Parte 1.
Luiza despertou bem cedo naquela segunda-feira, ainda antes do despertador. O céu do lado de fora tinha aquele tom azul pálido de um amanhecer limpo. O corpo, no entanto, carregava uma inquietação boa, um frio na barriga que se escondia sob a rotina.
Levantou-se e foi direto pro banho, já com um objetivo em mente: o treino com Vanessa, a personal, não poderia ser desculpa para não estar impecável hoje. Abriu o chuveiro, sentiu a água morna correr pelo corpo e preparou a chuca com todo o capricho, se limpando completamente, reforçando o cuidado. Queria estar absolutamente preparada para o que viesse.
Depois do banho, diante do espelho do banheiro, Luiza pegou a lâmina de depilar e passou delicadamente pelas regiões que poderiam apresentar algum pelo. Inspecionava a pele lisa com as pontas dos dedos, buscando qualquer imperfeição. Nada escapava.
Logo em seguida, os cremes: um hidratante de aroma leve nas pernas, nos braços, no pescoço, e um perfume suave, escondido sob a roupa que ainda nem tinha vestido.
Escolheu uma calcinha preta de rendas finas, que abraçava o quadril de forma delicada, e por cima a roupa masculina de sempre para o trabalho: calça social, camisa ajustada no corpo. A combinação era um segredo íntimo: por fora, o homem esperado pela empresa; por baixo, a mulher que desejava ser.
Luiza já estava quase pronta pra sair, ajeitando o cabelo no espelho, quando parou por um instante. Pensou na mãe, na irmã... já fazia mais de uma semana sem falar com elas. Suspirou, pegou o celular e, antes de sair, resolveu ligar.
— Deixa eu falar com o povo antes que reclamem... — murmurou sozinha, encostando no sofá enquanto chamava.
O celular tocou algumas vezes até ser atendido com a voz animada de sua irmã Sabrina.
— Olha só quem resolveu lembrar que tem família! — brincou, com um sorriso na voz. — Menino, já tava achando que tinha ficado metido aí em Curitiba.
Luiz riu baixo, ajeitando o celular no ouvido.
— Ah, deixa de drama... tô ligando, né? Saudade também, Sabrina
— Hum... saudade nada, hein... — provocou, mas logo emendou com um tom mais íntimo. — Me diz aí... tá de calcinha agora ou não?
Luiz quase engasgou do outro lado, o rosto esquentando no ato.
— Sabrina! — reclamou, em voz baixa, espiando ao redor como se alguém pudesse ouvi-lo. — Para com isso...
— Que foi, menino? — ela riu, satisfeita. — Tô perguntando ué. Vai que... né? Vai que virou uniforme. Você acha que eu esqueci aquela vez? Eu te conheço, Luizinho. Já devia ter vindo pro nosso time há muito tempo.
— Você não presta mesmo... — murmurou ele, sem conter um sorriso sem graça. — Para de falar essas coisas.
— Eu só falo verdades — ela devolveu, divertida. — Mas fica tranquilo... segredo de irmã, tá? Eu te amo de qualquer jeito. Só não posso perder a chance de te provocar.
Luiz respirou fundo, rindo abafado.
— Deixa eu falar com a mãe antes que tu invente mais coisa.
— Tá bom, tá bom... já passo pra ela. Mas ó, qualquer dia a gente volta nesse assunto, viu? Uma hora cê vai ter que assumir que nasceu do lado errado da prateleira! — disse com uma gargalhada.
Antes que ele retrucasse, ouviu a irmã chamando a mãe no fundo da casa.
A voz de Marta surgiu calma e carinhosa do outro lado:
— Meu filho... que saudade, menino. Tá tudo bem com você?
— Tá sim, mãe... tudo tranquilo. Tava só com saudade mesmo — respondeu, a voz mais baixa, aconchegado no sofá.
— Que bom, meu filho. A gente aqui sempre rezando por você, viu? Se cuida, hein? Não vai se perder aí por essas bandas!
