O cheiro de café forte me puxou da cama antes mesmo do sol tomar conta da casa. Desci com o cabelo ainda úmido, a camiseta larga no corpo. Na cozinha, os sons familiares de talheres, xícaras batendo na mesa e vozes ainda sonolentas preenchiam o ambiente.
Eu mal tinha dado dois goles no café quando ouvi a voz de Rafael na porta.
— Bom dia, povo bonito.
Ele entrou com aquele sorriso que parecia já ensaiado. Aquele tipo de cara que chega tomando o espaço e todo mundo deixa.
— Senta aqui, Rafael! — disse Marlene, puxando uma cadeira.
Ele aceitou, mas seus olhos não procuravam café, nem pão. Procuravam os meus. E encontraram.
Se aproximou e, sem a menor cerimônia, me deu um beijo na bochecha. Um estalo rápido, quente demais praquela hora da manhã. Sorri meio sem jeito. Foi impossível não notar o movimento seco na ponta da mesa.
— Tão cedo, Rafa, caiu da cama? – Bárbara riu após a pergunta.
— Vim pra uma missão especial – soltou me olhando.
Francisco empurrou o banco com força, sem terminar de comer.
— Vou ver os cavalos.
Saiu sem olhar pra ninguém. Nem pra mim.
O silêncio que ficou depois da saída dele incomodou mais do que eu esperava. Uma parte de mim queria correr atrás. A outra... nem sabia direito o que tava sentindo.
— Já montou a cavalo alguma vez, Samuel? — perguntou Rafael, com aquele ar de convite e sensualidade.
— Nunca. Nem sei por onde começa.
— Melhor ainda. Vai ser mais divertido. A vista aqui em volta é bonita demais. Posso te mostrar umas trilhas tranquilas.
Hesitei. Queria aceitar. Mas minha cabeça... tava no estábulo.
— Eu topo. Só vou trocar de roupa.
Mas em vez de subir, dei a volta na casa, seguindo o caminho de terra batida até os fundos. O cheiro de feno e couro me avisou que tava perto. E lá estava ele. Agachado, de costas, ajeitando a pata de um dos cavalos com um foco que parecia forçado.
— Achei que fosse dar uma volta com a gente. — falei, encostado na lateral da porta.
— Tenho trabalho. — respondeu, sem nem virar.
— E a coxa? Ainda doendo?
— Nem estava doendo tanto assim.
Ficamos alguns segundos só com o som dos cavalos resfolegando. Eu observando ele. E ele, fingindo que não me via.
— Francisco... ontem à noite... — Aquilo tudo... foi só impressão minha?
Ele se levantou devagar. Os olhos fugiram dos meus. Não disse nada. Pegou um balde, virou-se para o bebedouro dos cavalos e começou a encher sem pressa.
Silêncio.
E eu ali, esperando qualquer coisa. Uma palavra. Um gesto.
Mas ele seguiu calado.
Então eu tentei forçar um sorriso, meio sem jeito.
— Achei que a gente tinha, sei lá... parecia que tinha alguma coisa ali.
Francisco apenas ajeitou o chapéu, respirou fundo e limpou a mão num pano pendurado no gancho da cela.
— Você tem um cara lá fora te esperando com sorriso de novela e cavalo selado.
— E você aqui dentro, com essa cara de poucos amigos depois do clima que rolou ontem.
Me aproximei, devagar.
— Se não se importa... por que tá assim?
Francisco virou, por fim.
Os olhos dele prenderam os meus. Mas ainda assim, nada. Nenhuma resposta.
Só aquele olhar.
— Tá tudo certo, Samuel. Não rolou nada, nenhum clima — foi o que ele disse, seco. Mas a voz traiu. Baixa demais, firme demais.
Voltei pra casa sem saber ao certo o que esperar do resto do dia. Rafael ainda me aguardava do lado de fora, brincando com um pedaço de capim entre os dentes, encostado na varanda com uma pose que parecia tirada de filme. Tinha um ar leve, como se nada pesasse no mundo.
— Pronto pro seu batismo de sela? — ele brincou.
— Pronto não, mas vamo assim mesmo.
Montar foi uma comédia. Rafael tentava disfarçar o riso cada vez que eu me desequilibrava, mas não era de maldade. Ele era leve com tudo, até com a gozação. Depois de alguns minutos, estávamos cavalgando devagar pelo campo aberto. O sol já ia alto, o vento batia forte, e a paisagem parecia outra — menos hostil, mais viva. Talvez fosse o efeito de sair um pouco de dentro da minha própria cabeça.
