Ficar ou não ficar?... - Parte 3

Um conto erótico de Paulinho (Por Mark da Nanda)
Categoria: Heterossexual
Contém 3631 palavras
Data: 19/07/2025 21:36:38

Não me anunciei. Não podia. Minhas pernas tremiam, e minha voz, se eu a encontrasse, seria apenas um grito de raiva ou desespero. Voltei para casa, tropeçando nos próprios pés, a lembrança daquela imagem na varanda queimando em minha mente. Eles se beijaram mesmo? O abraço foi mais que um abraço? Como diria a Joelma, cheia de seus rebolados e quebradas de pescoço, “a lua me traiu” com sua luz fria, ou seria eu mesmo que, com meu ciúme, traía a mim mesmo? Deitei-me na cama, mas o sono não veio. Em vez disso, vinham as imagens: o corpo de Emilinha contra a mureta, os braços de Leonardo, os braços dela, as bocas tão próximas, o beijo que podia não ter sido um beijo. E, pior, o silêncio. O silêncio da varanda, o silêncio da Emilinha, o silêncio do meu próprio coração, que não sabia mais no que acreditar.

[CONTINUANDO]

Acordei no dia seguinte, aliás, pouco ou quase nada dormi, mas na manhãzinha do dia seguinte, a minha resposta estava clara. Bem... não muito. Faltou um pouco de luz para me dar a certeza de que eu vira o que achei que vi, mas vendo ou não vendo, aquilo me machucou demais. Simplesmente uma coisa em mim disse “Basta!”, talvez amor próprio, talvez medo. Fato é que não mais procurei a Emilinha.

No primeiro dia, apenas o silêncio da solidão. No segundo, a dor da decepção comigo mesmo por não ter dado o flagra e desmascarado o casal de safados. No terceiro, Emilinha apareceu ali na porta da minha casa. Eu estava todo borocochô no meu quarto, olhando para uma aranha que tecia a sua teia, quando meu pai entrou pelo lençol pendurado no batente, usado como porta:

- Emilinha tá aí... – Falou com um meio sorriso na boca.

- Aí onde?

- Como onde? Aí fora, uai!

Estranhamente, não tive a menor vontade de recebe-la e meu pai entendeu de imediato que o cisma havia evoluído para uma quase decisão:

- Faz isso não. Se ocê acha que não vai dar certo ou não quer mais namorar a moça, vai lá e fala. Não se esconde feito um covarde, que covarde ocê num é!

Arfei, mas não o contrariei. Levantei-me, coloquei uma camisa, ajeitei os cabelos bagunçados com a mão mesmo e fui até ela. Lá na varandinha, sentada num toco que a gente usava de banquinho, estava a Emilinha, com um trem embrulhado num pano de prato branquinho que tinha um bordado discreto de flor, feito por ela mesma, para esconder um cerzido no tecido. Ela me recebeu com um sorriso. Eu a recebi com silêncio:

- Oi, Paulinho. Eu... Eu tava com saudade docê. – Disse ela, com uma expressão que misturava realmente saudade, mas também algo que me parecia medo: - Pensei que ocê pudesse tá doente e trouxe bolo... de fubá. Fiz do jeitinho que ocê gosta...

Meu pai que apesar de não ser curioso, agora estava ali na porta só fiscalizando o desenrolar daquela novela e vendo a minha apatia, resmungou:

- Vô passá um cafezin procês dois. Bolo sem café, mesmo sendo da Dona Clara, não desce.

- Ara! Fui eu mesma que fiz, Seu Ciro! Com todo carinho... – Retrucou a Emilinha.

- Uai! Bão tamém. – Ele então se virou para mim e disse: - Mulher prendada, fio. Difícil de se encontrar hoje em dia. Senta e conversa.

Olhei na direção dele, meio emburrado e ele insistiu:

- Senta... e... conversa!

