Eu tinha 23 anos quando entrei na Almeida & Associados, um renomado escritório de advocacia no coração de São Paulo. Meu nome é Lucas. Um cara branco, corpo moldado por anos de academia, cabelo castanho e liso, e um rosto que, segundo alguns, chamava atenção. Mas havia algo que ninguém via — um peso que eu carregava em silêncio. Eu não era assumido. O fato de gostar de homens era um segredo que enterrava fundo, com medo de como o mundo reagiria. Meu foco era a carreira. O direito. Queria provar meu valor naquele ambiente competitivo.
O escritório era puro requinte: paredes de vidro, móveis assinados, uma vista que abraçava a cidade. Foi ali que conheci o Dr. Ricardo Almeida, meu chefe. Aos 55 anos, ele impunha respeito com uma presença quase cinematográfica: um homem negro de quase dois metros de altura, corpo atlético, barba sempre bem aparada e uma voz grave que fazia qualquer um parar para ouvir. Casado com Dona Clara, uma mulher elegante e gentil, ele era o tipo de homem admirado por todos — e, no meu caso, despertava algo que eu lutava para sufocar. No nosso primeiro encontro, quando apertou minha mão com firmeza, um calor subiu pelo meu braço. Mas engoli seco e fingi normalidade. Eu estava ali para trabalhar.
Naquele início, como estagiário, vivia mergulhado em processos, pesquisas e relatórios. Ricardo elogiava meu desempenho com frequência — às vezes com um sorriso, outras com um comentário que fazia meu coração acelerar.
“Você tem futuro, Lucas.”
E eu me agarrava a essas palavras, mesmo quando elas mexiam comigo de um jeito que eu me recusava a admitir. À noite, sozinho no meu apartamento, tentava racionalizar: era só admiração profissional. Nada além disso. Mas as fantasias vinham, inevitáveis. E eu as afogava com culpa e silêncio.
Três anos se passaram. Cresci dentro do escritório, ganhei respeito, e em 2020 conquistei minha carteira da OAB. Aos 26 anos, eu tinha uma carreira promissora pela frente — mas aquele sentimento por Ricardo continuava aceso, como uma chama teimosa que se recusava a apagar. Então veio a pandemia. E tudo mudou.
Com o home office, o escritório esvaziou. E a notícia mais dura veio logo depois: Dona Clara havia contraído Covid-19. Mesmo aos 60 anos, ela parecia forte. Mas o vírus foi cruel. Em poucas semanas, ela faleceu.
Ricardo ficou devastado. Nas videochamadas, sua voz, antes firme e segura, soava agora como um eco de dor. Seus três filhos, todos advogados, vieram de Brasília para o velório. Eu os conhecia apenas de vista, antes do lockdown. Rafael, o mais velho, com 38 anos, tinha o mesmo porte imponente do pai, ombros largos e um olhar intenso. Thiago, com 35, era mais leve, com um sorriso fácil e um charme que cativava. Mateus, o caçula, com 32, carregava nos olhos um brilho inquieto e no corpo a mesma força da família. Todos negros, todos impressionantes. Me peguei observando demais, mas logo me recompus. Não era o momento.
Depois de alguns dias, os filhos voltaram para Brasília, onde gerenciavam as outras unidades do escritório. Ricardo, agora com 58 anos, permaneceu sozinho em seu amplo apartamento no Brooklin. Um lugar de janelas generosas que mostravam toda São Paulo, mas onde o silêncio deixado por Clara parecia tomar conta de tudo. Foi durante uma videochamada comum que ele fez o convite que mudaria a minha rotina — e, talvez, muito mais do que isso.
— Lucas, você tem se saído muito bem. Que tal vir trabalhar aqui em casa em dias alternados? Seria bom ter alguém pra discutir os casos. Esse home office está me deixando louco.
Meu coração disparou. Mantive a compostura.
— Claro, Dr. Ricardo. Seria um prazer.
Por dentro, eu era um misto de entusiasmo e pânico. Trabalhar tão perto dele? No apartamento dele? Era tudo o que eu queria. E tudo o que me assustava.
No primeiro dia, cheguei com as mãos suando. O apartamento era tão grandioso quanto ele: móveis de madeira escura, detalhes em vidro e uma varanda com vista panorâmica. Um silêncio profundo dominava o ambiente — o tipo de silêncio que carrega ausências. Ricardo me recebeu com uma camisa polo que marcava o peito largo e um sorriso discreto.
— Bem-vindo, Lucas. Vamos usar a sala de jantar. É mais confortável.
Passamos a tarde revisando processos, mas eu mal conseguia me concentrar. O perfume dele, misturado ao aroma do café que ele preparava, era uma distração constante. Às vezes, nossos olhares se cruzavam, e eu desviava imediatamente, com medo de revelar demais. Ricardo estava diferente. Mais humano. Talvez mais frágil. Falava de Clara com ternura, mencionava como a casa parecia grande demais sem ela. Eu ouvia com atenção, tentando oferecer apoio, mesmo com o coração batendo descompassado.
Com o tempo, aquilo virou rotina. Ir ao apartamento dele, trabalhar lado a lado, compartilhar café e conversas. Comecei a vê-lo de um jeito novo: descalço, com roupas casuais, rindo de algo na TV ou contando histórias dos filhos. Cada pequeno detalhe alimentava meu desejo — e também a minha cautela. Ele era meu chefe. Viúvo. Heterossexual. E eu? Eu ainda era o Lucas que escondia quem era até de si mesmo.
Mas havia algo no ar. Uma tensão sutil, flutuando entre silêncios e olhares. Quando ele me oferecia café, quando elogiava meu trabalho com aquele olhar demorado, eu sentia um calor no peito que não conseguia explicar. Mas, até então, nada acontecia. Apenas trabalho, café… e uma distância que eu mantinha com unhas e dentes.