Seguimos por uma trilha de terra fina, margeando uma cerca coberta de musgo. Rafael apontava árvores, ria de histórias antigas, contava causos de infância com um sotaque que aparecia mais quando se empolgava. Em algum momento, descemos dos cavalos pra descansar à sombra de um angico.
E foi ali.
O silêncio se instalou de novo, mas era outro tipo de silêncio. Um silêncio sem peso, sem culpa. Só o canto de uns passarinhos e o farfalhar das folhas.
— Cê parece mais tranquilo agora. — ele disse, me olhando de lado.
— Eu sou tranquilo, só estou um pouco agitado, o silêncio perturba mais que o barulho.
— Posso tentar te acalmar?
Ele se aproximou devagar, as mãos grandes segurando meu rosto com gentileza. Era diferente. Não tinha urgência, só vontade. O beijo veio calmo, quente, com gosto de mato e liberdade. E por alguns instantes, deixei tudo se apagar: o quarto da noite anterior, o silêncio do estábulo, o olhar do Francisco.
Foi um beijo gostoso, eu sentia o cheiro doce da sua pele se misturando com o ar quente. Seu pau pulsava dentro da calça e eu podia sentir pela pressão que nossos corpos estavam.
Ele tentou elevar o clima além do beijo, seus dedos apertaram a minha bunda, estava gostoso, pouco vento no rosto, o cheiro do seu corpo ia ficando cada vez mais evidente a medida em que a gente se beijava.
Foi estranho, mas gostoso, chupei ele ali mesmo. Sua rola macia, não era grande, então deslizava com facilidade pela minha garganta. Assim que gozou, Rafael me beijou novamente e falou o quanto queria me levar pra um jantar na cidade.
Quando voltamos pra casa, o sol já estava mais baixo. Os cavalos cansados, e eu também.
Na entrada da casa, Francisco estava sentado na varanda, estava limpando algo, o chapéu fazendo sombra no rosto, mas não o suficiente pra esconder a expressão.
Não disse nada. Só nos observou enquanto desmontávamos.
Rafael foi o primeiro a falar.
— Vou entrar e pegar uma água. O passeio rendeu, hein?
— Rendeu. — respondi.
Assim que ele sumiu pela porta da cozinha, ouvi o pigarro de Francisco.
— Cavalgou muito?
A pergunta veio seca, envenenada de ironia, como se ele tivesse ensaiado aquilo desde que me viu montado no cavalo.
Virei devagar, sem abaixar o olhar.
— Só o suficiente.
Ele franziu o cenho, como se esperasse outra coisa. Talvez uma desculpa. Talvez que eu me desmanchasse de novo tentando entender o que ele sentia sem coragem de dizer.
— Dá pra ver – ele me segurou antes de eu passar pela porta – está tudo bem?
— Tá tudo certo, Francisco. — repeti, com a mesma frieza que ele usou comigo no estábulo.
E entrei, deixando ele parado ali, com os olhos queimando em silêncio, como se finalmente entendesse o gosto amargo que era ser deixado sem resposta.
Dentro de casa, Rafael falava alguma coisa sobre as éguas novas do pasto de cima, mas eu mal ouvia. Meus pensamentos ainda estavam na porta, onde deixei Francisco com aquele olhar que eu não soube decifrar. Não era raiva. Ou pelo menos, não só. Tinha mágoa ali. Um tipo de mágoa que não se grita, só se carrega.
— Samuel? — Rafael chamou, estendendo um copo d’água pra mim. — Tá tudo bem?
— Tá sim. — forcei um sorriso. — Foi só o sol. Acho que desidratei a paciência.
Ele riu e mudou de assunto com naturalidade, como quem entende a hora de não forçar. A conversa seguiu, mas por dentro eu estava inquieto. Sentia o peso do que não foi dito no estábulo, o toque interrompido da noite passada, a pergunta que Francisco não teve coragem de responder — e agora, esse indiferença disfarçada de ironia. Ele não era bom com palavras. Eu já sabia. Mas o silêncio dele gritava.
Depois do almoço, Rafael disse que ia até a cidade resolver umas coisas e perguntou se eu queria ir junto. Recusei com educação. Precisava de ar. E precisava pensar.
