.
O abraçaria como nunca.
Faria amor com ele como se fosse a primeira vez.
E na viagem…
Na viagem eu mostraria que ainda havia salvação pra nós.
Eu não podia voltar no tempo.
Mas podia me ajoelhar no presente e implorar por um futuro.
Mesmo sabendo que o passado já havia batido na porta.
E talvez… já tivesse entrado.
Quando estacionei o carro no condomínio, algo me pareceu estranho.
As pessoas… me olhavam.
Mas não como antes.
Não com simpatia, com os sorrisos sem sal dos vizinhos ou com a curiosidade comum de quem vive perto.
Era diferente. Era pesado.
Havia um grupo de homens próximos à portaria. Um deles me olhou diretamente nos olhos — e virou o rosto como se minha presença fosse tóxica. Outros apenas entraram para dentro de suas casas com as expressões duras, os maxilares cerrados. Nenhuma palavra.
Só silêncio. E julgamento.
A cada passo até a porta de casa, o peso nos ombros aumentava. Uma angústia. Uma ansiedade que começava a tomar forma. Algo estava fora do lugar — e eu ainda não sabia o quê.
Abri a porta. Tudo parecia igual.
A sala intacta. Os móveis como deixei. Nenhum vidro quebrado, nenhuma bagunça aparente.
Mas havia um envelope sobre a mesa. Com meu nome escrito à mão.
Letra dele.
Meus dedos tremiam ao abrir. Meu coração disparou como se quisesse me proteger do que eu estava prestes a ler:
“Eu já sei de tudo.
Sei que você me traiu.
Fui viajar.
Preciso decidir o que vou fazer com você.
Se eu não voltar, é porque não vejo mais motivo para continuar com você.”
As palavras pareciam pesadas demais para o papel.
Meus joelhos falharam. Sentei no sofá como se o chão tivesse sumido sob mim.
— Não… não, não, não…
Subi correndo até o quarto, puxei o armário.
Faltavam roupas.
Algumas camisas, duas calças, a mochila preta de viagem.
Meu coração pulava no peito. Henrique tinha mesmo ido embora.
Ele descobriu. Ele sabe.
— Como?! — gritei sozinha, puxando o cabelo, andando em círculos pela sala.
Tentei ligar para Gustavo. Uma vez. Duas. Três.
Nada.
WhatsApp: “Último visto há 5 horas.”
Foi então que bateram na porta. Levei um susto.
— Quem é?
— Letícia. Sua vizinha. Posso entrar?
Abri, ainda com o rosto molhado de choro. Letícia entrou com uma expressão mista de cansaço e empatia.
— Eu... achei que você devia saber. Sobre o que aconteceu hoje.
— O quê? O que houve?
Ela suspirou fundo.
— O Henrique… ele descobriu. Tudo. Você e o Gustavo. Ele partiu pra cima dele. Teve gritaria, agressão… os seguranças precisaram separar. Foi feio, Lúcia. Muito feio. E depois disso… descobriu-se que você não foi a única.
— Como assim?
— Outras vizinhas também foram assediadas pelo Gustavo. Quatro, pelo que sei, cederam. Eu… — ela hesitou, abaixou os olhos — também cedi. Dois dias atrás. Fomos ao mesmo motel. Eu me senti usada, Lúcia. Enganada. Como se ele tivesse armado tudo só pra se aproveitar.
Minhas mãos gelaram. O chão ameaçou sumir de novo.
Não era só comigo.
— Mas ele parecia… — tentei justificar.
— Bonzinho? Educado? Usava tecnologia pra ajudar? Pois é. Eu também caí nessa. E agora... fui expulsa de casa. Estou indo pra casa dos meus pais. Só passei aqui porque achei que você devia saber. E… que talvez não estivesse tão sozinha quanto pensa.
Ela tocou meu ombro e saiu, deixando a porta entreaberta.
Sentei no chão.
De novo.
Como no motel.
Peguei o celular. Liguei para Henrique.
Nada.
Tentei de novo.
Caixa postal.
Mandei mensagens.
Visualizadas. Não respondidas.
Horas se passaram.
Dias.
Decidi contar aos meus pais. Esperando um abraço. Um consolo.
Mas recebi só frieza e palavras duras.
“Você traiu um bom homem.”
“Colheu o que plantou.”
“Agora aguente.”
Fiquei sozinha.
Em silêncio.
Duas semanas se passaram. Henrique ainda não voltou.
Eu ainda tentava cozinhar pra dois. Dormia do lado esquerdo da cama, como sempre.
Esperava que a campainha tocasse.
Não tocava.
Foi numa manhã comum que senti o enjôo.
Um mal-estar diferente.
Comecei a desconfiar.
Comprei o teste. Mãos trêmulas.
Esperei os dois minutos mais longos da minha vida.