Sentei-me num outro toco do lado dela e ela me passou o embrulho. Não posso negar que o cheirinho está bom demais da conta. Era bom o café ficar pronto logo, ou eu seria obrigado a comer aquele trem a seco mesmo. Olhei para a Emilinha e falei:

- Gradecido.

- Por que ocê não foi mais me ver? Tá bravo comigo?

Suspirei profundamente de olhos fechados para não xingá-la. Quando abri os meus olhos, ela me encarava e agora havia medo em seu olhar. Não sei se ela tinha me visto na penumbra há dias atrás, mas algo denunciava que ela sabia que eu sabia de algo que nem mesmo nenhum de nós sabia direito o que era. Quando decidi falar tudo, um cheiro de café dos bons inundou os ares, fazendo até mesmo a Emilinha entoar um mantra bem conhecido: “Huuuummmm!”. Logo, meu pai apontou a cara na porta, chamando a gente para dentro. Emilinha, consciente ou não, convidou meu pai para experimentar seu bolo e vi frustrada a minha chance de falar o que precisava ser dito. Após bebermos e comermos, e conversarmos, aliás, “conversarmos” eles, meu pai e Emilinha, pois eu não sabia mais o que falar, ela disse que precisava ir embora. Meu pai me aconselhou a acompanha-la, pois a noite já tomava os arredores e fui leva-la até a sua casa. Foram quase duzentos passadas, cento e noventa e três para ser mais exato, até chegarmos na maldita varanda da casa dela:

- E Leonardo, já se foi? – Perguntei, olhando para dentro da porta.

- Foi inda ontem. Disse que não deve voltar tão cedo...

- Que pena... para você, né? – Resmunguei, ácido igual a soda cáustica.

- Cê tá estranho, Paulinho. Cê quer falar algo?

Querer eu queria, mas já não sabia se precisava. Achei que não. Talvez tenha sido melhor assim, já não me faria diferença alguma. Como um silêncio dominou a nossa conversa, decidi ir embora. Nessa hora, ela me abraçou com uma força que nem eu mesmo sabia que ela tinha, e doeu, na alma. Eu a abracei também e meus olhos quase suaram. Não sei quanto tempo a gente ficou ali, mas só me dei conta de que era tempo demais, quando notei a presença de Dona Clara e Seu Zé Maria na janela da sala da casa, mais ainda quando a ouvi dizer: “... falando procê que tá errado!” Emilinha entrou logo depois, alertada pela mãe do horário e da Dona Maria que já observava nosso abraço.

A manhã seguinte amanheceu clara, com o sol de Passa-Vinte brilhando com a graça dos inocentes, alheio a tudo o que havia ou não acontecido. Mas para mim, o mundo estava envolto em trevas. Fui à roça ajudar meu pai, mas minha mente estava na varanda, revisitando cada detalhe daquela cena. Eu não queria, mas não conseguia deixar de lembrar do beijo, ou da sombra que me enganava, mas o abraço existiu, esse eu não tinha dúvidas, e não era coisa de primo. Para o meu ciúme não precisava de provas: ele se alimentava de incertezas e o danado tava faminto que só.

Encontrei Emilinha pouco depois do almoço na venda do Seu Zé Formoso. Eu tinha ido comprar banha de porco para fazer comida em casa e ela comprava farinha para Dona Clara. Estava com um vestido leve, o cabelo preso numa bolinha esquisita, depois aprendi que chamava coque frouxo, frouxo como eu, mas que deixava o seu pescoço à mostra, e, Deus me perdoe, mesmo com a raiva que me consumia, ela ainda era a coisa mais bonita que eu vi naquele dia. Mas seus olhos, quando encontraram os meus, hesitaram, como se soubessem que eu carregava uma pergunta que não ousava fazer. Ela ainda brincou:

— Paulinho, tu tá com uma cara que parece que viu assombração! — Disse com um meio sorriso que não chegou aos olhos.

— Tô de boa, Emilinha. — Menti, imitando o jeito de falar dos da cidade grande, coçando a nuca, o gesto que sempre me traía.

