O quarto ainda estava mergulhado na penumbra quando Juliana despertou. A pele, marcada por pequenas mordidas, vermelhidões e arranhões, era um mapa silencioso da noite anterior. O corpo todo doía — mas era uma dor boa, morna, que lembrava prazer e entrega.
Sofia estava ali, deitada de lado, observando-a em silêncio. Os olhos dela tinham aquele brilho doce e cheio de desejo que vinha depois, quando o sexo já passara e só restava o afeto cru.
— Dormiste bem, minha boneca? — sussurrou ela, a voz rouca de sono.
Juliana sorriu, ainda meio perdida nos lençóis amarrotados.
— Como um anjo... bem fodido.
Sofia riu, arrastando-se para mais perto, o corpo colando-se ao dela com ternura. Beijou-lhe a testa e passou os dedos pelo vinil ainda mal tirado — só puxado para o lado durante o sono, como se o desejo tivesse ficado ali à espera.
— Estás linda assim. Cansada, usada, feliz.
Juliana virou-se de barriga para cima, sentindo-se vista, desejada. Uma mão de Sofia pousou sobre o ventre dela, e ficaram ali um tempo, só respirando juntas, envolvidas numa bolha de calor.
— Sabes o que me apetecia hoje? — disse Sofia, com os olhos semicerrados. — Um jantar bonito. À beira-mar. Com vinho, boa música... e contigo. Com ela.
— Com a Juliana?
Sofia assentiu.
— Não em versão completa — disse, com um sorriso cúmplice. — Mas quero ver-te lá fora, no mundo, a brilhares. Uma saia. Uma blusa leve. Um toque de batom. Nada óbvio. Só o suficiente para te sentires... verdadeira.
Juliana hesitou. O medo apertou-lhe o peito — medo do olhar dos outros, da rejeição, da desconexão entre como se via e como o mundo podia reagir.
Mas quando olhou para Sofia, viu nos olhos dela uma âncora. Um espelho melhor do que qualquer outro.
— Eu quero.
— Então vais ter. E eu vou estar ao teu lado.
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Mais tarde, no jantar
O restaurante era pequeno, discreto, com mesas de madeira à beira-mar e velas acesas a tremeluzirem com o vento leve da noite. Juliana chegou de mão dada com Sofia, vestindo uma saia de linho bege que batia acima do joelho, uma blusa branca de alças finas, e sandálias baixas. O toque final: um batom nude com brilho, sobrancelhas levemente desenhadas, e o cabelo solto — a peruca escolhida era castanha clara, com movimento natural.
Ninguém olhava diretamente. Ou se o faziam, não importava.
Sofia não tirava os olhos dela. A cada gole de vinho, a mão tocava-lhe a coxa por baixo da mesa. A conversa fluía leve, cúmplice, cheia de sorrisos e toques subtis.
— Estás linda. Estás… tu. — disse Sofia, entrelaçando os dedos nos dela.
Juliana olhou em volta. Sentia o coração bater forte — mas não de medo. Era outra coisa. Uma espécie de orgulho tímido. De liberdade a dar os primeiros passos.
— Nunca pensei que isto fosse possível.
— O segredo não é esconder — disse Sofia. — É escolher quando, onde e com quem partilhas a tua verdade. E hoje, estás a partilhar com o mundo… um bocadinho de Juliana.
A música ao longe era suave. O vinho estava bom. E quando o prato chegou, Sofia pousou o guardanapo no colo e murmurou, com um sorriso malandro:
— Depois, quero ver se essa saia sobe tão fácil quanto imagino.
Juliana riu, corada, mas firme.
— Só se fores meiguinha… Senhora.
E sob a luz das velas, com o mar sussurrando ali perto, Sofia ergueu o copo num brinde silencioso.
À liberdade. À coragem. E ao prazer de ser — inteira.