Duas linhas.
Meu coração parou.
O tempo congelou.
Eu estava grávida.
Do Henrique.
Ou…
Fechei os olhos.
Um soluço seco subiu pela garganta.
Agora eu tinha outra pergunta sem resposta.
E, pior, uma vida a caminho, carregando todas as consequências das minhas escolhas.
Estava ali. Duas linhas. Claras. Firmes.
Como duas facas cortando tudo o que eu ainda tentava costurar dentro de mim.
Grávida.
A primeira palavra que ecoou na minha cabeça.
A segunda veio logo depois: e agora?
Sentei no chão do banheiro.
Meus joelhos dobraram sozinhos. O peito, trancado.
"Quem é o pai?", perguntei em voz alta, como se alguma força divina fosse me responder.
Tentei lembrar cada detalhe daquela maldita noite com Gustavo, e então os dias anteriores.
A pílula... eu tinha tomado, tinha sim.
Mas... e se não funcionou?
A única coisa que me impediu de cair em desespero absoluto foi a lembrança do que eu e Henrique fizemos dois dias antes daquela tragédia.
Foi especial.
Foi verdadeiro.
E agora, poderia ter sido o início de uma nova vida.
Esperei mais uma semana. Durante esse tempo, tentei seguir.
Minha mãe me ajudava com o básico, e eu ainda tinha alguma reserva guardada, mas eu sabia que não podia depender disso por muito tempo.
Comecei a procurar emprego, currículo de um lado, desespero do outro.
Até que o exame veio.
Um mês.
Ou seja…
Era dele.
Henrique.
Um soluço travou na minha garganta e a esperança rasgou um canto da escuridão que estava me engolindo.
Escrevi uma última mensagem, dessa vez curta, mas com tudo:
“Henrique, volte pra mim. Me perdoe… se não for por mim, por ele. Ou ela.”
E naquele momento, enquanto estava ali escrevendo para Henrique, ele estava mergulhado em uma profunda tristeza, isolado de todos.
Duas semanas.
Foram só duas semanas, mas parecia que o mundo tinha girado umas dez vezes sem mim.
Acordava tarde, dormia mal. A casa no litoral era simples, boa, mas fria como meu peito.
Caminhava na areia toda tarde.
Tentava pensar.
Às vezes, tentava esquecer.
Quase sempre, fracassava.
O celular vibrava todo dia. Eu via.
Ela mandava mensagens, fotos, até um cartão de Natal e uma gravata.
Fiquei encarando aquele cartão por mais de vinte minutos, lendo a mesma frase:
"Meu amor por você é maior do que tudo."
Amor?
Se aquilo era amor, o que seria traição?
Foi num dia qualquer que o destino decidiu me dar um tapa na cara.
Estava saindo do mercado, perto de onde estava hospedado, quando uma mulher tropeçou em mim.
Assustada. Olhos arregalados. Parecia desesperada. Um homem vinha atrás, puxando a bolsa dela.
Sem pensar, pulei nele.
Era magrelo, não ofereceu resistência. Ele fugiu, largando tudo pra trás.
Ajudei ela a se levantar, ainda ofegante.
— Obrigada... muito obrigada. — disse ela, com lágrimas nos olhos.
— Esses cracudos filhos da puta, atacando moças assim!
— Nossa, muito obrigada! Eu estava apavorada.
— Não precisa agradecer. — Disse a ela. — Você está bem?
— Sim, eu estou. Minha nossa, você é meu herói agora! — Disse ela, que me convidou imediatamente para almoçar, em forma de agradecimento, e eu acabei aceitando.
O nome dela era Clara. Ela e eu passamos a conversar pelo caminho. Pela primeira vez em dias, uma voz que não fosse minha ou da Lúcia.
No restaurante, ela me olhou nos olhos e disse:
— Você parece abatido. Quer conversar?
— Não, obrigado. — Respondi. — Não quero falar de meus problemas.
— Eu entendo. — Ela respondeu em seguida. — Eu estou passando por algumas coisas, sabe?
— Que tipo de coisas?
Ela então, suspirou fundo, e me confessou.
— Eu estava fugindo do bandido porque não posso agora lutar apenas por mim. Eu estou grávida. E meu marido me deixou por outra. — disse. — Ele conheceu uma mulher, se deixou envolver, e foi embora com ela. E nos deixou, eu estou tentando recomeçar a vida.
Clara parecia com uma tristeza nos olhos, que fazia contraste com seus olhos verdes, puros, e seu cabelo castanho claro, sua pele lisa, macia e seu sorriso encantador. Meu Deus, eu estava mesmo reparando em outra mulher?
— Então você sabe exatamente o que eu tô sentindo. — murmurei, respondendo-a e mostrando que sabia a dor que ela passava.
— Como assim?