— Então tá... – Disse ela, já se preparando para sair.

— Espera, Emilinha, eu... Cê não queria dar uma volta mais tarde? Sei lá, desanuviar um pouco...

Ela concordou, mas havia algo no jeito dela, algo como se quisesse ir, mas ao mesmo tempo fugir de mim. Ou seria minha paranoia, mais uma vez, distorcendo a realidade? Passei o resto do dia inteiro com aquele peso no peito, dividido entre o desejo de confrontá-la e o medo de ouvir uma verdade que me destruiria. A imagem da varanda voltava, insistente, com flashes intercalados, como num filme de um tal bã-bã-bã chamado Rite... Richt... Hit.. Hitchcock. Isso! Ô nomezinho do cão! Então... cada cena sendo cuidadosamente construída para sugerir o pior sem nunca confirmar. A luz da lua, o abraço, o possível beijo, tudo era um suspense que me mantinha preso, incapaz de avançar ou recuar.

Naquela noite, demos uns par de volta na igrejinha e depois pegamos um doce de abóbora na venda do Seu Zé Formoso e fomos até a ponte sobre o rio, como tantas vezes antes. A lua, ainda cheia, iluminava a água com um brilho que parecia zombar da minha inquietação. Emilinha estava quieta, brincando com a ponta dos dedos no doce, o perfume de jasmim lembrando-me de uma promessa que eu temia quebrada. Tentei falar do tempo, da roça, mas minha mente voltava à varanda, àquele vulto que talvez fosse um beijo. Não aguentei mais:

— Emilinha... — Comecei, a voz tremendo como vara verde: — Dias desses, à noite, eu passei pela tua casa e... – Pigarreei, respirei fundo e continuei: - Eu... Eu vi tu e o Léo na varanda. Ele... Ele tava te segurando, te abraçando, te apertando contra a mureta... E vi ocês se... beijando...

Eu não tinha certeza, mas o meu ciúme sim. Falei, mesmo sem saber se devia ter falado. O doce caiu de sua mão, afundando rápido no rio que corria abaixo de nossos pés. Ela parou, os olhos arregalados. Por um instante, pensei que ela fosse rir, depois brigar, discutir, chorar, dizer que eu era louco, que via coisas onde não havia. Mas ela não fez nada. Seus olhos baixaram e suas mãos apertaram o vestido com força, como se tentassem segurar algo que escapava:

— Tu tava me espiando, Paulinho? — Perguntou, com um tom que misturava surpresa e uma sombra que eu temia ser culpa: — Como tu pode pensar uma coisa dessas? O Léo é meu primo! A gente tava só conversando, abraçados, mas como família.

— Tá falando que eu me enganei, é isso? — Minha voz saiu mais alta do que eu queria: — Eu vi, Emilinha! Vi ele te segurando, vi os rostos de vocês tão perto que... que... era um beijo. Eu vi! Fala a verdade, por favor. Tu tá com ele? Tu gosta dele? Tu quer ir embora com ele?

Ela me encarou, e, pela primeira vez, vi um lampejo de raiva em seus olhos, mas também algo mais, algo que parecia medo:

— Um beijo? Tu tá louco, Paulinho? — Retrucou, a voz tremendo: — Tu acha que eu sou o quê? Uma qualquer que se joga nos braços do primeiro que aparece? O Léo tava me consolando, só isso. Eu tava triste, pensando na vida e ele, como primo, me abraçou. Não tinha nada de errado nisso!

— Consolando? — Insisti, o ciúme queimando como brasa: — E por que tu precisava de consolo? Por que ele tava tão perto, te apertando contra a mureta? Por que a varanda tava no escuro, Emilinha?

Ela deu um passo para trás, como se eu a tivesse ferido. Seus olhos brilhavam, mas não sei se era de lágrimas ou de raiva:

— Tu não confia em mim, Paulinho. — Disse ela, a voz baixa, quase um sussurro: — Se tu acha que eu sou capaz de te trair com meu próprio primo, então talvez a gente não tenha mais nada pra conversar.