— Pode deixar, mãe... tô firme. Qualquer coisa eu ligo de novo, tá?
— Tá bom, meu amor. Fica com Deus.
Antes de desligar, Luiz ainda ouviu, ao fundo, Sabrina gritar, debochada:
— Manda beijo pra minha irmãzinha!
Ele riu sozinho, balançando a cabeça, e encerrou a chamada com um sorriso discreto no rosto.
Parte 2.
Sabrina puxou a cadeira da cozinha com um gesto rápido, já colocando o pote de manteiga no centro da mesa. Estava de short jeans e uma camiseta folgada, o cabelo preso de qualquer jeito num coque improvisado. Do outro lado, Marta mexia o café na caneca, atenta ao barulho da colher contra a cerâmica.
— Ele tá com a voz mais doce, né? — comentou Sabrina com um meio sorriso, sem erguer muito o olhar enquanto passava manteiga no pão. — Sempre que fala contigo, fica assim... mais macio.
— Marta respondeu com um sorriso leve. — Tá bem, disse que o trabalho novo tá melhor, o salário também.
Sabrina riu de canto, ajeitando a xícara. — E você fica aí fingindo, né mãe?
— Fingindo o quê? — Marta arqueou a sobrancelha, já sabendo o que viria.
— Mãe... pelo amor de Deus. — Sabrina deu uma mordida no pão, falou meio de boca cheia. — O Luiz não engana ninguém. A senhora sabe tão bem quanto eu. Só finge que ele é macho pra não deixar ele envergonhado. A senhora já viu ele com calcinha, eu também já vi! E fica nessa de fingir...
Marta respirou fundo, com um meio sorriso paciente.
— Eu vi, sim. E não falei nada porque não queria magoar. Ele já devia estar com vergonha o suficiente sendo flagrado. — Deu um gole no café. — Mas ele é meu filho, minha filha, o que for... é sangue meu. Deus sabe o que faz, e o destino vai encaminhar ele no tempo certo.
Sabrina revirou os olhos com carinho, mordendo mais um pedaço do pão.
— Porra... por que não se assume logo, né? Eu não teria paciência. Se eu fosse ele, já tava montada, com peito, cabelo... tudo! — Deu um risinho provocador.
— Cada um tem seu tempo, Sabrina. E se for pra acontecer, vai acontecer.
— É... — Sabrina resmungou. — Inclusive, se ele estivesse aqui, ia me ajudar com meu casamento. Adora essas coisas de decoração, vestido... essas frescurinhas de mulher que ele ama fingir que não gosta.
— O casamento tá te deixando doida — Marta brincou.
— Doida e sem paciência! — Sabrina apontou o pão pra mãe. — E o noivo não ajuda, só reclama que tá caro. Se Luiz estivesse aqui, eu já ia botar ele pra organizar tudo. Ele ia amar.
Marta sorriu, passando a mão de leve no cabelo já grisalho.
— Um dia ele volta pra perto... quem sabe até casando também — disse em tom de brincadeira, mas com um olhar distante, pensativa.
Sabrina riu alto.
— Ah, casando... mas do lado da noiva! — e deu mais uma mordida, satisfeita com a própria provocação.
As duas riram juntas, o café da manhã seguindo leve e íntimo, como toda manhã de mãe e filha que se conhecem até pelos silêncios.
Parte 3.
Já no Uber, Luiz mandou mensagem rápida pra Vanessa:
"Bom dia, Vanessa! Me enrolei um pouco hoje cedo, não vou conseguir treinar agora. Mais tarde vejo se consigo repor à noite. Bjs!"
A resposta veio quase imediata:
"Ok, lindinha! Depois combinamos. 🌸😉"
Luiz sorriu de canto, mas logo lembrou do que Vanessa sempre dizia sobre o treino noturno: cheio de homens, clima pesado... não era o que mais queria. Suspirou.
"Depois eu vejo isso..." — murmurou, enquanto o Uber chegava ao escritório bem antes do habitual.
[ CONTINUA....]
Obrigada aos comentários. Bjss 💋 💋 💋.