Fiquei na varanda um tempo, vendo o vaivém dos cavalos no cercado, o barulho do vento nos varais, os sons da fazenda que antes me pareciam ruído e agora pareciam memória.
Lá no fundo do terreno, vi Francisco se afastando a pé, sem camisa, com o chapéu baixo na cabeça. Caminhava lento, como quem carrega um peso por dentro.
Esperei alguns minutos. Não consegui resistir. Peguei o chapéu que Rafael tinha me emprestado e fui atrás.
Segui pelo caminho entre as cercas, o chão batido sob as botas, o cheiro forte da terra. Quando cheguei perto do riacho, ele tava completamente nu, peito peludo, ombros largos e a pele bronzeada. Francisco mergulhou e sumiu do meu campo de visão, aparecendo segundos depois.
Ele se banhou esfregando a rola sem medo de ser visto e com a certeza de que tem um corpo lindo e uma pica que faz inveja a qualquer homem que ousasse aparecer ali.
Nos dias seguintes, tudo ficou ainda mais estranho.
Francisco não me evitava completamente, mas parecia… mais contido. À mesa, falava pouco. Passava por mim e só dizia o essencial. E quando nossos olhos se encontravam por acidente, ele desviava rápido, como se aquilo o queimasse por dentro.
Ele ficava ainda mais estranho quando Rafael aparecia e me convidava pra fazer algo ou vinha para passar um tempo, que sempre acabava em amassos escondidos ou uma mamada.
Marlene percebeu a estranheza. Até comentou, meio em tom de brincadeira:
— O doutor anda com a cara mais fechada que cerca mal feita
Eu sorri e desconversei. Como explicar o que nem eu sabia ao certo?
A verdade é que, depois daquilo, eu esperava algo. Não uma jura de amor, nem um pedido de desculpas. Só… presença. Um sinal de que ele também sentiu. Mas em vez disso, recebi silêncio e distância. Como se o corpo dele tivesse ido mais longe do que a cabeça conseguia acompanhar.
Tentei manter a rotina. Ajudava no que podia, era terapêutico, conversava com os outros funcionários, ria com Dona Marlene na cozinha. Mas a ausência de Francisco começou a virar uma sombra. Ele estava lá, mas não estava. E isso me doía mais do que se ele tivesse simplesmente sumido.
Em uma das noites, Bárbara estava com o Diego no quarto e eu fiquei sentado no sofá. Ouvi o barulho de um carro e fui até a janela, era uma mulher bonita, estava de saia e uma blusa bem decotada e justa. Eles foram na direção do estábulo.
Fiquei um tempo ali no sofá pensando em quem ela era e o que estavam fazendo, não quis admitir, mas estava com ciúmes.
Fui atrás.
Ele estava fodendo ela. Os peitos estavam pra fora da blusa, ele chupava com força enquanto metia na buceta dela com vontade. Francisco havia apoiado ela em cima de umas caixas na lateral do estábulo onde estava com baixa iluminação.
Eu fiquei ali, parado, olhando ele foder ela.
Pude ouvir parte do gemido dela falando que estava ardendo, que estava grossa demais. Ela tentou beijá-lo, mas não conseguiu.
— pronto, você já teve o que queria, agora some daqui e não volta mais — ele falou assim que terminou de socar dentro dela.
— Você é tão gentil, Francisco, tão duro quanto seu pau — soltou debochada — Deixa que eu jogo a camisinha fora
— Mariana, não sou idiota, você queria que eu te comesse uma última vez e eu te fodi, então cumpre a sua parte, some da minha vida e para de se meter nos meus negócios – rosnou pra ela, que ajeitou a roupa.
— Quem é a vadia que está fazendo a sua cabeça? Você ficava maluco me comendo e hoje foi tão frio
— Você é casada, seu marido é um grande cliente meu e isso já durou tempo demais, me deixa quieto e vai viver teu casamento – ela saiu andando em direção a frente da casa.
Eu fiquei ali achando que não dava pra ninguém me ver.
Mas ele me viu.
Mesmo na escuridão, os olhos dele encontraram os meus por um instante que pareceu uma eternidade. Não parou. Não recuou. Só manteve o olhar, fixo, duro.
Voltei pra cama com o estômago revirado, mas não era ciúmes. Era… frustração. Um tipo estranho de raiva e pena ao mesmo tempo. Ele podia se esconder ali, no corpo de outra pessoa, mas não ia fugir de si mesmo pra sempre, não depois que eu percebi o que o meu toque lhe causou.