Ela virou as costas e foi embora, deixando-me ali, à beira do rio, com o eco das suas palavras e o peso da minha própria paranoia. A lua, testemunha cruel, agora parecia rir de mim, jogando sua luz sobre a água como se quisesse me mostrar o fundo do rio, coisa que ela não fez naquele dia:

- Brigado, viu!? Sua fidumaégua... – Resmunguei, atirando uma pedra em sua direção.

Os dias que se seguiram foram um tormento ainda maior, onde cada detalhe parecia carregado de significado, mas nenhum oferecia resposta. Emilinha se afastou, mas não como quer ir de verdade, deixando uma porta entreaberta, só que sem convidar a entrar. Nos primeiros dias, ela mal olhava na minha direção. Depois, passou a olhar com uma ponta de curiosidade. Depois, parecia saudade. Ela passou então a me cumprimentar na praça, sorria, mas era um sorriso meio triste, sem o calor de antes.

Leonardo, realmente partira para Belo Horizonte com seus amigos em seu jipe reluzente. Na venda do Seu Zé Formoso, ouvi que ele prometera voltar só no próximo ano, mas sua ausência não trouxe paz. Pelo contrário, deixou um vazio maior, como se, sem ele por perto, eu não tivesse mais um inimigo claro para culpar. O inimigo agora era minha própria cabeça, que repetia, sem parar, a cena da varanda, agora em embate com as palavras da Emilinha na ponte sobre o rio que corta nossa cidade.

Fui ao meu pai, como sempre, em busca de consolo. Ele estava no quintal, chupando uma ponkan, olhando o alto do morro com aquele olhar que parecia enxergar além dos que os olhos podem ver:

— Pai, acho que fiz besteira...

Ele me encarou, curioso, cuspindo longe uma semente:

- Engravidou a Emilinha?

- O que!? Não...

- Desonrou a Emilinha?

- Não, pai.

- Então, desembucha!

- Eu... Eu vi uma coisa... ou acho que vi. — Desabafei, a voz meio embargada: — A Emilinha e o Léo, na varanda, no escuro. Ele tava segurando ela, pai, tão perto, abraçado mesmo, prensando ela na mureta... Não era coisa de primo, pai, não pode ser! E eles tavam tão perto, mas tão perto que... era um beijo. Eu sei que era... Ela falei pra ela e ela jurou que não, mas eu... eu... Ara! Já não sei mais no que acreditar.

- Cê viu ou acha que viu?

- Eu vi! Eles estavam na sombra da varanda e a luz da lua não tava boa, mas eu vi. Eu sei que vi...

Seu Ciro parou, me ofereceu alguns gomos da ponkan e voltou a comer os que ficaram com ele. O silêncio parecia o meu destino novamente, mas após mastigar o segundo gomo e cuspir as sementes, ele me olhou, com uma mistura de pena e ironia, como se minha dor fosse uma velha conhecida:

— Paulinho, tu tá deixando esse ciúme te comer vivo. — Disse ele, limpando as mãos na calça de brim: — A lua engana, menino, e o coração... Nu! Muito mais ainda. Se tu viu, fala pra ela, uai. Se ela negar, ou tu acredita nela, ou tu deixa ela ir. Mas ficar nesse “vi, ou será que não”, não pode, fio. Não pode...

— Mas e se ela tá mentindo, pai? — Insisti, o desespero tomando conta: — E se ela gostar dele e tá só me enrolando?

Seu Ciro enfiou o último gomo de ponkan na boca, mastigou, engoliu com semente e tudo, deu uma risada seca, e falou:

— Já te falei, Paulinho. Mulher é rio. Tu acha que conhece, mas o fundo? O fundo ninguém vê. E às vezes, menino, o fundo é só escuridão. Se tu quiser saber a verdade, vai ter que mergulhar, mas cuidado, porque a chance de se afogar é grande.