Foi então que no meio daquele restaurante contei para ela tudo o que aconteceu. Fale sobre Gustavo, sobre Lúcia, sobre todos os nossos problemas, perda de nosso filho e agora a traição.
Ficamos ali por mais de uma hora, conversando, ouvindo conselhos um do outro, as vezes rindo, as vezes em silêncio, e percebendo assim nascer uma conexão absurda entre duas almas remendadas.
Voltei pra casa. O sol começava a se pôr.
Meu celular vibrou de novo.
Mais uma mensagem dela.
“Henrique, volte pra mim. Me perdoe… se não for por mim, por ele. Ou ela.”
Ou ela?
Fiquei parado por alguns segundos.
Ou ela?
Meu coração disparou. Liguei. Não pensei, só liguei.
Ela atendeu soluçando.
— Oi…
— Lúcia… — respirei fundo. — O que você quer? Você não entendeu que eu não quero falar com você? E que história é essa de "ela"?
— Henrique… eu tô grávida. — disse.
— E eu devo comemorar? — minha voz era fria. — Depois de tudo? Já avisou ao pai?
— Não… por favor… ouve. Eu fiz o exame. Já estava grávida antes de tudo acontecer com o… com o Gustavo. Um mês. A data... bate. É seu, Henrique. Só pode ser seu.
Silêncio.
Meu peito se contraiu.
Ela estava me dizendo que o filho era meu. Que, apesar de tudo, havia algo nosso crescendo dentro dela.
Fiquei mudo. Pela primeira vez em muito tempo…
No dia seguinte, acordei com uma decisão clara: eu precisava voltar. Precisava encarar tudo, olhar nos olhos da Lúcia e resolver o que ainda pudesse ser resolvido. Não podia mais fugir de mim mesmo, nem dela.
Quando cheguei ao condomínio, o coração apertado, a encontrei na entrada da casa. Ela veio até mim, hesitante, mas firme.
— Podemos conversar? — ela perguntou, com a voz embargada.
Aceitei o convite silenciosamente, e sentamos no sofá da sala.
Lúcia começou a falar, sem rodeios:
— Eu me deixei levar — confessou com a sua voz trêmula. — Foi culpa minha. Eu deveria ter sido sincera desde o começo, devia ter rejeitado aquelas mensagens. Você era quem me dava carinho, amor... mas você estava tão ocupado... Eu me senti invisível. Quando outro homem me olhou, me desejou, eu senti algo perigoso, algo que me fazia sentir viva... e isso me enganou.
Ouvi tudo com uma mistura de dor e compreensão. Não podia negar que, de certa forma, ela tinha razão.
— Lúcia... — comecei, com a voz firme. — Você foi egoísta, sim. Mas eu também tenho minha culpa nisso. É fácil ser carinhoso quando está conquistando alguém. Depois que o troféu está na mão, a maioria de nós descansa. Eu sabia disso, e acabei me acomodando. Não cuidei de você como deveria.
Ela me interrompeu.
— Mesmo que isso seja verdade, não é justo o que eu fiz com você... Mas, Henrique, eu quero uma nova chance. Eu não quero errar de novo.
Levei as mãos até as dela, senti seu corpo todo tremendo. Segurei suas mãos com força, levei meus lábios aos dela num beijo longo, cheio de tudo que havíamos guardado.
Quando nos separamos, fui sincero.
— Isso é uma despedida, Lúcia. Eu vou fazer parte da sua vida, vou criar nosso filho. Mas não posso continuar com você agora. Não do jeito que estamos.
Ela tentou me segurar.
— Por favor, Henrique, me dá uma chance!
Balancei a cabeça.
— Não posso. Mas se o tempo e o destino quiserem, talvez um dia nos casemos de novo. Se não... ao menos seremos grandes amigos.
Ela me olhou, assustada.
— Tem outra mulher?
— Não — respondi, segurando seu olhar. — Conheci alguém legal, mas não sinto amor por ela. Só amizade.
EPÍLOGO:
Um mês depois, Lúcia assinava o divórcio. A mudança para uma nova casa fora difícil, mas ela sentia a força crescer dentro de si. Encontrou na independência uma nova esperança. Começou a trabalhar como autônoma, redescobrindo seu valor e sua voz.
O tempo passou, e um ano depois, a pequena Isabela, fruto do amor e da dor de Henrique e Lúcia, iluminava as vidas dos dois. Apesar da separação, o que os unia era maior que qualquer distância: o amor por sua filha.
Henrique continuava sua vida, focado no trabalho, não havia encontrado um novo amor, mas uma amizade que estava, talvez, começando a dar frutos. Lúcia tinha começado seu primeiro restaurante na cidade. Apesar de os caminhos dos dois terem tomado rumos diferentes, havia entre eles uma amizade sólida e sincera — um elo inquebrável que a filha deles havia criado.