As palavras dele, como sempre, eram mais enigma que resposta. Mas ele tinha razão: eu precisava mergulhar, precisava enfrentar Emilinha, precisava saber. Mas como?

O suspense se intensificou numa tarde, na venda do Seu Zé Formoso, quando ouvi um comentário que jogou mais lenha na minha paranoia. O menino Juca, com sua língua afiada, contava que Leonardo, antes de partir, tinha dado um presente a Emilinha: um colar de ouro com um pingente de coração que tinha uma foto dele dentro que alguém disse para um primo de um vizinho da sua tia que morava fora que a Emilinha usava escondido sob o vestido. A ideia de que ela escondia algo de mim, algo dado por ele, me doeu ainda mais.

Fui até a casa dela naquela mesma noite, com o coração batendo parecendo a fanfarra da escolinha. Encontrei-a na varanda, sozinha, olhando para os morros com uma expressão que misturava saudade e algo que eu temia ser culpa. A lua agora minguava, mal iluminando o seu rosto, e eu vi, ou pensei ter visto, o brilho de um cordão sob o decote do vestido. Ao me ver, ela sorriu, mas murchou logo depois:

— Emilinha, que história é essa de que tu tá usando um colar que o Léo te deu? — Perguntei, sem rodeios, a voz tremendo de raiva e medo.

Ela piscou, surpresa, levando as mãos instintivamente a tocar a parte de cima de seus peitos. Por um instante, seus olhos desviaram dos meus e essa hesitação foi como uma confissão:

— Quem te contou isso? — Perguntou, com um tom que parecia mais defensivo que curioso.

— Não importa. É verdade?

Ela suspirou e, com um gesto lento, puxou do decote um cordão fino, brilhoso, com um pequeno pingente em forma de coração, que brilhou ainda mais como uma confissão:

— Ele me deu antes de ir embora. — Disse ela, a voz baixa, quase um sussurro: — Falou que era pra me lembrar da família, de como a gente era unido quando criança. Não é nada demais, Paulinho.

— Nada demais? — Minha voz saiu como um trovão. — Então por que tu esconde? Por que tu não me contou? Por que tem uma foto dele aí? E por que, Emilinha, por que ele te abraçou daquele jeito na varanda, no escuro, como se... como se fosse... como se fosse o teu namorado?

Ela me encarou, boquiaberta, os olhos brilhando de raiva, ou medo, ou as duas coisas:

— Essa história de novo, Paulinho? Tu tá vendo chifre em cabeça de cavalo! — Retrucou, a voz tremendo: — Eu já te disse, a gente tava conversando, só isso. O colar é só um presente, e o abraço... o abraço... era só um abraço! Tu quer me transformar numa criminosa por causa da tua cabeça doente!

— Minha cabeça doente? — Gritei, incapaz de me conter: — Eu vi, Emilinha! Vi ele te apertando contra a mureta, vi os rostos de vocês colados, tão perto que só podia ser um beijo! Não minta pra mim!

Ela ficou em silêncio, o rosto pálido, os olhos fixos nos meus. Por um instante, pensei que ela fosse confessar, que fosse admitir que o vulto na varanda era a prova da minha desgraça. Mas ela apenas balançou a cabeça, com um misto de tristeza e cansaço. Sua mãe, atraída pelos meus gritos, saiu para ver o que acontecia. Olhou para a Emilinha que fez um gesto com a mão de que estava tudo bem e disse:

— Tu tá louco, Paulinho. — Disse ela, quase sussurrando: — E tá me perdendo por causa disso.

Ela entrou em casa, sem sequer se despedir de mim. Dona Clara me encarou em silêncio por alguns instantes e me aconselhou a ir embora, que ela iria conversar com a Emilinha e poderíamos conversar com calma no outro dia. Antes de eu sair, porém, ela disse:

- Cuidado, Paulinho, que nem tudo que a gente vê é verdade, mas nem tudo que a gente não vê é mentira.

Bem, não conversamos no outro dia, nem nos próximos, nem na próxima semana, nem um mês depois. Os dias se seguiram como um suspense sem fim, como um filme onde o vilão é a própria mente do protagonista.

Emilinha e eu não chegamos a terminar, mas também não estávamos mais juntos. Era uma coisa nossa, uma união frágil, como uma corda esticada que podia romper a qualquer momento. Só depois de passado um mês, ela veio me procurar e, pela primeira vez, confessou algo:

- Então, ocês estavam mesmo abraçados?

- Sim. – Disse baixinho.

- Abraço de namorado?

- Não era pra mim, mas a minha mãe disse que também não parecia coisa de primo.

- Sua mãe!?

- É. Ela disse que já vinha notando um olhar enviesado do Léo pra cima de mim e ela tava com medo de que ele tivesse tentando fazer a gente se estranhar.

- Conseguiu.

- É. Parece que sim...

- E o beijo?

Ela suspirou profundamente e fechou os olhos por um instante:

- Eu não sei se ele me beijou, porque... Cê pode não acreditar, mas eu não me lembro direito do que aconteceu naquela noite. A gente estava conversando, bem próximo mesmo, abraçados... - Ela se calou, olhando preocupada para mim, os dedos ainda próximos ao pescoço, como se buscassem algo perdido: - Então me deu um branco. Quando voltei a mim, a gente estava conversando de novo, bem de perto. Depois, um dos amigos dele o chamou, e ele entrou. É isso.

Eu queria acreditar. Eu estava tentando confiar, tentando apagar da mente a varanda, o colar, o beijo que não foi beijo ou foi beijo, mas o ciúme me corroía. Então, à beira do rio, sob a mesma lua que testemunhara tantas promessas frágeis, eu fiz a pergunta final:

— Emilinha, tu jura, pela tua mãe, pelo teu pai, que nunca aconteceu nada entre tu e o Léo?

Ela me olhou, os olhos cheios de uma tristeza que eu não entendia. Por um instante, pensei que ela fosse dizer algo, confessar ou negar de uma vez por todas. Mas ela apenas segurou minha mão, com força, e disse:

— Paulinho, o amor é um trem danado de complicado. Eu te amo, amo mais do que eu mesma imaginava. Tu não sabe como eu sofri esses dias longe docê. Mas cê precisa decidir se isso é suficiente, porque eu não posso viver com um homem que não confia em mim.

Suas palavras eram um desafio, mas também uma súplica, e eu, pobre tolo, me vi tocado por um sentimento que ainda ardia no meu peito. Mas, pelo menos, vi que no peito dela, em volta do pescoço, o colar com o pingente já não mais repousava e talvez isso pudesse ser o meu alento.

OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, E OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL SÃO MERA COINCIDÊNCIA.

FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DOS AUTORES, SOB AS PENAS DA LEI.

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Foto de perfil de Mark da NandaMark da NandaContos: 293Seguidores: 682Seguindo: 26Mensagem Apenas alguém fascinado pela arte literária e apaixonado pela vida, suas possibilidades e surpresas. Liberal ou não, seja bem vindo. Comentários? Tragam! Mas o respeito deverá pautar sempre a conduta de todos, leitores, autores, comentaristas e visitantes. Forte abraço.

Comentários

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Como eu disse, a dúvida vai persistir por toda a vida, a Emilinha é caipirinha, é novinha, é inexperiente, mas sabe manipular como mulher vivida. Paulinho se tu a ama de verdade, aceita que dói menos ou ajuda a bichinha a partir pro mundão, só ela ou juntos.

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Conto muito bom, mas vai ficar nessa angustia? Nem a menina sabe o que quer. E dizer que deu branco sem bebida ou droga é demais.

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Eita Paulinho Querido , estou torcendo demais da conta por Ti , mas pra cada lado que vc vai tem 2 seguranças te olhando rs

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